Revista ateliê nº09

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AVELINO, 2005), num dos trechos do diálogo travado entre Sócrates e Glauco, encontra-se a seguinte conclusão socrática:

Corroborando com este ponto de vista, Almeida (2007) diz textualmente em seu ensaio intitulado Antropologia da Solidariedade :

Nossos cidadãos participarão, pois, em comum dos interesses de cada indivíduo particular, interesses que considerarão como seus próprios, e, em virtude desta união, todos participarão das mesmas alegrias e das mesmas dores. (2005, p. 234)

Ultrapassando o senso comum e este uso instrumentalizado da solidariedade, encontramos algumas indicações mais lúcidas do conceito que aponta na direção de uma superação do individualismo moderno. Parece que nas sociedades tribais e no monolitismo político-cultural da Idade Média havia pouco espaço para a subjetividade. A sociedade era um corpo sólido. Neste sentido poderíamos identificar aí uma espécie de solidariedade cultural. Se voltássemos à filosofia grega clássica, encontraríamos a humanidade compreendida cosmologicamente. O ser humano, portanto, fazia corpo sólido com o cosmos. Era literalmente “humano”; porção humanizada da Terra. Estes valores cosmológicos e culturais parecem entrar em crise com o advento da modernidade e com a descoberta cartesiana do sujeito. As instituições que permaneciam como receptáculos da solidificação social começam, aos poucos, a entrar em crise. Ultimamente podemos perceber, sem muitas pesquisas, esta crise chegando a instituições aparentemente sólidas como é o caso da família, ou mesmo do Estado, sem falar das religiões. (2007, p. 1)

Podemos perceber claramente que Platão apontava com objetividade para a Solidariedade como a virtude que asseguraria uma convivência social justa e harmoniosa. Seguindo o mesmo caminho do seu Mestre, em A Política, Aristóteles pondera que “o homem é um animal cívico, mais social do que as abelhas e outros animais que vivem juntos” (ibidem, p. 235). Vale ressaltar que, segundo a teoria aristotélica, o Estado seria o primeiro objeto a que se propôs a Natureza, uma vez que o todo existe necessariamente antes da parte. Nesse sentido, afirma Aristóteles (ibidem, 2005): As sociedades domésticas em que os indivíduos não são senão as partes integrantes da cidade, todas subordinadas ao corpo inteiro, todas distintas por seus poderes e funções, e todas inúteis quando desarticuladas, semelhantes às mãos e aos pés que, uma vez separados do corpo, só conservam o nome e a aparência, sem a realidade, como uma mão de pedra. O mesmo ocorre com os membros da cidade: nenhum pode bastar-se a si mesmo. Aquele que não precisa dos outros homens, ou não pode resolver-se a ficar com eles, ou é um deus, ou um bruto. Assim, a inclinação natural leva os homens a este gênero de sociedade. (2005, p. 236)

Na Idade Média, a Solidariedade esteve imbricada ao predomínio da Fé Cristã e aos laços nobiliárquicos e de dependência entre os distintos estamentos que compunham o quadro social dessa época.

Não que o sentido de Solidariedade como Valor fundamental para a vida em sociedade tenha sido abandonado na Modernidade. O que houve foi que, no transcurso desta época, sob o crivo do racionalismo cartesiano do Penso, Logo Existo, ela “elevou-se” do estatuto de “Valor Universal” para o de “Valor Sociológico”, notadamente após as conclusões de Émile Durkheim, em sua Da Divisão Social do Trabalho. Nesta obra, “o pai da Sociologia”, ao investigar a sociedade industrial do século XIX, desenvolve o conceito de “Solidariedade Orgânica”, que define o processo de individualização dos membros da sociedade moderna, os quais assumem funções específicas dentro de uma divisão social do trabalho.

Saltando para a Modernidade, podemos deduzir que, neste contexto histórico de intensa racionalização e fragmentação da compreensão humana em áreas especializadas de conhecimento, a noção de Solidariedade foi desencantada e desprovida de seu nexo cosmológico natural, adquirindo contornos mais funcionalistas e utilitaristas.

Segundo a teoria sociológica de Durkheim, a sociedade seria um todo estruturado, externo e independente do indivíduo, que ocupa uma dimensão concreta capaz de moldar o comportamento social. Neste sentido, é ela quem determina a ação comum, o compartilhamento de hábitos, costumes, normas morais, sentimentos de apoio e proteção

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