Atrium

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Dr. DOUGLAS LINHARES TINOCO  17 de outubro de 1934 

01 de junho de 2009

O Dr. Douglas Linhares Tinoco era potiguar, graduado em Medicina pela Universidade de Brasília. Como médico cardiologista, trabalhou no serviço médico do Senado Federal até o dia de sua aposentadoria. Nos últimos dez anos, driblou um tumor originado de restos embrionários do mesonefro, que primeiro atingiu seu rim direito e depois o esquerdo. Mesmo sabendo da inexorabilidade de sua doença, continuou trabalhando na clínica Biocárdios, ao lado do Dr. Geniberto Campos e de seus colegas, até o dia em que lhe faltaram as forças para concluir o atendimento ao seu último paciente. No exercício da Medicina, Dr. Douglas primava pela cordialidade e interesse genuíno pelos mínimos detalhes das queixas de seus pacientes. Diante de seus amigos, transmitia otimismo enquanto irradiava verdadeiro amor pelo conhecimento. Ao longo de mais de uma década, manteve um programa de atendimento à saúde dos garis, visando particularmente à identificação dos chagásicos e à adequação da capacidade física para o tipo de trabalho exercido. Sentia enorme felicidade na atividade de atendimento àqueles que se dedicam a esta nossa linda cidade e sua qualidade de vida. Isso era evidenciado na forma de cuidado e atenção ao gari, quando seu conhecimento científico conduzia à explicação sobre o que se passava com a saúde de seu paciente. Dr. Douglas


confidenciava afetuosamente: “Eles são os nossos atletas do lixo”. Sem receber qualquer incentivo material, jamais o vi desanimado diante das dificuldades e da escassez. Quando o caso exigia exames complementares, remetia o paciente ao Hospital Universitário, onde ele mesmo provia condições para o exame necessário. Continuou a atender muitos garis nos hospitais onde trabalhava e em seu consultório. Dizia que esta era uma parte da vida profissional que fazia com alegria e que lhe dava verdadeira felicidade. Dr. Douglas soube adicionar mais motivação a sua vida. Na última visita que lhe fiz, semanas antes da despedida, ele estava radiante. Falou sobre sua origem potiguar e sobre sua migração para o Rio de Janeiro, de onde buscou a aventura da nova Capital em construção. Trabalhou no Hospital de Base, recém-inaugurado, onde foi líder sindical. Inteligente e estudioso, ingressou na Universidade de Brasília e fez parte da primeira turma de médicos aqui formados. Com desenvoltura, mencionou seus amigos, a quem dedicava admiração e respeito. Dr. Douglas era um esteta da vida, zelando carinhosamente pelas amizades, pelos ideais do humanismo e pela sua família. Ao deixar seu nicho sublime, a esposa Janete e filhos, ele se transformou em saudade. Seus companheiros choram sua ausência.

Antônio Teixeira médico e amigo


APRESENTAÇÃO

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Desde os primórdios da sua criação, a Clínica Biocárdios definiu como seu objetivo essencial propiciar aos seus pacientes assistência médica cardiológica e em áreas afins de alta qualidade. Com essa finalidade, recrutou profissionais de elevado padrão técnico-científico e adquiriu tecnologia médica de ponta, reunidos num espaço físico amplo e aconchegante. Cumprido esse objetivo, a etapa imediata foi criar condições para o pleno funcionamento de um programa de educação médica continuada, através do Centro de Estudos Douglas Linhares Tinoco. Nossas reuniões clínicas semanais tornaram-se, nesses últimos anos, um marco de referência nas atividades médico-científicas de Brasília, acolhendo a participação de profissionais do DF e de outros estados brasileiros na busca permanente de atualização profissional e ampliando os horizontes do debate científico. Atrium – Cadernos de Atualização em Medicina Cardiovascular representa alguns momentos marcantes desses eventos científicos, preservando a linguagem coloquial dos expositores convidados e os cânones científicos, essenciais na comunicação médica de alto nível. Atrium assume formato que julgamos o mais adequado para iniciarmos esse novo modo de comunicação científica e temos a expectativa de receber as críticas e as sugestões pertinentes ao aperfeiçoamento desse modelo.


PREFテ,IO

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O CONHECIMENTO MÉDICO E SÍSIFO A Medicina é a aplicação de todo o conhecimento humano a favor da vida. Qualquer que seja a inovação ou descoberta que apareça e que possa ter aplicação ao ser humano, independente da área em que surgiu, passa a fazer parte da Medicina. Portanto, em momentos de crescimento exponencial do conhecimento humano, o manter atualizado e saber o que incorporar à prática médica torna-se um desafio que cada vez mais exige tempo e soluções criativas. O interesse e a preocupação de manter-se pari pasu com as mais novas evidências cria em qualquer instituição médica um ambiente e uma quase necessidade de criação de conhecimento novo – que por sua vez otimiza e incorpora mais rapidamente as novas evidencias. É esta alimentação reciprocamente positiva de atualização médica e criação de novos conhecimentos que, em última analise, diferencia as instituições médicas na qualidade dos seus serviços. Desde a criação do Biocárdios, são promovidas reuniões de discussão de casos e atualização. No último ano, um grande esforço e investimento foi feito para iniciar a etapa da geração do conhecimento com a criação da coorte de octogenários, que visa a estudar como a doença cardíaca se manifesta em pessoas com mais de 80 anos, fechando o ciclo virtuoso do conhecimento médico. Atrium é a materialização criativa da importância que a clínica Biocárdios dá ao aperfeiçoamento do conhecimento medico, que, como o mito de Sísifo, nunca termina. Dr. Wladimir Magalhães de Freitas Diretor Científico do Biocárdios - Instituto de Cardiologia 9


SUMÁRIO

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FUNÇÃO ENDOTELIAL: ATIVAÇÃO PELA REATIVIDADE BRAQUIAL Dra. Simone Nascimento dos Santos TEMA Dr. Lucas

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TROMBOSE VENOSA PROFUNDA: O QUE HÁ DE NOVO? 28 Dr. Leonardo Pires de Sá Nóbrega Dr. Alcides José Araújo Ribeiro BETABLOQUEADORES NA TERAPÊUTICA CARDIOVASCULAR Dr. Augusto Dê Marco Martins DOENÇAS DO COLÁGENO E CARDIOPATIAS Dr. Daniel França Vasconcelos

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SISTEMA RENINA-ANGIOTENSINA E DOENÇAS CARDIOVASCULARES 64 Dr. Francisco

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FUNÇÃO ENDOTELIAL: ATIVAÇÃO PELA REATIVIDADE BRAQUIAL Dra. Simone Nascimento dos Santos Especialista em Cardiologia e Ecocardiografia pela Sociedade Brasileira de Cardiologia Especialista em Ecografia Vascular pelo Colégio Brasileiro de Radiologia Pós-graduação em Pesquisa Clínica pela Mayo Clinic - EUA


Sabe-se que a doença cardiovascular é a principal causa de mortalidade em todo o mundo, tanto para homens quanto para mulheres, sendo superior a mortalidade por câncer, acidentes, doenças respiratórias e diabetes. Dentre as doenças cardiovasculares, a doença coronariana (DAC) e o acidente vascular cerebral são os grandes responsáveis pela maioria dessas mortes (1). A aterosclerose inicia-se em estágios muito precoces na vida. É possível a observação macroscópica do depósito de estriais gordurosas na parede arterial de crianças obesas com quatro anos de idade. Evolutivamente ocorre deposição de colesterol, fibroblastos, cálcio associado a um processo inflamatório, até o surgimento da placa complicada. A manifestação clínica é normalmente tardia, quando há fissuras, ulcerações ou trombogênese associada a placa. Hoje em dia, quando tratamos as manifestações clínicas e as lesões de órgão-alvo, estamos atuamos somente na terapêutica, ou seja, na ponta do iceberg. Toda a parte do iceberg que está “sob a água” não é levada em consideração. E como podemos modificar esse fato? A grande resposta é: avaliando os fatores de risco e a “saúde arterial”. Este é um novo conceito que recentemente está sendo introduzido, onde a avaliação da função endotelial entra como uma metodologia sensível ainda que nos estágios iniciais da evolução da aterosclerose. A avaliação da “saúde arterial” pode ser feita de forma não invasiva, por meio de ressonância das placas, tomografia de cálcio coronária ou ainda pela tonometria arterial. A tonometria é uma técnica relativamente recente, que vem evoluindo bastante no últimos anos, onde avalia-se a rigidez da parede arterial através da propagação da onda de pulso. Com a instalação dos fatores de risco cardiovascular, como por exemplo a hipertensão arterial sistêmica (HAS), Diabetes mellitus, tabagismo, dislipidemia e obesidade, atuando 13


na parede arterial normal, ocorre inicialmente uma disfunção endotelial, que já pode ser acessada pela técnica da reatividade braquial, através da medida da dilatação fluxo-mediada (DFM). Após essa disfunção endotelial sistêmica e generalizada, com a persistência ou associação de fatores de risco, pode ocorrer uma disfunção endotelial regional acentuada, com modificações locais. Nesse momento além da avaliação da função endotelial pela DFM, pode-se lançar mão da medida da espessura médiointimal das artérias carótidas, pela presença de alterações localizadas. A evolução desse processo leva ao crescimento de lesões na parede vascular, ou seja, a instalação da placa aterosclerótica. Persistindo o risco, há um aumento da vulnerabilidade de placa e ruptura. E é somente nessa fase que atuamos com técnicas de caracterização de placa como a angiografia ou ultrassom intracoronário (3). Little e col. (2), em um estudo publicado em 1988, avaliaram pacientes com infarto agudo do miocárdio, mostrando que apenas 20% apresentavam angina de longa data e,em cerca de 50%, o IAM foi a primeira manifestação de DAC. Esse estudo demostrou ainda que o IAM se desenvolve, com muita frequência, a partir de lesões previamente não severas. Um mês antes do IAM, 66% das lesões tinham <50% de obstrução, e 97% das lesões eram <70%. Nesta época já acreditavase que existia alguma “alteração generalizada” que levava à ruptura de uma placa, sem causar oclusão da artéria ou obstrução importante. É neste momento que nos voltamos para o estudo do endotélio. O endotélio é um elemento que recobre a parede dos vasos, sendo considerado o maior órgão do corpo humano, pesando cerca de 2kg, aproximadamente o peso do fígado, e, se totalmente extendido, cobre aproximadamente o equivalente a duas quadras de basquete. O endotélio é considerado um órgão porque é capaz de produzir e também é alvo de 14


substâncias, além de interagir com outros órgãos. O endotélio tem várias ações muito bem estudadas e definidas: por exemplo na resposta imune, na proliferação de células musculares lisas, na adesão de monócitos durante o processo inflamatório, na trombólise e hemostasia e na reatividade vascular – ou seja, a vasodilatação é dependente da função endotelial e da produção de radicais livres. O Dr. Robert Furchgott e sua equipe foram os primeiros a publicar, em 1980 na Nature o que chamou de fator relaxante do endotélio, produzido pelo endotélio saudável. Seis anos mais tarde eles descobriram que se tratava do óxido nítrico (ON), um mediador importante da vasodilatação endotélio-dependente. Uma redução da disponibilidade do ON tem efeitos proinflamatórios, protrombóticos e promove alterações vasculares estruturais, por causar migração e proliferação de células musculares lisas. O Dr. Robert Furchgott demostrou que alguns agentes atuam em receptores na superfície da célula endotelial normal, ativando o influxo de cálcio, o que ativa a enzima óxido nítrico sintetase, uma oxigenase, que usa L-arginina como cossubstrato para produção do ON. O ON se difunde para as células musculares lisas da artéria, onde ativa a guanil ciclase, resultando em um aumento do GMP cíclico, iniciando o processo de relaxamento do vaso. A descrição desse mecanismo lhe rendeu o prêmio Nobel de Fisiologia e Medicina em 1998 (4). Portanto, a perda de reatividade do vaso ocorre quando o endotélio e as células musculares lisas são incapazes de responder aos estímulos químicos e físicos do lumen arterial. Essa é a base da disfunção endotelial. Hoje sabe-se que a disfunção endotelial está presente em todos os estágios da aterosclerose, mas é uma das primeiras alterações, sendo detectada em estágios precoces da doença. São vários os fatores associados a disfunção endotelial, 15


por exemplo, sendetarismo, obesidade, apnéia do sono, sexo masculino, HAS, diabetes, insuficiência cardíaca, história familiar de doença arterial coronária, homocisteína, proteína C-reativa, idade avançada, dentre muitas outras associações (5-12). Parece que se trata de é uma via de mão dupla onde disfunção endotelial leva a doença cardiovascular e viceversa. Em um trabalho da Universidade de Pisa, na Itália, foram estudados 30 indivíduos saudáveis, filhos de pais normotensos e 34 com pelo menos um dos pais portador de HAS. Os indivíduos foram cuidadosamente pareados quanto a idade, sexo, peso, PA e dosagens laboratoriais. A vasodilatação endotélio-dependente foi avaliada por pletismografia e injeção intra-arterial de acetilcolina. Nos indivíduos com história familiar de HAS, a vasodilatação endotélio-dependente foi significantemente menor. E mais, injetando-se também de forma intra-arterial, a L-arginina, substrato para produção do óxido nítrico, a função endotelial desse grupo de pacientes melhorava, quando comparada a apenas injeção de acetilcolina (13). Esses achados sugerem fortemente que pode existir uma biodisponibilidade reduzida da L-arginina em pacientes que tenham predisposição a desenvolver HAS, levando a disfunção endotelial e HAS como consequência. Em 2007, o grupo do Dr. Yang, de Melbourne, identificou um novo polimorfismo funcionalmente relevante no transporte da L-arginina, que é duas vezes mais frequente em indivíduos hipertensos do que em indivíduos normotensos, dando mais suporte ao conceito de que a produção reduzida de ON pelo endotélio poderia predispor ao desenvolvimento da HAS (14). Em relação à DAC, Clarkson e col estudaram 50 indivíduos saudáveis, parentes em primeiro grau de pacientes com DAC, e 50 controles mostrando melhor função endotelial destes, de 16


forma não invasiva, através da técnica de reatividade braquial (15). Quando falamaos em implicações prognósticas, vários trabalhos mostram que a disfunção endotelial é um fator preditor independente de evento cardiovascular (16-25). Alguns estudos também já demostraram a resposta da função endotelial a intervenções como, por exemplo, exercícios aeróbicos regulares, uso de inibidores da enzima conversora de angiotensina, amlodipina, carvedilol e estatinas. Os estudos com diuréticos, bloqueadores dos canais de cálcio e betabloqueadores da primeira geração não foram positivos nesse sentido. O RECIFE-trial comparou pravastatina versus placebo, por 6 semanas, após a síndrome coronariana aguda, mostrando, além da redução dos níveis de colesterol, uma significante melhora da vasodilatação fluxo-mediada nos pacientes que usaram pravastatina (26). Como avaliamos portanto, de forma não invasiva, fácil e de ótima reprodutibiliade, a função endotelial? Pela técnica da reativiadade braquial, através da avaliação da DFM na artéria braquial por ultra-sonografia de alta resolução, segundo as orientações “International Brachial Artery Reactivity Task Force” (27). Os exames devem ser realizados sempre no início da manhã, em sala com controle de luminosidade e temperatura. Os pacientes deverão estar em jejum, sem medicações vasoativas por 24 horas, evitar o período menstrual para as mulheres, e nas 24 horas anteriores ao exame não fazer exercícios, não ingerir alimentos com cafeína, alto teor de gordura ou vitamina C e não fumar. O paciente permanece em repouso por 10 minutos até o início do exame, imagnes da artéria braquial serão obtidas e o fluxo sanguíneo é analisado pelo doppler pulsado. A hiperemia reativa (DFM) é induzida pela insuflação de manguito no antebraço esquerdo, 50mmHg acima da pressão arterial sistólica do paciente. Após cinco minutos, a pressão do manguito 17


é liberada e a variação do fluxo local registrada nos primeiros 15 segundos da hiperemia reativa e as imagens bidimensionais durante os dois minutos seguintes (Figura). Calcula-se a média dos diâmetros de cada fase (D1 e D2) e a DFM é obtida pela formula: DFM= D2-D1/D1, expressa em percentual.

