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O Yoshihiro Tatsumi morreu a 9 de Março deste ano. Foi ele que inventou o termo gekiga, correspondente em português a imagens dramáticas, ou romance gráfico, se aceitarmos a tradução de graphic novel para o português. A ideia estratégica para o gekiga era diferenciar alguma produção de banda desenhada mais “adulta” da que até aí era considerado simplesmente manga. Faz parte do pecado original da banda desenhada a criança enquanto público-alvo, cruz que os mais sérios autores ainda hoje carregam. Mesmo a biografia emocionada sobre o Holocausto aparece como a história do gato e do rato, o que não é vergonha nenhuma: há que olhar de frente para a audiência e explicar que a herança de ter crescido com cartoons é demasiado valiosa para ser ocultada na vida adulta. O fascínio dos primeiros tempos não serve apenas como âncora nostálgica, e é antes um manual de instruções para a neotenia. O livro apareceu profanamente na banda desenhada para dar espinha às tiras dominicais. Na era do Tatsumi, o gekiga aparecia em revistas e a sua circulação beneficiava da cobertura das permissivas livrarias de empréstimo. Possuir o livro não era, pois, questão dominante, mas a situação actual difere: o livro é caixa-forte do prestígio autoral e uma das poucas moedas de troca garantidas para a sobrevivência do trabalho.


Este livro contém textos que se enquadram na lógica de produção do Clube do Inferno, onde fazer banda desenhada é inseparável de reflectir sobre a mesma em forma de texto. Porque o corolário da nossa actividade, tal como a do João Sobral enquanto O Panda Gordo, são os zines, ambicionámos transcender esse formato num Maga zine. Enquanto colecção de ensaios, Maga desenrola-se à medida de afinidades temáticas, nem sempre com gravidade “adulta”, várias vezes sobre mais do que bd. Os textos que vos apresentamos são alinhados por autores, responsabilizando-os pelo fio da meada. Numa primeira parte, temos um relatório do Marcos Farrajota sobre a produção independente em Portugal ao longo de 2014, e uma crónica do João Sobral sobre a sua experiência como autor-caixeiro-viajante em Londres, e uma entrevista ao Tiago Baptista sobre quase dez anos de Fanzines e Martelos. Estes são os nossos convidados, as pessoas com quem aprendemos e com quem partilhamos a produção deste livro — com o Marcos, na edição, e com o João, na concepção. O trabalho do João Sobral no design deste livro e a edição com a Chili Com Carne expressam a fórmula que pretendemos para o Clube do Inferno. Como? Se hoje ainda há cinema de Hollywood é porque, através de todos os desenvolvimentos criativos e tecnológicos, os estúdios salvaguardaram a função magnânima de dizer às pessoas o que devem ver. Vivemos, claro, ainda na Era da Corporação, não mais o gigante monstruoso do Século XX, mas uma entidade amigável e disponível que se apresenta como produtora de bens


intangíveis. Se há lobos de Wall Street por todo o lado e nos tornamos fluentes em linguagem de mercado, no nosso contexto não há espaço para mergers and acquisitions. Acreditamos na colaboração, na partilha, e na preservação da heterogeneidade como condição fundamental de enraizamento de uma cena local. O grosso do livro, passando a parte dos convidados, tem os textos do João Machado e da Ana Matilde Sousa. Aí a excepção faz a regra, e os textos conheceram quase todos publicação original na internet — no Mashnotes, no Clube de Leitura Gráfica, e no L’Obeissance est Morte. O nosso objectivo ao redigi-los foi partilhar a nossa experiência, o foco da nossa curiosidade, e o que consideramos ser também o nosso trabalho. Falamos de e com autores como nós, dependentes, emergentes, frequentemente inseparáveis de redes vastas de anónimos como o Tumblr ou o Pixiv. A obsolescência é a constante salvífica em muitos casos — o momento do inútil e do fútil gera a oportunidade. De repente, como referimos em relação à banda desenhada, crescemos além do tempo de uso das nossas fantasias. Porquê fazer um livro em 2015? Diz-se no primeiro texto, o do Marcos, que há um mundo “pós-7 de Janeiro” onde regressar ao papel é o gesto político que interessa. Não pretendemos qualquer retrospectiva, mas é verdade que pensámos neste Maga depois de descobrir o último número do Satélite Internacional na Matéria Prima, em 2012, sete anos depois da sua publicação. Tarde demais, mas não interessa. O relógio acabou de parar. — O Clube



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JOAO SOBRAL LONDRES, A TERRA PROMETIDA — 21

TIAGO BAPTISTA

(ENTREVISTADO POR

1OOO OLAS — 27

JOAO MACHADO)

JOAO MACHADO RESENHA GRAFICA: “THE ABOLITION OF WORK“ PART 2, DE BRUNO BORGES — 49 ALGUMAS RAPARIGAS QUE FIZERAM BD EM PORTUGAL NOS ULTIMOS TEMPOS — 57 EXCURSAO PARA PERVERTIDOS NO PAIS DO SOL ARDENTE — 71

ANA MATILDE SOUSA NAMORADO ABSOLUTO — 87 BOYS WILL BE BOYS WILL BE CHICKS: FREE! IWATOBI SWIM CLUB, OU O (IMPROVAVEL) FAN SERVICE FEMINISTA — 1O1 A DAKIMAKURA FLUTUANTE — 111



MARCOS FARRAJOTA

RELATORIO DE FANZINES E EDICAO INDEPENDENTE DE BD EM PORTUGAL 2O14


O TEU SMART-PHONE ‘TÁ MANCHADO DE SANGUE! POR ISSO NÃO ME VENHAS COM PATRANHAS DE QUE O E-(QUALQUER-COISA-)GADGET(-DE-MERDA-QUE-TENS) POUPA ÁRVORES AO CONTRÁRIO DOS LIVROS. NÃO SÓ ESTÁ BANHADO DE SANGUE DE OPERÁRIOS ASIÁTICOS A TRABALHAR EM FÁBRICAS DESUMANAS PARA FAZER O TEU BLACKBERRY OU LÁ O QUE É, TAL COMO ELE É FEITO DE MERCÚRIO, CHUMBO, CÁDMIO OU BERÍLIO, TUDO “COISA BOA” PARA O MEIO AMBIENTE E PARA O TEU CANCRO NA PRÓSTATA. DESTRUIR UMAS ÁRVORES ATÉ PARECE MAIS SAUDÁVEL QUE ANDAR A LER PDFS NO MAC. TAMBÉM ESTÁ PROVADO QUE QUEM LÊ EM DIGITAL RETÉM MENOS A INFORMAÇÃO LIDA DO QUE EM PAPEL. Isto só para dizer que desde 2000 que escrevo um “relatório sobre edição independente e fanzines de BD em Portugal”, primeiro para a Bedeteca de Lisboa no seu boletim Contador-Mor e mais tarde para o seu sítio oficial bedeteca.com, isto no âmbito de um resumo do ano em sete áreas da BD em Portugal: fanzines, crítica, autores, edições, festivais, investigação e movimentos. Estando o sítio desactivado desde 2011, passei o relatório para o blogue da Associação Chili Com Carne porque achava importante manter registos destes movimentos que ninguém quer saber...

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Desde o dia 7 de Janeiro de 2015 (massacre na redacção da Charlie Hebdo) que vivemos noutro mundo e publicar o relatório em papel ao invés de colocar imediatamente em linha parece-me um bom obituário para esse mundo anterior e passado. Olhando muito rapidamente para o que aconteceu em 2014, podemos logo dizer que foi um ano de expansão da BD em geral no seu diminuto mercado, e o que se passou “em cima” (no mundo comercial) também foi acompanhado “em baixo” (no “underground”). Corro o risco de fazer listagens fúteis porque quase todos os pontos que costumo focar nestes relatórios – o número de edições e de eventos, a publicação no estrangeiro de autores nacionais, as visitas de autores estrangeiros ao nosso país, etc... – revelaram aumento em quantidade mas também em qualidade, o que obrigaria, se houvesse mais espaço, a maiores divagações críticas. No que toca à edição independente de BD em Portugal – ou à BD em geral – até parece ter um futuro risonho para 2015. — “Risonho? Deves estar a brincar!?” Meus caros, depois de tanta miséria franciscana nos últimos mais de 10 anos, com a crise (oficialmente extinta segundo o nosso querido Governo!) e tudo o que isso significa, 2014 foi uma alegria de edições e acontecimentos. Seguindo essa lógica, 2015 vai ser uma galhofa!

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UM DIA NÃO HAVERÁ UM IDIOTA DA ALDEIA MAS SÓ IDIOTAS NA ALDEIA GLOBAL Se o “underground” sempre foi uma cena de resiliência - seja na BD seja noutra área criativa qualquer - também o é para pensamento crítico e actos de ruptura. Creio que durante mais de uma década andamos todos iludidos com a Internet, como um suporte de substituição de todos os outros, mas esta “maravilha” é na realidade despejada de lixo sem critério numa suposta horizontalidade de informação, que até nos traz alegrias ao vasculhar este “anarquivismo” mas sobretudo “vê-se” muito mas pensa-se pouco.

E se este relatório é sobre a cultura dos fanzines, recordo que na origem o fanzine foi ser “fã” de algo. E há muito que não se vê “fanzines de BD”, ou seja, fanzines que discutam e tratem de BD. Foram assim que muitos começaram em Portugal logo nos anos 70 como o Aleph entre muitos outros, seguindo pelo Nemo (de Manuel Caldas) que nos anos 90 formou algum público com os artigos de Domingos Isabelinho – e sobretudo com as discussões de Isabelinho contra “os outros”. Ainda houve o polémico O Moscardo nos inícios dos 90 e as três séries da revista Quadrado até 2005. Um ano antes, houve até um livro - Sobre BD de David Soares pela sua “label” Círculo de Abuso - e o derradeiro número quatro da Satélite Internacional só com textos teóricos. Ainda houve instituições que editaram algumas publicações para reflexão como o número duplo (13/14) e especial “BD e Ilustração” da revista Margens e Confluências (ESAP; 2009), o Almanaque FIBDA XX Anos (C.M. da Amadora; 2009) e o catálogo Tinta nos Nervos: Banda Desenhada Portuguesa (Museu-Colecção Berardo; 2011) mas durante 10 anos que os circuitos independentes não editaram nada de pensamento crítico sobre a BD.

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Não admira que muitos artistas se sintam desorientados e sem alimento para o cérebro, apanhando apenas blogues chatos de “bedófilos” que nada adiantam para além de bytes de novidades editoriais – e o académico Ler BD é inevitavelmente fucking boring… O prazer de ler um bom artigo não existe nem oficialmente (quem nos dera que deixassem dar azo às críticas Sara Figueiredo Costa no Expresso, por exemplo, mas não… ‘tá tudo contadinho, todos os caracteres com espaço incluído!) nem nas franjas dos media – o é um nadomorto? O acesso ao “eterno presente” da ‘net não me parece satisfazer quem se interesse pelo meio porque tudo “fica no ar”, sem construir um rumo histórico nem a visualização da evolução da cena portuguesa. E de resto, as “polémicas” dos “bedófilos” são tão baixas como os velhos nos tascos a falarem de bola em que tudo é permitido dizer mas nada se aprende. — “Não é normal que os artistas tenham de sofrer?” — “Sim mas têm de sofrer até no acesso à instrução? Isso também já é demais, não?” Neste panorama sinistro, houve iniciativas de recuperação de informação: a exposição retrospectiva do fanzine Succedâneo; a Universidade do Porto investiga sobre o Punk em Portugal (projecto KISMIF) e em colaboração com a Bedeteca de Lisboa levanta-se as relações da BD com o Punk em Portugal, alguns resultados já aparecem online e o KISMIF editou um fanzine sobre um fanzine punk do Porto, o Cadáver Exquisito que tinha alguma BD; o Portuguese Small Press Yearbook fez o segundo volume que compila bibliografia independente, incluindo publicações de BD e ainda deu destaque entrevistando colectivos que trabalham na área: Chili Com Carne, Clube do Inferno, … O melhor, embora seja sobre fanzines em geral, foi o relatório universitário Sobre a concepção, edição, produção, distribuição, etc... de Fanzines d’O Panda Gordo que refrescou para os dias de hoje um ensaio sobre a cultura DIY e fanzine – uma necessidade desde 1996 quando Daniel Seabra Lopes escreveu sobre o assunto! Já era sem tempo haver matéria sobre zines com novas perspectivas… É Domem! Com “D” grande! Bravo!

