FRATELLI TUTTI: O CORAÇÃO DE FRANCISCO Pe. Gilvair Messias da Silva
Desde sua eleição, no dia 13 de março de 2013, Jorge Mario Bergoglio, ao tornar-se Francisco, tem mostrado com transparência o seu coração. A escolha de seu nome já o identifica ao projeto pastoral de seu pontificado. Sem ousadia nenhuma, podemos afirmar que o mundo habita seu coração e ele é um habitante do mundo. Em tudo, ele é secular, um homem preocupado com o seu tempo. Eclesialmente, sem vaidades e pobre de espírito, é “prudente como as serpentes e simples como as pombas” (Mt 10,16). Sabe bem que se encontra no meio de lobos. Entendeu, desde o princípio, que seu serviço à Igreja é ser bispo de Roma, “presidindo as demais Igrejas na caridade” (de seu discurso inaugural). Contudo, sua atuação incomoda a muitos, por mostrar-se muito franco, espontâneo e polêmico em discursos. Não foge às perguntas do homem de nossos dias. Sua presença é sempre atual. Fratelli Tutti (Todos Irmãos) é a sua terceira encíclica, somada às cinco exortações apostólicas, contando propriamente um documento de peso em cada ano de seu pontificado. As declarações em entrevistas, catequeses, homilias e postagens diárias nas redes sociais nos mostram um Papa cuja preocupação fundamental é a irmandade entre os homens. Francisco não fala somente aos católicos. Ele se comunica com o mundo, com os grandes e pequenos. Toca impreterivelmente a pobreza em todas as suas facetas. Podemos ver neste seu mais novo documento suas intuições centrais, sendo talvez este o coração de seu magistério ao sintetizar abordagens presentes nos demais escritos. Fratelli tutti [sobre a Fraternidade e a Amizade Social] é como uma família ao redor da mesa em um almoço de domingo. Nela, todos os irmãos são contemplados, com a diversidade de problemas, desafios e esperanças.
Quem é o meu irmão? Clássica pergunta bíblica sobre quem é o irmão. Deus interpela Caim sobre onde estaria o seu irmão (Gn 4,9-10). Sua resposta é muito indiferente, nega-lhe qualquer compromisso e proteção. Em Jesus, Deus não pergunta do irmão, mas faz-se irmão até à mesa final da cruz, cuja Eucaristia reuniu a todos em seu sangue. O texto do Bom Samaritano (Lc 10,25-37), mediante a pergunta de um especialista em leis sobre “quem seria o seu próximo”, traz uma questão de Jesus, tornada primordial: “quem é que se fez próximo?” Deste modo, ser próximo ou ser irmão é mais importante do que classificar os níveis de proximidade e de parentesco, algo comum na cultura judaica. À semelhança de Francisco de Assis, ao encontrar-se com o Sultão Malik-alKamil no Egito, o Papa Francisco toma os caminhos e trilhas do santo umbro e encontra-se com o Grande Imã Ahmad Al-Tayyeb em Abu Dhabi. Juntos ouviram-se, ouviram o mundo a partir de escutas tão diversas e simultaneamente tão semelhantes. Fratelli tutti é resultado desta escutatória de Francisco. Ele nos fala a partir de Roma, mas com o coração de viajante, de quem foi longe para dizer aos que estão mais perto; fala-nos ainda como narrativa de um encontro de irmãos à beira da estrada do mundo. As sombras dum mundo fechado No primeiro capítulo, “As sombras dum mundo fechado”, o Papa olha para as barreiras impostas ao mundo nos últimos anos, as quais limitam o encontro de irmãos e impõem uma cultura do medo e da defesa da outra margem da estrada. Ele recorda que, após as guerras do século XX – tempestades e dilúvios da contemporaneidade, sinais de esperança cruzavam o céu da humanidade. Esforços foram alcançados no sentido de uma Europa unida, de uma integração latino-americana, de pacificação entre países em conflitos.