A inventividade poética de Antônio Travassos Sarinho

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E SEU PODER DE COMINVENTIVIDADEASPALAVRAS POETA ANTÔNIO TRAVASSOS SARINHO MIRTES WALESKA SULPINO E SEVERINA DIOSILENE MACIEL C

Peço a musa inspiração Para falar a verdade Com rima feita na hora E (AntônioMinhaDeEuresponsabilidadetenhosatisfaçãoelogiarBoqueirãoqueridacidade.TravassosSarinho).

relação entre o cordelista Antônio Travassos Sarinho e a construção da História da Literatura na cidade de Boqueirão.

Boqueirão é um município privilegiado no que diz respeito à quantidade de água que consegue acumular em seu manancial É conhecida como a cidade das águas por possuir o Manancial Epitácio Pessoa, o segundo maior reservatório de água do estado da Paraíba, responsável pelo abastecimento de mais de dez cidades, inclusive a cidade de Campina Grande. A cidade das águas é privilegiada também por fomentar a prática de leitura e escrita literárias, recebendo destaque nacional por promover a partir de 2010 a Festa Literária de Boqueirão, FLIBO, graças ao empenho exitoso de escritores locais, que formam a Associação Boqueirãoense de Escritores, ABES e que promovem a produção e a leitura da arte literária.

Ao abordar diversas temáticas, sobretudo de cunho social, a literatura de cordel ou folhetos estabelece uma relação efetiva entre o homem e o seu contexto social, expressando a identidade e a cultura de um povo. Nessa perspectiva, esse artigo tem como objetivo fazer um apanhado das características desse gênero literário, uma síntese dos representantes do cordel no Brasil e expor, por meio de uma análise de uma coletânea, a

A literatura também se mostra essencial para fomentar as práticas e o domínio da leitura e da escrita, efetivando a inclusão do sujeito na sociedade. Nesse sentido, a literatura de cordel, gênero literário de caráter criativo e lúdico, pode ser considerada como um instrumento materializador dessas práticas, pois é uma arte que fomenta o envolvimento e o encantamento de seus leitores, contribuindo para a formação desses leitores, como também de escritores.

CORDEL EM BOQUEIRÃO, PARAÍBA

A leitura de textos literários dá espaço para contemplarmos a subjetividade da linguagem em seu contexto social, nos enriquecendo como leitores e como indivíduos. A leitura literária contribui para que possamos expor nossas emoções e sentimentos ao tempo em que representa uma constante descoberta do mundo, “já que a leitura é necessariamente uma descoberta de mundo, procedida segundo a imaginação e a experiência individual” (ZILBERMAN, 1985, p. 21). Assim, a literatura, enquanto agente de mudança e de formação do homem, tem sua relevância na medida em que texto e leitor interagem e produzem sentido.

Na estrofe supracitada, a relação do poeta com a sua identidade local, ao descrever em seus versos suas atividades cotidianas, seus instrumentos de trabalho, seu lugar de moradia, corrobora com a pesquisadora Sônia Pereira Homolka, (2015, p. 54) quando arma que,

buscava água no cacimbão, água salobra própria para alimentar os animais. Em uma de muitas histórias que viveu, ele nos conta com entusiasmo que certa vez, quando tinha uns treze anos de idade, num dia de todos os santos, saiu para buscar duas cargas d'água no jumento, do Sítio Malhada em direção ao Sítio Salgadinho que era propriedade de seu pai, quando no meio do caminho deu uma forte chuva e na volta, ele tirou as tampas das ancoretas e a água saiu derramando pela estrada, pensando ele, que ao chegar em casa, os barreiros estariam todos transbordando. Chegou todo molhado, sem um pingo d'água nos recipientes e os barreiros todos vazios, pois a chuva, sequer passou por perto. Relembra rindo dessa e outras travessuras de menino e da repreensão de sua mãe, que como o mesmo relata, só lhe dera por essa travessura, uns “carãozin”. Essas e outras lembranças, o poeta traduz com maestria na sua literatura de cunho memorialista, ao compor em seus versos o tempo de outrora, sua vivência no sítio desde muito pequeno, como narra no cordel “Só agora foi que me aposentei”:

(...)