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IN FORD WE TRUST Houve poucas novidades que fossem projectos de raiz, 2014 foi a continuação e evolução dos projectos existentes do passado das pequenas editoras como a Chili Com Carne, El Pep, Kingpin, MMMNNNRRRG, Plana Press e Polvo. Nos fanzines, alguns só publicaram um número como o aleatório Cru e outros despejaram sete títulos monográficos como o Clube do Inferno. Na realidade há um bocado de tudo e para todos: literatura “light” como o Living Will e tudo que venha de André Oliveira, Nuno Duarte e Joana Afonso…; zines “à antiga” como os dois números de Preto no Branco; zines com textos ilustrados – estejam atentos ao Norberto de Margarida Esteves; BD para metaleiros – o Barroselas Metalfest pediu uma BD mafiosa ao André Coelho; BD para “indies” – já é uma instituição o Xavier Almeida fazer anualmente um zine cheio de piças sobre o Milhões de Festa; “comic books” tontos de Afonso Ferreira pela El Pep; retro-superheróis como o bonito The Mighty Enlil de Pedro Cruz – também pela El Pep; romance histórico com o regresso de Nunksy e o seu Erzsébet (Chili Com Carne) bem como o Livro dos Dias de Diniz Conefrey pelo Quarto de Jade e Pianola; graphzines luxuosos como Em Terra de Cus Quem Tem Rei é Cego de Miguel Carneiro ( ); ou o modesto, misterioso e iconoclasta Ce ci n'est pas une bite de canard; fanzines “esta é a primeira vez que tento” como Ideia de João Carvalho; ou com mais estaladeca como Molly do Rudolfo; o “teeny” Safe Place (Kingpin) de André Pereira; trabalhos de encomenda sobre neurociência como O Andar de Cima de Francisco Sousa Lobo pela Chili Com Carne com a Faculdade de Ciências e Tecnologia e a escola Ar.Co; e até um misto paradoxal de comercial/institucional como o catálogo Quadradinhos, do festival de Treviso em que Portugal foi o país convidado e que faltava orçamento para concluir o livro – então os pobretanas da Chili tiveram de fazer de “mecenas”. Muito irónico mas mostra como o underground continua a ser colaborativo e não competitivo. Seria injusto dizer que se publica muito “trash” ou que há muitos livros com ar tradicional, já para não falar das BDs com escritos a roçar o sentimentalismo bacoco - “é raro que se faça boa literatura com bons sentimentos”, escrevia um jornalista no Público sobre Michel Houellebecq. Mas se pensarmos no fragmentismo da Molly, nos zines do Clube do Inferno, no segundo volume do QCDA com Amanda Baeza, , Sílvia Rodrigues e Hetamoé, no War is Hoover (Imprensa Canalha) de Filipe Abranches e no Terminal Tower de André Coelho e Manuel João Neto percebemos que a BD portuguesa não se deixou levar pela ideia de fazer BD como se fosse uma fábrica da Ford ou que se quer seguir o modelo de entretenimento adulto tipo Image Comics – editora independente norte-americana que nos últimos anos tem tido um sucesso

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enorme, ao ponto de que mesmo em Portugal o seu catálogo é disputado por três editoras (Devir, Kingpin e G-Floy) – porque na realidade houve muitos trabalhos com componente política e social: antologia Zona de Desconforto (Chili Com Carne) sobre emigração portuguesa contemporânea, o segundo volume de The Abolition of Work de Bruno Borges, Money Worries (1359 + O Panda Gordo) de João Sobral, o retrato geracional de Zombie (Mundo Fantasma) de Marco Mendes, Propaganda (Plana Press) sobre a estadia de Joana Estrela numa ONG da Lituânia em prole dos direitos dos homossexuais / LGBT, e o zine Your Month is a Guillotine sobre feminismo.

E seria injusto dizer que só o “trash” é que tem voz na cena da BD portuguesa porque no olho do furacão, ou seja, no maior festival deste país, a BD Amadora, a referida Zona de Desconforto ganhou o Prémio Nacional de Melhor BD ou álbum ou lá o que é... e graças ao seu conteúdo social foi comentado em vários jornais nacionais mais do que qualquer outro livro de BD portuguesa. Nem tudo está estupidificado. Quanto ao sangue novo com ar fresco e inesperado, a glória vai pró Zine de Improvizo da Mariana Pita! Fun Fun Fun!

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O 1-+ DE MAIO É NO PINGO DOCE Ainda há muita gente a querer usar edição independente para chamar atenção para o seu “bizness” mas são as genuínas que contam: este ano houve duas Bastardas (Coimbra), uma Edita (Lisboa, assim mais prá Poesia), F.E.I.A. dedicada ao Metal (Montijo), um Jeco e uma Cirrose (Porto), quatro Mortas (Lisboa, Caldas da Rainha e Parede) a ganhar o cinto de peso-pesado no que diz respeito a este tipo de eventos – tanto pela quantidade de edições realizadas como pelo sucesso de público nos eventos de Lisboa, no Atelier Adamastor. E pelo país fora houve mais algumas em Alcobaça, Leiria, Braga e Póvoa de Varzim. Também houve uma mesa (ou duas!) a vender zines & livros em acontecimentos fora do circuito da edição independente o que mostra a infiltração viral da coisa: Fórum Fantástico (de Ficção de Científica), Necromancia Editorial no Festival Milhões de Festa, na inauguração da exposição de arte contemporânea Nós na plataforma Revólver, na Noite Fetra & Amigos (Rock), no Doc Lisboa (Cinema documental), na acção Solidariedade Fanzinista na Feira das Almas (mercado de roupa e “lifestyle”) e na Feira do Livro do Porto graças à valente loja Matéria Prima. E por falar em lojas, em Lisboa abriram três novos espaços especializados à edição independente e BD, a saber: a editora El Pep abriu uma livraria e galeria no Imaviz Underground, o atelier 1359 abriu o seu espaço de trabalho e comércio e um casal de Bolonha mudou-se para o Bairro Alto com o seu conceito de “comix bar” (é isso mesmo, bar e livraria de BD) com o nome Tasca Mastai.

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O FRANCO SUIÇO ESTÁ EM ALTA E talvez por isso que a Associação Chili Com Carne e o André Lemos não deverão por lá os pés tão cedo – estiveram no Monstre, em Lucerna. A Chili Com Carne continua a ter o dom da omnipresença em festivais internacionais (de Badajoz a Valencia, de Hamburgo a Angoulême) in loco, com representantes ou então com envio das suas publicações para o Amsterdam Zine Jam (que fizeram um mini-catálogo), Fanzines! (em Paris) e (Antuérpia). Estiveram no Crack através do José Smith Vargas bem como a , ambos a marcar o ponto em Roma. Ao Alt Com (Malmö, Suécia) foram cinco “chaval@s do aPOPcalipse”: Afonso Ferreira, Amanda Baeza, Sofia Neto, Rudolfo e Hetamoé, autores da antologia QCDA. Baeza ainda andou pela Letónia a fazer residências e wokshops, creio, e Joana Estrela foi ao Festival de Helsínquia. O Panda Gordo emigrou para Londres para ser o embaixador da cena “indie” portuguesa nos festivais respectivos. Já o Lemos que era o campeão nacional na publicação internacional, parece ter passado o testemunho prá Amanda Baeza que ainda conseguiu o feito de colaborar com o KKK – (Letónia), Komikaze (Croácia) e Kovra (Espanha) – desculpem, não resisti à piadola! De resto ainda houve participações deste vosso escriba e Tiago Baptista numa antologia sérvia dedicada à Escultura, organizada por Aleksandar Zograf. Baptista e Teresa Câmara Pestana apareceram na Postapokalys, antologia da Alt Com.

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Melhor é quando há traduções de livros no estrangeiro e foi o que aconteceu com Tu és a mulher da minha vida, ela a mulher dos meus sonhos (Polvo; 2000) de Pedro Brito e João Fazenda desta vez para italiano pela MalEdizioni e que te tenho e outras histórias (Polvo; 2010) de Paulo Monteiro para o Brasil (?) – na realidade perdi a conta aonde já foi mais traduzido e não me apetece ir à ‘net ver isso… Igualmente importante foi o Francisco Sousa Lobo ter participado num número da Art Review e Marriette Tosel (um heterónimo de Tiago Manuel) ter sido seleccionado para um concurso de BD da importante Society of Illustrators. Não ganhou nem poderia ganhar dado ao lobby norte-americano porque Manuel não faz meros “quadradinhos” mas mostrou que o júri não é cego.

EUROPA FORTALEZA Os finlandeses Tommi Musturi e Tiina Lehikoinen e os editores da antologia (Letónia) estiveram no Festival de Beja, os italianos Andrea Bruno e Anna (da editora Canicola), o espanhol Olaf (do zine Que Suerte!), o brasileiro Alex Vieira (que publica portugueses na sua “revista” Prego) e a alemã Lili Loge estiveram na BD Amadora, coitados, e o editor Michal Slomka, da editora polaca de BD Centrala e organizador dos concursos internacionais de BD “Ligatura” e “Silence”, o francês BeauSoir e Kaja Avber ek da revista eslovena Stripburger foram os primeiros estrangeiros a pisar solo da Feira Morta.

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É estranho que o maior número dos autores das franjas alternativas da BD tenham sido trazidos pela “BD Amadora” mas isto deve-se ao facto que esteve patente uma exposição chamada “Galáxia XXI: O Futuro da Banda Desenhada é Agora” em que se pretendia fazer um apanhado do que é a BD no século XXI. Uma parte era dedicada às “marginalidades alternativas” em que colectivos editoriais como a Stripburger tinham lá representação. Há quem diga que dada a desorganização do Festival, que tanto desanimou uma das comissárias da exposição, a Sara Figueiredo Costa, à última da hora o Festival mandou vir esta “horda” de autores para “alegrá-la”… Um exagero ou uma piada o que acabei de escrever mas é verdade que foi deveras estranho a poucas semanas da inauguração do Festival terem aparecido todos estes autores, anunciados muito depois de toda a programação como se fossem uma espécie de uma “segunda divisão” – do tipo que venha daí um gajo qualquer da Canicola! Metidos à força na exposição era para pasmar que um autor da importância como Andrea Bruno fosse representado

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apenas com duas pranchas. Ele já teve melhor representação numa edição da Feira Laica em 2012 (que era orçamento zero!) ou em 2011 no Festival de Beja (que também não nada em dinheiro)... Enfim! Resta referir que Laura Vernetti também visitou Portugal por causa do seu livro Pessoa & Cia e que reside em Lisboa Aude Barrio do colectivo suíço Hecatombe (que esteve numa Feira Laica em 2011 e ganhou o prémio de melhor BD Alternativa em Angoulême 2014) sendo uma das organizadoras do referido festival Monstre.

LAVAGEM DE DINHEIRO A Chili com Carne repetiu o concurso Toma lá 500 paus e faz uma BD! que até agora não apresentou resultados publicados! Talvez em 2015? Quem ganhou este ano foi José Smith Vargas (com Miguel Castro Caldas) com um livro sobre a gentrificação do bairro da Mouraria. Do livro vencedor do ano anterior, de Francisco Sousa Lobo, nem vê-lo... muito estranho isto tudo, a mim cheira-me a lavagem de dinheiro! Já a também decidiu este ano ar 300 Euros (mais modesto e só de dois em dois anos) para a melhor edição independente. O resultado foi conhecido em Janeiro de 2015 e calhou a algo que não é BD nem ilustração por isso não só não me lembro do nome da moça nem irei perder tempo na ‘net.

A TECNOLOGIA CEGA-NOS (E NÃO OS PRESERVATIVOS COMO DIZIA A IGREJA CATÓLICA) E se O Filme da Minha Vida só editou mais um volume – da Ana Biscaia – este ano por outro lado saiu um CD, pela Cobra Discos, do colectivo Estilhaços que compôs pequenas peças a partir dos livros desta colecção de BD onde vários ilustradores interpretam graficamente os filmes que os marcaram. Sobre esses livros foram feitas peças musicais e textos de Adolfo Luxúria Canibal que deram origem ao espectáculo Estilhaços Cinemáticos, em 2013 nos XIII Encontros de Cinema de Viana do Castelo. Para quem faltou ao espectáculo, agora pode usufruir no sofá deste produto cultural estranho, pois o vocalista inspirou-se nos

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livros de Filipe Abranches, Jorge Nesbitt, João Fazenda, Luís Henriques, Miguel Rocha, António Gonçalves, André Lemos e Pedro Nora que adaptaram filmes de Werner Herzog, Ingmar Bergman, Alfred Hitchcock, Victor Erice, Luis Buñuel, Jim Jarmush, Sergio Leone e João César Monteiro. Uma dupla adaptação ou reinterpretação... curioso! De chamar atenção para o webcomic Coffee Me Maybe desenvolvido por Bráulio Amado e Shawn Hasto em coffeememaybe.tumblr.com. Não que as piadas sejam brilhantes mas graficamente adapta-se ao que pode ser uma estética de monitor, para além de usar gifs animados. Ou seja, esta série é pensada do início ao fim para a ‘net e não para o papel ao contrário da maior parte dos webcomics que estão feitos para papel e aparecem mal enjorcadas num ecrã, tipo subproduto. Outro que deu a volta ao sistema foi O Panda Gordo que criou uma BD poética e interactiva – algo que parece sempre uma impossibilidade – em leveltwo.joaosobral.pt mas não terá mais desenvolvimentos tão cedo ao que parece, o que é uma pena. Dentro do meio digital e Internet, o mais positivo que se pode dizer é que incentiva os autores a avançarem para trabalhos de grande dimensão como Witch Gauntlet de Zé Burnay [witchgauntlet.tumblr.com] ou para se estrearem na BD como o Gato Mariano de Tiago de Bernarda [criticasfelinas.tumblr.com] ou Luís Omem [luisomem.tumblr.com] porque é fácil encontrar ferramentas de publicação (o Tumblr parece a plataforma de eleição para imagem) para se chegar a alguém sem ter trabalho em pensar em folhas, cadernos, fotocópias, InDesign, gráfica, lojas ou qualquer tipo destas coisas físicas.

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LUIS FÉLIX (?-2014) – ESTROMPA (1942-2014) E concluo este relatório com a triste constatação dos falecimentos destes dois autores de BD e também editores independentes. Mais triste que saber que desapareceram, ou que as situações económicas nos seus últimos tempos foram miseráveis, é perceber que isso pouco disse ao “público” em geral e até ao mesmo ao “especializado”... Obrigado Maga!

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JOAO SOBRAL

LONDRES, A TERRA PROMETIDA


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À minha frente, pendurado na parede num prego todo torto, está um calendário de Maio de 2015 já com alguns dias riscados. Nem me lembro qual foi a primeira data de que se falou para o lançamento desta publicação mas lembro-me que ainda estava em Portugal — mas já de partida, ou seja, era Outubro de 2014 — quando o João Machado me perguntou se eu queria colaborar. A ideia era eu escrever um texto no seguimento do ensaio que fiz como projecto final da minha licenciatura, “Sobre a concepção, edição, produção, distribuição, etc de fanzines”, onde eu falava não de questões técnicas mas de questões políticas. Para além disso, estava também convidado para fazer o design da coisa. Disse logo que sim, que queria e que podia fazer isso tudo. E cá estou eu a cumprir a minha palavra, mais de meio ano depois. Pensar há quanto tempo tenho estado, muito lentamente, a trabalhar nesta publicação é praticamente o mesmo que pensar há quanto tempo é que estou a viver em Londres. É engraçado lembrar-me agora de ver as coisas desta forma porque o que tinha planeado para este texto era precisamente falar do facto de me ter mudado para Londres, mais concretamente do facto de ter trazido comigo muitas publicações de amigos para vender por cá. Demasiadas tendo em conta que na véspera da mudança tive de acrescentar uma terceira mala de porão à reserva da viagem. Calculei completamente mal — talvez secretamente saiba que não calculei, de todo — o peso e o espaço que todos os “pouca coisa” que fui recolhendo de várias pessoas iam somar no final. Tal e qual o que aconteceu com o cálculo do trabalho e do tempo necessários para paginar um livro com mais de 100 páginas — este mesmo que tens na mão. Mas eu estava demasiado entusiasmado — em ambas as stuações — com a ideia de ajudar pessoas cujo trabalho eu admiro tanto que me comprometi com true love will find you in the end. Para além disso, eu estava mesmo com grandes expectativas em relação a Londres. Achava que ia vender imenso como as pessoas que eu tinha visto a vender imenso numas feiras de publicação independente que eu tinha visitado enquanto estava a fazer Erasmus na próspera capital britânica, onde as pessoas

haver belas oportunidades de trabalho à minha espera e que isso me ia deixar confiante, com uma vontade criativa e uma produtividade fora do normal, algo que eu nunca tinha sentido antes.


