Pentangulo #1

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Editorial a duas cores

A presente publicação é resultado de uma parceria entre o Ar.Co e a Chili Com Carne, que aqui unem os seus esforços criando um projecto editorial. Este tem como objectivo conferir visibilidade ao trabalho de novos autores cuja formação tenha sido feita no curso de Ilustração e Banda Desenhada do Ar.Co. Numa relação saudável de partilha entre nomes consagrados e estreantes, a iniciativa conta com a participação de alunos, ex-alunos e professores.

Ao longo dos últimos anos, a Chili Com Carne tem vindo a publicar autores nacionais cuja produção tenha expressão significativa no panorama contemporâneo da banda desenhada e ilustração. A associação iniciou o seu caminho editorial em 1995 e foi progressivamente abrindo um espaço dedicado a jovens autores.

O Ar.Co contribuiu largamente para essa lista, com projectos autorais de alunos e ex-alunos, tais como, Love Hole de Afonso Ferreira, Kassumai de David Campos, Askar o General de Dileydi Florez, vários títulos de Francisco Sousa Lobo. A estes vêm somar-se antologias como Crack On, MASSIVE, Destruição, Futuro Primitivo, Mesinha de Cabeceira, Zona de Desconforto, QCDA e Lisboa é very very typical que integraram trabalhos de Aude Barrio, BNK TNK, Gonçalo Duarte, Martina Manyà, Ricardo Martins ou Sílvia Rodrigues.

O departamento de Ilustração/BD do Ar.Co tem vindo a por em prática um modelo pedagógico que privilegia as aplicações específicas da ilustração e banda desenhada em relação ao mercado editorial, tendo para o efeito realizado parcerias com várias entidades ao longo dos seus 18 anos de existência. A Chili Com Carne - e a sua “irmã” MMMNNNRRRG - foi um dos parceiros com quem o departamento colaborou, como o atestam as publicações Brincar com as palavras, Jogar com as palavras, em 2002, e mais recentemente O Andar de Cima de Francisco Sousa Lobo, álbum realizado no âmbito do Ano Europeu do Cérebro, em 2014.

É na sequência destas colaborações que estas duas associações se juntam novamente, para afirmarem os seus lugares próprios na produção de banda desenhada nacional.


AUTORES VS PÁGINAS

AMAZONAS

DO AVANT-GARDE

RUSSO Pedro Vieira de Moura - 23

ESTRATI GRAFIAS

Anna Bouza da Costa - 03 Triciclo - 04 Rafael Santos - 10 Dileydi Florez - 11 Gonçalo Duarte - 17 João Carola - 19

PLÁGIO Pedro Vieira de Moura (a) Carolina Moreira, Cecília Silveira, Martina Manyà e Vasco Ruivo (d) - 30

BANDAS DESENHADAS DIVERSAS Simão Simões - 49 Rudolfo Mariano - 53 Sara Boiça - 61 Amanda Baeza - 65 Mathieu Fleury - 69 João Silva - 73

Cecília Silveira - 77 Luana Saldanha - 93 (+ ilustração em 02)

Igor Baptista - 95 Stéphane Galtier - 103 Francisco Sousa Lobo - 107

DESDOBRÁVEL POLÍTICO 2

Mathieu Fleury


As bandas desenhadas de Dileydi Florez, João Carola, Gonçalo Duarte e o colectivo Triciclo e ainda as ilustrações de Anna Bouza da Costa e Rafael Santos, são fruto de uma reflexão sobre o trabalho e vida das pintoras Alexandra Exter, Liubov Popova, Varvara Stepanova e outras “Amazonas do Avant-garde Russo”.

A ideia deste projecto, sob forma de encomenda a alunos e ex-alunos, foi relembrar um momento histórico em que a Europa foi o palco de uma enorme actividade cultural, em que as fronteiras culturais e de género se diluíram.