Essa é dilatação fluxo mediada, que também é chamada de dilatação endotélio dependente, só é normal se o endotélio estiver produzindo ON suficiente. Com o paciente novamente em repouso por dez minutos, é fornecido o nitrato exógeno, que pode ser nitroglicerina sublingual ou nitrato sublingual. Depois avalia-se se ocorre a dilatação endotélio independente. Isso é importante para mostrar que, com o nitrato exógeno, o endotélio responde. Em resumo, a disfunção endotelial é uma desordem sistê18


mica e é um elemento crítico na patogênese da aterosclerose e suas complicações. Existem evidências crescentes que sugerem que os fatores de risco conhecidos não são os únicos determinantes da função endotelial. A integridade do endotélio depende de um balanço entre todos os fatores de risco conhecidos ou novos fatores de risco e elementos protetores individuais. Devido a um importante papel da disfunção endotelial no desenvolvimento da progressão da aterosclerose, o endotélio pode ser um órgão-alvo de tratamento dessa patologia. Para isso, precisamos de ferramentas de diagnóstico apuradas, não invasivas, reprodutivas e de fácil realização. A reatividade braquial é uma forte candidata para ocupar esse espaço, e já existem centros que utilizam essa técnica na prática clínica diária.

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1. 2002 Heart and Stroke Update. American Heart Association 2. Little et al Circulation 1988;78:1157-66 3. Barth et al Am J Cardiol 2001;87(suppl):8A-14A 4. Furchgott et al Nature 1980;288:373-6 5. Celermajer et al J Am Coll Cardiol 1994;24:1468-74 6. Katz et al J Am Coll Cardiol 1992;19(5):918-25 7. Celermajer et al Circulation 1993;88:2149-55 8. Zeiher et al Circulation 1995;92:1468-74 9. Clarkson et al J Am Coll Cardiol 1999;33(5):1379-85 10. Lambert et al Cardiosvasc Res 1999;42:743-51 11. Kato et al Circulation 2000;102(21):2607-10 12. Chan et al J Am Coll Cardiol 2001;38(7):1814-20 13. Taddei S et al. Circulation 1996; 94:1298-1303 14. Yang Z et al. Circulation 2007 115:1269-1274 15. Clarkson et al Circulation 1997;96(10):3378-83 16. Neunteufl TR et al. Am J Cardiol 2000;86:207–10. 17. Gokce N et al Circulation 2002;105:1567–72. 18. Modenamg et al J Am Coll Cardiol 2002;40:505–10. 19. Gokce N et al. J Am Coll Cardiol 2003;41:1769 –75. 20. Brevetti G et al Circulation 2003;108:2093– 8. 21. Chan SY et al J Am Coll Cardiol 2003;42:1037– 43. 22. Fathi R et al. J Am Coll Cardiol 2004;43:616 –23. 23. Frick M et al. J Am Coll Cardiol 2005;46:1006 –10. 24. Meyer B et al. J Am Coll Cardiol 2005;46:1011– 8. 25. Katz SD et al. Circulation 2005;111:310 – 4. 26. Dupuis J et al Circulation;99:3227-33 1999 27. Corretti M.C. et al J Am Coll Cardiol, 2002. 39(2): p. 257-65. 20


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TEMA Dr. Lucas Currículo


A estratificação da doença coronariana é ainda um mistério na cardiologia e causa muitas surpresas pela alta prevalência de infarto em pacientes com probabilidade intermediária e em pacientes previamente assintomáticos. É importante a estratificação desses pacientes e, seguindo a abordagem em etapas, uma estratificação não invasiva, inicialmente. Para se diagnosticar a insuficiência coronariana, é fundamental que se pesem o risco e o benefício de cada técnica e como ela pode ajudar na condução dos casos – e o clínico é o responsável por essa balança O diagnóstico da doença coronariana obedece a uma cascata, a famosa cascata isquêmica, na qual devemos sempre buscar estar precoces. A dor seria o sintoma final dessa cascata, que é a manifestação clínica. O eletro é um pouco mais precoce; o eco avalia a parte de dissinergia, de mobilidade segmentar; e a cintilografia, a perfusão, o cateterismo e a angiotomografia, a parte anatômica, que seria a lesão propriamente dita. É necessário enfatizar que a anatomia, do ponto de vista coronário, é diferente da funcionalidade. A imagem passa por um momento de renascimento: começou com imagens feias, depois o ecocardiograma teve o boom, surgiram os defeitos de perfusão e agora estamos na era da angiotomografia, que traz quadros realmente belíssimos, mas cuja real utilidade na prática clínica precisa ser validada ainda. Esse tipo de exame substitui exames anteriores, talvez não tão belos plasticamente, mas que já têm base científica suficiente para dar informações diagnósticas e prognósticas que possam conduzir o paciente. Portanto, é necessário um critério adequado para adoção de um exame no objetivo dessa investigação, a fim de reduzir custos no sistema de saúde, reduzir riscos ao paciente, aumentar a segurança e seguir regras de organismos reguladores. Há várias recomendações do FDA (órgão de controle de medicamentos dos EUA) e do Conselho de Energia Nucle23


ar Europeu que já sinalizam esse sentido. A imagem cardíaca sofre um paradoxo do “muito”: há um excesso de pedidos do exame, como demonstram alguns estudos. Um deles, realizado pelo grupo da Mayo Clinic indica que 25% dos exames de cintilografia são inapropriados – lembrando que a cintilografia é um exame com radiação, tem risco para o paciente e para o ambiente. Outro, pelo grupo de Picano, na Itália, aponta que os exames de ecoestresse parcialmente inapropriados ou inapropriados chegam a cerca de 40%. No aspecto financeiro, o custo da imagem cardíaca vem crescendo abruptamente, devido ao aparecimento de novas tecnologias. O ecocardiograma é, sem dúvida, o exame mais barato e permite avaliar diversos fatores, como função ventricular, presença de isquemia, doença valvar e diagnósticos diferenciais, como embolia pulmonar e doenças de aorta. Considerando o valor de um eco como 1, uma angio CT valeria 3, a cintilografia 3,27, até chegar ao cateterismo, que valeria 20. É preciso considerar custos no momento de solicitar o exame. Mesmo que o nosso sistema seja um pouco diferente do europeu, em algum momento as seguradoras de saúde não suporetariam tamanha demanda desnecessária de exames. A despeito do crescimento da solicitação de exames, a taxa de infarto mantém-se relativamente constante. Aumenta-se o pedido de cateterismo, aumenta-se a taxa de revascularização, mas a incidência de infarto é relativamente constante. É preciso sempre ter indicações e considerações muito precisas na hora dessas indicações. O impacto de exames e testes indiscriminados pode ser mínimo para alguns pacientes, deletérios para outros e muito custoso para a sociedade. É preciso ter em mente a redução dos riscos os pacientes. Os riscos podem ser imediatos ou se mostrar ao longo dos dias, meses ou até anos, décadas. Os exames de menor risco 24


são os de ultrassom (ecocardiográficos); depois vem o teste ergométrico, que é o mais fisiológico e talvez seja o procedimento básico no início de estratificação de qualquer doença coronariana; no passo seguinte, vem o dipiridamol, como farmacológico, com uma complicação mais séria em 700 exames; e a dobutamina com uma complicação em 350 exames. Há uma grande controvérsia em relação ao contraste ecocardiográfico, que foi considerado pelo FDA como exame de tarja preta, com um aviso a respeito dos riscos, mas na Europa já se começa a utilizá-los. Considere-se ainda o gadolínio com seu potencial nefrogênico, o contraste radiológico e, ao longo de anos e décadas, é importante considerar o risco da radiação ionizante. Numa angiotomografia, o aumento de risco de câncer de um para 750 com exame e na cintilografia, de um para 500, o que não é desprezível. Pode-se observar um perfil de segurança muito maior para o exercício/dipiridamol comparado com a dobutamina. Além disso, a dobutamina apresenta maior taxa de exames não conclusivos, porque pode ser necessário interromper, seja porque o paciente apresenta pico hipertensivo ou porque faz uma arritmia, mesmo que supraventricular, durante o exame. Daí por que a preferência pelo dipiridamol com a utilização da atropina, para conseguir comparações em termos de sensibilidade e especificidade (de acurácia diagnóstica). Tem sido estimado que 0,4% dos casos de câncer dos Estados Unidos são atribuíveis à radiação por uso de tomografia computadorizada. Ajustando-se esta estimativa ao uso atual de TC, que tem quadruplicado desde 2000, pode-se chegar à faixa de 1,5 a 2% (aqui considerando-se todo tipo de tomografias). Duas pesquisas feitas no Reino Unido com médicos internistas e uma feita por um jornal italiano com pediatras mostraram que apenas 20% dos internos sabiam que a resso25


nância magnética produzia radiação ionizante e 10% acreditavam que o ecocardiograma também emitia radiação, então falta conhecimento para o médico na hora de saber os riscos ambientais na solicitação do exame. No estudo italiano, 4% dos pediatras achavam que ultrassom era ionizante e 12% que a cintilografia não era ionizante, um exame absolutamente seguro. É preciso que se dê mais cuidado a esse tipo de informação. O uso da imagem cardíaca tem aumentado em torno de 26% por ano, a despeito da falta de evidência desse benefício. Sem essa evidência, uma angiotomografia pode não trazer informações absolutamente relevantes à condição dos pacientes. Desde 1999, o Colégio Britânico de Radiologia, a Comunidade Europeia, bem como a comissão italiana e, mais recentemente, os americanos vêm concordando que é importante reduzir testes inapropriados para diminuir o número de exames radiológicos, evitar exposição à radiação ionizante e reduzir a lista de espera dos exames. O aumento acentuado no número de tomografias e exames cintilográficos pode resultar, num futuro não muito distante, no aumento de incidência de câncer relacionado à radiação. Portanto, o Colégio Americano de Radiologia sugere que seja feito um encontro para que se discutam critérios mais rígidos para esse tipo de exames e se evite a superutilização dos mesmos. Nós, como médicos, devemos assumir um papel mais social, com bases científicas fortes, mas considerando sempre aspectos ambientais e econômicos.

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TROMBOSE VENOSA PROFUNDA: O QUE HÁ DE NOVO? Dr. Leonardo Pires de Sá Nóbrega Cirurgião Vascular do Hospital de Base do Distrito Federal Cirurgião Vascular da Clínica Biocárdios – Instituto de Cardiologia Título de Especialista em Cirurgia Vascular pela AMB, CRM e CNRM

Dr. Alcides José Araújo Ribeiro Cirurgião Vascular do Hospital de Base do Distrito Federal Título de Especialista em Cirurgia Vascular pela AMB, CRM e CNRM


A trombose venosa profunda (TVP) ocorre por um desequilíbrio na hemostasia sanguínea, caracteriza-se pela formação aguda de trombos em veias do sistema profundo, acometendo mais frequentemente os membros inferiores. A história natural é marcada por um início silencioso ou por sinais e sintomas comuns a outras enfermidades, sendo frequente o retardo no diagnóstico e tratamento, aumentando as chances de possíveis complicações. A complicação de maior impacto é o tromboembolismo pulmonar (TEP), que ocorre na fase aguda, podendo resultar em problemas respiratórios importantes ou até mesmo morte súbita. Em médio e longo prazo, a consequência poderá ser a insuficiência venosa crônica, caracterizando a síndrome póstrombótica (SPT), que ocorre em cerca de um terço dos casos (1). Vários estudos têm procurado estabelecer a relação entre trombose e inflamação (2,3). Sabe-se que as células endoteliais expressam moléculas de adesão (P-selectina), fundamentais tanto no processo de trombose quanto em seu reparo, inicialmente atraem neutrófilos para a região do trombo e a seguir monócitos, que atuam na ativação plaquetária, lise posterior do trombo e na fibrose associada às fases tardias do quadro trombótico (2,3). O objetivo deste artigo foi revisar os aspectos mais atuais presentes na literatura sobre trombose venosa profunda, procurando enfatizar os principais métodos diagnósticos e terapêuticos. Incidência Os dados de literatura sobre a incidência de TVP são variáveis e muitas vezes conflitantes. A razão para essa discordância é a própria natureza da enfermidade, com o predomínio de pacientes assintomáticos e oligossintomáticos. Nos Esta29


dos Unidos, Silverstein et al. estimaram 48 casos de primeiro episódio de TVP por 100 mil habitantes (4); na Suécia, com base em diagnóstico clínico e flebográfico, foi estimado 90 casos por 100.000 habitantes/ano (5). No Brasil, o trabalho de maior relevância foi realizado pelo professor Maffei, da Unesp, em Botucatu, que estimou uma frequência de TVP diagnosticada clinicamente e confirmada por flebografia ou ultrassonografia vascular em 60 casos por 100 mil habitantes (6). Fatores de risco A TVP é considerada hoje uma doença multifatorial, onde fatores congênitos interagem entre si e com fatores adquiridos, desencadeando a doença. Isso explica porque alguns indivíduos apresentam TVP sem que nenhum fator externo possa ser determinado, enquanto outros pacientes não a desenvolve, mesmo quando colocados em situação de alto risco para trombose. Neste aspecto, a história clínica e o exame físico tornam-se as principais ferramentas para avaliar o risco de trombose venosa/embolia pulmonar, bem como o risco de sangramento na instituição da profilaxia/terapia medicamentosa. Os fatores de risco mais comuns são: mutação do fator V de Leiden, mutação da protrombina G20210A, deficiência ou resistência à proteína C, deficiência da proteína S, deficiência da antitrombina, homocisteinemia, síndrome dos anticorpos antifosfolípedes, idade maior que 40 anos, imobilização, tromboembolismo venoso prévio, obesidade, varizes, duração e porte da cirurgia, anestesia, infecção, câncer, quimioterapia, insuficiência cardíaca, infarto do miocárdio, gravidade da doença, anticoncepcionais, reposição hormonal, grupos sanguíneos, síndrome nefrótica, policitemia vera, vasculites e viagens de longa duração (> 6 horas) (6). 30