João Sobral / Londres, a terra prometida

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E não estava sozinho ao achar que Londres é um sítio incrível para se estar. Quando, em Novembro, disse ao Sar — que organiza a Feira Morta em Lisboa e às vezes noutros sítios — que tinha pena de não poder estar na próxima edição da feira e que esperava que tudo coresse bem, lembrando respondeu-me algo como: “Qual pena? Estás em Londres!” Pois é, estou em Londres! Mas não estou na próspera capital onde as onde é raro passar um dia sem ver várias pessoas a pedir na rua. Londres pode ter muitas oportunidades mas de oportunidades estou eu farto. Sempre que a palavra oportunidade me passa pela cabeça, começo a ouvir ecos da palavra empreendedorismo. E sempre que sinto próxima a palavra empreendedorismo, dá-me vontade de fugir. Uma oportunidade é uma possibilidade de sucesso assim como é uma possibilidade de fracasso. Quando esta segunda possiblidade é quase certa, a primeira torna-se ridícula. Principalmente se parar para pensar: oportunidade emprego estágio chato onde me pedem diariamente para fazer à pressa coisas que vão contra a ideia que eu tenho de um mundo decente? Desde quando é que arranjar um emprego estágio se tornou uma missão de vida? E desde quando é que aceitamos isto como algo normal? Quando procurar um emprego estágio passa a requerer tanto esforço, tanto tempo e tanta sanidade mental — ou talvez mais — quanto um trabalho a tempo inteiro, acho que está na altura de repensar alguma coisa. Pensando melhor, eu não preciso de oportunidades, preciso é de paz e sossego. De que vale a pena dedicar a vida a oportunidades destas? As oportunidades que eu quero já nem são oportunidades, parece que agora o que lhe chamam é: viver acima das possibilidades quem? — é um luxo. de a perder? Quantas pessoas trabalharam para nada? Como é que se sobrevive é ser-se um parasita, dizem. Mas onde é que encontro as forças para continuar a tentar depois de me ter apercebido de que a probabilidade de haver sempre alguém melhor do que eu é de, aproximadamente, cem por cento?


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cena dos fanzines começou como uma por se transformar — ou se calhar em vez de uma transformação foi só uma revelação de algo que já lá estava — numa escolha: um acto pensado e político. Atenção, eu não tenho interesse em criar a minha própria oportunidade. No fundo, isto é uma forma de explorar o que poderá existir para além das oportunidades. É fácil perceber isto se eu partilhar, por alto, as contas que faço sempre que vou a uma feira aqui em Londres vender as publicações que trouxe de Portugal. A minha meta é simplesmente conseguir dinheiro suficiente para daquilo que vendo. Isso significa que numa feira onde tiver de pagar £15 — o preço que mais tenho encontrado, por meia mesa — preciso de vender £50. Claro que eu nem sequer estou a contabilizar as despesas da deslocação até à feira, a minha alimentação durante a feira, o preço que paguei para trazer as malas cheias de livros no avião, etc. Isto para além do tempo que dedico, por exemplo, a organizar o stock, a fazer contas, a enviar mails, a pensar na disposição da banca — tenho dezenas de publicações mas gosto de as ter a todas à venda em cada feira que faço: para isso preciso de inventar alguns truques. Todo este trabalho acaba por ser uma espécie de voluntariado. Se por acaso conseguir ficar com algum dinheiro extra — ou seja, para além do valor da banca — no final de uma feira, será algo até £15 ou £20: britânico — £6.50/hora. E já me aconteceu perder dinheiro, claro. Está visto então que dificilmente se confudirá esta actividade com a criação de uma oportunidade. No entanto, é algo extremamente gratificante. Quando vendi, pela primeira vez, uma cassete e um CD — sim, também trouxe música —, depois de começar a acreditar que ia ser praticamente impossível vender a alguém música da qual nunca tinham ouvido falar, esse foi o grande acontecimento do meu dia. Nem me apeteceu contabilizar todo o trabalho e o esforço necessários para fazer chegar aquela música àquela pessoa. Sinto isto como uma espécie de missão, às vezes. Mas não sei se isso será bom ou mau. A verdade é que logo a seguir estou a olhar para listas de anúncios de emprego porque continuo a precisar de dinheiro para me sustentar. Volto então ao meu full time job: encontrar um job.


João Sobral / Londres, a terra prometida

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Tem sido bastante difícil dedicar-me a produzir o que quer que seja. Esse acaba por ser um segundo struggle que tem origem no primeiro. Quando são assombradas pela culpa de não estarmos a resolver a nossa situação de... desempregado. Facilmente se cai num loop de: não consigo resolver o que tenho para resolver mas também não faço o que gostava de fazer porque tenho de resolver o que tenho de resolver. Todas as nossas energias se perdem nesta ruminação e até descansar se torna difícil. Participar em feiras para vender as publicações dos outros acaba por ser uma bóia de salvação que me ajuda a manter o contacto com este mundo incrível que existe à margem das oportunidades que me estão a matar. Não tenho produzido nada, nem desenhos, nem fanzines, nem textos. Até esta publicação e este texto demoraram meses a serem feitos, muito muito mais do que seria aceitável. Nem sequer tenho fotografado, o que costumava ser aquilo que fazia quando precisava de desbloquear, porque no fundo é só disparar, não Se fosse pelas minhas próprias publicações, provavelmente já não andaria a fazer feiras nenhumas. O último zine que comecei a imprimir, que paginei a partir de trabalhos de outra pessoa, continua à espera de ser terminado. Falta-me imprimir a folha que tem a capa. Mas já vou ter de lhe fazer uma correcção: substituir o 4 de 2014 por um 5, seis meses depois. espera, acho um bocado triste, deprimente até. Se me perguntarem “então e o que é que tens feito?”, a minha cabeça não se consegue lembrar de mais nada a não ser que tenho andado a olhar para oportunidades e a tentar decifrá-las. Entretanto, sou capaz de encontrar, perdidas pela casa, várias listas de coisas que gostava de fazer. Cada vez que me tento organizar, faço uma lista porque dizem que ajuda. E é verdade que ajuda: não a concretizar essas coisas mas a perceber que ainda vou estando minimamente sóbrio, que ainda tenho vontade própria. Eventualmente, voltar a olhar para elas algum tempo depois, ajuda-me também a perceber que quero que as oportunidades se fodam.

Sempre a merda do futuro, a merda do futuro, e eu? Eu sou parvo ou quê? Quero ser feliz, porra, quero ser feliz agora, que se foda o futuro.



TIAGO BAPTISTA (ENTREVISTADO POR

JOAO MACHADO)

1OOO OLAS


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Como é que começaste? Em que ponto da tua vida decidiste começar a fazer zines, autopublicar-te? O que é que pretendias fazer quando começaste? A primeira banda desenhada que me lembro de ter feito foi talvez no 6º ou 7º ano para um concurso de banda desenhada na escola, era sobre um grupo de amigos e abordava assuntos como o consumo de drogas leves e actos de civismo, como por exemplo, ajudar pessoas com incapacidades motoras. Ganhei o concurso e recebi um livro do “Asterix”. Esta é a primeira experiência com banda desenhada de que me lembro. Lembro-me também das bandas desenhadas da Disney que eram publicadas na revista “Super Jovem” que a minha irmã comprava e lia. Acho que estas são as minhas primeiríssimas experiências com BD. Voltei a debruçar-me sobre isto com alguma seriedade apenas nos primeiros anos da faculdade quando comecei a publicar os primeiros fanzines embora a banda desenhada fosse ainda muito pouco estruturada. Na ESAD, nas Caldas da Rainha não havia quase ninguém a fazer BD. Havia e há algum preconceito por parte dos professores e por parte dos alunos em enveredar pelo estudo e aprofundamento da prática da banda desenhada. A banda desenhada que havia, julgo que era por reacção à não aceitação da mesma e não me lembro de ser apresentada como um trabalho final ou inserida no projecto artístico desenvolvido nas aulas. Existia de alguma maneira à margem do currículo escolar. O primeiro fanzine que publiquei foi em Março de 2005, chamava-se "Bolso", teve 8 números e o seu tempo de duração ocupou todo o tempo em que estive nas Caldas da Rainha a estudar, ou seja, até 2008. Era um fanzine em tamanho A6, colectivo e muito díspar no conteúdo. Quando fui estudar para as Caldas da Rainha já tinha tido contacto com a ideia de fanzine através de uma revista que tinha comprado em Espanha e que tinha um pequeno artigo sobre zines e livros auto-editados, mas nunca tinha tido um fanzine na mão. A coisa mais próxima de um fanzine que tinha eram uns catálogos fotocopiados de uma distribuidora de música punk de Leiria, a “Rastilho”. Uns anos mais tarde ofereci esses catálogos todos a um colega e hoje arrependo-me imenso porque a distribuidora agora é online e não consigo recuperar os mesmos.


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Nas Caldas da Rainha é que tive realmente contacto directo com o mundo dos fanzines, havia imensas pessoas a publicá-los e de uma maneira bastante regular, o que me incentivou imenso a fazê-lo também, porque percebi que aquele era um veículo bastante interessante para expor as minhas ideias e trabalhos com total liberdade e sem ter de passar por pressões académicas ou teóricas (não quero aqui defender uma separação das ideias e das formas). Naquele espaço eu podia fazer realmente existir o meu trabalho visual como bem me apetecesse. E foi esse poder decidir e experimentar que me fez começar a publicar os meus fanzines. A banda desenhada ainda assim estava arredada nos primeiros fanzines. De facto sempre tive alguma dificuldade em estruturar uma narrativa contínua em várias pranchas. Só mais tarde a banda desenhada começou a acompanhar-me mais frequentemente, e estou a falar tanto da sua leitura como da sua produção. Começas por referir o Asterix e a Disney como contactos fortuitos com a bd, mas já na faculdade, ao fazeres os primeiros fanzines, dizes que a bd ainda estava “arredada”. O que é que aconteceu no intervalo? Ou seja, em vez de falarmos dum primeiro contacto, pergunto-te sobre o mais marcante, pelo menos em relação com a banda desenhava que vieste depois a fazer. A banda desenhada esteve “arredada” porque nunca senti que tivesse capacidade para estruturar um guião, pensar nos planos, criar personagens, pensar em vinhetas e pranchas para contar uma história. A minha relação com a pintura e o desenho sempre foi no âmbito da criação de uma imagem singular, em que depositava e deposito a capacidade de criação de relações entre os elementos apresentados apenas numa imagem, e essa imagem deveria encerrar todo o potencial narrativo numa dimensão pictórica. A banda desenhada exige muita concentração e esforço para se conseguir criar isso porque traz consigo uma outra dimensão que está arredada na pintura, que é a dimensão temporal, que surge do encadeamento das vinhetas que estrutura a narrativa ou a acção, ou seja, na banda desenhada há um inicio, um meio e um fim, enquanto na pintura e no desenho há uma suspensão do tempo, como um congelamento da acção e o que vemos é um indício do que poderá ter acontecido e do que poderia vir a acontecer. Como a pintura sempre esteve muito presente no meu


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trabalho, acabava (acabo) por me concentrar nesse momento singular. A banda desenhada aparece-me como uma possibilidade de contar uma história com ou sem palavras um pouco como se pudesse experimentar uma linguagem mais cinematográfica, e algumas bds minhas estão declaradamente próximas do cinema ou da imagem em movimento, como se fossem vídeos ou pequenos filmes. Por isso nos primeiros fanzines havia uma forte presença da ilustração e de uma proto banda desenhada na medida em que não era assumida como tal. Ajudou a este afastamento ou intervalo demasiado longo, o desconhecimento do que poderia ser a banda desenhada autobiográfica ou de teor poético, sem ser as coisas da Disney, o Asterix, ou os heróis da Marvel com super poderes e seus companheiros fantásticos que pouco me importavam, apesar de nalgumas pinturas usar imagens do Batman e outros, mas que apenas me interessavam enquanto imagens de marca e massificadas que simbolizavam para mim o consumismo que queria criticar nesses trabalhos. Houve uma altura da minha adolescência em que descobri a revista Chiclete Com Banana. Na altura já foi uma coisa marcante, havia aquelas personagens punk e urbanas que me interessavam muito. Mas só quando fui para as Caldas da Rainha em 2004/2005 e vi algumas bandas desenhadas esquisitas nos fanzines é que percebi que a bd podia ser outra coisa. Depois apresentaram-me o Robert Crumb e tudo se modificou. Embora não tenha lido muita coisa dele nessa altura (só mais tarde consegui comprar algumas coisas e ler mais atentamente) o desenho foi uma grande influência para mim. Nasceu, assim, um personagem que me acompanhou durante alguns anos “O Sr. Otário” que fazia lembrar algumas personagens do Crumb e que era um alter-ego meu, que passava a vida a dizer asneiras e a fazer coisas indecentes, que era o que eu queria fazer na altura. Mais tarde comprei umas publicações da Bedeteca, “Lx Comics” que me introduziram no trabalho do André Lemos, do Paulo Amorim e de outros autores que encontrei pouco depois na Chili Com Carne. Houve um dia muito importante em que o meu professor de pintura, o Paulo Quintas me trouxe aquele livro maravilhoso do Chris Ware “Jimmy Corrigan, the Smartest Kid on Earth”, e a leitura