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Plágio! Pedro Vieira de Moura

A palavra “plágio” nasceu nos tempos do latim, mas provavelmente a acção já existia no tempo dos aedos gregos, quando os autores “literários” já tinham algum reconhecimento público e havia sempre um ou outro chico-esperto que fazia passar um poema alheio como seu. Parece que foi o epigramista Marcial, para agulhar Fidentius, o qual declamava poemas do primeiro como se fossem lavra sua, a empregar pela primeira vez a palavra plagiarus, significando “raptor”, “ladrão” e até, mais especificamente, “alguém que roubava a criança ou o escravo de outrem”, num contexto literário. A partir de então temos essa palavra para denotar quando um autor apresenta uma qualquer obra de cariz artístico, que empregará um ou muitos elementos de uma obra anterior, mas oculta totalmente essa dívida ou sombra para fazer-se passar por seu criador total... Este acto é bem diferente do de “homenagear”, “apropriar-se” ,“copiar”, “falsificar” ou do “pastiche”. A banda desenhada é uma tarefa aparentemente simples. Repete-se sempre a mesma noção de que basta papel e lápis. É verdade. Não é uma disciplina artística que exija um tipo de instrumento particularmente difícil de manejar ou de obter à partida, como uma câmara de filmar, um clarinete, ou um palco com público incluído. Mas como qualquer outro acto artístico, exige tempo, dedicação, brio e uma carga significativa de trabalho de preparação, papel amarrotado jogado ao lixo, assim como uma disposição para ler muito e escutar. Num contexto educativo, mesmo livre e flexível como aquele que ocorre no Ar.Co, procura-se sempre que os alunos e alunas conheçam bem o contexto em que estão a entrar. Quais os

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autores que existiram, que tipo de trabalho foi feito, que diversidade foi produzida ao longo de mais de um século de banda desenhada (ou mais, conforme as perspectivas) e o que se passa em torno deles naquele mesmo momento. Por vezes, há pessoas com aspirações mas confortáveis demais com o que já sabem ou com a ideia do que quererão fazer, mas às escuras do contexto... Uns safanões de informação e abrangência de obras é imperativo. Há umas quantas frases feitas que gosto de utilizar na aulas, não tanto como fórmulas bíblicas, mas como ideias que deverão fazer os discentes pensar um pouco. “Desenhem todos os dias”. “O bloco de notas é o vosso melhor amigo”. “Anotem as ideias”. “Planeiem”. “Se a inspiração vos encontrar, que vos encontre a trabalhar” (esta aprendi com o António Jorge Gonçalves, que disse ser usualmente atribuída a Picasso). E outra, com variantes, pode ser, “Em caso de dúvida ou hesitação, copiem”. Isto baseia-se naquela frase também famosa, “Bons artistas copiam. Grandes artistas roubam”, que parece ter sido uma ideia lançada pelo Thomas S. Eliot. O que é copiar? Terá a ver com a ideia de “copioso”, isto é “abundante”, ou seja, repetir o mesmo e tê-lo em quantidade, ou antes com o “falso”, aquilo que engana? Tentemos uma tipologia da cópia, apenas com valor heurístico, aqui nestas páginas.

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Uma cópia é sempre um bom exercício. Pode ser feito por várias razões, desde o mero “aquecimento” até a um “treino” de uma técnica que se deseja comandar, para depois empregar de forma mais autónoma ou original. Acredito mesmo que é uma fase importante no desenvolvimento e aprendizagem de um artista, e não tem necessariamente de ocorrer somente no “início” do percurso. Todavia, vejam-se os primeiros passos do Bill Sienkiewicz ou do Frank Miller, tão próximos do ídolo de ambos, Neal Adams. Ou todos aqueles que beberam do Milton Caniff, desde Frank Robbins e Jack Kirby a Alex Toth, de Victor Hubinon e Hugo Pratt a Muñoz e ao nosso André Lemos. E os primeiríssimos trabalhos do Ricardo Cabral e do André Lima Araújo eram muito devedores ao Katsuhiro Otomo. E não me obriguem a falar da quantidade de novas artistas a desenhar à shoju mangá... Cada qual terá começado anichado nos braços do “papá” ou “mamã”, para depois ganharem vida própria, e estilos particularmente únicos e vincados. Mas todos eles e elas demonstram e falam abertamente dessas raízes e influências. Não o escondem. É divertido, por vezes, ouvir artistas a dizer que “não têm influências” ou a negar terem começado o seu desenho demasiado próximos de um determinado autor... e há-os por cá... Por vezes, são essas cópias mesmo que se tornam em “roubo” no sentido de Eliot, em que uma solução se vem en-