O N D E N A S C E A P O E S I A : U M A VIAGEM NAS RIMAS E VERSOS DO P O E T A P O P U L A R A N T Ô N I O TRAVASSOS SARINHO

Fico admirado com a mãe natureza Na face da terra, ela criou tudo Um grande, um pequeno e outro miúdo E a cada um, ela deu defesa A uns lentidão, a outros ligeireza As aves deu asas que é para avoar E a formiguinha ensinou a trabalhar Carregando folha, capim e semente A mim ensinou a cantar repente Nos dez de galope na beira do mar. (Antônio Travassos Sarinho)

O poeta relembra que na infância sempre

Quando eu morava lá na Malhada Sofri muito no tempo de verão Pra matar a sede da criação Muita água de longe, eu carreguei Em jumento de cangalha, eu montei Já levei machucão em cabeçote Embolei pedra em cima de serrote Só agora foi que me aposentei.

Uma vez que a cultura representa a forma de pensar de um povo, podemos concluir que no quesito cordel, seus versos reetem a visão ou bagagem cultural que o poeta tem do universo em que está inserido, assim como sua percepção desse mundo a sua volta.

Autor de mais de trezentos poemas, alguns publicados em folhetos de Cordel, Antônio Travassos Sarinho, poeta popular da cidade de Boqueirão, nasceu no ano de 1941, no Sítio Bonita, localizado entre as cidades de Caturité e Boqueirão, mudou-se ainda menino com seus pais para o Sítio Malhada, de onde guarda as melhores lembranças da infância e mocidade até completar vinte anos de idade. Filho mais velho de cinco irmãos, assumiu logo cedo as responsabilidades com a lida do campo, como o trabalho de sol a sol no roçado e a ordenha das vacas de manhã bem cedinho. E foi justamente nesse cenário, que o jovem agricultor começou a cultivar seus primeiros versos, puxando o cultivador para planar a terra, tangendo o gado para o curral no m da tarde e observando entre uma obrigação e outra, a natureza em forma de poesia, como descreve nos versos abaixo:

Dentre esses notáveis amantes e produtores de literatura, tem-se Mirtes Waleska Sulpino, Jane Luiz Gomes, Magna Vanuza Araújo e o cordelista Antônio Travassos Sarinho, que por meio de seus versos e rimas retrata o universo boqueirãoense, conciliando com maestria o tema e a forma, pois conforme ele arma, rimar palavras não é fazer poesia.

A poesia parece Com inverno do sertão

Vale lembrar que o poeta Antônio Sarinho frequentou a escola por um curto período de tempo, como nos relata em entrevista:

Já plantei o milho e o feijão Preparei pra fazer a plantação Muita palma no campo já plantei O estrumo no campo espalhei

Para forticar a terra dura Trabalhei muito na agricultura Só agora foi que me aposentei. (trecho do Poema “Só agora que me aposentei”)

Já cortei terra com cultivador

Nascido e criado nesse universo rural, o poeta Antônio Travassos Sarinho é lho do agricultor pernambucano, Manoel Travassos Sarinho e da costureira paraibana, Rita Cordeiro Duarte (que após o casamento passou a se chamar Rita Cordeiro Sarinho), desde cedo aprendeu a trabalhar com a terra e com os animais, vivenciou secas e tempos de inverno, onde os anos de observação lhes trouxe, como bom agricultor, cuja produção depende fundamentalmente das atividades agropecuárias, a sabedoria de ler os sinais do tempo; tempo de plantar e tempo de colher, e ainda o tempo para escrever todas as suas memórias, como nos versos seguintes:

Nesse contexto, o poeta Antônio Travassos Sarinho compõe sua poesia a partir de experiências, tanto literária, no contato que teve com os folhetos de cordel, quanto a partir da sua leitura de mundo. Como ele mesmo frisa: o problema da poesia, não é o verso, porque depois que o caba sabe fazer, ele faz; o bom mesmo é arrumar a história. E história o poeta tem de monte e sabe como contá-las.

