Patrimônio Cultural de Planaltina

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Patrimônio Cultural de Planaltina

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Ficha Técnica

Coordenação Geral Associação dos Amigos do Centro Histórico de PIanaltina Produção Executiva Simone dos Santos Macedo Coordenação Administrativa Leonio Matos Gomes Design, Web Master e Projeto Gráfico Michelle de Fátima - Mica Design & Cultura Produção Fotográfica Joana França Consultoria em História Regina Coelly Fernandes Saraiva Consultoria em História Elias Manoel da Silva Consultoria Técnica Gabriel Macedo Assessor de imprensa Rodrigo Machado - Território Assessoria de Comunicação



Sumário

1. Apresentação

pág. 7

Texto: O patrimônio cultural de Planaltina por Gabriel Macedo 3. Patrimônio Material

pág. 21

Vale do Amanhecer Folia do Divino Via Sacra Ao Vivo pág. 9

MHAP - Museu Histórico e Artístico Igrejinha São Sebastião Cadeia Velha (Casa do Artesão) Centro Histórico Pedra Fundamental Texto: Centro Histórico de Planaltina por Elias Manoel da Silva

4. Patrimônio Imaterial

pág. 16

Texto: O Vale do Amanhecer por Leonio Matos Gomes

pág. 24

Texto: Morro da Capelinha por Elias Manoel da Silva

pág. 34

Texto: Monumento ao Espírito Santo por Simone Macedo

pág. 38

5. Patrimônio Natural

pág. 41

Águas emendadas Texto: Planaltina: a cidade e seus múltiplus patrimônios por Regina Coelly

pág. 46

6. Legenda de imagens

pág. 52

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Apresentação Os patrimônios materiais e imateriais, configuram-se como testemunhos de heranças acerca de gerações passadas, dando origem ao que se tem no presente, e assim, viabilizando seu entendimento e leitura. Já a preservação do patrimônio é a garantia de que a história de determinada sociedade se mantenha viva, seja valorizada e repassada para gerações futuras. A cidade de Planaltina é berço de diversas dessas expressões, testemunhos materiais, e ambientes naturais que retratam a diversidade cultural e patrimonial aqui presentes. Quando pensamos em patrimônios, é necessário destacar sempre suas funções e referências à identidade, à ação e à memória de diferentes grupos sociais, materializado ou manifestado na forma de construções, práticas, representações, expressões, ambientes, conhecimentos e técnicas. Desta forma, este catálogo tem como foco registrar patrimônios da cidade de Planaltina

por meio da produção fotográfica e textual, onde serão identificados bens materiais e naturais fundamentais na história planaltinense; assim como utilizaremos também deste recurso para debatermos e apresentarmos alguns desses símbolos que estão desapegados da materialidade. Indo em encontro do discurso da AACHP, este catálogo será apresentado como material de educação patrimonial, focado na formação de replicadores e agentes que se proponham à defesa do patrimônio. Por fim, que seja essencialmente janela para a expansão do debate acerca do patrimônio e sua importância na atualidade e no futuro. Gabriel Luis dos Santos Macedo de Oliveira Museólogo e Presidente da AACHP.

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Patrimônio Material MHAP - Museu Histórico e Artístico Igrejinha São Sebastião Cadeia Velha (Casa do Artesão) Centro Histórico Pedra Fundamental

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Centro Histórico de Planaltina Elias Manoel da Silva

O casario e a urbanização do centro histórico de São Sebastião de Mestre d’Armas, atual Planaltina, nascem diretamente da dinâmica típica da criação e crescimento dos “Patrimônios de Santo”¹, ou seja, com a doação de “meia légua por quase uma légua”² de terras, em 1811, na Paróquia de Santa Luzia³. Aqueles que se estabelecessem no chão doado ao santo, administrado pelo “fabriqueiro”, deveriam pagar uma taxa anual à Igreja, a fim de cobrir as despesas do culto, da prestação dos sacramentos e da construção e manutenção da capela dedicada a São Sebastião erguida no terreno do patrimônio.