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deste livro fez-me perceber que a banda desenhada podia ser uma experiência equivalente a ler um romance, devido à complexidade das personagens. Foi essencial ler esse livro. Sobre o início nas Caldas, gostava que falasses um pouco sobre o meio que encontraste, prolífico em zines, mas curto na bd. A passo gostaria que me narrasses o interior do Bolso, visto que aparece esgotado no vosso site, mas para já constato que, se o primeiro Bolso é de 2005, logo a seguir, e em paralelo, estavas a lançar mais zines, portanto explica-me primeiro esse início. Entrei para as ESAD em 2004 e este foi o ano em que tive o primeiro contacto consolidado com fanzines, engajado na sua edição e aquisição. Um dos primeiros fanzines que comprei nas Caldas da Rainha foi comprado na rua, a um grupo de pessoas que tinha montado uma banca debaixo de uma árvore junto ao antigo edifício do bar da escola. Aparentemente não havia nada que justificasse tal acção (não se tratava de uma festa ou conferência), por isso, fabulei; imaginei que lá se encontravam como se aquela fosse uma situação quotidiana na comunidade escolar. Encontrar alguém a vender fanzines espontaneamente à sombra de uma árvore apresentava-se como algo de estranho para mim, mas parecia normal inserido no contexto da ESAD. Como esta situação me era estranha, interessou-me e comprei, salvo erro, dois zines. Uma outra situação que concorre com esta, na sua aparentemente estranha iniciativa foi quando o Lizandro Mota (um aluno mais velho que publicava vários fanzines de banda desenhada, das mais particulares que já vi e que me influenciou muito) entrou pela sala da aula de Artes Plásticas a tentar vender o seu último fanzine, “O Rapaz do Poder Atómico”. Comprei, li e gostei muito. Este era o contexto em que muitas vezes as pessoas mostravam os seus projectos editoriais, os vendiam, os trocavam e em que partilhavam as suas ideias. Para um rapaz de 18 anos vindo de uma aldeia no concelho de Leiria isto era impressionante, porque percebi que havia uma comunidade interessada e que sustentava este tipo de projectos e que para além disso tinha maneiras estranhas de o fazer (exemplo da banca na rua e do Lizandro que vendia os seus zines de porta em porta no edifício da escola). Decidi nessa altura que também queria fazer parte daquilo.


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Primeiro fui convidado pelo Pedro Azevedo para participar no seu zine “Le Fromage du Bastard”, que era um zine algo caótico, que tinha de tudo um pouco, do conto aos inúmeros autocolantes que caíam do saco onde o zine vinha. Depois, em Março de 2005, decidi também editar o meu próprio fanzine. Tinha trabalhos meus e de amigos e também tinha um pouco de tudo, e aqui ainda não tinha aparecido nenhuma banda desenhada. Havia um conto do Carlos Nascimentos, um desenho do António Tudela, uma página em branco da Ana Luísa Cadima que não chegou a entregar nada e onde fiz uma inscrição em cada um dos exemplares: “Esta era a tua página. Beijos”. Os meus trabalhos eram na altura super influenciados pela estética “street art” que tinha descoberto há pouco tempo e que tinha explodido na altura. Tinha tido contacto com a “street art” um ano antes numa viagem que fiz a Barcelona. É de notar que a cidade das Caldas da Rainha era um verdadeiro laboratório para artistas de rua (não havia rua que não tivesse um stencil ou um autocolante) e o Valério (a.k.a. UIU) tinha um trabalho de que gostava muito, tanto o traço como o ritmo a que trabalhava me influenciavam muito naquela altura (ele também publicava fanzines). Na ESAD, naquela altura, as pessoas que faziam banda desenhada, não eram comprometidas com qualquer ideia de produzir um álbum ou uma história que ultrapassasse as 6 páginas, mas eram muito interessantes ainda assim. Para além do Lizandro Mota que já tinha referido, havia entre outros, o “Moca”, o “Tiagh”, o José Smith, o “Nelop”, o Lucas, a Nadine Rodrigues que faziam mesmo bandas desenhadas, e depois havia também por exemplo, o João Cabaço que não me recordo de ver bandas desenhadas dele, mas que tinha uns desenhos e pinturas com diversas personagens e essas composições assemelhavam-se por vezes a bd. Havia muitas outras pessoas que tinham um trabalho próximo da banda desenhada nesse sentido alargado. Um fanzine que foi muito marcante para mim foi o “Porca Frita #5 e #6” que tinha trabalhos de quase todos estes autores e graficamente era bastante coeso. Acho que a primeira banda desenhada que publiquei num fanzine foi no “Facada #1” em Dezembro de 2005. O “Facada” foi um fanzine que publiquei com o Pedro Oliveira, amigo da


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minha turma que também sempre se interessou e publicou fanzines, e que nos acompanhou durante todo o tempo em que estivemos na ESAD. O último número, o número 10, saiu em 2008. A outra questão que me ocorre é de novo interna à edição. O último zine teu de que falaste foi o Bolso, e adiante o primeiro Facada. Tens que me falar dos outros, mas deixa-me pôr a questão em traços largos. O que é que determina passares de um para o outro? As pessoas com que o fazes? Para onde remetem os vários nomes que arranjas, e que relação acabam eles por ter com o conteúdo? O que determina a passagem de um para o outro é a tentativa de encontrar novas soluções para novas questões que se colocam. Por exemplo, o primeiro zine que fiz, o “Bolso” era um projecto orientado para abarcar várias participações tendencialmente variadas. Depois disso surgiu a necessidade de me envolver num projecto mais pessoal e fiz o “Cleópatra” que deve o seu nome a uma série de episódios do foro emocional, em oposição ao “Bolso”, este novo era A4, fotocopiado e com uma serigrafia na capa, continha umas ilustrações e uma pequena BD de um cão que assassinava um humano e em seguida suicidava-se, e uma outra BD em jeito de comentário auto-comiserativo e cheio de ironia ao mesmo tempo. O “Cleópatra #2”, era um comentário político, desencantado mas realista, feito durante os meses de férias de Verão em que trabalhei numa fábrica de rações em Leiria (trabalho sazonal durante alguns anos) e que já não tinha nada a ver com aquele estado emocional passional do primeiro número, mas para forçar o projecto deste fanzine à continuidade decidi manter o nome, o formato e a premissa de ser um fanzine só com trabalhos meus e que seria e ainda hoje é uma espécie de manifesto pessoal. De resto, cada número é tão variado no conteúdo e na forma que me faz questionar muitas vezes a teimosia de continuar a chamar-lhe “Cleópatra” em vez de aproveitar o material para uma outra publicação com uma linha editorial/gráfica/conceptual mais acertada. O “Facada” surgiu, como já referi, em parceria com o Pedro Oliveira porque partilhávamos um interesse por este tipo de publicações e porque numa espécie de cumplicidade que encontrávamos na pintura acabávamos por seguir muitas


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vezes caminhos comuns. Este zine era tipologicamente um fanzine, A5 com fotocópias, meio anarca nas ideias e formas, com alguma falta de acuidade, a faca às vezes não estava politicamente tão afiada e nem sempre espetava tão bem como era proposto. Mas foi um projecto ao qual dedicámos muito tempo e carinho. Houve também no tempo da faculdade um outro projecto de curta duração, o “XS comics”. Saíram 2 números e era um mini zine, A7, com banda desenhada, minha, do Pedro Oliveira e do Lizandro Mota, que também já tinha referido. O “Besta Quadrada” surgiu porque queria iniciar outro projecto de edição colectivo, e em conversa com o André Catarino na busca de um nome para este novo zine ele sugeriu “Besta Quadrada” e assim ficou. Adicionou-se o formato quadrado. Houve um lançamento do número 1 conjuntamente com o 2, ou 3 do “Bolso” (não me recordo bem) numa rua das Caldas, chamada Rua da Amargura, para enfatizar as tendências auto-destrutivas e por vezes pateticamente auto-comiserativas, mas bastante divertidas, presentes nos zines. Houve vinho, salgadinhos e um rádio a pilhas com música, eu vesti uma máscara e gabardine de cabedal e estive ali a noite toda juntamente com os amigos e curiosos. Era uma coisa meio performativa, das poucas que fiz. No número 2 do “Besta Quadrada” o André juntou-se a mim na edição, foi nesta altura que convidámos o Gonçalo Pena para participar (o que não chegou a acontecer) e ele nos falou de um outro “Besta Quadrada”, editado pelo Tiago Gomes em 1994. Procurámos o contacto do Tiago, e ele viu o nosso projecto. Convidou-nos mais tarde para participar na “Bíblia” e também participou no nosso zine. Quando vi o “Besta Quadrada” de 94 foi muito bom, porque tinha trabalhos de vários autores que foram e são muito importantes para mim, como o João Fonte Santa. No último número, já fora da faculdade, incluímos um CD com músicas de projectos musicais que conhecíamos. Este zine era também um zine com muitas participações, da bd à fotografia. Entretanto continuei a publicar o “Cleópatra”, até que apareceu o “Preto no Branco” em 2012, que no fundo era uma proposta de uma, tímida e não declarada, homenagem que queria fazer aos zines que fiz, em que participei e adquiri


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durante o tempo que vivi nas Caldas da Rainha. Era para ter sido só aquele número, mas já estamos a preparar o número 4 que sai agora. Entretanto em colaboração com a Catarina Domingues outro tipo de publicações apareceu. ”Sobre o Verão”, que fizemos depois das nossas férias. ”O Princípio” de que também fazem parte a Joana T. Silva e a Sílvia Prudêncio, que não é publicado pela Façam Fanzines e Cuspam Martelos, mas que está estreitamente ligado a este projecto, pelas pessoas (que participam activamente noutros projectos da editora) e pela maneira de trabalhar. No fundo não sei porque é que o tempo que estive nas Caldas foi tão prolífico na criação de tantos e tão dispares fanzines, talvez houvesse no acto de procurar um nome para uma nova publicação, algo que me agradava, o encontrar um nome que transmitisse uma certa espontaneidade aliada a uma agressividade (pós ou tardo-adolescente) que me fascinava. Pensando mais profundamente sobre isto, havia e há uma busca, uma vontade séria de experimentação nos formatos físicos do objecto e nos seus conteúdos que não era assim tão naïf ou infantil, como referi. Então e o que é que sobra dessa efervescência das Caldas? Interessa-me saber até que ponto essa plêiade de artistas deixou rasto, se os acompanhaste no teu trabalho de fanzines, e também porque é que, imagino, tu te mantiveste activo e outros nem tanto. Porque, ao olhar para o vosso site, parece-me em 2005 –2006 já estavas apostar em vários cavalos ao mesmo tempo — tinhas iniciado o Bolso, o Facada, e o Cleópatra — mas hoje, nos Preto no Branco, nem há trabalho gráfico teu (descontando o arranjo do próprio zine), ou seja, apesar de tudo persististe, quase dez anos depois, na tipologia do zine. Tenho tido poucas notícias das Caldas. Sei que ainda se fazem por lá fanzines e que alguns destes artistas por vezes publicam os seu trabalhos num fanzine chamado “Borealis”, publicado por um espaço de exposição, “Electricidade Estética”. O José Smith continua a publicar com regularidade, na Chili Com Carne, entre outros fanzines auto-editados. O Lucas Almeida também tem coisas publicadas na Chili Com Carne. O resto dos artistas não sei do paradeiro deles. Espero que continuem a auto-editar, mas tenho muita pena de não saber nada da sua produção.


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De certa maneira continuei activo porque aqueles quatro anos a estudar na ESAD foram muito marcantes e porque acho que é bonito prolongar esse espírito comunitário, de partilha neste formato. Quando vim viver para Lisboa senti muito a falta dessa coisa que existia nas Caldas. Talvez seja por isso que continuei a fazer zines. A princípio custou, porque receava ficar sozinho, mas agora a engrenagem está bem oleada e tenho publicado coisas regularmente, não tanto como gostava, mas sempre foi assim, sempre quis fazer mais do que faço e às vezes nem sempre quantidade é sinal de qualidade. É melhor não pôr a carroça sempre à frente dos bois, a prudência também é muito importante. Se hoje no “Preto no Branco” já não há trabalho visual meu é porque escrever tem tomado um lugar importante. Daí que quando já temos os trabalhos dos artistas que convidámos, falta pouco tempo para a data do lançamento e ainda estou a terminar o meu texto, percebo que se iniciasse uma bd sairia um mau trabalho. Prefiro nesse momento abdicar desse trabalho e só publicar o texto. Essa é outra coisa que queria desenvolver, que é a crítica (sempre pessoal) de discos e das suas capas e não há melhor sítio para o fazer que num fanzine, é para isso que servem, como espaço de experimentação. Mas claro que quero continuar a fazer BD e a publicá-la nos fanzines que faço. Se a coisa tem estado mais activa e o trabalho agilizado é porque de há uns tempos para cá partilho o projecto que é a pretensa editora “Façam fanzines e Cuspam martelos” com a Catarina Domingues, pois deixou de fazer sentido guiar este barco sozinho quando partilhamos a concepção de tantas publicações em conjunto, já não é um projecto pessoal (na verdade nunca foi) para ser um projecto comum e esta nossa colaboração tem sido fulcral na construção de projectos editoriais mais abertos e heterogéneos. Vamos incidir no teu trabalho de bd e no seu ponto de partida. Acho que estava a ler o Ware mais ao menos ao mesmo tempo que tu, um ano ou dois de diferença. Sobre o Crumb também o identifiquei quando li o Fábricas. O pessoal da Chiclete com Banana até pode ser enquadrado com esses dois no referencial da ‘comic strip’, e isso faz-me pensar na influência da rapidinha, da busca do ‘punch’ em poucas vinhetas, no início do teu trabalho. Mas perante essa reflexão, o que acho mais interessante agora é tomar um curso oblíquo. Como falaste na bd como contendo a dimensão “tempo”, vamos pensar nela como uma matiz, e aí quero saber como é que


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descreves o teu trabalho na pintura [NT: o Tiago continuou a desenvolver trabalho na pintura, e foi recentemente nomeado para o Prémio Novos Artistas da Fundação EDP por esse trabalho], e, no inverso, que interesse podes ter em lidar ainda com mais “tempo”, em histórias longas, por exemplo. Na pintura, como tinha referido, há uma concentração de todos os esforços numa só acção, embora possam estar a acontecer muitas coisas ao mesmo tempo, ou as figuras estabelecerem diferentes relações entre si, mais ou menos complexas, mais ou menos descodificáveis, perceptíveis. Na banda desenhada que faço há uma tendência para acções mais compreensíveis do ponto de vista da lógica. Há essa dimensão temporal, que me agrada, e como o tempo passa e é inflexível na sua passagem, ou seja, não pára, não há retrocessos, e nesse sentido é linear, é como uma linha, então as narrativas que crio têm tendencialmente esse pendor linear, que obedece a uma ordem. Quase sempre de aparência realista, sinto as minhas bandas desenhadas como a possibilidade de contar uma história. Não é que as relações entre as figuras sejam mais complexas que nas pinturas mas há um princípio e um fim, como num filme. Por mais experimental que o filme seja, integrando várias dimensões temporais, reconhecem-se dois momentos cruciais: o momento em que começa e aquele em que termina, ou seja, lês aquele conjunto de imagens sempre condicionado por estes dois momentos, como numa linha, enquanto que na pintura não há fim, princípio ou o que quer que seja, há apenas uma imagem, o congelamento de um acontecimento, embora se possa fantasiar sobre as acções precedentes e posteriores a esse acontecimento representado. Na pintura há também uma outra componente que é rara na minha banda desenhada, que é a cor. Geralmente as minhas bandas desenhadas são a preto e branco, porque é mais económico tanto a nível financeiro (nomeadamente na sua reprodução) como na duração da feitura. Há também uma economia no fazer que me agrada porque há uma fluência das imagens, e se lhes aplicasse cor tomar-me-iam demasiado tempo, afastando-me do correr da história. Mas não me desagrada de todo pensar que um dia poderia aplicar cor nas minhas bds, mas por enquanto é-me difícil fazê-lo.