Escore clínico para diagnóstico de trombose venosa profunda dos membros inferiores, de Wells et al., 2003. Características clínicas Câncer em atividade Paresia, paralisia ou imobilização com gesso nosmmII Imobilização (>3 dias) ou cirurgia maior recente (até 4 semanas) Aumento da sensibilidade ao longo das veias do SVP Edema em todo o membro Edema de panturrilha (>3cm) em relação à perna Edema depressível (cacifo) maior na perna afetada (unilateral) Veias colaterais superficiais (não-varicosas) Trombose venosa profunda pregressa documentada Diagnóstico diferencial mais provável

Escores Pontos 1 1

1

1

1

1

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Diagnóstico Diferencial Tromboflebite superficial Celulite

Presença*

Rotura muscular ou tendínea Cãibras

Alterações do joelho ou do tornozelo Cisto de Baker

Alterações linfáticas

1

1

-2 Total

TVP não provável < 2 / TVP provável > ou = 2 *Qualquer diagnóstico diferencial subtrai 2 pontos. MMII = membros inferiores / SVP = sistema venoso profundo / TVP = trombose venosa profunda

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Diagnóstico clínico Dentre as manifestações clínicas mais frequentes encontram-se a dor, o edema e o aumento da consistência muscular (empastamento), ocorrendo em 86,7% dos casos (6). Infelizmente os sintomas locais e regionais da TVP não são patognomônicos, havendo uma grande incidência de diagnósticos falsos positivos e falsos negativos (7). Em cerca de 50% dos pacientes com os sinais e sintomas de TVP, o diagnóstico não é confirmado pelos exames de imagem (7). Devido à dificuldade em firmar um diagnóstico clínico para TVP, Wells et al. propuseram um modelo para predição desta enfermidade. A cada uma das características clínicas que se mostraram independentes na estimativa da probabilidade de TVP, foi dado um valor unitário positivo. Se houvesse diagnóstico alternativo para TVP, um valor negativo de -2. A soma das características que o paciente apresentava determinou um escore para cada paciente que os categorizava como sendo TVP provável ou não provável (6). Diagnóstico por imagem Com sinais e sintomas inespecíficos, o diagnóstico clínico da TVP é impreciso e para a sua confirmação objetiva os exames de imagem são fundamentais. No passado, a flebografia foi o exame diagnóstico preferido e ainda hoje é o método considerado como padrão-ouro para diagnóstico de TVP, mas nas últimas duas décadas foi substituída pelo eco-doppler. Essa modalidade diagnóstica é rápida, reprodutível e com precisão satisfatória. Por essas razões, o eco-doppler passou a ser o método preferível no diagnóstico das doenças venosas, dentre elas a TVP. Entretanto, devemos ter o cuidado de encaminhar os pacientes para laboratórios vasculares de nossa extrema confiança, pois a concordância entre o eco-doppler 32


e a flebografia oscila em torno de 49 a 96% (8). Essa grande variação ocorre devido ao caráter examinador-dependente que os exames ultrassonográficos apresentam, da qualidade do equipamento utilizado e de outros fatores. Os principais critérios ecográficos para o diagnóstico definitivo de TVP são: ausência de compressão da luz venosa, ausência de fluxo ao doppler, aumento no diâmetro venoso que pode chegar a quatro vezes o do arterial, presença de material anecóico na luz venosa e o fluxo contínuo ao doppler nos casos de oclusão parcial da veia (9). Nos casos em que existe uma forte suspeita clínica e a trombose não foi identificada através da ecografia vascular, uma boa alternativa é a realização de exames de eco-doppler seriados a cada 2 a 5 dias, com o intuito de evidenciar precocemente a progressão do trombo e assim firmar o diagnóstico de TVP (6). Diagnóstico laboratorial O dímero D, realizado pela técnica ELISA, apresenta alta sensibilidade e baixa especificidade para o diagnóstico de TVP. Esse teste pode excluir o diagnóstico de TVP ou mesmo de TEP, quando seus resultados forem normais (10). Tratamento O objetivo do tratamento é aliviar os sintomas agudos da doença como dor e edema, impedir a progressão do crescimento do trombo, evitar a ocorrência de TEP, fazer profilaxia da recorrência da TVP e das sequelas que caracterizam a SPT. Uma vez determinado o diagnóstico de TVP, ou mesmo se houver forte suspeita clínica, o American College of Chest Physicians (ACCP) recomenda o tratamento anticoagulante. No caso de TVP confirmada, inicia-se com heparina e anticoagulante oral concomitantemente. A heparina tem uma 33


função de proteção contra o efeito pró-coagulante inicial dos antagonistas da vitamina K, pois esses fármacos antes de interferirem na produção dos fatores II, VII, IX e X, bloqueiam a síntese dos inibidores da coagulação: proteína C e proteína S. A heparina deve ser mantida por pelo menos cinco dias, sendo suspensa quando a relação normatizada internacional (RNI) estiver na faixa terapêutica (2-3)(11). As heparinas de baixo peso molecular (HBPM) praticamente substituíram a heparina não fracionada (HNF), pois além de fornecerem os mesmos resultados, ainda dispensam o controle laboratorial na maior parte dos casos e apresentam menor incidência de complicações hemorrágicas. Outra grande facilidade proporcionada pela HBPM é a possibilidade de tratamento domiciliar, para isso a Sociedade Brasileira de Angiologia e Cirurgia Vascular criou algumas diretrizes e critérios nos quais os pacientes devem estar incluídos, como: aderência ao tratamento domiciliar, ausência de necessidade de hospitalização por outras causas, ausência de sinais de TEP, ausência de sinais de sangramento recente, ausência de cirurgias de grande porte nas últimas duas semanas, ausência de disfunção renal, acesso fácil ao serviço de origem e ausência de histórico prévio de plaquetopenia induzida por heparina (12). Se o médico assistente estiver confortável com a condição sócio-econômica do paciente, deve ensinar a aplicar a HBPM, orientar quanto ao risco de hemorragia e fornecer um telefone para emergências ou informar um local onde possa encontrar algum médico da equipe (12). Caso contrário, o tratamento deverá ser realizado em ambiente hospitalar (12). Antes de iniciar o tratamento, é recomendável solicitar alguns exames laboratoriais como hemograma, TTPA, plaquetas, TAP e RNI. Nos casos em que há suspeita de hepatopatia, também é interessante solicitar provas de função hepática6. 34


Dentre as HBPM a mais utilizada em nosso meio é a Enoxaparina, sua dose preconizada é de 100 UIAXa/kg (1mg/kg) a cada 12h ou 150 UIAXa (1,5mg/kg) em dose diária única, devendo ser realizado ajuste de dose para pacientes nefropatas (11). Existem dois antagonistas da vitamina K no mercado: a varfarina e a femprocumona. A anticoagulação oral com a varfarina é mais cômoda uma vez que apresenta meia-vida, duração de ação e tempo de iniciação menores. A varfarina deve ser iniciada com 5mg para pacientes com menos de 80kg e 7,5mg para pacientes com mais de 80kg. Sua monitorização é introduzida a partir do terceiro dia, através do TAP/ RNI (11). O tratamento anticoagulante é indispensável, Schulman encontrou 9% de recorrência em pacientes com TVP tratados com seis meses de varfarina contra 18% nos tratados apenas com seis semanas (13). Rotineiramente, o tratamento anticoagulante nos casos de TVP distal (acomete as veias da musculatura da panturrilha) deve ser mantido por três meses; quando estivermos diante de um paciente com TVP proximal (acomete o segmento ilíacofemoro-poplíteo), são necessários no mínimo seis meses de tratamento (14). Os que apresentam dois episódios de TVP devem ser anticoagulados por seis meses e em casos individualizados considera-se a possibilidade de anticoagulação perene, principalmente quando há trombofilia associada. Nos indivíduos com câncer, mantêm-se a anticoagulação sempre que houver doença ativa. Nos casos com metástase cerebral considera-se a anticoagulação com HNF ou HBPM, com o intuito de prevenir acidente vascular encefálico hemorrágico (15). Pacientes com trombofilia hereditária podem ser classifi35


cados como de baixo, intermediário e alto risco e a anticoagulação deve ser feita da seguinte forma: o grupo com baixo risco é formado por aqueles que tiveram apenas um episódio de TVP, na vigência de um fator de risco reversível, sendo preconizado uma anticoagulação por seis meses. O intermediário é formado por pacientes que apresentaram um episódio de TVP espontâneo, sem fator de risco associado, devendo ser anticoagulado por seis a doze meses. O grupo de alto risco é composto por indivíduos que já tiveram vários episódios de TVP ou que têm outros fatores de risco importantes como neoplasias, defeitos em homozigoze e outros, nesses casos deve-se considerar a possibilidade de anticoagulação permanente (15). Nos pacientes com hiperhomocisteinemia, o primeiro episódio deve ser tratado com anticoagulação por seis meses e suplementação vitamínica (B6, B12 e ácido fólico). Havendo recorrência, deve-se manter a dose por doze meses ou até indefinidamente (15). Nos indivíduos com síndrome do anticorpo antifosfolípede, o primeiro episódio deve ser tratado com doze meses de anticoagulação oral. Do segundo episódio em diante, recomendase anticoagulação perene. Para os pacientes que apresentam tromboembolismo venoso e trombose arterial, indica-se o acréscimo da aspirina à anticoagulação (15). Essa é uma conduta que exige prudência, pois a acetilação irreversível da cicloxigenase combinada aos efeitos dos anticoagulantes orais, determinam um risco maior de sangramentos graves, como nos hematomas retroperitoniais. A solução para essa situação é diminuir o intervalo entre as consultas de acompanhamento, avaliar cuidadosamente sinais e sintomas hemorrágicos e controlar rigorosamente a RNI. De uma forma geral, o tratamento deve ser planejado individualmente para cada paciente, levando em conta as caracte36


rísticas de cada um. A utilização do dímero D e da ultrassonografia vascular podem auxiliar na determinação do tempo de tratamento. Vários trabalhos indicam que o dímero D dosado pelo menos um mês após a suspensão da anticoagulação oral, pode ter valor preditivo de recorrência, quando em um nível superior a 500 ng/ml, em pacientes com menos de 55 anos de idade (6). Outro método auxiliar na determinação da suspensão da anticoagulação oral é a ultrassonografia vascular, pois a presença de trombo residual foi relacionada com o aumento da recorrência de tromboembolismo venoso (TEV). O mais interessante é que quase metade das recorrências ocorre no membro contralateral, ou seja, a presença do trombo no membro inferior atua como fator de risco sistêmico, esse paciente pode apresentar TVP não apenas no membro previamente acometido, mas também em diversos outros sítios (6). TVP em gestantes Embora não seja tão frequente em gestantes, o TEP acomete cerca de 1 a 2 casos a cada 1000 gestações e é a maior causa de óbito materno no Reino Unido. Nessa eventualidade, além dos riscos que a mãe corre, deve-se considerar também os riscos relacionados ao feto. Na Unidade de Cirurgia Vascular do Hospital de Base do Distrito Federal existe um ambulatório dedicado exclusivamente as gestantes e puérperas com TVP, onde é adotado o seguinte protocolo de tratamento: paciente com história pregressa de TEV, profilaxia com enoxaparina 40mg subcutânea ao dia; gestante com TEV, enoxaparina 1,0mg/kg subcutânea de 12/12h ou enoxaparina 1,5mg/kg subcutânea uma vez ao dia; parto, deve ser realizado após 12-24h da aplicação da última injeção de enoxaparina; pósparto, enoxaparina reiniciada após 12h do parto, juntamente com a varfarina e quando o seu nível terapêutico (2-3) for 37


alcançado, a HBPM poderá ser suspensa, a varfarina deverá ser mantida por 6 semanas ou até que se completem 6 meses de tratamento. Os cumarínicos atravessam a barreira placentária e estão associados à embriopatia, sendo relativamente contra-indicados na gestação, principalmente no seu primeiro trimestre. Novos Anticoagulantes Vários estudos têm sido realizados à procura de um anticoagulante ideal. Muitas dessas novas drogas parecem promissoras e as características esperadas para esses fármacos são: rápido início e término da ação, possibilidade de administração por diversas vias, controle laboratorial desnecessário, efeitos colaterais reduzidos, ausência de interação medicamentosa ou com a dieta e existência de antídoto (16). Os pentassacarídeos são derivados sintéticos da sequência de cinco açúcares presente na HNF e HBPM, que se ligam ao sítio da antitrombina, as duas variantes testadas foram o Fondaparinux com meia vida de 15 horas e o Idraparinux com meia vida de 130 horas (17). Ambos teriam a vantagem de dose única diária ou semanal, respectivamente e de não provocarem trombocitopenia induzida pela heparina (THI) (17). O danaproide (Orgaran) é uma mistura de heparinóides de baixo peso molecular, com ação predominantemente antifator Xa e com meia vida de 25 horas. Sendo recomendado nos casos de THI (18). A hirudina é um antitrombínico direto derivado da sanguessuga, cujo derivado sintético é a bivaluridina. Está autorizada nos EUA para tratamento da TIH e profilaxia de cirurgia do quadril (19). Dentre os antitrombínicos sintéticos monovalentes, o melagatran foi o primeiro fármaco dessa categoria a ser comercializado, entretanto o “Food and Drug Administration” 38