Cf. MATA, Sergio da. Chão de Deus: Catolicismo popular, espaço e proto-urbanização em Minas Gerais, Brasil, Séculos XVIII-XIX. Berlin: WVB, 2002. 2. Livro de Registros de Terras do Município de Santa Luzia. Folha 140, Número 316. 1.

Na história brasileira, o “Patrimônio de Santo” com sua capela foi um importante polo de convergência populacional e estopim para a criação de povoados que, por sua vez, eram a expressão das necessidades religiosas, econômicas e também lúdicas de um grupo de vizinhança, como eram os donos das fazendas e seus agregados no entorno do Patrimônio de São Sebastião de Mestre d’Armas. Percebemos ainda poucos estudos sobre a importância do fator religioso no estudo das origens de núcleos urbanos. Diferente do centro histórico dos arraiais do período da mineração, o centro histórico dos arraiais nascidos de “Patrimônio de Santo”, nas áreas e nas fases em que predominou a agropecuária, como foi o caso de Planaltina, o ponto de partida não era um local onde se explorava ouro, mas pura e simplesmente a capela. Assim, a urbanização e o casario se davam muito mais lentamente, por meio do aluguel de terrenos que a Igreja ia estabelecendo ao redor da capela de São Sebastião⁴. Além disso, muitos alugavam espaços e construíam casas que eram

Registro do Patrimônio de São Sebastião de Mestre d’Armas. Processo da Fazenda Mestre d’Armas. Fórum da Comarca de Planaltina-GO. Coleção Documentos Goyaz. Arquivo Público do Distrito Federal. O Registro das terras do Patrimônio de São Sebastião de Mestre d’Armas foi feito pelo encarregado dos Registros de Terras do município de Santa Luzia, Pe. Delfino Machado Farias, em 30 de Setembro de 1858,

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conforme exigência da Lei de Terras do Império Brasileiro, de 1850.

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ocupadas principalmente por ocasião das festas religiosas. Na maior parte do tempo continuavam em suas fazendas⁵. A capela com seu entorno, a “Praça”, se torna um espaço de socialização onde os habitantes do arraial e os que vem das redondezas celebram as festas do padroeiro e fazem as procissões. Portanto, o centro histórico de Planaltina não nasceu da “febre do ouro”, como muitos arraiais mineiros e goianos, mas da “febre da fé”. Não era o arraial Mestre d’Armas que tinha uma capela, mas era a capela São Sebastião que tinha seu arraial e, por isso, condicionava a formação do núcleo populacional. As primeiras casas de adobe, com sua estrutura em esteios de madeira serão levantadas ao redor da capela, principalmente na ruela dos fundos da igreja São Sebastião, a atual Coronel Salvador Coelho, ilustre caminho a partir do qual o núcleo urbano foi se expandindo. Esse é o centro histórico primitivo. Contudo, devido à posição da igreja São Sebastião no terreno, a fila de casas erguidas na ruela aos fundos da igreja irá se dirigir em linha reta para um relvado aberto, onde os boiadeiros

e seus animais descansavam e onde os viajantes amarravam suas montarias, a atual Praça Salviano Guimarães. Neste retângulo aberto, casas de moradias e as primeiras casas de comércio irão ser construídas, emoldurando a grande praça que hoje conhecemos no centro histórico. O lugar escolhido para a ereção da capela na geografia do “Patrimônio de São Sebastião de Mestre d’Armas” vai condicionar o desenvolvimento espacial do centro histórico do arraial, principalmente após a sua emancipação, ao redor da atual Praça Salviano Guimarães e em direção à área elevada do terreno, seguindo a Av. Goiás, onde hoje se encontra a nova matriz de São Sebastião. A partir de 1915⁶, com a abertura da Avenida Marechal Deodoro, a expansão do núcleo urbano vai permanecer sem grandes mudanças até a década de 1960⁷. Depois da elevação de Mestre d’Armas à condição de sede do município em 1891⁸, a dinâmica de consolidação e produção do espaço do centro histórico passa a ter um caráter mais civil. O primeiro Código de Posturas da Vila Mestre d’Armas disciplina a racionalidade urbana

4. Cf. Livro de Termos dos Aforamentos do Patrimônio de São Sebastião. IPEHBC – Goiânia. Coleção Documentos Goyaz. Arquivo Público do Distrito Federal. 5. SAINT-HILAIRE Auguste. Viagem à Província de Goiás. Belo Horizonte: Itatiaia 1975. 6. CASTRO, Mário César de Sousa. Depoimento - Programa de História Oral. Brasília, Arquivo Público do Distrito Federal, 1999.