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Por outro lado na pintura há um tempo do fazer que me agrada, uma lentidão, um vagar que me permitem desfrutar da aplicação das tintas, das indecisões do processo de construção das imagens, que a banda desenhada não me dá. Parece-me que a pintura é mais passional e a banda desenhada mais racional, porque exige uma maior planificação e auto-disciplina, e é mais custoso nesse sentido dedicar-me à bd. A pintura surge em imagens construídas mentalmente, a banda desenhada em certo sentido também, mas na pintura o processo da construção da imagem final é quase na sua totalidade feito durante a sua execução, enquanto que a banda desenhada exige mais refreamento, mais contenção, mais método. Em relação a enveredar por um trabalho mais longo em banda desenhada, é difícil, embora tenha em mãos dois projectos de dimensão maior (ainda que não sejam comparáveis de maneira alguma ao trabalho do Ware que referi). Um deles são várias histórias sobre episódios que aconteceram em Berlin quando estive lá a fazer uma residência artística em 2013. Os três primeiros já foram publicados no livro “Zona de Desconforto” da Chili Com Carne (neste momento o quarto foi já publicado no “Preto no Branco #4). O outro é uma interpretação, misturando ficção com factos documentados, do que se passou na Marinha Grande em 18 de Janeiro de 1934, a Greve Geral meio falhada que se opôs à fascização dos sindicatos no Estado Novo. Estas são ideias que me têm vindo a acompanhar nos últimos tempos, mas que não sei quando terminarei, prefiro não pensar nisso. Mas sabe bem pensar que estou a fazer um trabalho que apesar de não parecer ter fim à vista me acompanha constantemente, por isso tenho ganho um carinho especial por estes dois projectos maiores. Pensando no que dizes, concentro-me necessariamente na questão do método e da disciplina. Não posso ignorá-la como decisiva no circuito amador, mas também no cerne da própria banda desenhada, onde mesmo o improviso parece sempre constrangido pela exigência de uma estrutura, um pensamento sobre a página, e depois sobre o encadeamento de todas as páginas. É curioso que digas que vais trabalhar nas histórias de Berlim e da Marinha Grande a par e passo. Como é que se consegue compartimentar a incerteza (de resolução de um trabalho em bd ou pintura) face à cronolatria do emprego, de pagar as contas? Podes alumiar o teu regime de trabalho?


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Tiago Baptista (entrevistado por João Machado) / 1000 Olás

Neste momento tenho a sorte incrível de conseguir pagar as minhas despesas sobretudo com a venda do meu trabalho de pintura. Trabalho com uma galeria, a 3+1 Arte Contemporânea que tem tratado de vender e mostrar o meu trabalho de pintura num contexto do mercado da arte (feiras nacionais e internacionais e exposições individuais na galeria). Por vezes acontece participar em exposições em que há algum dinheiro para pagar aos artistas, como aconteceu recentemente no Prémio Novos Artistas EDP 2013, mas acontece também não haver dinheiro para pagar aos artistas e participar na mesma. Mas vivo sempre na incerteza de não haver nenhuma venda durante meses e o dinheiro escassear (como sempre escasseia) e ter que andar com o coração nas mãos porque posso não ter dinheiro suficiente para o mês que vem... Ou seja, se retiro algum rendimento do meu trabalho é sempre do meu trabalho de pintura e nunca (pelo menos num volume de rendimentos que me permita pagar contas regulares e continuamente) do meu trabalho de banda desenhada. O dinheiro que faço com a bd é sempre da venda de fanzines nas feiras e esse dinheiro paga as impressões das mesmas e de outros projectos do género. Nunca posso contar com dinheiro vindo desta actividade. E isto acontece talvez porque não haja mercado real na banda desenhada em Portugal; porque a banda desenhada existe e adquire-se no formato livro, minimamente acessível (democratizado?) e para se manter assim tem de ter preços relativamente baixos; porque as estruturas que uso para publicar o meu trabalho não têm capacidade de chegar a públicos fora do círculo pequeníssimo dos entusiastas dos fanzines e outros poucos interessados neste tipo de publicações; definitivamente, não há público para este tipo de publicação que possa sustentar continuamente os artistas nesta actividade. Apesar de (ainda) não conseguir fazer co-existir a banda desenhada com a pintura no mesmo espaço, elas complementam-se, acompanham-me e quando física e emocionalmente estou cansado de pintar, as ideias que se encaixam na estrutura da bd tomam o lugar da pintura e vice-versa, por isso não me consigo separar de nenhuma delas. O que acontece com a pintura é que acaba por ter mais mediatização porque como referi antes, há uma estrutura por


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trás que me permite ter alguma estabilidade económica, que por sua vez me permite ter quase todo o tempo para pintar e fazer bd. Embora saiba que tudo isto pode acabar a qualquer momento e tenha que procurar um outro emprego precário para me sustentar. Depois também há alguns trabalhos gráficos pontuais que me ajudam a pagar algumas despesas, nomeadamente cartazes para a ZDB, e também a distribuição de postais mensais da mesma associação. Já falámos de dinheiro e das preocupações seguidas à risca no que diz respeito a fazer zines baratos de fazer e comprar. O teu trabalho mantém um olho ao apelo popular, mas como disseste, no Cleópatra 2 falas do período em que trabalhaste uma fábrica de rações e das “lições de vida” que isso te trouxe. Não sentiste aí nenhum aconchego de classe, e até satirizaste isso com uma mini-bd do Sr. Otário, o “working class hero”. Mais longo do “anarcopunk” dos primeiros tempos, a street art que mencionaste casou com o muralismo pós-25 de abril, ou outros ainda, como o mexicano dos anos 20, também pós-revolucionário. No Zona de Desconforto e na história da Marinha Grande em desenvolvimento falas dos vencidos, mas inspiras-te nos momentos em que tudo pareceu possível. É impossível não te perguntar como está a evoluir a tua consciência política, e como é que isso se expressará no conteúdo e na ética do trabalho que pretendes desenvolver. Como vai ser o futuro, Tiago? O futuro vai ser mau! Quando naqueles Verões trabalhei naquela fábrica, de facto, não senti nenhum “aconchego”, mas as pessoas que lá trabalham também não sentem nenhum, isso é certo. Não senti, nos operários daquela fábrica nenhuma noção de consciencialização de classe (mas não acho que isso seja assim em todo o lado, felizmente), embora pertençam a uma classe bem defenida – que não é a dos proprietários da fábrica, e os trabalhadores sabem isso – não estavam organizados, e senti até alguma hostilidade em relação a essa consciencialização ou organização colectiva, nunca ouvi falar de alguém que fosse sindicalizado ali. A minha situação também era completamente precária, sem recibos, sem contracto, sem descontos, era apenas um trabalho de Verão, por isso também nunca tive oportunidade de me inteirar do que poderiam fazer aqueles operários para melhorar a sua situação, nem tinha possibilidade para o fazer, nem a coragem, porque a minha presença ali era momentânea e sentia-me como um estranho: se por um lado não me era dada a oportunidade de me integrar nos poucos momentos de socialização nas horas de descanso; por outro


40 / 41

Tiago Baptista (entrevistado por João Machado) / 1000 Olás

também não sabia como fazê-lo e às vezes parecia mesmo que falávamos linguas diferentes, mas de qualquer maneira não culpo os outros trabalhadores por isso. Assim, nunca senti propriamente “aconchego” nesse ambiente, mas foi fundamental porque tive acesso a uma realidade cheia de dificuldades, no fundo percebi que vivemos num país profundamente mal formado, subdesenvolvido, com zonas profundamente ostracizadas e com camadas de população completamente à deriva, desesperadas, à mercê da manipulação política mais demagoga e mais mal intencionada. À classe política portuguesa nunca interessou dar ferramentas de emancipação reais às classes trabalhadoras. É por isso é que nesse fanzine, no Cleópatra #2, assumo um tom crítico em relação a essa realidade (não querendo de alguma maneira acusar a classe operária de falta de honestidade, porque sinto uma profunda admiração por estas pessoas que vão vivendo apesar de todas as humilhações, mas falta de facto, um longo trabalho de consciencialização de que são os próprios trabalhadores que geram valor e que tudo o resto é especulação capitalista). A história sobre a Greve Geral de 1934 na Marinha Grande vem dessa esperança que deposito na classe trabalhadora, porque de facto acredito que as pessoas não estão totalmente resignadas, acho que há sempre um sentido de revolta dentro das pessoas, só que falta de facto uma vontade comum, falta perder o medo, mas sou realista e compreendo perfeitamente que as pessoas tenham medo de perder o seu posto de trabalho ao aderirem a uma greve por exemplo, ou ao exigirem aumentos no salário, ao exigirem coisas que aos patrões parecem mesquinhas, mas que são direitos laborais, como o direito à pausa, ao pagamento de horas extraordinárias por exemplo. O capitalismo evoluiu de tal maneira que conseguiu instaurar um medo, uma precariedade tal que as pessoas para não perderem o mínimo disponibilizam-se a fazer o máximo. E isto é muito, muito grave. De qualquer maneira acho que é importante as pessoas tentarem esclarecer-se sobre a situação politica, organizarem-se em campanhas de contestação e luta, estarem unidas, como está o capital. No fundo é isso que sempre pretendi com a auto-edição, mas tenho consciência que não vão repor o que se roubou nas pensões, nos salários, nos subsídios, porque fiz um fanzine, há muito mais a fazer, mas acredito que é uma passo, pequenino, mas é um passo. Por isso também acho


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que é importante encontrar novos públicos, para mostrar às pessoas que fazer um livro ou uma publicação não tem de ser um contracto assinado com uma editora que depois vende os livros nos supermercados Continente, há outras maneiras de fazer as coisas e de pensar como fazê-las. Vamos tentar que o futuro não seja tão mau.

contracapa

capa

Besta Quadrada #1 — vários autores (inc. Tiago Baptista) / 21 x 21 cm / 38 pp / 2006

contracapa

capa

Besta Quadrada #4 — vários autores (inc. Tiago Baptista) / 21 x 21 cm / 52 pp / 2009


42 / 43

Tiago Baptista (entrevistado por João Machado) / 1000 Olás

contracapa

capa

Bolso #0 — vários autores (inc.Tiago Baptista) / 15 x 10,5 cm / 24 pp / 2005

contracapa

capa

Bolso #8 — vários autores (inc. Tiago Baptista) / 15 x 10,5 cm / 84 pp / 2008


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contracapa

capa

Cleópatra #1 — Tiago Baptista / 30 x 21 cm / 30 pp / 2006

página interior

capa

Cleópatra #2 — Tiago Baptista / 30 x 21 cm / 32 pp / 2007


44 / 45

Tiago Baptista (entrevistado por João Machado) / 1000 Olás

contracapa

capa

Cleópatra #8 — Tiago Baptista / 27,5 x 20 cm / 40 pp / 2012

contracapa

capa

Facada #10 — Laurindo Marta, Pedro Oliveira, Tiago Baptista / 21 x 15 cm / 32 pp / 2008


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contracapa

capa

O Hábito Faz O Monstro #5 — Lucas Almeida / A4 / 2006

contracapa

capa

O Hábito Faz O Monstro #7 — Lucas Almeida / A4 / 2006


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Tiago Baptista (entrevistado por João Machado) / 1000 Olás

página interior

capa

Lola Folga Às Quartas — vários autores (inc.Tiago Baptista) / A4 / 2008

contracapa

capa

O Rapaz do Poder Atómico #1 — Lisandro Mota / A5 / 16 pp / 2004



JOAO MACHADO

(PUBLICADO ORIGINALMENTE A 18/12/2O14 NO SITE

CLUBE DE LEITURA GRAFICA)

RESENHA GRAFICA: “THE ABOLITION OF WORK” PART 2, DE BRUNO BORGES


CO L E CÇ ÃO DE E N SA I OS S O B R E BA N DA DESENHADA E AFINS

THE ABOLITION OF WORK #2 (inc. #1) Bruno Borges 24 páginas A3, a duas cores, 15€ (Inclui o primeiro número, em A5, p/b, papel amarelo)

É tarde demais para dar outro pontapé no século XX? Será que o dito ainda aguenta uma pêra no sobrolho? Com tudo o que foi expulso da história. Duas guerras mundiais, várias crises ameaça tornar-se muito hostil no espaço de décadas. Nada de grave, claro, se considerarmos os episódios como o corolário do Antropoceno1. The Abolition of Work, foi o do antagonismo cerrado de dois campos, o dos capitalistas e o dos comunistas, uns a puxar pela pujança maravilhosa da maré que içará todos os barcos, outros a tentar, e falhar, Modernidade. Foi, tanto quanto o século XIX, ou mesmo pior,