(FDA) suspendeu suas vendas logo após o seu lançamento, por problemas com alterações hepáticas nos pacientes em uso a longo prazo. Atualmente, estamos assistindo o lançamento de outra droga inibidora direta da trombina, trata-se da dabigatrana, que tem sido testada na prevenção e tratamento de desordens arteriais e venosas. Hoje o uso da dabigatrana está liberado para profilaxia em cirurgia de artroplastia total de quadril (ATQ) e artroplastia total de joelho (ATJ), existindo estudos em andamento para anticoagulação em fibrilação atrial e acidente vascular encefálico (20,21). A dose recomendada é de 220mg VO uma vez ao dia, mantidas por 35 dias para ATQ e por pelo menos dez dias para pacientes submetidos à ATJ (20,21). Dentre as vantagens podemos citar o perfil farmacocinético previsível (administração oral em dose única, flexível e sem necessidade de monitoramento); não é metabolizado pelas enzimas do citocromo P450 e não afeta o metabolismo de outros medicamentos que utilizam esse sistema; não é afetado por alimentos (20,21). Deve-se administrar uma dose menor para determinadas populações especiais, como os indivíduos com mais de 75 anos, os nefropatas crônicos com insuficiência renal moderada (clearence de creatinina 30-50ml/min) e os pacientes em uso de amiodarona (20,21). Acredita-se que um ou mais desses novos fármacos serão aprovados para o tratamento agudo do TEV nos próximos dois a três anos. Desta maneira, os pacientes poderão se beneficiar de uma forma terapêutica menos complexa do que a existente atualmente. Tratamento fibrinolítico Com o desenvolvimento de agentes fibrinolíticos mais efetivos e seguros, bem como das técnicas intervencionistas de infusão farmacológica superseletiva, a trombólise venosa 39


passou a ser uma boa alternativa em casos selecionados de TVP aguda. As principais indicações do tratamento fibrinolítico nos membros inferiores são as TVPs extensas (segmento ilíacofemoral) ou em casos de Phlegmasia Cerulea Dolens, caracterizada pela obstrução total ou quase total das veias da extremidade com trombose no segmento ilíaco-femoral. Para os membros superiores a indicação é restrita aos quadros proximais (segmento axilo-subclávio) com sinais clínicos exuberantes. Apesar de haver relatos de fibrinólise em pacientes crônicos, os melhores resultados são obtidos quando o tratamento é realizado na fase aguda, até 14 dias após o início dos sinais e sintomas. Os objetivos principais do uso de fibrinolíticos são a rápida melhora da sintomatologia nas tromboses venosas extensas e a prevenção das sequelas pós-trombóticas (22). A via de acesso mais utilizada para a fibrinólise dos membros inferiores é através da punção da veia poplítea, guiada pelo eco-doppler. Após a obtenção do acesso, realiza-se a introdução de um cateter multiperfurado no segmento trombosado guiado por radioscopia. A seguir é realizado uma flebografia de controle, que servirá como parâmetro para avaliar a evolução do tratamento. O fibrinolítico mais utilizado é o RT-PA, na dose de 1mg/h, diluído em 20ml de solução fisiológica 0,9%, em bolus e por um período máximo de 48 horas. O controle flebográfico deve ser feito a cada 12h e o contraste é aplicado pela mesma via de infusão do fibrinolítico. A infusão deve prosseguir até a dissolução total do coágulo, sem extrapolar o período máximo recomendado. Em razão das complicações potencialmente letais, o paciente deve ser acompanhado em ambiente de terapia intensiva (23). A fibrinólise determina uma lise maior do coágulo em relação à heparinização, entretanto apresenta um risco de san40


gramento duas vezes maior em relação ao tratamento convencional. As chances dos pacientes desenvolverem TEP são semelhantes nos dois tratamentos. A grande questão do tratamento fibrinolítico está relacionada ao risco/benefício entre chances de sangramento e a prevenção da SPT, em uma metanálise recente os pacientes do grupo da fibrinólise apresentaram redução significativa da SPT em relação aos indivíduos tratados convencionalmente, mas também houve uma incidência de complicações hemorrágicas significativamente maior nos pacientes daquele grupo (24). Essa mesma revisão, concluiu que não há consenso quanto à melhor droga, dose ou via de administração, demonstrando que o assunto precisa ser melhor investigado (24). Filtros de veia cava A maior parte dos pacientes com embolia pulmonar é tratado adequadamente apenas com anticoagulação, mas para um grupo selecionado de pacientes, está indicado o uso de interrupção mecânica. Muitos dispositivos têm sido desenvolvidos para a interrupção endoluminal da veia cava inferior, dentre eles modelos de filtros definitivos e temporários. A seleção dos filtros requer conhecimento de fixação, avaliação da eficiência da captura do coágulo pelo dispositivo, taxa de oclusão da VCI e do acesso venoso, risco de migração do filtro, embolização do filtro, integridade estrutural do dispositivo e facilidade de colocação (25). As indicações aceitas para o implante do filtro de veia cava podem ser divididas em absolutas e relativas. São consideradas indicações absolutas: TEV em paciente com contraindicação para anticoagulação, TEV recorrente apesar da anticoagulação adequada, complicações da anticoagulação que obrigam a suspensão da mesma. As indicações relativas são: trombo flutuante iliacofemoral ou trombo em VCI, trombo 41


que propaga para o segmento ilicofemoral mesmo com anticoagulação adequada, embolia séptica ou paradoxal, embolia pulmonar crônica em paciente com hipertensão pulmonar e cor pulmonale, paciente com oclusão de mais de 50% do leito vascular que não tolera trombos adicionais e outras (26). Os dispositivos de filtração estão em constante aperfeiçoamento, hoje existem filtros modernos com bom potencial de eficácia e segurança. Entretanto, o médico assistente deve ter a consciência de que mesmo os modelos mais modernos apresentam limitações na proteção contra o TEP e o seguimento a longo prazo desses pacientes deve ser realizado de forma rigorosa. Conclusões O diagnóstico e início precoce do tratamento são fundamentais para a boa evolução do paciente. A anticoagulação mais utilizada nos dias de hoje é iniciada com HBPM, por cinco a dez dias, associando-se um anticoagulante oral, em geral a varfarina, que é mantida por um período variável. Esses indivíduos necessitam de acompanhamento especializado e continuado a nível ambulatorial. Os novos anticoagulantes e os fibrinolíticos estão demarcando o seu espaço, entretanto mais estudos ainda são necessários.

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BETABLOQUEADORES NA TERAPÊUTICA CARDIOVASCULAR Dr. Augusto Dê Marco Martins Currículo


Betabloqueadores têm longa história de sucesso no manejo de afecções cardiovasculares, incluindo o manejo sintomático da angina de peito, o controle de arritmias associadas à ansiedade, a prevenção secundária de cardiopatia isquêmica e a redução da mortalidade de pacientes com insuficiência cardíaca. Seu principal uso, no entanto, decorrente da frequência de pacientes acometidos foi sempre hipertensão arterial. A despeito de ainda permanecerem como opções de primeira linha em diretrizes nacionais e internacionais, essa indicação tem sido objeto de intensa controvérsia em anos recentes. Aqui há um primeiro ponto a esclarecer nessa controvérsia, que corresponde ao fato de se falar em sua menor eficácia somente nos anos recentes, desconhecendo-se já ser fato sobejamente conhecido, em pacientes idosos, no ano de 1992. Nesse ano foram publicados os resultados do Medical Research Council Trial com pacientes idosos, o único entre os estudos mais antigos a comparar, de forma aleatória e duplocega, diurético e betabloqueador, em separado, com placebo. Esse estudo, com adequado poder estatístico e cuidado metodológico, incluindo exclusivamente pacientes idosos com hipertensão diastólica como critério de ingresso, demonstrou que atenolol, o betabloqueador utilizado, não foi superior a placebo na prevenção de diversos desfechos cardiovasculares. Em outros dois estudos – STOP 1, de 1981, e uma metanálise de 1998, com 10 estudos num total de 16 mil pacientes, viu-se que o grupo que fazia uso de diuréticos tinha o dobro do número de pacientes com controle da pressão arterial quando comparado ao grupo que utilizou betabloqueadores. Ou seja, 66% dos pacientes que estavam em uso de diuréticos tiveram a sua pressão controlada, contra 28% de pacientes em uso de betabloqueadores – que, no caso, também foi o atenolol. 47


Em 1997, Psaty e colaboradores e Fuchs e colaboradores, separadamente já diziam textualmente: “analisando os estudos mais antigos, separando grupos pelo fármaco inicialmente empregado como primeira linha, os autores demonstraram que somente diuréticos em baixas doses tinham sido capazes de prevenir igualmente eventos cerebrovasculares e cardíacos, sendo os betabloqueadores ineficazes para a prevenção de acidentes vasculares encefálicos”. A interpretação possível desses dados aponta para a exclusão do atenolol no manejo de pacientes hipertensos e idosos. Em novembro de 2004, o New York Times noticiou que o atenolol foi a quarta droga mais prescrita nos Estados Unidos, com 44 milhões de receitas anuais. Claramente, a grande maioria destas prescrições foi para tratamento da hipertensão arterial sistêmica. A partir de 2007, publicaram-se estudos e metanálises demonstrando solidamente que além de ineficazes em pacientes idosos, os beta-bloqueadores também ofereciam menor proteção em coortes de pacientes jovens. Isoladamente, não ofereciam benefício na mortalidade por todas as causas, mortalidade cardiovascular e infarto do miocárdio. Quando se analisaram aspectos cerebrovasculares, a redução de acidentes vasculares cerebrais (AVCs) com o emprego do atenolol foi de 19%, comparado com 40%, obtido por todas as outras classes de anti-hipertensivos. Na abordagem anti-hipertensiva, todas as diretrizes de hipertensão, nacionais ou internacionais orientam para a perda de peso, ou para que o paciente não ganhe peso no tratamento anti-hipertensivo, principalmente aqueles pacientes já obesos. O uso dos betabloqueadores está associado a um pequeno, mas sistemático aumento de peso. Em estudos pequenos de hipertensão em que foi analisado o status de peso, o uso dos betabloqueadores resultou num ganho de cerca de 1,2kg e 48


sabe-se que esse ganho de peso aumenta de duas a três vezes a chance do desenvolvimento de diabetes mellitus Cabe aqui salientar e enfatizar que no estudo GEMINI (Glycemic Effects in Diabetes Mellitus Carvedilol-Metoprolol Comparison in Hypertensives), que avaliou efeitos glicêmicos em pacientes diabéticos hipertensos, e que comparou para tratamento anti-hipertensivo metoprolol e carvedilol, o tratamento de pacientes diabéticos com metoprolol resultou em um significativo aumento de peso, enquanto o tratamento com carvedilol não, atestando, mais uma vez, que de fato os betabloqueadores não são todos iguais. O benefício do emprego de betabloqueadores em pacientes obesos ou pacientes com risco de desenvolver diabetes é, portanto, questionável. Outro dos preceitos para a estratégia medicamentosa antihipertensiva é privilegiar medicamentos que contemplem além do controle pressórico, ações sobre a hipertrofia ventricular esquerda (HVE). Sabidamente a HVE é um importante preditor de morbi-mortalidade cardiovascular e sua regressão diminui este risco, independente do efeito na queda da pressão arterial (PA). Logo, em pacientes com HAS, medicações que atuam na regressão da HVE são desejáveis. Este estudo mostra a incidência média anual de insuficiência cardíaca congestiva, acidente vascular cerebral isquêmico e infarto do miocárdio, comparando indivíduos sem qualquer sinal eletrocardiográfico de HVE, naqueles com padrões limítrofes e naqueles sem qualquer evidência de HVE. Interessante estudo de Mathew J. et al., publicado na Circulation em 2001, mostrou a incidência média anual/10.000 indivíduos, de insuficiência cardíaca congestiva (ICC), acidente vascular encefálico isquêmico (AVCi) e infarto do miocárdio (IM), comparando indivíduos sem qualquer sinal eletrocardiográfico de HVE, com outros apresentando padrões 49


limítrofes e outros sem qualquer evidência de HVE. Todos os aspectos analisados mostraram uma incidência significativamente maior naqueles pacientes com presença da HVE, acompanhados daqueles com sinais limítrofes e em menor grau, naqueles sem evidência de HVE. Se a presença da HVE é consistentemente considerada como um fator de risco independente, esse mesmo estudo demonstrou que a intervenção sobre a HVE se traduz em benefícios para os pacientes. Assim, naqueles pacientes em que se consegue reverter ou impedir que a HVE progrida há uma nítida diminuição de eventos cardiovasculares (IAM, AVC, IC, necessidade de revascularização miocárdica e mortalidade total), quando comparada àqueles em que a HVE se estabelece ou persiste. Numa metanálise de 104 estudos (Dahlof B et al. Clin Exp Hypertens A 1992;14:173-80 e Ciullamm et al. Circulation 2004; 110:552-7), comparando várias estratégias anti-hipertensivas para a redução da HVE, a terapia com beta-bloqueadores foi a que menos regressão mostrou, quando comparada aos inibidores da enzima conversora (IECAs), bloqueadores dos canais de cálcio (BCCs) e diuréticos. Os betabloqueadores, diferentes dos IECA´s, não diminuem o conteúdo de colágeno do miocárdio e por isso não são eficazes na regressão da HVE. O benefício do uso de betabloqueadores em pacientes com hipertrofia ventricular esquerda é, portanto, questionável. Outro dos preceitos para a estratégia medicamentosa antihipertensiva é que a escolha do hipotensor deve levar em conta seus efeitos sobre a síndrome metabólica (SM). Ao classificar as famílias de anti-hipertensivos de acordo com a sua chance de desenvolver uma maior ou menor tolerância à glicose, nos vemos frente ao seguinte quadro: os beta-bloqueadores mostram o pior perfil, diminuindo impor50