7.

Cf. Foto aérea do Município de Planaltina. Enciclopédia dos Municípios Brasileiros. Rio de Janeiro, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 1958, p. 365. 8. Cf. Decreto n° 52 de 19 de março de 1891, Estado de Goiás. 9. Código de Posturas de Mestre d’Armas, Art. 2º. Arquivo Histórico Estadual de Goiás. Coleção Documentos Goyaz. Arquivo Público do Distrito Federal.

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a ser conduzida, agora, pela municipalidade: “A ninguém será permitido edificar casas ou cercar terrenos dentro da vila ou próximo a esta sem a licença prévia do Intendente Municipal”⁹. Com o lançamento da Pedra Fundamental em 7 de Setembro de 1922, no Morro Catingueiros¹⁰, atual Morro do Centenário, e no contexto da expectativa da transferência da capital para o Planalto Central, Planaltina vai experimentar um rápido e fugaz desenvolvimento econômico e modernizador por meio da iniciativa de empreendedores locais: lojas de comércio maiores e bem abastecidas, indústria de charque, curtume, fábrica de produtos de couro, inauguração do serviço postal, fornecimento de energia elétrica pela Usina Hidrelétrica da Empresa Bevinhatti, Salgado & Cia, criação do Grupo Escolar Municipal¹¹, surgimento do “Jornal Altamir”, criação da “Banda de Música”, além da criação de vários loteamentos com a venda de terrenos por todo o Brasil¹². Muitos, na expectativa de valorização imobiliária, queriam ter um terreno na região onde a capital seria construída. Neste

contexto, o centro histórico se moderniza. As casas com beiral colonial começam a dar lugar aos frontões em art-déco e as pequenas ruas do centro histórico são alargadas e ganham maior extensão. Apesar do plano de urbanização, criado em 1965 pelo arquiteto e urbanista Paulo Magalhães¹³, propor a criação de três espaços, Setor Tradicional, Centro de Vivência e a Vila Buritis, a fim de preservar as características históricas da cidade, fato é que, a partir da chegada de Brasília, a produção do espaço do centro histórico de Planaltina sofrerá a forte influência da sedução modernizadora emanada pela nova capital brasileira no Planalto Central do Brasil.

10. Cf. Mapa do Município de Luziânia – 1928. Casa da Cultura de Luziânia. Coleção Documentos Goyaz. Arquivo Público do Distrito Federal. 11. GUIMARÃES, Hosannah Campos. Planaltina... Relatos. Brasília, Administração

12.

Cf. Fundo Privado Zelinda Dalba Mattana. Arquivo Público do Distrito Federal.

13.

Planaltina... Relatos. Brasília, Administração Regional de Planaltina, 1985.

Regional de Planaltina, 1985.

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Patrimônio Imaterial Vale do Amanhecer Folia do Divino Via Sacra Ao Vivo

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O Vale do Amanhecer Leonio Matos Gomes

A “doutrina do Amanhecer” ou “Obras Sociais da Ordem Espiritualista Cristã Vale do Amanhecer” (OSOEC), em seu nome oficial, surge a partir das visões espirituais da sergipana Neiva Chaves Zelaya, conhecida como Tia Neiva. Nascida em 1925, com 22 anos e quatro filhos, ficou viúva e para conseguir manter sua família, tornou-se, dentre outras profissões, fotógrafa (mas precisou afastar-se da fotografia devido a problemas de saúde) e, posteriormente, a primeira caminhoneira registrada no Brasil. Trabalhou, também, na construção de Brasília, sendo uma das poucas mulheres que vieram para este fim. Aos 33 anos começaram suas visões espirituais e em 1958 começaram os primeiros atendimentos espirituais para as diversas pessoas que começaram a procurá-la. Em 1959 ela funda a União Espiritualista Seta Branca (UESB), na Serra do Ouro - GO, atual Alexânia. Posteriormente