caixar na perfeição a um problema que se tem. Aí trata-se menos de influência, de estar num mesmo caminho do que o “mestre” (e não vou, descansem, entrar num ensaio em torno da “ansiedade da influência” do Harold Bloom na banda desenhada), mas antes compreender que, numa certa situação (de planificação da imagem, de solução de figuração, de composição da página, de efeito textual ou de escolhas de coloração, etc.), há um modelo específico que pode ser re-empregue. Eu próprio, enquanto argumentista incipiente, roubei inúmeras vezes aqui e ali. Se está bem ou mal disfarçado, compete ao leitor e leitora indicar. Um plágio é algo bem distinto: é quando um autor ou autora usa, por exemplo, um desenho, uma pose de uma personagem, uma ideia de situação, uma disposição das personagens num plano visual, uma estrutura narrativa, uma série de elementos figurativos e materiais muito parecidos ou até idênticos com um outro autor ou autora, mas não demonstra qualquer vontade em deixar claro essas ligações. É uma cópia disfarçada. É uma cópia falsa (salve Santo Nelson Goodman, que quase começamos a teorizar outra vez!). Isto pode envolver desde trabalhos inteiros até pormenores. Muitas vezes o plágio não se nota, e o plagiador pensa que é um grande espertalhaço porque conseguiu enganar toda a gente... mas mais tarde ou mais cedo, isso descobre-se. E se é lesivo para aqueles que deveriam ter notado antes (e contra

mim falo, que já fui enganado enquanto professor), sê-lo-á mais para quem o fez, pois aprenderá que não é uma solução nem para o sucesso profissional, nem para a aprendizagem artística nem para a felicidade pessoal. Um caso famoso nos anos 1980 foi quando o Keith Giffen (de quem eu adorei o Video Jack em edição brasileira aos 16 anos) começou a imitar o alto contraste e a estilização do José Muñoz. E o que não faltam são sites dedicados aos “swipes” entre artistas na indústria norte-americana, em que se comparam surrupianços mais que óbvios. Mais interessante é o projecto de Bernard Joubert, que dedicou muito tempo ao estudo do gamanço visual neste campo em vários estudos. Na L’Éprouvette no. 1, de 2006, por exemplo, Joubert mostrou como uma vinheta de Paul Cuvelier (grande nome da cena franco-belga clássica, do católico Corentin ao ero-culto Epoxy) seria, de acordo com o título do artigo, “a mais copiada” da história da banda desenhada, mostrando 16 (!) cópias diferentes por outros artistas... Mas copiar pode assumir vários papéis, bem mais activos. A classificação mais “baixa”, digamos assim, é aquela que a crítica Jessie Bi chama de plagionomia legítima ou pró-facção, isto é, uma espécie de “contrafacção profissional”. É o que ocorre no mercado francófono em que se dá espaço a novos álbuns de personagens

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tais como Blake & Mortimer, Astérix & Obélix e Lucky Luke, mas em que os novos autores (argumentistas e artistas), procuram mimar ao máximo a voz dos autores originais, quase apagando sinais da mudança de agentes e até de contexto editorial (veja-se como, nas capas, até o nome dos novos artistas é bem menor do que os dos autores originais ou das personagens, subsumindo-os ao “produto” e à sua “continuidade”). Isto é algo diferente do que acontece com as personagens da Marvel e DC, em que as trademarks se mantêm a cada novo autor: cada um acrescenta um ponto, mais ou menos distinto dos anteriores. Um outro tipo de cópia é aquele acto, momentâneo, protegido com uma capa de emotividade, que dá pelo nome de homenagem. Um autor morre? Vá de bute fazer desenhos em que se mexem nas personagens dele, se desenha à la mestre, ou se fazem encontros chorosos. Comemora-se uma data redonda, pimba: criam-se versões mais ou menos aproximadas ou irónicas da coisa em questão. Há de tudo e muitas vezes são objectos artísticos curiosos, que nos alimentam a imaginação, sobretudo por não cumprirem nada. Muitas vezes, se dessas “ideias” se desenvolve algo mais complexo, é usualmente fraquinho. Confesso, nos termos mais puramente patéticos, que ver (novamente, na adolescência) um desenho do Tintin feito pelo Enki Bilal ou pelo Alberto Breccia (num livro intitulado Nous, Tintin) me fazia (faz) sonhar em histórias alterna-