1. http://vimeo.com/97663518

M A G A


Joã o Ma cha do / R e senha grá fic a : “ The A b o l i t i o n o f Wo rk ” Pa rt 2, d e Bru n o Bo rg e s


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dado o avanço derradeiro da

2

, o século

nosso quotidiano. Afirma-se em The Abolition of Work 3 algum desdém pelo história e veio fornecer armas à parte em sistemática perda, e mantém-se o problema ontológico do trabalho. Contudo, a favor do trabalhador e contra o trabalho, visto que as décadas de luta sindical e conquistas sociais mais dinheiro, mais condições, mais tempo, mas na mesma o trabalho, um kapo

Que o entendimento tácito existe, parece evidente a quem

em nome do capitalista, e é esse tempo de trabalho que gera a mais-valia. Os capitalistas competem no mercado auxiliados em menos tempo e com maior rentabilidade, leva a dianteira.

o avanço tecnológico e a eficiência acrescida da máquina, a vida; menos trabalho necessário, mais desemprego, salários mais baixos porque a força de reserva é maior, e esquemas de workfare

2. http://en.wikipedia.org/wiki/Primitive_accumulation_of_capital

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Joã o Ma cha do / R e senha grá fic a : “ The A b o l i t i o n o f Wo rk ” Pa rt 2, d e Bru n o Bo rg e s


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individual e transferência de risco). The Abolition of Work Bob Black 4 pelo português Bruno Borges 5. Sobre os BBs, mas

sociedades pré-modernas, pré-industriais. Ocorrem-me, em contrapartida, o pessoal do Rendimento Básico6, os tributários 7 e do movimento do Decrescimento 8, da ou, por afinidade pessoal, inflectindo em algumas coisas que escrevi acima, o Krisis Group 9. O texto de Bob Black tem cerca de trinta anos e encontra-se de Borges vai mais ou menos a meio, mais coisa menos coisa. É importante, para quem desespera com continuidades ou

que deve ocupá-las assim que sairem do estado inane.

4. http://en.wikipedia.org/wiki/Bob_Black

M A G A


do papel de jornal, antes do paperback que dava espinha aos sucessivamente elevada até à galeria. O trabalho do Borges vem no inverso, e sugere que temos que começar pelo pindérico, clip art, para corromper o sinal. e pensemos no esquemático, no facto de cada bd ser em si , uma infografia de conceitos ligados. Depois

Abolition of Work, puxava

p/b em papel amarelo, no mesmo saco de plástico) vem limar ligeiramente. Abolition of Work é filiado na Oficina Arara11,

artesanal, onde costuma interessar mais o esgalhamento das

Abolition of Work ela é domesticada — plana e quente, cai num papel excelente. comic, pedem

8. http://en.wikipedia.org/wiki/Degrowth

Joã o Ma cha do / R e senha grá fic a : “ The A b o l i t i o n o f Wo rk ” Pa rt 2, d e Bru n o Bo rg e s

Lembro de um texto10



JOAO MACHADO

(PUBLICADO ORIGINALMENTE A O1/O7/2O14 NO SITE

MASHNOTES)

ALGUMAS RAPARIGAS QUE FIZERAM BD EM PORTUGAL NOS ULTIMOS TEMPOS


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É necessário e importante que exista cultura feita por e/ou para raparigas , mas a abordagem que

peneiram por metais raros; há de agricultoras a astronautas, e das que andam nas empresas, tanto se encontram cá em baixo como lá em cima. Há mulheres boas e mulheres más. Da que homens. Ainda há quem lhes foda1 a2 vida3 acabe nos próximos tempos.

que percebam do assunto sejam um epifenómeno. Sucede,

recuar4 demasiado na história5, logo depois do 25 de Abril podemos destacar a Isabel Lobinho6, 7 , hoje dedicada parte integrante da seminal revista à publicidade e à pintura. A partir de meados dos anos 80 aparece mais gente. A Isabel Carvalho8. A Alice Geirinhas9. 10 A 11

Worm12, a Susa Monteiro13, ou a Cristina Sampaio14. Se de há Jucifer15, de quem tive um

M A G A


à vista um ror de bandas desenhadas de raparigas, uma

compartimentos estanques, mas terá isto tido consequências? A ideia de ausência ou buraco no imaginário redunda numa 16 espécie de

de que vou falar dispõem de estilos que, mais do que reportar

40, bem sei) com trabalho publicado, ou auto-publicado, no primeiro semestre deste ano. A primeira de que vou falar é 17 a 18

uma crónica intimista, sem ter o olho na fechadura do quarto, do tempo que a Joana passou como voluntária da Liga Gay Lituana19. É o primeiro20 livro de banda desenhada da

19. http://www.lgl.lt/en

21

e

Jo ão Mac had o / Alguma s ra pa riga s que fi zera m b d em Po rt ug a l no s ú lt i m o s t em p o s

Temos a sorte e o fardo de viver numa época interessante que


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episódios colados sem se pressentir muito enredo. A Joana

A coisa dá ares de evanescência geracional. Um mestrado

se triste porque é como se a pequena vitória de conseguir partir fosse elidida. Os eventos do livro da Joana lá caminham — ele acontece mesmo, mas mais importante do que isso é perceber-se que as condições

a

22

Robyn23

concessões nenhumas à escumalha lituana que se opõe à LGL,

Uma atitude celebratória à margem dos registos mais cépticos na antologia sobre viagens Zona de Desconforto24 Carne, 2014), onde uma das participações mais interessantes

bolo basco, e na parte baixo uma rapariga desfalece. Uma por uns tempos, parecia que o tecto do mundo se ia abater-lhe sobre a cabeça.

23. http://en.wikipedia.org/wiki/Robyn

M A G A


*.

.

*

Jo ão Mac had o / Alguma s ra pa riga s que fi zera m b d em Po rt ug a l no s ú lt i m o s t em p o s

Começa assim, depois melhora.


CO L E CÇ ÃO DE E N SA I OS S O B R E BA N DA DESENHADA E AFINS

A

25

nasceu em Lisboa, e logo foi viver para

Mr. Spoqui26 esgotados. Tenho um deles e posso relatar que há um pouco de tudo. Bandas desenhadas curtas, desenhos, ilustrações, entrevistas, e sobretudo, contributos de autores estrangeiros, vindos de ofertas fortuitas ou de contactos espontâneos. Como

tinta que falha em algumas páginas.

forma da história ou da página cria situações meditativas, o que já denota o adulto a olhar por cima do ombro da criança. A mim, que tenho o cérebro demasiado lixado por americanada, Aidan Koch27 e o querido-cruel do Michael DeForge28. Uma das coisas que considero impressionantes na Amanda

da báltica Kûs29 Our Library30

27. http://www.aidankoch.com

M A G A


Duas páginas da história da Amanda para o concurso

no

*

** http://www.opandagordo.com/catalogue/opg019

Jo ão Mac had o / Alguma s ra pa riga s que fi zera m b d em Po rt ug a l no s ú lt i m o s t em p o s

*.


CO L E CÇ ÃO DE E N SA I OS S O B R E BA N DA DESENHADA E AFINS

. Depois disso, a micro-editora Nubes de 32 Talco . O trabalho mais recente será, além da antologia da Chili,

no caso da

31

33

, para a também micro-editora Zine Arcade.

daqui e dali e até tem uma inusitada história em pixel art. Outra rapariga feérica é a umas semanas lançou o seu

34

, a.k.a. Moxila, que há 35 . Há seis

36

como parte do

37

, uma banda que ela tem

Feira Morta38 do ano passado vi-a tocar. Depois do evento pesquisei-a e percebi que ela Uma Tartaruga nos Alpes39; há umas semanas o imaginário deu

Rudolfo40,

31. http://vimeo.com/52553880

34. http://cargocollective.com/marianapita

38. http://feiramorta.tumblr.com

M A G A


sobre como abordar estranhos no dia-a-dia.

Jo ĂŁo Mac had o / Alguma s ra pa riga s que fi zera m b d em Po rt ug a l no s Ăş lt i m o s t em p o s


CO L E CÇ ÃO DE E N SA I OS S O B R E BA N DA DESENHADA E AFINS

41

, ou do

42

mais simples é que o trabalho se enquadra no género

43

,

e gentil44

As ilustrações têm criaturas queridas derivadas de trolls, e a técnica sugere alguém que nunca abandonou os materiais de usa colagem, desenha por cima de plasticina, há lápis de cor, e

45

.

o trabalho da Matilde, que usa o nom de guèrre Hetamoé46 47 ) e é uma das pessoas com quem heta, desajeitado, mais 48 faço o Clube do Inferno . Conheço a Matilde e o seu trabalho

50

Onahole49, nomeado a partir de uma 51 e 52 53 , e o Mori , do mês passado. Tudo isto

41. http://www.opandagordo.com

45. http://moxila.bandcamp.com/album/moxila 46. http://hetamoe.tumblr.com 48. http://clubedoinferno.tumblr.com

M A G A


Duas páginas do Mori, de Hetamoé. Mori significa mas há ananases por todo o lado. Ok.

*

,

Jo ão Mac had o / Alguma s ra pa riga s que fi zera m b d em Po rt ug a l no s ú lt i m o s t em p o s

Imagem colhida do Tumblr* dela.


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em paralelo com o trabalho académico na área da pintura e milhares de papers para conferências, com o doutoramento ao lume. Um deles, sobre o manga shoujo Heart of Thomas54, foi apresentado nas 3ªs Conferências de Banda Desenhada55. 56 para o blogue Além disso vai escrevendo Mashnotes sobre a

57

chamada Free!58.

Sobre o percurso da Matilde enquanto Hetamoé na banda

mais), mas também por um

movimento

académico já

, as teorias sobre os Otakus60, carradas 61 , eroges62, , e sabe deus. É como se a sociedade 59

em métaforas infantis subversivas enterradas na cultura

provavelmente a mais honesta e intimista de entre as autoras que já referi, abordando elipticamente a sexualidade e o amor, à medida deste gif 63 do Kunihiko Ikuhara64. No Mori, que foi lançado na Feira das Almas65 de Maio, corre

59. http://en.wikipedia.org/wiki/Superflat 60. http://en.wikipedia.org/wiki/Otaku 61. http://www.pixiv.net 62. http://en.wikipedia.org/wiki/Eroge 64. http://en.wikipedia.org/wiki/Kunihiko_Ikuhara

M A G A


nas autoras que mencionei anteriormente podemos falar em

67 envelheceu o e melhor recordava as putas do primeiros anos, nos bordéis

a

68

Almeida69 Place70

69. http://puiupo.tumblr.com

Paula Safe 71

Jo ão Mac had o / Alguma s ra pa riga s que fi zera m b d em Po rt ug a l no s ú lt i m o s t em p o s

66



JOAO MACHADO

(PUBLICADO ORIGINALMENTE A 27/O8/2O14 NO SITE

MASHNOTES)

EXCURSAO PARA PERVERTIDOS NO PAIS DO SOL ARDENTE


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mangá . É verdade que há

na bandeira1 com nuvens que

3 se passavam na estiva)? o Yotsuba2 como o Qualquer leitura cumulativa sugere um roteiro, que tentarei reconstituir.

orientalismo4. Até há

económica prolongada, e como cereja no topo do bolo, um tsunami com catástrofe nuclear. Na nova5

do japonês na Arca de Noé mundial seja o canto do coitadinho,

3. http://en.wikipedia.org/wiki/Narutaru

M A G A


Jo ã o Ma cha do / Excursã o pa ra p er vert i do s no p a í s d o so l a rd ent e

A Yotsuba tornou-se também mascote do 4Chan*.

O cientista tonto, personagem do Ken Watanabe em no Pacific Rim

* http://www.4chan.org

**


CO L E CÇ ÃO DE E N SA I OS S O B R E BA N DA DESENHADA E AFINS

que ainda tenta safar-se com uma psicologia de massas para xenófobas. A Matilde, de que falei num artigo anterior 6 Hetamoé 7), escreve pilhas de artigos8 sobre todos os aluno9

há um ângulo onde ela consegue redimir a coisa

de preconceitos tacanhos e percebemos que o leque é vasto e haverá qualquer coisa para nós, especialmente se formos à cata 10 . de

Club Otaku11 desde que me lembro de ter internet; ainda lá está. Os “laços Oriente12. A comida é o que se sabe; os Na literatura o Haruki Murakami13 vende o mesmo que em Studio Ghibli14 15 e do Koji lá se estreiam, tal como os do 16 Wakamatsu , e sempre há ciclos ao percursor da Nuberu 18 . Bagu17 Nagisa Oshima, ou retrospectivas do rei

7. http://hetamoe.tumblr.com

11. http://www.clubotaku.org 12. http://www.foriente.pt 13. http://en.wikipedia.org/wiki/Haruki_murakami 14. http://en.wikipedia.org/wiki/Studio_ghibli

M A

17. http://en.wikipedia.org/wiki/Nuberu_bagu

G A


Kingpin22, a BD Mania23, a Mundo Fantasma24, a Dr. Kartoon25, e até a Tsubaki26). má memória27 as tentativas do Ranma 1/2 28 e Striker 29 Akira30 e de Mother Sarah31 do Katsuhiro Otomo32 foi interrompida pela falência da Meribérica e assombra todos da Mangaline33, que apareceu em 2007 para desaparecer logo a seguir. Recentemente a Devir34 37 . A Asa tem o como o Naruto35, o Death Note36, e o Dragonball, vai no adro.