mudaram-se para Taguatinga permanecendo lá até 1959 quando Pai Seta Branca a informou que deveriam partir para o local definitivo que seria em Planaltina-DF. Tia Neiva foi contatada por um ser espiritual chamado Pai Seta Branca, que possui aparência de um indígena que remonta a sua última encarnação como um cacique dos povos originários da América do Sul, os antigos Incas. Pai Seta Branca trouxe uma mensagem onde Tia Neiva seria a responsável por fundar uma nova doutrina - a doutrina do novo milênio -, onde o principal objetivo seria trazer o Doutrinador. Esse doutrinador tem como símbolo uma cruz adornada com um manto branco. Tia Neiva entregou ao doutrinador a responsabilidade por todos os processos e funcionamentos da doutrina do Vale do Amanhecer, seja na condução das celebrações, na organização das escalas voluntárias que os adeptos cumprem nos templos, na estrutura hierárquica de comando dos rituais, no planejamento dos eventos diários, semanais, mensais e anuais e nas orientações tanto dos próprios adeptos, quanto dos visitantes/ pacientes. Tia Neiva explicou para seus seguidores o que seria esse doutrinador: “O Doutrinador é um poderoso foco de Luz, cujos raios atingem a fronteira intelectual que ilumina todo o ciclo da vida. Ele esclarece e justifica as

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chamadas Ciências Ocultas, explicando racionalmente suas deduções, os porquês das vidas astral e física. É o canto universal, é a vida de povos com carácter e sua natureza. Estão sempre a receber a mais viva Luz! Ser um Doutrinador é ser um profundo conhecedor, até ser um cientista. Sim, cientista é ter conhecimento das coisas, dos fatos e dos fenómenos em si mesmo, em sua natureza e em suas origens. Analisa e expõe a origem da evolução humana; a criação das matérias; o signifi-cado de átomos e células; a formação dos seres; e a força psíquica, proporcionalmente. O Doutrinador se utiliza de seus conheci-mentos fundamentais, cuja linguagem é sempre clara. É ciência da Luz e do fenómeno simples, dirigindo somente o seu raciocínio, sem esquecer a independência de seu carácter. A sinceridade e suas convicções provam o fato de ser um Doutrinador. Para nunca se enganar, persuasivo autor; sempre de olhos abertos, sempre no alerta dos fatos, dos fenômenos da vida; sempre o sentido no fenômeno e na vida fora da matéria. O Doutrinador deve sentir-se o “extraordinário”, sublime, palpitante de sua silenciosa manifestação doutrinária nos extra sensoriais e no Homem, até sentir estar penetrando em suas três emissões, sempre exposto à Justiça Universal. Expressivo e atento, é o Doutrinador confiante. Assim é o Doutrinador!” (Tia Neiva, 24.6.78)

O Vale do Amanhecer se destaca de vido as cores e ao brilho de suas roupas ritualísticas, indumentárias, tendo muitos

grupos que se dividem de acordo com o local de ritualização. As mulheres possuem as mais variadas indumentárias, onde muitas remetem a antigas civilizações da história mundial. São 23 grupos chamados de falanges sendo elas: Samaritana, Nityama, Grega, Maya, Mago, Príncipe Maya, Yuricy, Dharman-Oxinto, Muruaicy, Jaçanã, Ariana Da Est. Testemunha, Madalena, Franciscana, Narayama, Rochana, Cayçara, Tupinambá, Cigana Aganara, Cigana Tagana, Agulha Ismênia e Niatra. O Vale do Amanhecer conta com uma arquitetura bem diferente e expressiva, a exemplo do Templo Mãe que tem um formato de elipse, dentro dele existem várias salas, chamadas de castelos onde se realizam os rituais, trabalhos e celebrações da doutrina. A elipse é um símbolo que recorrentemente aparece em todos os locais do Vale. Um outro local que se destaca é o espelho d’agua em formato da Estrela de Davi, juntamente com um lago artificial que foi construído em homenagem a Orixá Yemanjá. Existe também uma pirâmide com bustos da família de Amenófis IV, faraó da XVIII dinastia, conhecido como Akenaton, esposo de Nefertiti e pai do mais famoso faraó do antigo Egito, Tutankamon. Akenaton governou o Egito a cerca de 1.300 anos antes de Cristo. Nesta pirâmide os visitantes podem entrar e escolher um dos muitos e coloridos bancos de pedra para sentarem e ficarem em meditação. Todos esses locais são utilizados como áreas ritualística por