tantemente a sensibilidade à insulina, seguida de perto pelos diuréticos; os alfa-bloqueadores apresentam o melhor perfil aumentando a sensibilidade insulínica, mas como todos sabemos têm uma indicação médica bastante restrita. Os bloqueadores dos canais de cálcio têm efeito nulo e os IECAs e bloqueadores dos receptores da angiotensina (BRAs) melhoram sensivelmente a resistência insulínica. Desde 1960, os efeitos metabólicos dos beta-bloqueadores têm sido largamente estudados, e uma revisão de Modan, M. e colaboradores, publicada em 1985 demonstrou (embora não se soubesse muito bem o porquê) que o número de pacientes diabéticos e intolerantes à glicose era sempre maior no grupo dos pacientes em tratamento para hipertensão arterial (que utilizavam drogas mais antigas, principalmente diuréticos e beta-bloqueadores). Outro importante estudo de Verdecchia e colaboradores, publicado em 2004, avaliando 795 pacientes não complicados, inicialmente hipertensos sem tratamento, mostrou que aqueles pacientes que durante o tratamento desenvolveram DM apresentaram três vezes maior probabilidade de acometimento de um evento cardiovascular do que aqueles sem diabetes, se comportando exatamente igual àqueles que já tinham diabetes no início do tratamento, O ALLHAT, importante e atual estudo, que inclusive serviu de norteamento para o VII JOINT, mostrou que após quatro anos de seguimento, a clortalidona aumentou importantemente o número de pacientes intolerantes à glicose, quando comparada ao lisinopril e à amlodipina. De forma, que as drogas mais antigas utilizadas na abordagem medicamentosa da hipertensão arterial, como os diuréticos e betabloqueadores, predispõe mais facilmente ao desenvolvimento de intolerância á glicose. Logo, o benefício de uso dos betabloqueadores em pacien51


tes com risco e/ou história familiar de diabetes, idade avançada, intolerância a glicose e obesidade é também muito questionável. O American College of Cardiology e a American Heart Association têm uma diretriz de 2006 que recomenda o uso de BB, que devem ser iniciados antes de cirurgias eletivas não cardíacas – particularmente naqueles pacientes de alto risco – com uma titulação de dosagem baseada numa frequência cardíaca entre 50 e 60 bpm. Em maio de 2008 foi publicado na Lancet, o Estudo POISE, que randomizou 8.351 pacientes com > 45 anos que estavam se submetendo a cirurgias não cardíacas, portadores ou com risco de doença aterosclerótica. Os pacientes tinham história de doença arterial coronariana, doença arterial vascular periférica, acidente vascular cerebral ou insuficiência cardíaca nos últimos 3 anos. Tinham sido submetidos a grandes cirurgias vasculares ou tinham pelo menos 3 dos seguintes fatores de risco: história prévia de IC, história prévia de DM, história prévia de insuficiência renal, História prévia de ataque isquêmico transitório, idade > de 70 anos, ter sido submetido a cirurgia de alto risco ou ter sido submetido a cirurgia de urgência/emergência. Os pacientes foram recrutados em 193 centros em 23 países e randomizados para: metoprolol-CR versus placebo. A metodologia era seu uso: 2-4 horas, no pré-operatório e continuados até 30 dias. As dosagens foram de: 100mg no pré-operatório, 100mg após 6 horas – pós-operatório imediato (POI), 200mg após 12 horas (POI) e 200mg/dia até completar 30 dias. As doses não foram tituladas e só foram suspensas se a PA < 100mmHg. Os objetivos primários foram: composto de morte cardiovascular, infarto do miocárdio não fatal e parada cardiorrespiratória não fatal até 30 dias após a randomização. Os objetivos secundários foram: mortalidade total, morte car52


diovascular, infarto do miocárdio, necessidade de revascularização miocárdica, fibrilação atrial, acidente vascular cerebra, bradicardia e hipotensão significante. Houve importante redução do número de infartos e um importante aumento do número de acidentes vasculares encefálicos. O Estudo POISE demonstrou que para cada 1.000 pacientes tratados, o metoprolol-CR, neste contexto, pode prevenir 15 infartos do miocárdio, mas pode causar um excesso de 8 mortes e 5 severos e incapacitantes quadros de AVCs. O pesquisador chefe desse estudo, Dr. Philip J. Devereaux da McMaster University encerrou dizendo que os médicos devem pesar os potenciais riscos e benefícios antes de decidir usar ou não betabloqueadores, neste contexto, e que ele certamente não utilizaria em sua mãe. Publicado em setembro de 2008 no J Am Coll Cardiol, com o intuito de avaliar a eficácia dos betabloqueadores na prevenção da progressão para a IC, foi conduzida uma importante metanálise de 12 estudos randomizados e controlados envolvendo 112.177 pacientes com hipertensão arterial. A análise total mostrou que os beta-bloqueadores reduzem o risco de IC em torno de 23% (p: 0,055). Todas as classes de anti-hipertensivos utilizadas (BCC, diuréticos, IECAs e beta-bloqueadores) mostraram efetividade na prevenção primária da IC em pacientes com hipertensão arterial. Mas o emprego dos BB aumentaram o risco de AVCs em torno de 19% na população idosa. A conclusão do estudo é que os betabloqueadores não são mais efetivos que outras medicações usadas na prevenção primária da doença cardíaca em pacientes hipertensos e só devem ser usados na prevenção primária da doença cardíaca em condições bem definidas, como pacientes já enfartados. Já é de conhecimento que a frequência cardíaca é um fator 53


de risco para a morbi-mortalidade cardiovascular na população geral e em pacientes com doença cardíaca (insuficiência cardíaca, angina, pós-infarto, arritmias) que entre outras ações, é atribuído à queda da frequência cardíaca. Procurando estabelecer a relação entre a redução da frequência cardíaca induzida pelo uso do betabloqueador e seu grau de proteção cardiovascular em pacientes hipertensos, foi feita uma metanálise comandada pelos doutores Bangalore S., e Messerli FH, publicada em 2007 e 2008, respectivamente no JACC e na Circulation. Nesta meta-análise os autores avaliaram o papel da redução farmacológica da frequência cardíaca usando os beta-bloqueadores na prevenção de eventos cardiovasculares em pacientes com hipertensão arterial. Foram obtidos dados através do MEDLINE e EMBASE, além de dados centrais de estudos clínicos randomizados de 1966 e maio de 2008. Para inclusão na análise os estudos tinham que contemplar comparações entre BBs com outros agentes, inclusive placebo, como medicação anti-hipertensiva de primeira linha, com um seguimento mínimo de um ano e avaliação dos resultados cardiovasculares e da frequência cardíaca. Nove estudos foram selecionados, alguns de muita importância clínica. Os betabloqueadores investigados foram: atenolol, oxprenolol, metoprolol, pindolol e propranolol. Trinta e quatro mil pacientes faziam uso de betabloqueadores, 30 mil de outros anti-hipertensivos e 3 mil de placebos. Não houve qualquer tipo de diferença na redução dos valores pressóricos entre os grupos avaliados. Uma significativa redução da frequência cardíaca (12%) foi observada no grupo em uso de beta-bloqueadores comparada com uma não significativa queda (1%) no grupo de comparação. Na análise de mortalidade por todas as causas, mortalidade cardiovascular, infarto do miocárdio, acidente vascular cere54


bral e insuficiência cardíaca, todas foram significativamente aumentadas nos grupos que utilizaram betabloqueadores. Os autores concluíram que pacientes com hipertensão arterial que se encontram bradicárdicos em função de terapia betabloqueadora têm maior risco de eventos cardiovasculares e morte. Concluíram ainda que, quanto mais efetivo for o betabloqueador para a redução da frequência cardíaca, maior o risco de eventos. Os autores sugerem que estes achados podem ser parcialmente explicados por um aumento na pressão aórtica central e/ou aumento na pressão de pulso, em função da queda farmacológica da frequência cardíaca. Outra proposição dos autores é que a redução da frequência cardíaca proporcionada pelos beta-bloqueadores pode resultar num aumento de volume em cada batimento cardíaco, com a finalidade de manter o débito cardíaco, resultando num aumento da pressão arterial sistólica e diastólica, elevando assim a pressão de pulso. A pressão de pulso tem sido identificada como um preditor independente de eventos cardiovasculares em pacientes hipertensos No Estudo CAFE (Conduit Artery Function Evaluation) houve uma importante ascenção da PAS aórtica e na pressão de pulso, entre os pacientes submetidos a terapia com atenolol quando comparados com aqueles submetidos a terapia com amlodipina, para uma mesma pressão sanguínea periférica, com aumento de risco para eventos coronários e acidentes vasculares cerebrais. No editorial que acompanha o artigo, Norman M. Kaplan, (University of Texas Southwestern Medical Center, Dallas) descreve o estudo de Bangalore et al., como outra explicação “post-mortem” da falha dos BBs, referindo que a alta mortalidade associada com a queda da frequência cardíaca tem 55


sido observada também com outras drogas que induzem bradicardia. Seguiram-se dois outros estudos, comparando atenolol com o losartan em dois contextos distintos: um deles com pacientes diabéticos (Cardiovascular Morbidity and Mortality in Patients with Diabetes in the Losartan Intervention for Endpoint Reduction in Hypertension Study – LIFE: a randomised Trial Against Atenolol) e outro com pacientes portadores de hipertensão sistólica isolada (Effects of Losartan VS. Atenolol on Cardiovascular Morbidity and Mortality in Patients with Diabetes or Isolated Systolic Hypertension), com resultados bastante consistentes. A redução de risco de eventos cardiovasculares e morte cardiovascular foi significativamente maior nos pacientes do grupo losartan. No mesmo estudo, entre aqueles pacientes com uma história de fibrilação atrial ou padrão eletrocardiográfico de fibrilação atrial, a terapia com losartan reduziu o objetivo composto primário em 42% e a ocorrência de AVCs em 45% após 5 anos de seguimento. Avaliando passo a passo as ações do atenolol versus placebo e atenolol versus losartan, os autores concluíram que o atenolol não é uma droga de referência apropriada para futuros estudos de risco cardiovascular na hipertensão. Numa análise crítica, buscando dados consistentes baseados em evidências para o emprego dos beta-bloqueadores no contexto cardiovascular, vamos encontrar que fortes evidências para seu emprego ocorrem em duas situações: insuficiência cardíaca e pós-infarto do miocárdio. Alguma evidência existe para o seu emprego nas síndromes isquêmicas agudas, angina instável sem IM e cardiomiopatia obstrutiva e definitivamente não existem evidências para o seu emprego na hipertensão arterial não complicada e nos transcursos peri56


operatórios, após a publicação do Estudo POISE. Apesar de todas essas evidências, a diretriz brasileira e as diretrizes internacionais mantêm o betabloqueador como medicação de primeira linha no tratamento da hipertensão arterial. Em 2007, a Sociedade Europeia de Cardiologia e a Sociedade de Hipertensão da Europa, na escolha do agente antihipertensivo, recomenda que podem ser usados os diuréticos, bloqueadores dos canais de cálcio, betabloqueadores, bloqueadores dos receptores da angiotensina e inibidores da enzima conversora para o início e manutenção do tratamento antihipertensivo, como medicações isoladas ou em combinação. Ressaltam, porém, que os beta-bloqueadores, especificamente em combinação com diuréticos tiazídicos, não devem ser utilizados em pacientes com síndrome metabólica ou alto risco de desenvolvimento de diabetes. A diretriz inglesa textualmente sugere que: em pacientes hipertensos > de 55 anos de idade ou pacientes da raça negra de qualquer idade, a terapia de escolha inicial deverá ser bloqueadores dos canais de cálcio (BCC) ou diurético tiazídico (DT). Em pacientes hipertensos < de 55 anos de idade, a primeira escolha de tratamento anti-hipertensivo deve ser o inibidor da enzima conversora (IECA). Se a terapia anti-hipertensiva teve início com BCC ou DT e uma segunda droga é requerida, um IECA deve ser adicionado; se a terapia inicial foi com IECA, um BCC ou DT deve ser adicionado. Se há a necessidade do uso de três drogas anti-hipertensivas, a combinação IECA, BCA e DT deve ser preferida. Se uma quarta droga é requerida, sugere-se antes: aumentar a dose do DT, adicionar outro diurético, e só então, betabloqueador e/ou alfabloqueador. 57


Betabloqueadores não são a terapia inicial indicada para a HA, mas podem ser considerados em: pacientes jovens,mulheres em idade fértil, pacientes com evidência de atividade simpática elevada e pacientes com intolerância aos IECAs e aos bloqueadores dos receptores da angiotensina. Em pacientes cuja meta está atingida com um regime que inclui o BB, revisões periódicas devem ser feitas e não há a necessidade absoluta de se trocar o BB. Fica clara, a restrição importante que essa Diretriz faz à classe dos beta-bloqueadores. É importante enfatizar que os betabloqueadores permanecem como agentes bastante eficazes para o tratamento da insuficiência cardíaca, certos tipos de arritmia, cardiomiopatia hipertrófica destrutiva e para pacientes no pós-infarto do miocárdio. Pacientes acima dos 55 anos (que, no caso do uso do betabloqueador para hipertensão, são considerados idosos), com sobrepeso, histórico familiar de diabetes e hipertrofia ventricular esquerda não devem usar atenolol. Também é enfatizar que todos os estudos de resultados, não mostrando benefícios na hipertensão, foram conduzidos com tradicionais BB, como o propranolol, atenolol e metoprolol. Se os novos agentes, com propriedades vasodilatadoras, como o nebivolol e o carvedilol, que parecem ter um perfil hemodinâmico e metabólico mais favorável, serão eficazes em reduzir morbi-mortalidade, ainda é preciso ser determinado. Da mesma forma que se analisa o custo-benefício de uma determinada estratégia terapêutica, aplicando-se o número necessário para tratar (NNT), deve-se calcular também a possibilidade de se causar, com o procedimento adotado, algum malefício ao paciente. Para isso, utiliza-se o NNH (Number Needed to Harm), que no caso dos betabloqueadores isolados, com foco no acidente 58


vascular cerebral, é de 2.500, ou seja, é preciso tratar 2.500 pacientes/ano para causar um quadro de acidente vascular cerebral. Em estudos que avaliaram o betabloqueador junto com o diurético, esse número cai para 909 pacientes/ano; utilizando-se somente o atenolol, o número cai para 714/ano; incluindo-se os pacientes idosos, para 625. Os Estados Unidos hoje têm 600 milhões de hipertensos, o que significa que o uso de betabloqueadores neste contexto sugerido pode provocar 210 mil acidentes vasculares desnecessários por ano. A análise fria demonstra que o betabloqueador quando usado em monoterapia para hipertensão arterial não complicada, viola claramente o princípio hipocrático do primum non nocere (primeiro não prejudicar).