19. http://www.iberanime.com

23. http://www.bdmania.pt 25. http://www.drkartoon.com

28. http://en.wikipedia.org/wiki/Ranma

34. http://www.devir.pt/?page_id=408 35. http://en.wikipedia.org/wiki/Naruto 36. http://en.wikipedia.org/wiki/Death_note

Jo ã o Ma cha do / Excursã o pa ra p er vert i do s no p a í s d o so l a rd ent e

seu caminho em eventos, mesmo se em circuitos fechados de especialistas que já sabem a missa toda — o Iberanime19, 21 o Anicomics20, a


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artigo38 recente do colunista e editor Jason Thompson alumiava as estratégias Hooded Utilitarian, referindo-se a editoras independentes 39 40 ,a , ou a Fantagraphics41, como a 42 , lado dos clássicos da velha guarda, como o a Moto Hagio43, ou o Seiichi Hayashi 44. Tal permite matar dois

mais popular), Assim, o leitor tem o acesso à nata da nata, sem a experiência Thompson, que edita o histriónico 46 para a

45

O primeiro livro que li neste mês de manga foi o The Strange , do Suehiro Maruo47. O homem é daqueles mestres obscuros e, a espaços, repugnantes, com um cult following é adaptado duma história do John Zorn48. 49

40. http://www.pictureboxinc.com

43. http://en.wikipedia.org/wiki/Moto_Hagio 44. http://en.wikipedia.org/wiki/Red_Colored_Elegy

47. http://en.wikipedia.org/wiki/Suehiro_maruo

M A

49. http://en.wikipedia.org/wiki/Edogawa_Ranpo

G A


O

**** da Last Gasp para umas boas selecções do livro.

*

Flowering Harbour*, **. risografia***.

Jo ã o Ma cha do / Excursã o pa ra p er vert i do s no p a í s d o so l a rd ent e

do Seiichi Hayashi, editado pela


CO L E CÇ ÃO DE E N SA I OS S O B R E BA N DA DESENHADA E AFINS

de quem o escritor tira o nome. Nela, um homem mata e assume a identidade de um amigo de infância rico muito parecido consigo. Usa o seu novo capital para construir uma

torto e a direito, sobretudo como décor; a coisa basta-se pela ero guro50 perverso51 O trabalho é recente e parece ter sido feito com a consciência de uma audiência global. A Last Gasp52, que publica alguns calhamaços underground, deu-lhe uma capa dura e um tamanho que se pode exibir numa estante, e o facto de nem ter texto introdutório sugere que foi dirigido aos . A seguir a isto, li o primeiro volume de Tokyo Babylon53, uma 55 , tem algum misticismo série das Clamp54 que, 56 , cena homossexual geralmente com subtexto BL feita por raparigas= ). O inclui um protagonista fag hag57 as oportunidades para fechar o negócio, embora também pertença a outra casta com poderes, e tenha interesses duvidosos. Cheia de

colecções parisienses, pelo que conserva também, como objecto

50. http://en.wikipedia.org/wiki/Ero_guro

53. http://en.wikipedia.org/wiki/Tokyo_Babylon

57. http://en.wikipedia.org/wiki/Fag_hag

M A G A


.

Sem saber, esta investida no puro bonito e deu-me mais subterrâneos, mas na altura desta leitura, tal como em , senti-me na biblioteca de alguém, e ainda longe do que pode ser o manga alterado, apenas a minha conivência para com ela.

mais lunar, o Shintaro Kago 58, cuja arte aparece agora no 59 do Flying Lotus, ou ainda o Gengoroh Tagame60, uma série que já me tinha sido recomendada e que o Jason , uma série , que quanto mais se pensa que foi 61

de horror do

62

58. http://en.wikipedia.org/wiki/Shintaro_Kago 59. http://vimeo.com/103317489

*

Jo ã o Ma cha do / Excursã o pa ra p er vert i do s no p a í s d o so l a rd ent e

O Subaru Sumeragi do Tokyo Babylon Retirado de um * do tumblr


CO L E CÇ ÃO DE E N SA I OS S O B R E BA N DA DESENHADA E AFINS

feita nos anos 70, mais transgressiva parece. O primeiro volume desta obra tem como protagonista o puto Sho Wakamatsu, que ao

o

63

A partir daqui o percurso divide-se em dois. Certas obras,

voltas. É o caso do

64

de Usamaru Furuya65 —

industrial. Usam os uniformes pretos de escola, praticam o culto do chefe, e castigam com fulgor bárbaro quem lhes põe

66 , mas tendo o supracitado Suehiro Maruo como teen do referência, ri de uma certa decadência de ideais desaparecidos,

67 Usamaru Furuya decidiu adaptar para bd o 68 , uma obra fundamental do século XX japonês, do onde a ideia do humano abjecto também vem à liça, ou ao

67. http://en.wikipedia.org/wiki/Ningen_Shikkaku

M A G A


Jo ã o Ma cha do / Excursã o pa ra p er vert i do s no p a í s d o so l a rd ent e


CO L E CÇ ÃO DE E N SA I OS S O B R E BA N DA DESENHADA E AFINS

Menos perverso, mas mais consistente, é o Ayako 69 do 70

Boy71 ou

72

. Começando logo a seguir à II Guerra

e americano. À chegada dos anos 70, depois de desenvolver séries imensamente populares para todas idades, estava a experimentar com histórias para adultos, à maneira do chamado gekiga73 lido o MW 74, mistura de homossexualidade e experiências Inc num calhamaço75 jeitoso à volta das 500 páginas. Ayako

e encerrar a criança Ayako numa cave. Durante 20 anos. Como Ayako é um instrumento para falar das consequências da ligado a um regime senhorial de propriedade76 e ao atingir a liberdade algures nos anos 70, Ayako é uma ventania sexual onde os homens se perdem. Tal como em MW,

com protagonistas atraentes que se nos apresentam e se

M A G A


uma criança perfeita, ultra-kawaii

Jo ã o Ma cha do / Excursã o pa ra p er vert i do s no p a í s d o so l a rd ent e

, Zera. Jaibo, seu amante, obedece; receia a puberdade pois perderá


CO L E CÇ ÃO DE E N SA I OS S O B R E BA N DA DESENHADA E AFINS

chama-se

77

, do

78

. Tem ao centro

do Baudelaire, o que à 80 surge quando ele decide furtar para si o saco de roupa de ginástica de uma

livro de cabeceira as

79

A partir daqui, Nakamura vai manipular Kasuga numa série 81 de jogos infra-sexuais, espécie de prequela d’ do Michael Haneke; um primeiro pico é atingido quando Nakamura obriga Kasuga a usar a roupa de rapariga que roubou num date com essa mesma rapariga. Tal como , se regue de gasolina), mas o facto de ser muito mais longo

toma lugar na entrada da vida adulta e põe Kasuga em luta com o fantasma da sua pré-adolescência perversa. É a partir da reviravolta final de

que me é

manga. Se elas iluminam um abrigo para todos os pervertidos e mais negros, o manga é extremamente hábil na . Outra pessoa que leu o lembrou-me de um obras. No primeiros a saltar do barco, ou seja, perdem a cabeça, cometem crimes hediondos, e deixam que o desespero tome conta logo com o seu quê de lutas fratricidas, que é desfeito por todas as

82. http://en.wikipedia.org/wiki/Battle_royale

M A G A


Battle Royale

82

a capacidade de os atravessar de uma ponta à outra, ou seja,

* http://en.wikipedia.org/wiki/Hentai

Jo ã o Ma cha do / Excursã o pa ra p er vert i do s no p a í s d o so l a rd ent e

Nakamura e Kasuga, respectivamente, o par de . hentai*. Familiar aos ocidentais



ANA MATILDE SOUSA

(PUBLICADO ORIGINALMENTE A 28/O2/2O14 NO SITE

L’OBEISSANCE EST MORTE)

NAMORADO ABSOLUTO


CO L E CÇ ÃO DE E N SA I OS S O B R E BA N DA DESENHADA E AFINS

Contracapa do primeiro trade paperback de

.

enquanto ainda tenho a desculpa de que é Fevereiro para andróides em trajes menores como o moço acima ilustrado. manga .

1 de Yuu Watase que correu na icónica é um revista de BD para raparigas Shoujo Comic2 — conhecida pelos do que é costume na concorrência Margaret ou ) — entre

que abundam no

3

M A G A


A na M a t i l de S o usa / Na m o ra d o A b so lu t o

plain jane constantemente rejeitada , conhece um misterioso orientalista a lembrar um génio na lâmpada) que a dirige para um online o namorado perfeito. pelos seus

um namorado for the heck of it. Claro que, no dia seguinte, o carteiro lhe entrega à porta uma caixa do tamanho de um homem que tem lá dentro… um homem. Mais precisamente, uma espécie de Ken à escala natural que é, na verdade, um robot inteligente desenhado à imagem do namorado ideal de

loucamente por ela.


CO L E CÇ ÃO DE E N SA I OS S O B R E BA N DA DESENHADA E AFINS

um tipo de . Mais precisamente, o modelo Nightly 01 de uma companhia de origem duvidosa com o nome Kronos lembram produtos de luxo como as CandyGirl4

recusa, explicando que quer apaixonar-se a sério antes de over the top, Night têm um trial period

aperfeiçoamento de modelos futuros. À medida que a história avança, o amor entre Night e Riiko cyborg doses q.b. de e alguns momentos genuinamente heartwarming. Mas aquilo que torna cativante é o tom camp lado, temos inserções by the book dos clichés melodramáticos do , como o triângulo amoroso com o amigo de infância a frenemy manipuladora, o drama do

, o primeiro

action hero pronto a mostrar o que é bom para a tosse a quem se meta com a sua namorada, há que mudam de cor com as emoções

M A G A


A na M a t i l de S o usa / Na m o ra d o A b so lu t o Showroom das CandyGirl em Akihabara*, Tรณquio.

plain jane, o vendedor misterioso e o andrรณide sedutor.


CO L E CÇ ÃO DE E N SA I OS S O B R E BA N DA DESENHADA E AFINS

toda uma série de aventuras fantásticas. O resultado é um mix é pelo menos uma ave rara dentro do género.

5

The que “o cyborg é uma criatura num mundo

esta seja, frequentemente, colocada em ruptura com a chamada , que à vista desarmada segue os trâmites da fantasia do prince charming evidente onde encontrar esta ruptura. Ainda assim, há um ou dois pontos que vale a pena esmiuçar. O primeiro tem a ver com o estatuto reificado de Night.

do romance , forte, gentil e atencioso, romântico, completa e incondicionalmente

rapariga de 16 anos. É quase descarada a forma como commodity trial period

M A G A


A na M a t i l de S o usa / Na m o ra d o A b so lu t o Riiko encomenda Night no

da Kronos Heaven

banda desenhada pelas leitoras, resgatando da penumbra a sua uncanny Kronos Heaven explicar que se trata de um robot, Riiko começa por assumir que Night é um cadáver).

[SPOILERS DAQUI PARA A FRENTE!]


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o assombrar. O exemplo mais precioso é quando a Kronos Heaven, depois de Night ficar danificado na luta com um modelo robótico mais avançado, se vê obrigada a transferi-lo 6 chibi ou transforma o kawaii em que a altura deformed 7 total da figura é de duas ou três cabeças), aponta para a ideia de que “poderá haver algo de indecentemente cute na commodity I) de chibi 8 ou o Mighty Max 9 — é portáteis como a estrategicamente inserida a mais de 2/3

de volta para o uncanny valley O segundo ponto prende-se com o triângulo amoroso entre

finalmente o segredo de Night e confronta Riiko, acabando a frente a escolha entre Soushi e Night — e as suas implicações

bastante vocal10).

aqui está uma , o casalinho consuma o seu amor e,

8. http://en.wikipedia.org/wiki/Polly_Pocket

action=true&page=1

M A

I

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O chibi

A na M a t i l de S o usa / Na m o ra d o A b so lu t o


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dialética humano/artificial ou realidade/fantasia

, mas

vira o feitiço contra o feiticeiro. Como? Quando Riiko escolhe a fantasia e a realidade, mas a fantasia e aquilo que Soushi

Tamaki Saito11, autor do controverso tratado sobre a sexualidade otaku12 Beautiful vanilla que seja o sexo em si).

II . pode ser do happy ending

dramedy do , mas como é que o leading

couple

12. http://en.wikipedia.org/wiki/Otaku II

M A G A


pop japonesa.

A na M a t i l de S o usa / Na m o ra d o A b so lu t o


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à boa velha maneira dos mais conservadores e admoestatórios, parece que tudo está bem quando acaba . Mas há pelo menos dois detalhes que importunam a inequivocidade desta leitura.

o seu corpo será mantido intacto e a companhia continuará dependendo do ponto de vista, a

) de que Night possa

thinking por parte de Riiko), como ele reaparece apenas na

a uma pequena vinheta, à laia de nota-de-rodapé em tom

M A G A


A na M a t i l de S o usa / Na m o ra d o A b so lu t o



ANA MATILDE SOUSA

(PUBLICADO ORIGINALMENTE A O7/1O/2O13 NO SITE

MASHNOTES)

BOYS WILL BE BOYS WILL BE CHICKS: FREE! IWATOBI SWIM CLUB, OU O (IMPROVAVEL) FAN SERVICE FEMINISTA


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The Female Complaint

Quem espreite a minha meses, reparará na quantidade anormal de GIFs e fan art de anime em tronco nu com gotas de água a escorrer

M A G A


, um dos anime

de Outubro, anunciando a despedida dos dias quentes de sol. Mas porquê tanto hype à volta daquilo que é, à vista desarmada, um desenho animado de desporto perfeitamente ? lhes valer uma

ofendida e dedicada a odiá-los?

anime é sobre água.