O imbigo de bezerro eu curei Das novilhas valentes que pariam Trabalhando no campo todo dia Só agora foi que me aposentei.

Comecei a trabalhar muito pequeno Lá no campo só tratando de gado Sem direito a férias nem feriado Levei chuva, sol, poeira e sereno Carreguei pedra, alimpei terreno Muitas vacas brabas eu amansei

Mais uma vez percebemos que o poeta nos apresenta através dos seus versos, a sua trajetória de vida, a sua própria identidade como homem do campo. A sua poesia é um convite para que visitemos o seu passado e nele encontremos o Nordeste representado em muitos outros poetas e em muitas outras poesias. Para De Souza (2014), a poesia coloca o sertanejo como sendo o homem capaz de enfrentar todas as adversidades, pois detém de conhecimento e destreza. O poeta nos insere claramente em seu universo, numa linguagem

(...) Numa terra de pouca produção Sofri muito como agricultor

Em meio às sementes, o agricultor ara a terra, prepara o solo para a plantação, de modo igual, o poeta planta a palavra, rega a vida de esperança, como quem espera colher uma or. Assim é a poesia do poeta Antônio Travassos Sarinho, onde encontramos um diálogo íntimo com a natureza e com as benesses da invernada no sertão:

Seu primeiro contato com a literatura popular se deu através dos folhetos de Cordel, que o seu pai trazia da feira, e das Cantorias que ouvia no rádio. Ficava repetindo os versos que ouvia e dali saiam suas próprias rimas. Lembra ainda que um dos primeiros versos que compôs foi durante uma vaquejada, e diz assim: o gado que corre aqui é pesado e tem carreira, no canto que ele passa no chão, deixa a buraqueira, só não disse que faz cavalo chorar, no pé da porteira.

Só estudei até a terceira série, mas as coisas que aprendi, não esqueci mais não. Depois que sai da escola, aprendi muita coisa só de pensar. Assim, aprendi a fazer conta de dividir, conta de multiplicar, somar e diminuir, que é mais complicado.

própria formada na escola da vida, no campo do saber popular, construindo assim, um manual empírico de como preparar o solo para a plantação, de como cuidar das novilhas recémnascidas ou quanto os sinais da natureza podem inuenciar no seu dia a dia como agricultor.

Ao poeta ou literato popular as ruas, os varais de cordéis, as contações em noite de luar e as calçadas das feiras são espaços que garantem sua eternidade.Esse encontro da oralidade e da escrita e toda a vivência de uma vida, pode ser descrito nos versos do Cordel, em especial na literatura popular de Antônio Travassos Sarinho, aqui apresentada.Dentro

Entre muitas recordações, o poeta começa

Lá na casa do meu tio Braz e Antonha Cordeira Véio pai de onze o E neto de muitoeira Quando me lembro Da arada sorteira Que completava Uma orquestra inteira E todo sabo e domingo Dançava sobre a batuque Braz e Antonha Cordeira Nem no bandolim Salete no violão

E véi Braz nas cuié Ai, meu Deus, como era bom Era bom demais E o restinho da arada todinha Ficava em casa Com minha Tia Toinha Era Mazé, José Braz e Nevinha E Edmilson o lho caçulazinha Ai que beleza de família, Minha gente, tanta alegria Que saudade eu sinto agora Não é que eu queira falar bem De meus parentes Mas pra fazer foca e forró Não tinha hora Nem no bandolim Salete no violão Lurdinha no clarinete Antoin de pandeiro na mão Lucinha e Beatriz

O estrondo do trovão Nas tardes de invernada Com a espiga de milho assada Na fogueira de São João. (trecho do poema “Como é bela a poesia”)

E o véi Braz nas cuié Ai, meu Deus como era bom Era bom demais.