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DOENÇAS DO COLÁGENO E CARDIOPATIAS Dr. Daniel França Vasconcelos Currículo


Ao abordar as doenças reumatológicas, encontramos as próprias manifestações cardiovasculares relacionadas à doença do colágeno e o processo inflamatório. Encontramos também a doença aterosclerótica coronariana associada à doença reumatológica. Este é um tema de grande importância, pois a doença cardiovascular está presente em 50% dos indivíduos portadores de doença reumática. E a doença cardiovascular é responsável por 40% das mortes desses indivíduos. As causas são infarto agudo, morte súbita e, particularmente na esclerose sistêmica, a hipertensão pulmonar. Várias estruturas cardiovasculares podem estar acometidas nas doenças reumatológicas relacionadas diretamente ao processo inflamatório da doença. Na artrite reumatóide, por exemplo, o pericárdio é acometido de 2 a 10% e raramente temos pacientes com tamponamento cardíaco. Em outra patologia como o lúpus eritematoso sistêmico, os pacientes tem manifestações relacionadas à pericardite com uma frequência que varia de 6 a 50%. Nos pacientes sem sintomas, a frequência costuma ser pouco abaixo de 30%. Naqueles pacientes com insuficiência cardíaca, 30% apresentam derrame pericárdico. A esclerose sistêmica tem uma prevalência maior, entretanto, os derrames raramente são grandes. O ecocardiograma é o exame padrão na avaliação da presença de derrame, embora não seja muito bom para avaliar grau de espessamento do pericárdio. A ressonância nuclear magnética (RMN) e a tomografia computadorizada (CT) são exames ideais para avaliar se existe espessamento, mas não necessários para diagnosticar a pericardite (que pode, muitas vezes, ser identificada com a avaliação clínica). Esses dois métodos tem sensibilidade de 88% e especificidade 100% com uma acurácia de 93%. As válvulas também são estruturas frequentemente acometidas por doenças reumatológicas. No lúpus eritematoso sis61


têmico, quando avaliado pela ecocardiografia transesofágica, 50 a 60% de indivíduos apresentam espessamento valvar mitral e aórtico. Quando avaliados pelo ecocardiograma transtorácico, essa prevalência diminui um pouco, mas também é alta, desde que a janela ecocardiográfica seja satisfatória. Na artrite reumatóide, a válvula aórtica é cometida em 5 a 15% e a válvula mitral entre 5 e 35%. Na esclerose sistêmica, o espessamento nodular chega a ser encontrado em 38% e as vegetações são raras, segundo um estudo de necropsias feito ao final da década 1960. Na síndrome do anticorpo antifosfolipídeo, a válvula mitral está frequentemente acometida (63%), a aórtica em 32%. A valva tricúspide costuma também ser acometida, porém numa frequência um pouco menor. A espondilite anquilosante também provoca espessamentos com aspectos nodulares, principalmente nos bordos das lacíneas das válvulas aórticas e mitral. Além do pericárdio e das valvas, pode haver inflamação miocárdica nas doenças reumatológicas. Na atrite reumatóide foi encontrado miocardite em 19% das necropsias, também no estudo de necropsias realizado na década de 60. A amiloidose cardíaca também pode ser encontrada na artrite reumatóide. Há depósito do tecido amilóide, próprio das doenças crônicas, principalmente acometendo os tecidos conjuntivos. No lúpus eritematoso sistêmico, há uma prevalência de miocardites em 8 a 25%, que, após a utilização do corticóide no tratamento, caiu para 5% dos pacientes. Na esclerose sistêmica, o envolvimento do miocárdio é habitualmente discreto e, quando existe insuficiência cardíaca, ela costuma ser incipiente e muitas vezes de difícil diagnóstico, em razão das manifestações sistêmicas induzidas pela própria doença inflamatória. Para diagnóstico, pode-se utilizar a ecocardiografia, que não mostra alteração inflamatória do tecido, mas mostra a disfunção ventricular, que é a primeira manifesta62


ção ecocardiográfica do acometimento do miocárdio. Esses pacientes costumam ter dilatação ventricular e redução da fração de ejeção – além da presença ou ausência dos acometimentos valvares, bem como dos folhetos pericárdicos. A cintilografia miocárdica, principalmente a cintilografia com o gálio, que mostra atividade inflamatória miocárdica e, mais recentemente, a ressonância magnética nuclear, que tem sido uma ferramenta ótima para avaliar processo inflamatório, entretanto, tem um custo ainda elevado e, muitas vezes, a condição clínica do paciente descompensado não permite que você faça a ressonância magnética, uma vez que o paciente fica dentro da câmara fechada e, muitas vezes, não tolera ficar em decúbito dorsal e em apneia durante muito tempo. O outro assunto relacionado à doença reumática é a prevalência da doença coronariana. A presença de lúpus eritematoso sistêmico aumenta de 4 a 8 vezes o risco de eventos coronarianos. O risco pode chegar a 50 vezes nos pacientes que fazem uso crônico de corticóides, sugerindo que tal uso teria papel importante no aumento do risco da doença aterosclerótica coronariana em pacientes portadores de doenças reumáticas. Na artrite reumatóide, esse risco é um pouco menor, de 2 a 3 vezes. Outro aspecto importante dos pacientes portadores de doença reumática e doença arterial coronariana é que eles geralmente têm manifestação clínica menos exuberante, mais silenciosa: não costumam ter quadros clínicos típicos de doença coronariana – muitas vezes, os sintomas são reduzidos, não só pelo uso de analgésicos e corticóides (que podem mascarar a dor), mas também pelo uso de corticóides e antiinflamatórios (estes também estão relacionados com o risco aumentado de eventos cardiovasculares). Alguns mecanismos da doença inflamatória reumática podem levar ao aumento da prevalência de doença aterosclerótica coronariana. Os fatores de riscos tradicionais se exacerbam 63


e potencializam o desenvolvimento do processo aterosclerótico dos indivíduos portadores de doenças reumáticas – como é o caso do tabagismo que é muito mais prevalente nos pacientes com doenças reumatológicas do que na população geral. Então esse grupo paciente tem mais hipertensão, diabetes, tudo relacionado ao uso crônico de corticóides e anti-inflamatórios não esteroidais. Esses pacientes têm a lipoproteína A bastante elevada. Outro mecanismo provável é a elevação de marcadores inflamatórios como a PCR e a homocisteina, que sabidamente levam à disfunção endotelial. Alguns achados em pacientes com doenças reumatológicas tem valor preditivo. Particularmente na artrite reumatóide, quando presente, provocam o aumento da mortalidade. Estes achados são: pacientes com idade avançada, com incapacidade funcional provocada pelas lesões articulares da artrose, relacionadas ao processo inflamatório, o número de articulações acometidas. A presença de fator reumatóide positivo, de nódulos reumatóides e VHS elevado, que são fatores característicos da doença reumática, também tem valor preditivo de mortalidade aumentada. Os indivíduos portadores de doença reumática também têm maior prevalência de arritmia do que a população normal. Existe ainda maior incidência de morte súbita, que muitas vezes é a primeira manifestação da arritmia nesses pacientes. Podemos encontrar taquiarrimtias e bradiarritmias. A identificação da arritmia pode ser feita durante a avaliação semiológica cardiovascular. O eletrocardiograma é extremamente importante para identificar o tipo de arritmia. O holter é outra ferramenta importante para quantificar e identificara as arritmias menos frequentes. O estudo da variabilidade da frequência cardíaca permite avaliar o estado autonômico destes pacientes que está invariavelmente alterado. Na artrite reumatóide, as taquiarritmias são mais frequentes 64


naqueles pacientes portadores de nódulos reumatóides, com doença aterosclerótica coronariana, com vasculite, miocardite e hipertensão pulmonar. No lúpus eritematoso,encontramos taquicardia sinusal em 50% dos indivíduos. Mas temos pacientes com também fibrilaçao atrial, extra-sístoles supraventriculares e aumento do intervalo QT. Na esclerose sistêmica, temos tanto arritmias supra quanto ventriculares, e a causa, provavelmente, é a presença da fibrose miocárdica. Quando o paciente tem esclerose sistêmica e arritmia, o prognóstico é muito pior e a arritmia deve ser tratada para evitar complicações graves como a morte súbita. No tratamento das taquiarritmias, habitualmente utilizamos os bloqueador de cálcio como o Verapamil, e em algumas situações o digital, principalmente quando o paciente encontrase com insuficiência cardíaca. Os betabloqueadores também podem ser utilizados. entretanto com a cautela naqueles pacientes com vasculite e doença arterial periférica. Ainda pode-se utilizar nos pacientes que tiveram morte súbita abortada ou, naqueles identificados como alto risco de desenvolver morte súbita após avaliação clínica, ou após a realização de estudo eletrofisiológico com indicação de desfibriladores e, eventualmente, a ablação como forma de terapêutica desses pacientes com arritmias sem resposta adequada ao tratamento clinico. Além das taquiaritmias, os distúrbios da condução são comuns e frequentes, até mais que as taquicardias, e, habitualmente, estão presentes na fase ativa da doença. Quando se trata a doença, os distúrbios de condução costumam desaparecer. Observamos tanto distúrbios do automatismo como da condução. Entre as alterações do automatismo encontramos as bradicardias e a disfunção do nódulo sinusal e entre os distúrbios de condução destacam-se tanto os bloqueios pelo ramo direito, presente em 35% do casos, como pelo ramo esquerdo. No lupus, os distúrbios da condução po65


dem ser encontrados em 34-70% dos pacientes acometidos de miocardite e é mais frequente nos pacientes com Anti-RO SSA positivo. A explicação fisiopatológica para a presença de arritmias pode ser diversa. Na artrite reumatóide, encontramos a presença de infiltrados, ou seja, um processo inflamatório de padrão crônico, mononuclear e granulomas reumatóides, em todo o tecido de condução. Além disso, a inflamação da artéria coronária, o depósito de substância amilóide e anticorpos contra o tecido de condução já foram identificado em até 35% dos pacientes. Bloqueio atrioventricular é raro e é mais comum nos casos com recém nascidos de mães lúpicas, quando têm atividade da doença durante a gestação, cuja prevalência é de 3%. Na esclerose sistêmica, 25 a 75% dos pacientes têm bloqueio de ramo e a causa costuma ser a fibrose. Aqui também são encontrados anticorpos contra o tecido de condução. Essas doenças não são extremamente frequentes, mas, ainda assim, é comum encontrar pacientes portadores de uma dessas patologias no dia-a-dia de um consultório ou enfermaria. Existem poucos estudos, a maioria com modelo de estudo transversal e com resultados controversos, exatamente porque a população é pequena. Mas, muitas vezes, o envolvimento cardíaco está presente e é preciso sabe lidar com esta condição clínica.

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1. B. Seriolo, A. Sulli, A. Burroni, M. Cutolo. Artrite reumatoide ed aterosclerosi. Rheumatoid arthritis and atherosclerosis. Reumatismo, 2003; 55(3):140-146; 2. C.V. Brenol, O. A. Monticielo, R. M. Xavier, J. C. T. Brenol. Artrite reumatoide e aterosclerose. Rev Assoc Med Bras 2007; 53(5): 465-70 3. R. Maksimovic, P. M. Seferovic, A. D. Ristic, B. Vujisic-Tesic, D. S. Simeunovic, G. Radovanovic, M. Matucci-Cerinic and B. Maisch. Cardiac imaging in rheumatic diseases. Rheumatology 2006;45:iv26– iv31 doi:10.1093; 4. P. M. Seferovic, A. D. Ristic, R. Maksimovic, D. S. Simeunovic´, G. G. Ristic, G. Radovanovic, D. Seferovic, B. Maisch and M. Matucci-Cerinic. Cardiac arrhythmias and conduction disturbances in autoimmune rheumatic diseases. Rheumatology 2006;45:iv39–iv42 doi:10.1093 5. Carl Turesson, Lennart TH Jacobsson, Eric Matteson. Cardiovascular Co-morbity in rheumatic diseases. Vascular Health and Risk Management 2008; 4(3); 6. A. E. Voskuyl. The heart and cardiovascular manifestations in rheumatoid arthritis. Rheumatology 2006;45:iv4–iv7 67


SISTEMA RENINAANGIOTENSINA E DOENÇAS CARDIOVASCULARES Dr. Francisco Currículo


Novas experiências reforçam a idéia de que as futuras estratégias para o tratamento das doenças cardiovasculares terão como alvo o cérebro. Um recente estudo demonstra a existência de beta-adrenoreceptores-nervosos, previamente não reconhecidos, cujo bloqueio mostra efeito benéfico na existência cardíaca. Já está bem estabelecido que os betabloqueadores têm uma influência direta e benéfica sobre o coração, mas alguns resultados desafiam esta visão, sugerindo que estes fármacos também podem agir diretamente sobre o cérebro e que esta ação pode contribuir com efetividade clínica nos quadros de insuficiência cardíaca. Estes dados, adicionados a evidências crescentes, reforçam a idéia de que novas abordagens podem ser encontradas para o tratamento de doenças cardiovasculares, mas objetivando locais no sistema nervoso central. Análises de estudos recentes têm indicado similar ou, possivelmente, superior benefício dos betabloqueadores em relação aos IECA, ao que se refere ao tratamento da insuficiência cardíaca. O mais importante componente para o tratamento da insuficiência cardíaca parece ser o emprego dos betabloqueadores. Entretanto, os betabloqueadores utilizados no tratamento da insuficiência cardíaca constituem um grupo de componentes com diferenças individuais significantes no que se refere à farmacologia e a farmacodinâmica. A eficácia dos três betabloqueadores, bisoprolol, metoprolol, agindo preferencialmente nos beta-um receptores, e carvidilol, agindo nos receptores alfa-um, beta-um e beta-dois no tratamento da insuficiência cardíaca, já foi bastante bem avaliada em grandes estudos. Pacientes tratados com carvidilol e metropolol experimentam melhora na função do VE e retardo na progressão de remodelamento ventricular e, como consequência, redução no número de mortes por piora do quadro de insuficiência cardíaca. Por outro lado, o bisoprolol 69