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todos os adeptos da doutrina do Pai Seta Branca. A Doutrina do Amanhecer tem como pilares três preceitos universais que seriam o amor, a tolerância e a humildade e que, segundo o Pai Seta Branca, possibilitaria o resgate de dívidas contraídas em outras encarnações. Os médiuns do Vale acreditam que estão ligados a doutrina devido terem praticados atos em vidas passadas que vão contra os preceitos universais e por isso Seta Branca intercedeu junto a Jesus para que essas pessoas pudessem ser reunidas aqui no Vale do Amanhecer para que além do resgate dos próprios débitos, pudessem, também, receber, ajudar e contribuir com o equilíbrio espiritual de pessoas que estivessem aflitas e a procura de ajuda. De acordo com Tia Neiva, o grupo que foi reunido aqui no Vale Amanhecer esteve junto em uma reencarnação comum na antiga cidade grega de Esparta e que devido sua disciplina e força estariam aptos a construírem, juntamente com sua mentora, Tia Neiva, essa nova doutrina. Pai Seta Branca por meio de Tia Neiva explicou que todos os mundos habitáveis do Universo de tempos em tempos passam por processos evolutivos. Significa que seus habitantes saem de uma condição de expiações e provas, e passam para outro patamar que seria de regeneração onde sentimentos vis como a inveja, o ódio, o desprezo, seriam substituídos por virtudes como o amor, a humildade e a tolerância,

que são os pilares da doutrina do amanhecer. Seta Branca explica ainda que muitos dos habitantes da Terra vieram de um outro planeta chamado Capela que outrora passou pelo mesmo processo evolutivo, no entanto, a Terra e seus habitantes tiveram a oportunidade de terem seus débitos reencarnatórios minimizados graças a proposta do Pai Seta Branca a Jesus de que traria a doutrina do Amanhecer com o Doutrinador para conduzir e amenizar as dores para todos os humanos nesse momento de transição terrestre para uma Nova Era. Toda essa grandiosidade arquitetônica é ocupada principalmente por seus adeptos, chamados de médiuns. Divididos em Doutrinador, previamente apresentado, e o segundo - que está aos cuidados do Doutrinador - chamado Apará. Esse é o adepto que permite por meio dele a manifestação do mundo espiritual, onde tantos os adeptos quanto os pacientes (pessoas que vem em busca de ajuda) podem se consultar com seres espirituais, sejam eles Pretos Velhos, Caboclos, Médicos de Curas, Ministros de Deus, Cavaleiros espirituais, Guias missionárias dos mundos evoluídos e tantos outros que estão presentes no panteão celestial do Vale do Amanhecer. Existem muitos rituais na doutrina do Amanhecer que, em sua grande maioria, qualquer pessoa pode participar como paciente ou participar em sua totalidade como mestre ou ninfa do Vale. Além do grande número de rituais,