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tivas, brutais e passionais, com aquela personagem. Alimento para fantasmar. O Charles Burns levou esse exercício ao fim, contudo, com a sua trilogia Vortex, de uma forma quase transcendental sobre a “linha clara” do Hergé. E há esforços mais complexos, que mesclam toda a história (e, portanto, estilos e matérias) da banda desenhada num só fôlego, ora para coisas mais simples e delicodoces, como o número 3 do Madman do Mike Allred (ed. Image), ou a obra maior The Art of Charlie Chan Hock Chye, de Sonny Liew, que cria uma história fictícia de um artista de Singapura que se torna uma alegoria da própria arte da banda desenhada e da história política daquele país. Depois há o pastiche, um exercício legítimo, caracterizado pela distância e pela crítica do original citado, e que pretende, as mais das vezes, criar um sumário do material original, mas ao mesmo tempo uma identificação rápida dos seus elementos e uma desconstrução dos mesmos. Exemplos não faltariam, e até haveria espaço para desenvolver um ensaio em como todos os super-heróis são uma espécie de desvio, pastiche e variação do Super-homem, sendo toda a série Supreme, de Alan Moore et al., um comentário inultrapassável dessa situação. Nesse género, também o 1963 dele e artistas, ou o Flex Mentallo, do Grant Morrison e Frank Quitely, são ainda excelentes (e divertidas) produções sobre o desenvolvimento histórico e social desse imaginário tão específi-


co, e colorido, das fantasias masculinas de poder. E há autores que se tornaram particularmente famosos pelas suas capacidades de mimese, quase sempre irónica, como R. Sikoryak, Tom Scioli, parte da obra de Anton Kannemeyer, entre uns quantos outros (a obra que citámos de Liew, na verdade, talvez se encaixasse melhor nesta categoria). Finalmente surge a apropriação, que é uma palavra mais carregada e tem um historial artístico e político muito preciso. Digamos que é um pastiche mais musculado, e ao passo que aquela outra acção quer muitas vezes suscitar o humor ou até alguma nostalgia, na apropriação quer-se mesmo demonstrar e argumentar os problemas da obra visada. É preciso comer algum bife para fazer apropriação. Muitas vezes há quem faça meros pastiches e depois querem disfarçá-los de apropriação e crítica política, mas é uma patetice. Ferir os nossos ícones de infância e vacas sagradas não é para todos. Esta prática também pode revestir-se de várias estratégias. Há o détournement, baseando-se no trabalho dos Letristas e dos Situacionistas (ambos movimentos, sobretudo de língua francesa, que mesclavam de maneira fortíssima o combate político à prática artística de vanguarda, entre o final da década de 1950 e a de 1970), em que se “desvia” uma produção original para que se revelem os pressupostos ideológicos que desejariam parecer ora “invisíveis” ora “naturais” para

melhor serem inculcados. Essa prática acaba por virar o feitiço contra o feiticeiro, como se costuma dizer. Os Adbusters talvez sejam o colectivo mais famoso nessa técnica, retrabalhando anúncios. Dois exemplos perfeitos dessa prática são as histórias do grupo Air Pirates (Dan O’Neill et al.), que em 1971 publicaram comics com o Mickey Mouse em situações mais adultas – e pagaram um duro preço por isso, condenados pela Disn..., ah, justiça... – ou a história curta “Les aventures de Swartz et Totenheimer, d’aprés les personages d’Adolf Hitler”, de Émile Bravo (na revista Ferraille Illustré no. 23), em que se explorava uma versão Nazi do Blake & Mortimer do E. P. Jacobs. Há, numa faceta diametralmente oposta, operações formais, estéticas, materiais, permitindo que a partir de uma obra original se construa um novo objecto radical, o qual, todavia, pode ter vários graus de relação (crítica ou não) com o ponto de partida. Os exemplos aqui suceder-se-iam e necessitariam de maiores precisões. As fotocópias desviadas de Tamburini sobre comic strips policiais norte-americanas. O trabalho de corte-e-colagem do diceindustries sobre livros da Disney. O livro de colagem 978 do Pascal Matthey, feito a partir de catálogos grátis da bd franco-belga mais comercialóide possível. As colagens do artista Jess a partir da Nancy do Bushmiller. O re-re-remix de François Henninger sobre o Rip Kirby do Alex Raymond. As monta-

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gens do Samplerman para atingir cantos ocultos e nervosos do nosso inconsciente. As “reduções” do Jochen Gerner so-

Petzi dos Hansen, isolando o pelicano Rikki, que parece um demente a falar sozinho pelas paisagens onde vive.

bre toda a espécie de banda desenhada, com destaque para o Tintin com T.N.T. en Amérique, que acaba por revelar os sentidos mais violentos de um dos primeiros álbuns de Hergé. Uma versão bastante programática desta atitude encontra-se em muitos dos gestos do artista Ilan Manouach, que tem feito toda uma série de “assaltos” a bandas desenhadas conhecidas para depois chegar-lhe a outras leituras. Começou com o

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Fez uma cópia-pirata-mudada do Maus de Art Spiegelman com Katz, fazendo com que todas as personagens passassem a ter cabeça de gato, confundindo os papéis actanciais e morais mais “claros” do original. Reimprimiu o Les Schtroumpfs