diminui a mortalidade principalmente pela redução da incidência de morte súbita. nebivolol, uma terceira geração de betabloqueadores lipofílicos, está sendo desenvolvido recentemente e sua eficácia na insuficiência cardíaca tem sido testada em grandes estudos. É preciso determinar se o nebivolol é superior a outros betabloqueadores, como carvidilol e metropolol, no tratamento da insuficiência cardíaca. Sabe-se que outros betabloqueadores bucindolol são ineficazes quando usados para pacientes com insuficiência cardíaca, indicando claramente que os efeitos benéficos dos betabloqueadores, na remodelação ventricular, na morte súbita cardíaca e na mortalidade não pode ser referida como um efeito de classe nem pode ser satisfatoriamente explicada pelo bloqueio específico de subsídicos de betarreceptores. Muitos mecanismos são propostos para explicar os vários efeitos dos diferentes betabloqueadores da insuficiência cardíaca: variabilidade das respostas sobre a própria frequência cardíaca, modulação da atividade neuro-moral, antagonismo nas relações tóxicas da norepirefrina e favoráveis efeitos energéticos miocárdico. Mais recentemente, diferenças nas respostas terapêuticas aos betabloqueadores têm sido ligadas a polimorfismos genéticos. As evidências, contudo, não podem explicar totalmente a variabilidade de efeitos dos betabloqueadores na insuficiência cardíaca. Parece, entretanto, que os betabloqueadores, que produzem significante benefício no tratamento da insuficiência cardíaca, têm em comum os relativos graus de lipofilicidade e, como resultado, a habilidade para cruzar a barreira hematoencefálica. Através dos anos, os efeitos dos betabloqueadores sobre o sistema nervoso central (fadiga, dor de cabeça e distúrbios do sono) têm sido considerados como efeitos colaterais em sua ação terapêutica. Desde 1990, sabe-se que uma primeira evidência experimental foi publicada, demonstrando que as 70


ações benéficas dos betabloqueadores lipofílicos na prevenção da fibrilação ventricular poderiam ser atribuídas a uma possível ação direta sob o sistema nervoso central. Este estudo experimental provém a primeira evidência direta de que as ações dos betabloqueadores no interior do sistema nervoso central podem ter influência sobre a insuficiência cardíaca. Neste estudo, a administração crônica do metoprolol diretamente no cérebro atenuou a progressão da remodelação do ventrículo esquerdo em modelos de ratos com insuficiência cardíaca induzida pelo infarto do miocárdio. Esta ação parece ser mediada via redução da estimulação simpática para o coração. Estes dados indicam a existência de mecanismos nervosos de beta-adenoreceptores que, bloqueados, trazem benefícios nos quadros de insuficiência cardíaca. Entretanto, a localização precisa da ocorrência destes mecanismos ainda é incerta. Dados do estudo sugerem que os betabloqueadores podem exercer essas ações na medula oblongata, mas as evidências obtidas ainda são indiretas. Estudos de imunoistoquímica e de hibridização in vitro revelam uma larga beta-adrenorreceptores através do serum mamaliam, entretanto, as hemilagens dos beta-adrenorreceptores no cérebro humano não estão ainda completamente desenvolvidas. A noção de que a doença cardiovascular pode ser vista como uma doença cerebral, envolvendo disfunção do sistema nervoso autonômico, não é uma novidade. Isso é reforçado por um vasto corpo de evidências, demonstrando um aumento de atividades no sistema nervoso simpático, diminuição do tono vagal e diminuição da variabilidade de insuficiência cardíaca em pacientes com insuficiência cardíaca, hipertensos, obesos e mesmo pacientes isquêmicos. Existem também evidências de que doenças cardiovasculares congênitas estejam associadas a disfunções autonômicas. A progressão de muitas doenças cardiovasculares para um qua71


dro de inserção cardíaca congestiva está associada a aumentos característicos da atividade simpática, acredita-se que mal adaptativas, contribuindo para a progressão da disfunção ventricular esquerda. Se alterações em mecanismos do sistema nervoso central que controlam a atividade autonômica contribuem para o desenvolvimento de doenças cardiovasculares, quando se identificarem os sítios desses mecanismos, eles poderão vir a ser de alto valor terapêutico. Existem evidências de que o sistema renina-angiotensina cerebral e sua regulação de citocinas cerebrais contribuem para a progressão da insuficiência cardíaca que se segue a um infarto do miocárdio. Isso é constatado por evidências experimentais, mostrando que a infusão crônica de um BRA ou da espironolactona, ou ainda de um gene central transferidor da interleucina desatenuam a informação hipotalâmica, todas elas reduzindo a remodelação do ventrículo esquerdo em ratos após o infarto do miocárdio. Foi descrita, recentemente, uma atenuação da remodelação do VE com melhora da função ventricular esquerda e redução do tono simpático, após o IAM. E, em ratos transgênicos, nocaute para angiotensina cerebral. Outro trabalho, na mesma linha, mostrou que o bloqueio das adeno-receptores cerebrais produz um benefício similar. AVC do lobo parietal aumenta risco de futuros eventos cardíacos fatais. Esse estudo teve objetivo avaliar a incidência, os fatores de risco e os prognósticos dos acidentas vasculares encefálicos numa população urbana multiétnica. Foram avaliados 665 indivíduos por cerca de 4 anos, pacientes com episódio de acidente vascular encefálico isquêmico, idade acima de 40 anos (média de 70), num evento cardíaco adverso, incluindo IAM não fatal e morte cardíaca, como resultado o infarto do miocárdio, ICC, ou morte súbita por arritmia. 44 pacientes tiveram o evento fatal, 13,2% morreram de ICC fatal, 38% IAM fatal, 43% de morte súbita. O diagnóstico clínico de infarto do lobo parietal es72


querdo esteve associado com morte cardíaca com ??? de 4,45. O ??? para morte cardíaca ou infarto do miocárdio foi 3,30. Quando somente achados de neuro imagens CT, ressonância e ??? foram consideradas na avaliação do local do acidente vascular encefálico, o infarto do lobo parietal esquerdo esteve associado a morte cardíaca com ??? de 3,37. Ambos, infarto do lobo parietal esquerdo e direito, estiveram associados com morte cardíaca ou infarto do miocárdio. Os investigadores não encontraram qualquer associação entre infarto cerebral de lobos frontal, temporal ou insular e eventos cardíacos fatais. Esses achados, ligando de forma significativa acidentes vasculares encefálicos, lobo parietal e futuro risco de eventos cardíacos e morte, são novos e necessitam de confirmação através de outros estudos antes que qualquer recomendação clínica seja feita. Entretanto, sugerem que os médicos devem estar atentos a um potencial aumento de risco cardíaco nesses pacientes, seguindo-os com bastante atenção e cuidado para o aparecimento de qualquer sintomatologia cardíaca e considerar seu tratamento suplementar com medicações, que sabidamente exerçam efeitos cardioprotetores, como estatinas e betabloqueadores. Passou-se 54 anos desde a primeira descrição de um quadro que privilegia a função diastólica. O autor, em 1930, fala em sucção do ventrículo esquerdo, já denotando algum grau de sabedoria de que é um processo ativo, até a primeira descrição de um quadro clínico de insuficiência cardíaca em função sistólica preservada, em 1984. A descrição clássica da insuficiência cardíaca diastólica, entretanto, só veio mais tarde, no fim do século 20, descrito por um grupo europeu de estudo de insuficiência cardíaca diastólica. Normalmente, o ventrículo esquerdo apresenta uma fase de relaxamento ventricular ativo, que se inicia pouco antes do fechamento da válvula aórtica e termina na fase de fechamento ventricular rápido. 73


É um processo mecânico ativo que se inicia com a liberação do cálcio pela troponina “C” – esse cálcio vai proporcionar o desacoplamento entre actina e miosina e precisa ser recaptado pelo retículo citoplasmático, o que é feito através de bombas de cálcio e sódio contra a gradiente, com consumo energético. O acúmulo desse cálcio citoplasmático, que ocorre precocemente em doenças que aumentam o consumo de O2 pelo miocárdio, já desenvolve uma alteração do relaxamento, razão pelo qual os quadros de disfunção diastólica ocorrem muito antes dos quadros de disfunção sistólica. A fase de complacência já é uma função basicamente da câmara ventricular, dependendo da contração atrial, e está intimamente ligada à rigidez da câmara ventricular, estando alterada na hipertrofia ventricular esquerda, nos pacientes idosos, em função do aumento do colágeno que e ??? cardíaco. Todos os medicamentos utilizados para o tratamento da insuficiência cardíaca sistólica, teoricamente, podem ser utilizados para o tratamento da insuficiência cardíaca diastólica, além dos bloqueadores de canais de cálcio, que sabe-se que estão proscritos nos quadros de insuficiência cardíaca sistólica, de forma que, teriam mais facilidade de agir num paciente portador de doença cardíaca diastólica, do que num paciente portador de insuficiência cardíaca sistólica. Acredita-se que na atualidade não se fariam estudos avaliando o valor terapêutico dos diuréticos – primeiro, porque, nos quadros de insuficiência cardíaca sistólica, eles estão absolutamente estabelecidos; e segundo porque não há interesse, em função do seu custo e da ausência total de patentes, que qualquer indústria patrocinasse tais estudos. Embora eles tenham uma importância capital na insuficiência cardíaca diastólica, a ativação neuro-moral que ocorre precocemente nos quadros de insuficiência cardíaca e que tem papel preponderante no desenvolvimento de hipertrofia ventricular esquerda propicia 74


rapidamente uma retenção ???, um aumento do volume sistólico central – e essa retenção líquida estimula mecanismos celulares e extracelulares que propiciam rapidamente o desenvolvimento de um quadro de disfunção e de insuficiência cardíaca diastólica. Um trabalho publicado em novembro de 2008 avaliou os efeitos dos diuréticos e bloqueadores do sistema reninaangiotensina, riberzatan e romepril em 150 pacientes com insuficiência cardíaca diastólica. Foram analisados qualidade de vida (através do questionário de Minessota), teste de seis minutos, resistência diastólica e BNP. Houve melhora idêntica na qualidade de vida com as três dobras utilizadas; o teste de seis minutos, nenhuma delas teve efeito satisfatório; a resistência diastólica teve um efeito melhor com os dois bloqueadores do sistema renina-angiotensina e o BNP com o diurético não teve nenhum tipo de vantagem. O aumento do emprego dos bloqueadores AT1, com o tratamento da hipertensão da pressão arterial tem favorecido seu desenho terapêutico também para o tratamento da insuficiência cardíaca diastólica. Um estudo pequeno, já um pouco mais antigo, avaliou o papel do losartan na tolerância e na resposta hipertensiva ao exercício. Quando o losartan foi utilizado, houve uma melhora no tempo de exercício, de ter um estudo consistente com esses valores e uma diminuição importante do pico sistólico intraexercício e melhora na qualidade de vida, além de diminuição de hospitalização (tanto no número de pacientes quanto nos dias de internação) e de número de episódios de hospitalização. Ao se avaliar um desfecho duro ou primário, óbito ou hospitalização, não houve qualquer diferença entre o placebo e os pacientes que fizeram uso da droga ativa. Outro estudo, publicado em New Orleans (EUA), avaliou o valzartan na disfunção diastólica, o estudo Value Trial. Ele 75


foi desenhado baseado na hipótese de que a inibição do sistema renina-angiotensina, com um BRA, no caso de valsartan, poderia melhorar a função diastólica em pacientes hipertensos em extensão maior do que outras terapias anti-hipertensivas – possivelmente em função de regressão da hipertrofia ventricular esquerda, redução da massa do VE, ou ainda por redução da fibrose miocárdica. Estudo duplo cego randomizado, placebo controlado, comparou os efeitos do valsartan versus placebo adicionados à terapia padrão anti-hipertensiva e comparou medidas eco-tissular de avaliação diastólica. A disfunção diastólica foi confirmada através das medidas clássicas, do eco-tissular. Homens e mulheres acima de 45 anos, estágio um e dois de hipertensão arterial. Randomizados para 160, titulados até 320 ou placebo em adição ao tratamento padrão concomitante. O alvo da PA, níveis abaixo de 130 e 80, com estratégia que adicionava esse esquema, a diurética seguida de bloqueadores, canais de cálcio, betabloqueadores ou alfabloqueadores. Em nove meses de tratamento, a média pressórica diminui no grupo valsartan de 143 para 84 e no grupo placebo de 134 para 82. No final do estudo, não houve qualquer diferença entre os dois grupos. Quando há avaliação de todos os parâmetros de análise ecodopplercardiográficos em disfunção diastólica, não há nenhum tipo de avaliação consistente. O Value foi o primeiro estudo multicêntrico a avaliar a função diastólica com objetivo primário. Ao final de 38 semanas, foi repetido o eco em 341 pacientes para completar o estudo. Observou-se aumento discreto do EIA em ambos os grupos de tratamento, sem qualquer diferença de estatística entre o valsartan e o placebo. Também não houve diferença nos objetivos secundários, exceto por uma melhora no relacionamento do uso volumétrico do valzartan e diminuição pequena no índice de massa VE, também sem qualquer tipo de significância estatística. 76


Outro estudo bem recente, também com os ???. A hipótese do ??? é que ??? podia estar associada a redução de mortalidade cardiovascular em paciente com insuficiência cardíaca e fração de ejeção preservada. Idade, 60 anos, sintomas clássicos, fração de ejeção acima de 45, pacientes 2,4,3,4, objetivos primários, mortalidade por todas as causas, via hospitalização por causas cardiovasculares. Todas as vezes que forem feitos, foram feitos desenhos de estudos em insuficiência cardíaca diastólica, objetivos duros, como mortalidade, os resultados não tiverem significância estatística. Seguinte, 4.120, 2000 para irbesartana, 2000 para placebo, características basais, insuficiência cardíaca secundária a hipertensão em 64 por DAC 25. Na basal, não ocorre na insuficiência cardíaca sistólica; exatamente ao contrário, na insuficiência cardíaca sistólica, o maior índice é de pacientes com DAC, não com hipertensão. A basal mede 60, classe funcional 3, 70% dos pacientes e 44% tinham, nos últimos seis meses, um quadro de internação clínica por insuficiência cardíaca. O estudo foi iniciado com 75; duas semanas depois, dobrado; outras duas semanas; dobrado. Os pacientes faziam uso de diurético (83%), espironolactona (15%); eclites (26%), dioxina (14%), betabloqueadores (59%); anticoagulantes orais (19%) e anti-hipolipemiantes (31%). Não houve qualquer diferença significativa na qualidade de vida aos seis meses, nem nas médias dos níveis de LP pró BNP. Mortalidade, hospitalização cardiovascular, piora na insuficiência cardíaca ou hospitalização por ???. Não houve nenhuma diferença de estatística em qualquer dos parâmetros analisados. A curva de morte ou hospitalização por quadro cardiovascular é completamente superponível, mostrando um p<0,35 sem qualquer significância estatística. Hipercalemia importante acima de seis ocorreu mais frequentemente no grupo irbesartana, três vezes dois, com sinal, um valor significante. Hipotensão foi 77