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existem vários locais de posicionamentos e características particulares de cada um. Para se ter uma ideia, o trabalho de Estrela Sublimação só pode ocorrer com um número mínimo de 70 médiuns. Se esse requisito não for cumprido, o trabalho não pode acontecer. A consagração de 1º de Maio, dia do Doutrinador, é a maior celebração do Vale do Amanhecer, que congrega mais de 30 mil pessoas que vem de todo o DF, do Brasil e mesmo do exterior. Os rituais que existem no Vale do Amanhecer são: retiro, mesa evangélica, tronos vermelhos e amarelos, Sanday de tronos vermelhos e amarelos, cura e Sanday cura, Junção e Sanday Junção, Indução e Sanday Indução, Oráculo, Sudálio, defumação, Corte da Cruz do Caminho, Cruz do Caminho, Randy, Leito Magnético, Benção de Pai Seta Branca no Templo Mãe, Benção do Ministro nos Templos do Amanhecer, Cassandra, Angical, Sessão Branca, Turigano, Recepção da Escalada, Imunização, Estrela Candente, Estrela dos Aspirantes, Corte da Estrela dos Aspirantes, Unificação, Anodização (na lua cheia), Quadrantes, Lei da Estrela Sublimação (Nerú), Abatá, Abatá das Ninfas Missionárias, Alabá, Alabá de falanges missionárias, Trabalho de Prisioneiro, Trabalho de Julgamento,. Aramê, Libertação Especial, Trabalho Especial, Trabalho Especial de Defumação na Mesa Evangélica, Abertura da Corrente Mestra, Casamento, Benção de Casamento, Batizado,

Emplacamento, Iniciação, Elevação de Espadas, Centúria, Sétimo Raio, Terceiro Sétimo, Alta Magia, Pirâmide, Imantração do Templo, Imantração do Vale, Contagem de Satay, Linha de Passe da Vozinha Marilú, Consagração de do 1º de Maio, Consagração de Falanges, Consagração de Falange de Mestrado, Consagração de Enlevo, Mensagem do Pai Seta Branca e Indução Cabalística. O Vale do Amanhecer conta hoje com mais de 800 templos, inclusive muitos fora do Brasil, como em Portugal, Inglaterra, Estados Unidos, Bolívia e etc. Em sua grande maioria os templos têm uma estrutura menor que a do templo de Planaltina, chamado de Templo Mãe, devido ter sido aqui a origem de todo o sistema doutrinário trazido por Tia Neiva. O Vale do Amanhecer, com todos os seus templos, tem mais de 1 milhão de adeptos registrados e mais de 250 mil médiuns que participam ativamente de suas celebrações. Planaltina é uma cidade que se origina no período do Brasil Império e possui construções com arquitetura no estilo colonial. Foi a única cidade que deixou seu centro administrativo da área que ficou dentro do Distrito Federal. A comunidade do Vale do Amanhecer faz parte dessa história de Planaltina desde o final da década de 1960 e sempre fez parte do imaginário de seus habitantes. No início os olhos curiosos não conseguiam entender o que estava sendo construído naquele local. Pouco se entendia sobre a doutrina espírita

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que surgia entre o córrego Pipiripau e a nascente do Rio São Bartolomeu. Por conta disso, muito preconceito, especulações e informações falsas se levantava sobre a comunidade espiritualista cristã que surgia bem perto do Morro da Capelinha e da Pedra Fundamental. Isso trazia problemas para quem frequentasse o Vale do Amanhecer, muitas vezes dificultando conseguir emprego e, até mesmo a simpatia daqueles que nada conheciam sobre essa nova comunidade. Com o passar do tempo, na década de 1990, a comunidade que tinha poucos moradores, viu um aumento populacional, da mesma forma que ocorreu em outras cidades do Distrito Federal, hoje o Vale do Amanhecer conta com mais de 25 mil habitantes. Antes a comunidade era basicamente habitada por pessoas que eram praticantes da doutrina, após esse período de crescimento essa condição deixou de existir e a comunidade cresceu rapidamente e com isso vieram os problemas congêneres a qualquer cidade que cresce sem planejamento. Faltavam escolas, segurança, saúde e a estrutura básica para dar dignidade a todas a pessoas que agora moravam na cidade fundada por Tia Neiva. O primeiro serviço público instalado foi a escola, Escola Classe Mestre D’Armas, onde as crianças que faziam parte do orfanato mantido por Tia Neiva começaram a estudar, orfanato este que sempre acompanhou a trajetória de Tia Neiva, chegando