a cantarolar uma das cantorias que sempre animavam esses encontros. Nessa em especial, o poeta em tom musical, apresenta-nos a família da sua esposa e prima, Dona Salete, seus sogros e tios, Brás e Antônia Cordeiro e seus onze primos e também cunhados, que conforme diz a letra, “completava uma orquestra inteira”. Eis a cantoria:

das suas memórias, o poeta relembra das cantorias no terreiro da sua casa, no Sítio Salgadinho, município de Boqueirão, onde reunia a família e os amigos ao redor de uma fogueira num encontro com a poesia. Dona Salete, sua esposa, o acompanhava com o violão, alguns sanfoneiros da região davam o tom e seu cunhado, Eronides Cordeiro Leal (irmão mais velho de sua esposa), chamava os versos. E aquela que seria uma reunião entre familiares e vizinhos, transformava se num encontro de poetas de vários recantos do Nordeste, demonstrando o quanto a poesia passou a dividir espaço com o roçado, o terreiro e com o curral.

Lurdinha no clarinete Antoin de pandeiro na mão Lucinha e Beatriz Lucinha no cavaquin Fernando e Beatriz

Convidamos o leitor a reler o poema cantarolando.

Aguiar e Silva (1988 apud DE SOUSA; DUQUE; VIEIRA, 2020, p. 7), denem o termo literatura popular como,

ONDE MORA A POESIA

Poesia é companheira do sol, da lua e do vento. Na cabeça do poeta, ela procura aposento. O repente é invisível e a rima é o nível, Que nivela o pensamento. (Trecho do Poema Como é Bela a Poesia)

aquela que expressa de modo espontâneo suas crenças, valores tradicionais e o seu viver histórico cotidiano, constituindo-se de histórias e tradições que são repassadas por sucessivas gerações de forma oral.

família já formada, o casal de primos agricultores, casados em 29 de setembro de 1964, ela com 17 anos de idade, ele com 21, transmitiram para os seis lhos, não apenas o amor para com a terra que lhes dava o sustento, através da agricultora, mas também o apreço pela poesia e pelos momentos com a família e amigos proporcionados pelas Cantorias, como nos relata em entrevista, sua lha Ana Rita Sarinho,

organizados por José Gonçalves, Bráulio Tavares, Ivanildo Vila Nova, José Laurentino, Santino Luiz, entre outros nomes da poesia popular.

Sarinho também é um grande admirador do saudoso Poeta Manoel Monteiro, a quem considera um dos maiores cordelistas e de quem cultivou uma grande amizade, sendo frequente suas visitas à Cordelaria Poeta Manoel Monteiro na cidade de Campina Grande, fosse para aprender mais sobre as técnicas do Cordel ou simplesmente para conversar com o amigo, pois sempre que escrevia um novo cordel fazia questão de apresentá lo ao amigo e poeta Manoel Monteiro.Sobre

Não sabia que em Boqueirão mora um poeta de mão cheia, ou melhor, em Boqueirão mora um poeta de gaveta cheia de originais inéditos, de cordéis geniais. O nome do homem é ANTÔNIO TRAVASSOS.

Dona Maria da Salete Leal Sarinho e o poetaAntônioTravassos Sarinho. Arquivo Pessoal.

Antônio Travassos Sarinho, Manoel Monteiro escreveu:

Não tem como não sentir o quão festivos e alegres eram esses encontros. Imaginar o cenário com uma noite de lua, poucas nuvens no céu, uma fogueira estralando, crianças correndo, moças e rapazes atentos, família reunida, amigos, poetas e vizinhos, tendo a música e a poesia como testemunhas.Coma

Antônio Travassos Sarinho, lembra com entusiasmo dos poetas e violeiros que frequentavam suas cantorias, como o saudoso Poeta Zé Laurentino e o então Presidente da Associação dos Repentistas e Poetas Nordestinos (ARPN), Poeta Repentista Santino Luiz, que o ensinou muito sobre as técnicas do cordel e do repente e o levou para se apresentar, no nal da década de oitenta em Congressos de Cantoria na cidade de Campina Grande, esses são alguns dos importantes poetas que ajudaram a moldar a poesia de Sarinho.

