Microchip #1

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Microchip #1 / 2015

Fanzine de Chipmusic & cultura Lo-Fi. Texto Pulselooper Ilustrações e Projeto Gráfico Michtz



Chipmusic é, literalmente, música gerada a partir de um chip de som. As novas gerações terão dificuldade em abstrair o sentido do termo, uma vez que um notebook ou um telefone celular emitem audio a partir de circuitos compartilhados, sem necessidade de um dispositivo dedicado como um microchip. Mas quando pensamos em um console de videogame dos anos 80, como o Nintendo 8-bit, era comum terem chips desenvolvendo uma única função. Um chip para processamento, um para gráficos, um para som. O som dos jogos eletrônicos evoluíram de forma devastadora: dos blips básicos do Pong, passando pelo gerador de voz rudimentar do Berzerk, até finalmente ganhar música de fundo per se, como os classudos arcades da Sega nos anos 80.


Esses jogos da Sega, por exemplo, possuíam um chip de som dentro do circuito dentro da cabine dentro do flíper imundo (com direito a cinzeiro do lado do joystick). Esse chip possuía geradores de ondas sineóides, sintetizadas a partir de Frequência Modulada (FM). Um chip de som desenvolvido pela Yamaha, que nos anos 80 já era craque em sintetizadores FM como o DX-7, usado e abusado nos discos do Phil Collins e nas rádios de soft rock que sua mãe ouvia. Dessa forma, tá tudo ligado: música eletrônica é chipmusic, e vice-versa. O que muita gente confunde é tratála como um gênero. Não é um gênero, mas sim uma forma de se compor música. Saem de cena os sintetizadores state-of-the-art, os computadores modernos rodando Protools, as salas acústicas com monitores de audio balanceados.



Entram em cena o Game Boy, o Mega Drive, o Atari 2600: aparelhos de diversão eletrônica que não foram criados necessariamente para se fazer música, mas que conseguem cuspir ondas sonoras sujas e samples em baixa fidelidade.

Tá, e po r que eu deveria música c fazer om um Ga me Boy a vés de u o insar o Ab leton Li meu Macb ve 9 no ook Pro (cujo ad da maçã esivo eu colei na trase minha SU ira da V)?

A resposta é simples:

menos é mais.


Se você já era fanzineiro na época do esquema papel-tesoura-cola, se lembra que tinham as bandas punk, indie e death metal que gravavam demos em um gravador Tascam de 4 pistas em fita cassete. Aquilo era chipmusic, enquanto a banda que gravava no estúdio Eldorado na mesa de 32 canais era o status-quo. A busca pela espontaniedade e simplicidade na música torna-se tarefa árdua ao se deparar com canais de audio praticamente infinitos, sintetizadores virtuais e biblioteca gigalar de samples. Já um Game Boy, o clássico console 8-bit portátil da Nintendo, oferece dois canais de onda quadrada, um canal de ruído branco e um canal de onda customizada -onde, com algum molejo, você pode até inserir samples em resolução 4-bit (o padrão de gravação hoje é 16 ou 24-bit). O que mais você precisa pra fazer música?


E esquece essa história de "musiquinha de videogame". Lembre-se: o bagulho é ferramenta, não gênero. Tem nego fazendo rap com Game Boy, techno com Mega Drive e dub com Commodore-64 (computador 8-bit de 1982 cujo "64" do nome se referia à quantidade de memória RAM. Em kbytes). A cena começou na Europa, na segunda metade dos anos 80. Quem desenvolvia música utilizando um computador eram quase sempre compositores para jogos de videogame. E para isso, precisavam digitar códigos, e desenvolverem suas próprias engines sonoras. Imagine ter que digitar três linhas de código de máquina só pro game tocar um dó. Haja saco. Pensando nisso, um alemão chamado Karsten Obarski criou em 1987 um programa para Amiga chamado Soundtracker. O Amiga era o computador 16-bit produzido pela Commodore na metade dos anos 80, e que na Europa deixava o IBM-PC no chinelo em vendas.


O Amiga tinha um chip de som chamado Paula (don´t ask…), apresentando 4 canais de samples em baixa resolução. Daí que o programa de Obarski apresentava uma opção visual e lógica para todo aquele pesadelo infernal de música em código. Bastava selecionar o sample desejado e ir inserindo notas na tela. Tudo com o mouse e o próprio teclado do computador. Não demorou para músicos e entusiastas descobrirem que poderiam produzir música eletrônica em seus quartos, utilizando o computador da casa ligado na TV e ao aparelho de som. Claro que isso hoje é algo mais que comum -- boa parte dos produtores fodões compõem suas tracks dentro do avião, mas é preciso lembrar que para produzir e gravar música eletrônica nos anos 80 e início dos 90, era preciso um kit básico de sintetizador, drum machine, sequenciador e gravador de tape.


De repente, você não só poderia compor uma música no seu computador pessoal, como também poderia divulgá-la para as pessoas através de disquetes e serviços de BBS (Bulletin Board System, aquelas delícias hipertexto que foram a diversão na era pré-internet, abrindo as portas para a pirataria, pornografia e música boa). O esquema DIY chegava também à música eletrônica.


Os anos se passaram, e os primeiros programinhas musicais para o Game Boy surgiram no final da década de noventa, quando ocorreu um boom na cena. Uma nova geração, pós-demoscene, surgiu principalmente na Europa, América do Norte e Japão. Festivais de chipmusic pipocavam pelo mapa mundi, e quando o finado Malcolm McLaren escreveu um manifesto dizendo que chipmusic era o novo punk, a coisa entrou naquele estranho limbo entre underground e mainstream que surge de tempos em tempos. Por aqui em terras brasilis, um coletivo e netlabel foi criado no início de 2009, pelos membros Droid-on, Pulselooper, Subway Sonicbeat e Escaphandro -- que se dividem por São Paulo, Brasília e Belo Horizonte. O coletivo já se apresentou por vários estados do país e também na Alemanha, Escócia, Uruguai e Estados Unidos.


De instituições peso-pesado como o FILE e o Blip Festival NYC, a buracos da R. Augusta e até um hospital de saúde mental em Brasília. Além dos shows, também ministram oficinas de chipmusic e pixelart, muitas vezes introduzindo composição em música eletrônica para pessoas que nunca haviam tido contato com a coisa. E o que se nota quando alguém descobre a chipmusic, a princípio, é o bem estar causado pela sensação de nostalgia ao aprender a compor uma sonoridade que remete à infância e adolescência. Mas é interessante notar como a única limitação da chipmusic é o próprio conceito de limitação em si: conforme os anos se passaram, programadores cabeçudos foram desenvolvendo novos códigos e sound engines para os chips, cavucando o hardware ao máximo e tirando dali sonoridades que nos anos 80 estavam escondidas devido à limitação dos próprios programadores.


É sempre possível libertar o Fantasma da Máquina. E assim, quando se parte para a verdadeira exploração dos chips e dos timbres que até hoje são capazes de produzir, o que se tem em mãos são sintetizadores rasgados, drum machines esporrentas e aqueles três ou quatro canais que na verdade possibilitam genuína liberdade.



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