Haruka Nanase crawl que dá nome à série), um Makoto Tachibana amigos; Nagisa Hazuki

1

que

próprio bem; e Rei Ryuugazaki, um intelectual obcecado com o Belo ideal e completo cepo dentro de água, que apenas consegue nadar mariposa — sim, o estilo mais bonito, porque regresso inesperado de Rin Matsuoka no colégio), com o qual venceram uma corrida de estafetas amigos, por um objectivo comum. Rin fora para a Austrália

um bad boy com maus modos e uma rivalidade obsessiva

An a Matilde So usa / Bo ys w ill b e b o y s w i l l b e chi cks: F re e! Iwa t o b i S wi m C lu b

a queixar — chama-se


CO L E CÇ ÃO DE E N SA I OS S O B R E BA N DA DESENHADA E AFINS

— podem rir-se do

, mas é mesmo isso — e o caminho

epifania original contida nas singelas palavras “for the team poses loja de desporto, ao

com

quantidades de foe yay2 e, acima de tudo,

de uma . Muitos, muitos

personagens-tipo, todos eles acabam por revelar-se mais do que isso, e assistimos a real character development ao longo dos 12 episódios. Bem, excepto o Nagisa, que continua um

importante) do que o anime em si, é o fenómeno sociológico é um

M A G A


light novel 3 High honrosa num concurso promovido pela companhia). Apesar de serem só 30 segundos 4 o nome do anime, muito menos dos personagens ou sequer o seu contexto, já o hype do — alastrava como um rastilho de pólvora pela fandom Ocidente). Começou a surgir fan fiction e fan art especulativa sobre como seriam os personagens, as suas personalidades e as relações entre eles, e assim a série tornou-se num verdadeiro — já lá iremos) 5

An a Matilde So usa / Bo ys w ill b e b o y s w i l l b e chi cks: F re e! Iwa t o b i S wi m C lu b

com um trailer


CO L E CÇ ÃO DE E N SA I OS S O B R E BA N DA DESENHADA E AFINS

media 6

manga e anime conhecido por yaoi), que consiste em histórias sobre gay com outros

no Ocidente é a Wikipedia). Claro que no simples

, que pode ser visto como um gay

e molhados a sentirem sentimentos uns pelos outros e às girly e em geral , deve ter mais manifesta do que noutros . Mas

à parte, o que

populares, como o

tem é montes de trailer otaku masculino, em 4chan7

Star e o Nichijou do , o fan e subtexto romântico entre personagens do mesmo 9 sexo é OK se estivermos a falar de ou prepubescentes), mas deixa de ser aceitável quando as 8

como o

lá esteja), o que está subjacente é uma forma particular de e

7. http://en.wikipedia.org/wiki/4_chan

M A G A


An a Matilde So usa / Bo ys w ill b e b o y s w i l l b e chi cks: F re e! Iwa t o b i S wi m C lu b

mediada por ). O

chick lit e o chick 11 entre ) . Curiosamente, e anime, pela sua elevada percentagem de 10

os

os alvos preferidos das yaoi

ĂŠ um clĂĄssico , corremos o

risco de — , desta forma, mas lavada em eufemismos como o projecto ser a entrada sobre o pormenores).

12

para mais


CO L E CÇ ÃO DE E N SA I OS S O B R E BA N DA DESENHADA E AFINS

, portanto, para a Kyoto Animation, que face à polémica

quando podemos apelar a uma audiência feminina e torná-lo um sucesso?). O

componente autorreflexiva em vários momentos da série. Um exemplo é a principal personagem feminina, Gou Matsuoka de ela, rapariga, aprecia o corpo

e um reconhecimento da sua presença de dentro do anime.

M A G A


em entrevista13, Utsumi e o character designer Futoshi Nishiya explicam como o aspecto dos personagens foi activamente

seja o genérico final, que só por sim constitui todo um sub-meme. Ao som do chunga mas tema

harem 14

de água. Sugiro que vejam pelos vossos próprios olhos, mas para dar uma ideia, o genérico começa com um travelling pela cute e coloridas a dançar naquilo que parece ser uma discoteca gay ao fundo com máscaras de cabedal e correntes) e acaba com eles nus num oásis a atirarem água uns aos outros como umas

sério no , mas para terminar como comecei — usando e abusando da Lauren Berlant — parece-me que há pelo menos

by default estranho, um lowbrow

em todo o seu esplendor acabou, 15

An a Matilde So usa / Bo ys w ill b e b o y s w i l l b e chi cks: F re e! Iwa t o b i S wi m C lu b

anime em que o



ANA MATILDE SOUSA

(PUBLICADO ORIGINALMENTE A 22/1O/2O13 NO SITE

L’OBEISSANCE EST MORTE)

A DAKIMAKURA FLUTUANTE


CO L E CÇ ÃO DE E N SA I OS S O B R E BA N DA DESENHADA E AFINS

do Tumblr, deparei-me com a fotografia de uma dakimakura a flutuar em águas turvas, encalhada numa pilha de canas otaku 1 — equivalente japonês ao geek ou nerd socialmente desviante e sexualidade patológica que ultrapassa a mera inabilidade social conotada com os termos americanos —, uma dakimakura 2 é uma body pillow travesseiro) de fronha estampada, na frente e no verso, com uma personagem de manga, anime ou videojogos. Regra geral,

hardcore. O que me impressionou, na imagem, foi a sua particular próxima do original francês) . O termo acarreta, actualmente,

1. http://en.wikipedia.org/wiki/Otaku 2. http://en.wikipedia.org/wiki/Dakimakura

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A na M a t i l de S o usa / A da k i ma ku ra f lu t u a nt e

que o presente é simultaneamente assombrado pelo passado I) II) No por exemplo, no onirismo sónico arquivista da editora inglesa Ghost Box ou, já nos late 2000s, no oculto-satanismo hipster electrónicas em que o digital é infundido por anacronismos analógicos; seja através de de sons concretos, discos antigos e pop 5 ou na fantasmagoria distorcidos de uns 6 dreamy de uma Grimes .

5. http://www.youtube.com/watch?v=27pRb5gtb6w

I edu/exhibition/hauntology>. II


CO L E CÇ ÃO DE E N SA I OS S O B R E BA N DA DESENHADA E AFINS

O conceito foi transferido para as artes plásticas na Hauntology 7, no Berkeley Art Museum em 2010, reunindo um

longing],

III) um toque da melancolia urbana do

baudelairiano, uma

O frenesim açucarado e cute da cultura pop japonesa pode

é, como discute profundamente Marilyn Ivy em

o Ocidente). A cultura popular — o manga, o anime, os videojogos, bem como otaku cultura kawaii anglo-saxónico cute tardo-modernidade japonesa. Neste contexto, a Criança, na espectral que assombra os discursos estéticos e académicos

7. http://www.bampfa.berkeley.edu/exhibition/hauntology ing_Subculture III edu/exhibition/hauntology>.

M A G A


8

,

imagem ternurenta de um menino e nome de código da bomba otaku-criança, perdido da normal sociabilidade, sexualidade ) como a extraordinária kawaii Kitty, a über

fundamentalmente) sobre uma ameaça ao futuro. Sharon cute japonesa um sentimento de

A ideia do espectro ou do fantasma na cultura pop japonesa japoneses. Ganhou uma potência icónica no popular anime 9

Mamoru Oshii a partir do manga de Masamune Shirou. de Gilbert Ryle em The Concept of Mind

copyright 10

manga, anime, publicidade e videojogos. A partir desta personagem, desenvolveram

Foerster e Rirkrit Tiravanija.

A na M a t i l de S o usa / A da k i ma ku ra f lu t u a nt e

sobre esta contemporaneidade. O proverbial


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animado de 7 minutos, é particularmente representativo da

árido de montanhas e crateras, representado em gráficos computacionais reminiscentes de 3D primitivo ou do esquema cromático do ZX Spectrum. O terreno por onde caminha, em

texto composto por excertos do discurso da alunagem de Neil Armstrong e da

fragmentos do passado; e Annlee — uma

sem traços

sobrecarregada de imagens espectaculares — transforma-se morte suspensa.

11. http://vimeo.com/75534042 12. http://en.wikipedia.org/wiki/Ero_guro 13. http://en.wikipedia.org/wiki/Eroge 14. http://en.wikipedia.org/wiki/Hikikomori

M

16. http://en.wikipedia.org/wiki/Animegao

A G A


como uma recolha de “imagens de uma grande variedade de ). jam guro 12 em estilo anime, de eroge 13 escatológicos dos anos 80, fotografias daquilo que parecem ser quartos de 15 e hikikomori 14 16 roleplay erótico para ,ea animegao otaku obeso com a cara coberta por cuequinhas kawaii e um par de pistolas apontadas qualquer momento. refere-se, aqui, à vertente mais abjecta da violência e sexualidade humanas, by the book analógico de uma cibercultura massivamente mediada pelas

A na M a t i l de S o usa / A da k i ma ku ra f lu t u a nt e

video11 concebido pelo artista visual John Rafman para “Still Life


CO L E CÇ ÃO DE E N SA I OS S O B R E BA N DA DESENHADA E AFINS

suor e urina, pelo e mucos, secreções sexuais e todo o tipo

fetichista ao pixel

ao ritmo de feminina.

), em que as estruturas do entre sujeito e objecto, eu e outro) colapsam. , continua. . dakimakura

M A G A


dakimakura pela internet

otaku à deriva na água entre latas de refrigerante, sacos de plástico, embalagens de esferovite e papéis descartados, a dakimakura

de futuridade que transforma em passado o presente do

A na M a t i l de S o usa / A da k i ma ku ra f lu t u a nt e

e ). Admitidamente, o meu primeiro pensamento foi para o sismo e de Sendai de 2011. Seriam destroços da casa de um otaku entulho? Nada, na imagem, o garante. Aliás, nada garante


CO L E CÇ ÃO DE E N SA I OS S O B R E BA N DA DESENHADA E AFINS

). Também a dakimakura um Ghost of Christmas Yet to Come, o mais daquilo que , do

dos

do capitalismo global na era da

de consumo, a dakimakura pertence à categoria particular do e, dentro desta, da love pillow daki e makura é, de todas as , aquela que mais literalmente se prende com a para uma subcultura de tal modo vinculada às tecnologias digitais. dakimakura, que começou por ser um tipo de almofada ortopédica ou comfort object 17 os dois sentidos ainda coexistem). A dakimakura tornou-se, otaku de estabelecer relações na vida real — ou, subindo um preferindo o 2D ao parceiro/a waifu 18, do inglês wife, descreve este tipo de

melancólico na ideia de que este objeto investido de desejo, de longing outra commodity em falta, nos laços de desejo e morte. Na imagem da dakimakura flutuante,

17. http://en.wikipedia.org/wiki/Comfort_object

M A G A


A na M a t i l de S o usa / A da k i ma ku ra f lu t u a nt e

o efeito de

concorre para acentuar esta

aos estreitos limites da almofada, a rapariga cute de anime está igualmente próxima do defunto num barco-sepultura. À love pillow sobrepõe-se, deste modo, um fantasmático , sentenciando os e ao desaparecimento e


+5 Antibothis, vol. 4 Selected texts by FERNANDO CERQUEIRA Em Inglês / in English Chad Hensley, Polly Superstar, Crimethinc, Z´ev, Trevor Brown, Raymon Salvatore Harmon, Ewen Chardronnet, Joe Coleman, Carl Abrahamsson, Júlio Mendes Rodrigo, V. Vale (Re/Search), Robin Rimbaud, André Coelho, Christoph Fringeli, DJ Balli, Adolf Marx, Joe Ambrose, Mason Jones CD compilation curated by Phillipe Petit Scanner & Sci-cut.db, Bela Emerson, Israel Martinez, PAS + If Bwana, The Stargazer’s Assistant, Michel Banabila & Philippe Petit, KK Null, Cindytalk, Machinefabriek, Xambuca, Mark Beazley. Cover André Lemos.

+4 Chthonic: Prose & Theory VADGE MOORE - Esgotado / Sold Out

+3 ANTIBOTHIS, vol. 3 Selected texts by FERNANDO CERQUEIRA Em Inglês / in English John Zerzan, Earth First, Chad Hensley, Ewen Chardronnet, Iona Miller, Joe Ambrose, Nigel Ayers, Socialfiction, Frank Rhyne, Randal Pyke, Adi Newton and Jane Radion Newton (Clock DVA) CD The Master Musicians of Joujouka, Lydia Lunch with Philippe Petit, Checkpoint 303, Kal Cahoone, Gintas K, Orbit Service, Anla Courtis, Stpo, Zeitkratzer, Jane Radion Newton and Adi Newton / T.A.G.C., Pietro Riparbelli/ K11, Gjoll. Cover André Lemos.

+2 ANTIBOTHIS, vol.2 Selected texts by FERNANDO CERQUEIRA Em Inglês / In English Erik Davis interviews Peter Lamborn Wilson (Hakim Bey), Carl Abrahamsson, Magus Coyotel Leyba, Vadge Moore, Chad Hensley Interviews Boyd Rice, Center For Tactical Magic, Critical Art Ensemble, Antero Alli, Brian Dean, Andrew Mckenzie, Stefan Szczelkun, Orryelle, Aesthetic Meat Front And Vincent Alexzander. CD O Yuki Conjugate, Controlled Bleeding, Orryelle, Aesthetic Meat Front, Enkidada (Psychik Warriors Ov Gaia), Cotton Ferox, Hybrids, Strings of Consciousness and MILF (Bourbonese Qualk). Cover André Lemos.

+1 ANTIBOTHIS, vol.1 Selected texts by FERNANDO CERQUEIRA Em Inglês / In English Gx Juppiter Larsen, Kenji Siratori, Corrupt, Pentti Linkola, Iona Miller, Socialfiction, Jorge Mantas, Edgar Franco, Wulf Zendik, Adel Souto, Sztuka Fabryka, Denny Sargent, Ordo Antichristianus Illuminati And Alex Birch. Spoken word/ oral cut up CD Jarboe, Fernando Ribeiro (Moonspell), Kenji Siratori, Phil Von (Von Magnet), Christophe Demarthe (Clair Obscur), Rasal.asad, Euthymia, Wildshores, Andrey Kiritchenko, Netherworld, Rapoon, Planetadol, Thermidor, Structura, Martin A. Smith and Alex Tiuniaev. Cover André Lemos.

-1 Scorpio Rising: Transgressão Juvenil, Anjos do Inferno e Cinema de Vanguarda ONDINA PIRES - Esgotado / Sold Out

-2 Bestiário Ilustríssimo RUI EDUARDO PAES Em português / In Portuguese sobre/about Music and multimedia. Capa Joana Pires.

-3 ”a” maiúsculo com círculo à volta RUI EDUARDO PAES Em português / In Portuguese sobre/about Music and Anarchy. Ilustrações de Ana Menezes, André Coelho, André Lemos, Bráulio Amado, David Campos, Daniel Lopes, João Chambel, Joana Pires, José Feitor, Jucifer, Marcos Farrajota.

-4 Bestiário Ilustríssimo II / Bala RUI EDUARDO PAES Em português / In Portuguese sobre/about Music and multimedia. Ilustrações e capas Joana Pires & David de Campos.




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