O poeta ainda fez parte da ARPN, chegando a ganhar alguns prêmios pelas suas participações em Congressos de Cantoria,

Carteirinha de Sócio da ARPN (Associação de Repentistas e Poetas arquivoNordestinos),pessoal, 2021.

Papai e mamãe juntavam as meninas da idade da gente, dez, onze, doze anos, a gente ia ralar milho pra fazer pamonha para o pessoal que vinha pra cantoria. Eu gostava demais porque juntava muita gente, a vizinhança que vinha. Era gente de Três Lagoas, Guiné, Ramada, Mucunã, Zacarias, Mineiro, Malhada, Emas. Gente de todos os lugares que vinham participar dessas cantorias que haviam aqui. Eu nem lembrava que trabalhava, porque era uma satisfação tão grande que a gente tinha em receber esse pessoal, que nem cansava, minha lha. Tirava a noite, nem tinha cansaço nenhum. Era muito bom, eu gostava muito daquela troca de gente. As pessoas vinham a cavalo, pois naquela época não tinha tanta moto como hoje.

A n t ô n i o S a r i n h o d e m o r o u a s e r reconhecido como poeta na cidade de Boqueirão, ele relata que só era lembrado como poeta em época de campanhas políticas, onde era convidado para participar dos comícios e “enfeitar” as histórias e as promessas de campanha dos políticos da época, compondo músicas para alguns candidatos das cidades de Boqueirão e Caturité.Com

poesia: “Como é bela a poesia”. Desde então, sua poesia ganhou destaque nas escolas do município, sendo estudada pelos alunos da educação básica ao Ensino de Jovens e Adultos, pois a literatura de Sarinho é versátil e discorre sobre diversos temas, encontrando na escola terreno fértil para propagar a sua poesia, pois conforme De Sousa, Duque e Vieira (2020, p. 8),

o surgimento da ABES, Associação Boqueirãoense de Escritores, no ano de 2009, o poeta passou a ocupar espaço nos eventos promovidos pela associação, como os saraus nas escolas municipais e na Parede Poética, atividade que fazia parte da programação do Balaio Cultural, evento realizado pela Secretaria de Cultura de Boqueirão, onde reunia em sua programação, atrações musicais, grupos de dança, teatro eNoexposições.mesmoano, o poeta Antônio Sarinho foi premiado no Concurso Literário promovido pela ABES, alcançando o segundo lugar com a

A inserção da literatura popular no universo escolar representa parte do aprendizado cultural, artístico e social do aluno como preconizado na Lei de Diretrizes e Bases da educação Nacional (1996), assim como nos Parâmetros Curriculares Nacionais (1998). Anal a literatura popular nada mais signica do que a expressão da identidade do povo, e tendo em vista que ela é a expressão genuinamente regional, deve então ser trabalhada na escola, pois engloba a história e as experiências populares, demonstrando aspectos da sociedade no dado momento que se encontram, podendo dessa forma ser utilizado como um meio e como uma ferramenta de construção de conhecimento.

O poeta Antônio Travassos faz em seus versos um retrato em preto e branco da sua região, dos costumes do campo. Sua terra e sua gente são a argamassa que ele manuseia para moldar a sua vasta e original obra. É um poeta autêntico, puro inocente, criativo, encantador Os versos de Travassos são como água da fonte, leite morno tirado do peito da vaca, cantar de pássaros no alvorecer, balido de ovelha, sorriso de criança.

Tornou-se membro efetivo da ABES, participando de diversos encontros literários, como a FLIBO, Festa Literária de Boqueirão, Abril pra Leitura e Literatura em Revista (promovidos pelo Centro Cultural BNB) ambos na cidade de Sousa e mais recente, da FLIC, Feira Literária de Campina Grande.