Noirs, do Peyo, todo a azul, eliminando as “diferenças” (e o tom problemático) do álbum original, relançando questões de representação racial. No caso de Manouach, há um interesse vivo em criar uma patina forte em termos formais, estéticos, mas com uma carga política também significativa. Daí que ele tenha desenvolvido mesmo uma noção de “banda desenhada conceptual”, ainda em curso, que as destacará das práticas anteriormente indicadas. Como disse ao início, o conceito de cópia também se associa ao “falso”. Uma falsificação é um acto que envolve uma dimensão de factura e outra económica. Trata-se de apresentar, fazer circular ou até vender uma obra que não é genuína. Isto tanto pode envolver, neste campo da banda desenhada, a venda de desenhos originais como o lançamento de uma publicação que não devolve nenhum do lucro ao artista, ao editor, etc. Edições pirata, se quiserem (eu fiz uns zines em que gamava material ao Ben Katchor, ao Yoshikazu Ebisu, ao Mike Diana publicado pela MMMNNNRRRG, mas acabei por fazê-los circular pouco; e vejo de vez em quando, ainda!, livros em fotocópias...). Não tem a ver com o fazer banda desenhada propriamente dito. Mas pode haver casos bicudos. A edição pirata do Tintin no Congo que foi publicada em 2015 em língua lingala, uma das principais autóctone da República do Congo, não tentava tão-somente “ganhar dinheiro” à custa do pobre império da Moulinsart (a detentora do direitos,

e acérrima defensora deles, da personagem de Hergé), mas antes delir uma das mais gritantes ausências das traduções internacionais daquela aventura, no preciso país a que diria respeito. Como se designaria Tintin akei Kongo? Mera pirataria? Détournement político? Acto de Robin Hood? Múltipla escolha? Todo (ou quase todo) o volume que têm nas mãos nasce de um desafio de responder a um assunto mais ou menos coeso, em torno de vários artistas ou movimentos das vanguardas estéticas da primeira metade do século XX. Noutros casos, ou em casos misturados, há “exercícios na sala de aula”, “trabalhos de casa”, “primeiras bandas desenhadas”, etc. Dessa forma, podemos dizer que há um pouco de todos estes actos acima arrolados, em vários graus de complicação. Menos o falso. Se olharmos à volta, nas prateleiras, livrarias, bibliotecas, veremos que a esmagadora maioria da banda desenhada, à escala global, partilha mais elementos do que aqueles que os separariam entre si. Para crescer em termos artísticos, tem de haver um esforço distinto. Este volume pode dar algumas ideias. Copiem. Roubem. Mas mudem.

Nota: O título deste texto é um plágio.

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Estratigrafia é uma peça construída a partir da samplagem de biografias de artistas reais que não apenas admiro mas cujas vidas são mais tempestuosas e trágicas do que a ficção poderia engendrar. O modo como as heranças destes e outros artistas são construídas pela história, o tempo que passa, os acidentes que permanecem ocultos durante décadas e as próprias descobertas que nós fazemos, sempre tarde demais, são também ingredientes da estrutura. Daí que cada bloco temporal e/ou discursivo se estenda pelos traços de artistas diferentes, como confluentes de um mesmo curso. Com a excepção da Martina Manyà, que já publicou alguns livros de ilustração, mas é também uma estreante na banda desenhada, a Carolina Moreira, o Vasco Ruivo e a Cecília Silveira são artistas cujos trabalhos têm existido sobretudo em pequenos projectos, mas todos eles já tendo angariado uma atenção cuidada da parte de quem anda de olho aberto e, claro, reforçando aquele orgulho parental dos professores do Ar.Co... O mérito é deles, mas queremos sempre acreditar ter contribuído com uma camada, por mais subterrânea e fina que seja.

Pedro Vieira de Moura

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Pentângulo #1 é uma publicação que resulta de uma parceria entre o Ar.Co - Centro de Arte e Comunicação Visual e a Associação Chili Com Carne. Todos os conteúdos foram produzidos no âmbito do departamento de Ilustração/BD do Ar.Co. Coordenação editorial por Jorge Nesbitt e Marcos Farrajota. Design por Joana Pires. Capa de Daniel Lima. Publicado pela Chili Com Carne [chilicomcarne.com]. Impresso na A3 - artes gráficas em Janeiro 2018. Dep. Legal: 436598/18. Agradecimentos a Ilan Manouach, Nuno Saraiva e Samplerman. Apoio:


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