similar entre os dois grupos, três versus três. Os resultados do I Preserve indicam que o emprego da irbesartana não está associado a redução de mortalidade cardiovascular e morbidade em pacientes com insuficiência cardíaca e fração de ejeção preservada, com o aumento da incidência de efeitos adversos, incluindo hipercalemia importante. Esses resultados são similares aos observados no ???, com a cadeia sartana e no PEP, com o ???. Outras razões possíveis para esses resultados negativos, segundo um editorial dos próprios autores, podem ser a presença de outros mecanismos fisiopatológicos desenvolvidos nesse grupo de pacientes com insuficiência cardíaca, já que a insuficiência cardíaca diastólica permanece como entidade ainda não bem compreendida. Os betabloqueadores exercem todos os efeitos desejados para pacientes com insuficiência cardíaca diastólica, pelo menos do ponto de vista teórico: diminuem, a frequência cardíaca, prevenindo a taquicardia, aumentando a diástole, ação antiarrítmica; reduzem a pressão arterial e consumo de oxigênio; promovem, em grau pequeno, a redução da hipertrofia ventricular esquerda – tudo levando um aumento de enchimento ventricular e o débito cardíaco. É uma ação que se estende durante o exercício com a diminuição de taquicardia intra e pós-esforço, melhorando, do ponto de vista teórico e fisiopatológico, ainda mais o quadro de insuficiência cardíaca diastólica. Um pequeno estudo feito com objetivos também substitutos, avaliação de padrões ecodopplercardiográficos. Foi feito com carvidilol, n=103, utilizado IECA mais carvidilol e o doppler foi utilizado para avaliar a função diastólica. Houve uma melhora significativa da medida de função diastólica e ecocardiográfica de função diastólica. Em outro estudo, de março de 2009, é questionado o benefício na insuficiência cardíaca naqueles pacientes com insuficiência cardíaca e função sistólica preservada. Uma revisão 78


do estudo Otimiza HS, mais de sete mil pacientes que estavam elegíveis para o uso de betabloqueadores, os pacientes com disfunção sistólica apresentaram diminuição de 23% na mortalidade e de 65% nos quadros de readmissão hospitalar. Nos pacientes com insuficiência cardíaca e pressão sistólica preservada, esses resultados foram zero: não houve nenhum tipo de diminuição, nem na mortalidade, nem no número de reinternações por insuficiência cardíaca. Baseando-se nesta análise e em alguns outros dados já publicados, os betabloqueadores não são resposta à insuficiência cardíaca com disfunção sistólica preservada. Acredita-se que o paciente só possa ter benefícios se forem concomitantemente portadores de diabetes média, ou se houver outras indicações específicas para esta classe de medicamentos. Os achados são consistentes com outros pequenos estudos de betabloqueio em pacientes similares, o que evidencia quão pobre é nosso entendimento fisiopatológico da insuficiência cardíaca com função sistólica preservada. Finalmente os bloqueadores da aldosterona, que, também do ponto de vista fisiopatológico, seriam as drogas de eleição para o paciente com insuficiência cardíaca diastólica. Já há muito se sabe que os níveis elevados de aldosterona acarretam um aumento grande de mortalidade cardiovascular, fundamentalmente por aumento da fibrose miocárdica em função do aumento dessa aldosterona, levando ao aumento de ??? depois ???. Desde o estudo “Consensus”, estes parâmetros são estabelecidos. Os níveis de aldosterona podem aumentar até vinte vezes além do seu basal na insuficiência cardíaca e contribuem fortemente para a formação da fibrose, motivo pelo qual esse medicamento foi eleito para um estudo patrocinado pelo governo americano. As vantagens dos bloqueadores de aldosterona é uma medicação disponível de baixo custo, sem patente industrial. Há em cima da ação da aldosterona um 79


evidente racional fisiopatológico e o perfil dos efeitos colaterais é absolutamente conhecido. O estudo (???) é um estudo fase três, randomizado, duplo cego, placebo controlado, com 4.500 pacientes (o Brasil está participando) e pacientes com fração de ejeção acima de 45, espironolactona versus placebo, o objetivo primário, morte cardiovascular e hospitalização por ICC. Um follow-up de mais ou menos dois anos e há notícias de que a gente possa ter ao final desse ano já alguns resultados antecipados. Seguinte, então nós temos um estudo feito, um estudo bem desenhado com charme sem qualquer tipo de resultado satisfatório. Há consistentes resultados com betabloqueadores mostrando que não é a droga de eleição para esse tipo de paciente. Todos os estudos efetuados com bloqueadores dos receptores de angiotensina não mostraram efeitos favoráveis nos objetivos duros, tanto o válido como o ???, e há que se esperar por resultados do ??? para que a gente possa ter algum tipo de luz sobre o tratamento desses pacientes.

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HDL: aumentar sempre?

Dr. Luís Introcaso Currículo


Antes de tentarmos responder esta questão, vamos fazer uma breve recordação do que é a fração HDL do colesterol, e qual tem sido, até então, nossa conduta, para depois discutirmos metas, e como atingi-las. Lipoproteínas (LP): os lípides são geralmente substâncias hidrofóbicas, portanto insolúveis no meio aquoso plasmático. Para serem transportados têm de se ligar às proteínas. As LP são compostas de uma camada externa que contém as apolipoproteínas (Apo), fosfolípides (PL) e Col livre. O núcleo contém ésteres de Col (EC) e triglicérides (TG). O conteúdo destas camadas é que vai diferenciar o tamanho e a densidade. De um modo geral quanto maior e menos densa - menos aterogênica, e quanto menor e mais densa - mais aterogênica (1). Metabolismo lipidíco: esquema simplificado As partículas de HDL são formadas no fígado, no intestino e na circulação e seu principal conteúdo proteico é representado pelas Apos AI e AII. Existem também as Apo AIV, C, E, J e D. 1. Através a membrana celular o Col livre e PL das células periféricas migram para a capa da Apo A-I pobre em lípides, formando a pré HDL ou HDL nascente (forma discóide - como se fosse um caminhão vazio). A lecitil cololesterol acil transferase) (LCAT) esterifica o Col livre, que uma vez esterificado (EC) é internalizado no núcleo da HDL iniciando sua maturação, adquirindo a forma esférica (como se fosse um caminhão cheio). A lipidação progressiva, aumenta o tamanho e transforma a HDL em HDL 2. A proteína de transferência dos esteres de Col (CETP) transfere os EC da HDL para as Apo B em troca de triglicérides (TG). Então seguem 2 caminhos: A – as LDL ricas em TG são capturadas pelos re83


ceptores hepáticos específicos para as LDL. B - as HDL ricas em TG são hidrolisadas pela lipase hepática (HL) resultando na regeneração das Apo A-I pobre em lípides. 2. Na hiperTG, a CETP transfere preferencialmente os EC da HDL para as partículas ricas em TG. Isto resulta em VLDL ricas em EC, o que, sob ação da HL, gera as LDL pequenas e densas e HDL pequena e densa. Quando então temos o perfil aterogênico mais prevalente: TG elevados e HDL baixa (2). Ações da HDL: 1. Transporte Reverso do Col (TRCol): É a principal função da HDL – promover o efluxo de Col das células periféricas, especialmente das células espumosas. Com isso reduz o conteúdo de Col das placas ateroscleróticas. 2. Ação anti-oxidante: a HDL transporta várias enzimas das quais a paraoxonase (PON1) é a que mais tem ação anti-oxidante. Além disso as apolipoproteínas A-I, A-II e A-IV têm propriedades anti-oxidativas intrinsícas 3. Ação antiinflamatória: inibe a citocina que induz expressão das moléculas de adesão 4. Ação antitrombótica: inibe o fator tissular, ativação e agregação plaquetária 5. Função endotelial: é estimulada – com isso retarda o desenvolvimento e a progressão da aterosclerose, e também induz à sua regressão. Nossa conduta clínica sempre tem sido dirigida para a LDL Col, baseada nas evidências de diversos estudos clínicos de redução de risco relativo de morte por doença arterial coronariana (DAC) e eventos coronarianos com uso de estatinas, sejam de prevenção primária (AFCAPS/TEXCAPS, WOSCOPS, CARE e HPS) ou de prevenção secundária (4S, LIPID, TNT) os quais mostraram redução de 20 a 40%. A pu84


blicação do Framingham Heart Study Report 1970, já mostrava uma redução progressiva de risco relativo de eventos coronarianos em homens assintomáticos de acordo com os menores níveis de LDL, o mesmo também foi observado em relação aos maiores níveis de HDL. Então quanto mais baixa a taxa de LDL melhor, isto já está definitivamente comprovado. Mesmo com essas significativas taxas de redução de eventos, sempre resta um risco residual, também significativo (3). E quanto às taxas de HDL, será que podemos aplicar este mesmo conceito – “quanto mais alta melhor”? Até recentemente não existiam dados entre as alterações induzidas pelas estatinas na HDL e a progressão da aterosclerose. Na tentativa de esclarecer isto, foi feito uma metanálise pos-hoc de 4 grandes estudos randomizados – REVERSAL, CAMELOT, ACTIVATE e ASTEROID, englobando 1.455 coronariopatas e acompanhados pela evolução do volume da placa através ultrassom intracoronariano, por um período de 18 a 24 meses. 1. LDL reduziu de 124 para 87,5mg/dl (-23,5%): Quanto maior a diminuição da LDL, menor progressão e maior regressão da placa. Ponto de corte = 87,5mg/dl 2. HDL aumentou de 42,5 para 45,1mg/dl (+7,5%): Quanto maior a elevação da HDL, menor progressão e maior regressão da placa. Ponto de corte = aumento de 7,5 % 3. Relação LDL/HDL diminuiu de 3 para 1,1 (26,7%): quanto menor a relação, menor progressão e maior regressão da placa. O volume da placa aterosclerótica dimimuiu 5%. Então, temos pela primeira vez um número que correlaciona aumento da HDL com a evolução da placa. Todos os outros parâmetros lipidícos acompanharam es85


tes dados, porém nesta metanálise não houve diferença nos eventos clínicos (4). Como abordar um paciente com HDL baixa Abordagem Clínica (5) HDL Baixa: Causas secundárias: A. Tabagismo, obesidade, sedentarismo, dieta muito reduzida em gorduras B. DMII, IRC, D. inflamatórias crônicas C. Reações de fase aguda: sepsis, influenza D. Medicamentos: β-bloqueadores s/ASI, tiazídicos, andrógenos e probucol HDL: Aumento (6) Mudanças de estilo de vida Exercício Parar de fumar Perda de peso (cada 1kg)

Aumento > 10% > 4mg/dl +0.35mg/dl (perda já estabelecida) -0,27mg/dl (fase de emagrecimento)

Álcool 42,5 g/dia + 4mg/dl

Medicação 1. Niacina 2g: aumenta de 20-35%, por mecanismo ainda desconhecido, mas provavelmente por diminuir o catabolismo da Apo A1 2. Fibratos: aumenta 10-25%, por ativação da transcrição nuclear do PPAR alfa e também por diminuir a atividade da CETP 3. Estatina: vários graus, provavelmente por diminuição da atividade da CETP 4. Estatina + Niacina: aumento maior de 25%. Esta associa86


ção poderá ter seu efeito minimizado, quando portadores de DAC fizerem uso concomitante de antioxidantes, vitaminas E e C, β-caroteno e selênio (7). 5. Torcetrapib: aumenta 80%, por inibir a CETP, porém suspenso ensaios clínicos por aumentar a PA e a morbi-mortalidade, por provável mecanismo de aumentar o conteúdo de Col na HDL, que uma vez rica em Col poderá ter efeitos inflamatórios (8). 6. Miméticos da Apo A1: não exatamente por aumentar os níveis plasmáticos de HDL, mas por aumentar o TRCol, ou seja aumento de funcionalidade da HDL. Trata-se de uma variação genética da Apo A-I em que houve substituição da cisteína por arginina na posição 173. Os portadores desta variação têm HDL baixa (20-30mg/dl), TG elevados, aparente vida longa e estão menos propensos a eventos ateroscleróticos do que o esperado (9). 7. HDL delipidado: Um novo método que consiste em submeter a aférese o sangue de paciente em fase aguda de infarto do miocárdio, o que delipidaria a HDL, transformando-a em fração pre-beta HDL (pobre em lipides – caminhão esvaziado) e reinfundir no próprio paciente. Isto ativaria o TRCol enriquecendo a HDL (caminhão enchido) com consequente regressão da placa aterosclerótica. Em um estudo piloto com 28 pacientes houve regressão do volume da placa à semelhança dos resultados da infusão da ApoA1 Milano (10). Como vimos os níveis plasmáticos de HDL não avaliam as suas propriedades funcionais, leia-se TRCol. Mesmo em indivíduos normais, a HDL pode inverter suas funções para pró-oxidante, pró-inflamatório, de uma maneira transitória em presença de uma infecção sistêmica. Nestas condições a mieloperoxidase, além de poder inibir a ação do NO, catalisa uma modificação oxidativa na HDL, diminui seu conteúdo 87


de ApoA1, PON1 (reactante negativo na reação de fase aguda no soro – protetor), em favor do aumento da expressão da ApoJ (reactante positivo na reação de fase aguda no soro – deletério) com consequente diminuição da concentração de HDL em até 50% e principalmente na sua função de TRCol (11). Então a fração HDL chamada de Col “bom” deixa de ser “bom” e passa ser “mal”. Curioso o “Col bom” ser realmente “bom” e o “Col bom” poder ser “mal”! Já existem meios de quantificar o índice inflamatório da HDL (12). No mais recente escore de Framingham de risco de DAC, HDL acima de 60mg/dl, subtrai 2 pontos na somatória final do cálculo de risco absoluto de DAC, tanto em mulheres quanto em homens (13). A resposta às questões formuladas: Aumentar sempre a HDL? A resposta é sim, porém de maneira reconhecidamente eficaz e segura. Quanto mais alta melhor? As evidências de momento são de que nem sempre isto é verdade, uma vez que a funcionalidade da HDL no TRCol nem sempre depende dos seus níveis plasmáticos. Variações genéticas dos níveis de HDL devem interpretadas em suas caracteristicas individuais. A estratégia de tratar portadores de DAC com HDL baixa é diminuir a relação LDL/HDL combinando medicação com estilo de vida. O estudo ARBITER 6-HALTS (14), apesar das limitações, encoraja a hipótese de que em pacientes que já adquiriram as metas de LDL; intervenções para aumentar a HDL e diminuir os TG revertem a aterosclerose e reduz a DAC. Sugere também, que quem já tem LDL bem controlada, elevar HDL e diminuir TG pode ser preferível à diminuir ainda mais a LDL, o que pode modificar o componente lipidico do risco cardiovascular residual. Obviamente, novos estudos são necessários para melhor esclarecimento. 88


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