O RECONHECIMENTO DA POESIA

No ano de 2012, Manoel Monteiro participou da terceira edição da FLIBO (Festa Literária de Boqueirão), proferindo uma palestra sobre OS AVANÇOS DO CORDEL E SUA UTILIZAÇÃO EM SALA DE AULA, e foi justamente nesse dia que aconteceu o encontro desses dois vates da nossa literatura popular Daí por diante, rmou se uma parceria com a publicação, através da Cordelaria Poeta Manoel Monteiro, de dois cordéis do poeta Antônio Tr a v a s s o s S a r i n h o , s e n d o e l e s : “ O s 5 mandamentos do político mau” e “Como é bela a poesia”.

Durante o mês de Junho Temos o forró na feira Na noite de São João Tem xote, baião, rancheira, Lá fora a fogueira acesa Pamonha, queijo na mesa Pra comer a noite inteira.

Os puxadores de fole Aqui dessa região

No ano de 2011 publicou, através da ABES, com apoio da Prefeitura Municipal de Boqueirão, o Cordel “No São João Tradição”, abordando personalidades artísticas e aspectos culturais dos festejos juninos da cidade de Boqueirão, como nos mostra trecho do poema:

A m de obter a prova Arranquei-la da cova Tava de dente serrado

Mozinho, Vavá seu lho Diomedes seu irmão Que foi o “dedo de ouro”

É com esse olhar sagaz que o poeta vai compondo a sua narrativa, construindo a sua história e se rmando como poeta popular, reconhecido através da sua profícua produção literária em todo o Nordeste Brasileiro, frequentando não apenas os bancos escolares, como também, as instituições universitárias que abrem espaço para os poetas populares e suas produções.Além de ser premiado pela composição dos seus versos, o agricultor e poeta Antônio Travassos Sarinho, também foi premiado com a reportagem sobre a sua história de vida: “Poeta Popular Antônio Travassos Sarinho”, exibida no Programa Diversidade (da TV Itararé, Campina Grande, PB) A reportagem participou da Mostra Tropeiros de Telejornalismo (12º Festival Audiovisual Comunicurtas, 2017), vencendo como melhor texto, melhor reportagem, melhor reportagem na linha folkcomunicação (Leandro Pedrosa), melhor edição (André Ventura) e melhor repórter cinematográco/cinegrasta (MarcelAHenriques).armação da identidade poética de Antônio Travassos Sarinho se desenvolveu e se consolidou historicamente através de suas vivências cotidianas, quando infere ao seu texto a sua origem, saberes e fazeres do homem do campo, a observação do mundo que lhe cerca e

O verdadeiro tesouro Orgulho, lho de Boqueirão. Eu quero também lembrar

O poeta de cordel fabrica as suas histórias ao desrealizar a realidade e os acontecimentos que viu ou ouviu alguém dizer, entretecendo-os com mentiras e acréscimos de retoques que não se pretendem verdadeiros, mas que, ao seu modo, não deixam de sê-lo. (BASQUES JR., 2012, p. 204)

A língua dela eu puxei Dentro da boca encontrei

Me disse é tudo teu Mas depois foi e escondeu A chave do cadeado.

O poema vencedor, faz parte das muitas histórias que permeiam o universo do poeta, um relato jocoso que teve como inspiração “um tio meu amarrado”, como nos confessa. A história é engraçada e prende o leitor em cada verso, em busca de desvendar o esconderijo da “Chave do Cadeado”, como leremos a seguir:

Trecho do Cordel do Poeta Antônio Travassos Sarinho, “No São João Tradição”, 2011. Xilogravura de Fred Ozanan.

No ano de 2012 participou do Concurso Literário de Cordel promovido pela Pastoral da Pessoa Idosa da Diocese da cidade de Campina Grande, tendo sido agraciado com o primeiro lugar com o Cordel “A chave do cadeado”.

Me disse assim desse jeito Tá dentro do caixa forte Mas você só tem direito Adepois da minha morte E para me tapear Veio comigo morar Dizendo, tá bem guardado É tudo teu, eu não nego No dia certo eu entrego A chave do (...)cadeado.

A chave do (...)cadeado.

O Silvio de Boqueirão Que também já fez partida Deixando recordação Que cantou muito feliz Imitando o Concris Sabiá e azulão.

Era grande fazendeira

Fui bater no cemitério

Tia Zefa Muçambé Como ela era solteira Tando perto de morrer Trocou os possuído em dólar E sem ninguém dar bola Deixou no cofre trancado

A uma da madrugada Fui procurar o funério Onde ela estava enterrada

Foi a maior riqueza que eu já tive ao trazer os cordéis dele para a sala de aula. Riquíssimos trabalhos, né? Ajudou não somente o nosso trabalho, mas também os trabalhos dos alunos. A ter mais interesse nas aulas, prestar mais atenção, e por ser uma metodologia diferente, os alunos se envolviam muito mais. Trouxe muitos resultados positivos para os alunos, a cada conteúdo, eles mesmos pediam que fosse feito em cordel. Resultou de muitas coisas boas diante dos alunos, não só a percepção, o raciocínio, a escrita. Então foi uma experiência riquíssima trabalhar com os cordéis de Seu Antônio Sarinho.

Para o Professor e Doutor em Literatura Brasileira, Hélder Pinheiro (MAFESSOLLI; MAIA, 2018), a poesia contribui e muito para a formação dos alunos se for trabalhada cotidianamente, visando formar sua sensibilidade, sua percepção do mundo, das pessoas, dos fatos [...], continua experimentar estas descobertas com os próprios alunos sempre traz bons resultados. E foi desta forma que o Professor Ió (como é chamado pelos alunos), introduziu em suas aulas de Geograa, o Cordel do Poeta Antônio Travassos Sarinho, “Lendo a Geograa”, com capa e trechos disponíveis abaixo:

Ele trata de temas que fazem parte da vivência dos alunos. Os alunos se enxergam na poesia dele, ele escreve de uma forma tão lúdica que você se vê dentro da história, se vê fazendo parte do que ele está narrando. A narrativa dele por mais simples que seja né? simples no sentido de ser uma narrativa humilde e não, simples no sentido de conteúdo, porque é riquíssimo e isso não tem nem o que contestar É mais na simplicidade do narrar dele, sabe? Faz com que o trabalho dentro da sala de aula se torne um trabalho mais fácil de se fazer Porque quando você traz para o aluno a realidade de vida dele, né? tudo ca mais fácil. E aí com a poesia de Seu Antônio Sarinho, a gente consegue isso, sabe? Além do mais, ele traz uma comicidade muito bacana, às vezes com palavras que nós temos que adaptar pra levar pra sala de aula. Porém, é um humor bom, um humor sadio. Eu gosto muito de trabalhar os textos dele e sou muito fã da poesia dele.

Para o professor de Geograa, José Iolanilson das Chagas, que teve a satisfação de conhecer a literatura do poeta Antônio Sarinho, através dos netos do poeta que eram seus alunos, sendo Missias Sarinho de Brito na EMEF Padre Inácio e José Lucas Leal Higino, na Escola Criativa da Mônica, ambos estudantes do ensino fundamental II, e foi a partir de alguns trabalhos desses alunos, que sempre apresentavam os poemas do avô, que o professor Iolanilson acabou conhecendo pessoalmente o poeta. O professor nos relata que,

Vou buscar no pensamento Força pra minha memória Construindo com repente Uma pequena história Lendo a Geograa Descrevo com poesia Pra ver se chego à vitória

narrativas que o ajudaram a compor suas histórias, fossem elas verídicas ou não.

Em sua vasta obra, encontram-se ainda textos de Cordéis com temas históricos, como é o exemplo dos Cordéis “Boqueirão: 60 anos de emancipação política”, de 2019, “Vereadores e Prefeitos de Boqueirão (de 1959 a 2020)”, de 2016 e ainda o cordel “Vinda das águas da Transposição”, de 2017. Esses e outros textos são frequentemente estudados nas escolas de Boqueirão como já citado anteriormente.

Partindo desse pressuposto, a literatura de cordel contribui na construção do pensamento sociocultural, ao abordar personagens, costumes e modos de viver que simbolizam o Nordeste brasileiro e ainda, no processo de ensino e aprendizagem, ao fornecer informações que irão auxiliar professores na construção do conhecimento e no incentivo à leitura.

O DIÁLOGO COM AS ESCOLAS

Frequentemente os professores utilizam a poesia local e popular de Sarinho para trabalhar diversos temas relacionados às vivências dos alunos, como bem lembra o Professor Joab Júnior, professor de Língua Portuguesa no Distrito Marinho, comunidade da Zona Rural de Boqueirão:

No estado de São Paulo São grandes os cafezais

agricultor, observando os sinais da natureza. Escreve sobre História, Geograa, política, amores e saudades. Escreve sobre si mesmo e todo universo ao seu redor, com a simplicidade e a sabedoria de quem soube construir sua vida com o cabo da enxada e muito suor. Como tantos outros poetas populares, frequentou a escola da vida e dela extraiu os melhores ensinamentos. Prestes a completar 80 anos de vida, coube-nos a tarefa de narrar um pouco da sua História. Tomemos esse texto, como uma ode de respeito ao poeta Antônio Travassos Sarinho e a todo o universo que ele nos apresenta em sua poesia. Desta forma, como não nos reconhecermos nas personagens Salete no violão, Lurdinha no clarinete, Antoin de pandeiro na mão e o Véi Braz nas cuié, pessoas comuns, do contexto familiar de Sarinho, que serviram de tema para sua poesia? Como não nos sentirmos bem representados quando em seus versos esse poeta diz sobre o nosso Boqueirão, “tu és o coração das terras do cariri”? Então, aqui, não estamos fazendo considerações nais, mas, antes de tudo, nos instigando a ler mais, reetir mais e escrever mais sobre a vida e a obra desse poeta que tão bem sabe representar a nossa Boqueirão, a nossa cultura e a nossa literatura em seus versos.

Diante do exposto, a poesia de Antônio Travassos Sarinho aqui apresentada, expressa, através da Literatura de Cordel reconhecida como Patrimônio Cultural do Brasil (IPHAN, 2018), elementos da cultura popular nordestina, especialmente da região do Cariri Paraibano, mantendo a preservação da nossa cultura, possibilitando assim, que outras gerações tenham acesso a essas narrativas que ajudaram a tecer e a contar as nossas histórias.

A escrita desse poeta popular nos convida a conhecermos uma literatura que promove encantamento e sentimento de pertencimento, pois ao lermos a poesia desse vate, tendo o contato com seus versos, nos reconhecemos como membros do seu universo inventivo e somos tocados por sua arte e genuína manifestação cultural. Companheiro da poesia, confunde-se com a sua própria narrativa, quando converte a sua experiência de vida e o seu saber empírico em versos. Um menino que brincava com a chuva, que aprendeu a plantar e a colher como bom

Nesse contexto, corroboramos com a abordagem de Paulo Freire (1996), quando fala da grande importância política e pedagógica que se reveste a ação do professor quando leva em consideração os conhecimentos de mundo dos alunos, bem como o contexto socioeconômico e cultural em que os mesmos se encontram.

Em Mato Grosso a soja Paraná os milharais

O trigo e o algodão Pra riqueza da nação Tem grandes canaviais (...)

O professor José Iolanilson explica que ao invés de se debruçar apenas sobre o livro didático, como única metodologia de ensino, explorou a literatura presente no folheto de cordel, constatando que, foi muito valioso para mim e para o conhecimento dos alunos. Importantíssima a leitura dos cordéis de Seu Antônio Sarinho que zemos em sala de aula. Uma pessoa impar para a nossa cultura aqui da cidade de Boqueirão.

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