a abrigar mais de 150 crianças abandonadas. A instalação da rede elétrica foi realizada na década de 1970 e na década de 1980 houve a inauguração de outra escola, com ensino fundamental em séries finais, Escola Classe Santos Dumont. Em 1998 foi instalada a Estação de Tratamento de Esgoto. Até então, toda água consumida por seus habitantes vinha de um rego desviado do Córrego Quinze. Após esse período somente em 2015 foi inaugurada outra escola com oferta de educação para estudantes de ensino médio, chamada de Centro Educacional Vale do Amanhecer. Antes todos os alunos secundaristas tinham que se deslocar para Planaltina se desejassem continuar com os estudos do ensino médio. E mesmo com uma população em franco crescimento, somente no ano de 2021 foi construída uma Unidade Básica de Saúde com sede própria. Esses problemas de infraestrutura são similares a milhares de cidades que temos pelo Brasil e assim como nelas, as melhorias alcançadas só foram possíveis graças a mobilização da comunidade na cobrança por melhores condições de vida. O Vale do Amanhecer é o segundo local que mais recebe visitantes do Distrito Federal, cerca de 1 milhão de visitantes por ano, segundo a Secretaria de Turismo do Distrito Federal (SETUR-DF). Por isso é evidente sua grande importância no cenário cultual da nossa cidade, além da sua grande relevância em prática

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religiosa por ser uma doutrina nascida aqui na cidade que se expandiu para todo Brasil e para o mundo. Por esse grande valor cultural é possível falar que, por todas as práticas, celebrações, rituais, monumentos, templos, construções, estilo arquitetônico, roupas, linguagem, preces, modo de agir, acessórios, joias, valores éticos e visão do mundo, podemos dizer que o Vale do Amanhecer é único e, consequentemente, faz parte da vida e do cotidiano de todos os candangos. Por isso deve ser vista, celebrada e reconhecida como algo que traz muito orgulho devido ao Templo Mãe ser aqui na cidade. O Vale do Amanhecer traz olhares para Planaltina e região. Divulgar, preservar, difundir esse local único é o dever de todos os combatentes que defendem o patrimônio, seja ele material, ambiental e/ou imaterial, que é o Vale do Amanhecer.

ZELAYA, Neiva Chaves (Tia Neiva). Autobiografia Missionária. Bálsamo Álvares Brasil de Lucena (ed.). Brasília: Vale do Amanhecer, 1992. ZELAYA, Neiva Chaves (Tia Neiva). Leis e Chaves Ritualísticas. 3ª ed. Brasília, DF. Vale do Amanhecer, 1994. ZELAYA, Neiva Chaves (Tia Neiva). Minha Vida, Meus Amores. Brasília: Vale do Amanhecer, 1985. ZELAYA, Neiva Chaves (Tia Neiva). O que é o doutrinador. Carta escrita em 24 de junho de 1978.

Referencial bibliográfico SASSI, Mário. 2000 A Conjunção de Dois Planos. 2ª ed. Brasília: Vale do Amanhecer, n.d. SASSI, Mário. O que é o Vale do Amanhecer. 2ª ed. Brasília: Vale do Amanhecer, 1987. SASSI, Mário. No Limiar do III Milênio. 2ª ed. Brasília: Vale do Amanhecer, 1974. SASSI, Mário. Sob os Olhos da Clarividente. 2ª ed. Brasília: Vale do Amanhecer, n.d. ZELAYA, Carmem Lúcia Neiva: sua vida pelos meus olhos. 1ª ed. Brasília, DF. Coronário. 2014. ZELAYA, Carmem Lúcia. Os símbolos na doutrina do Vale do Amanhecer - Sob os olhos da Clarividente. 1ª ed. Brasília, DF. Editora Tia Neiva Publicações LTDA. 2009.

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Morro da Capelinha Elias Manoel da Silva

A valorização de lugares altos ao redor de núcleos urbanos, quase sempre demarcados por símbolos religiosos, é uma constante em todas as culturas. Os lugares altos eram vistos como espaços privilegiados de encontro com o sagrado. Dessa forma, aos poucos, morros, colinas, lugares com relevo elevado, foram incorporados à função religiosa pelos habitantes de determinadas localidades. O Morro da Capelinha que, por apresentar três colinas com a mesma base era também conhecido como “Morro da Santíssima Trindade”¹, participou dessa dinâmica antropológica e religiosa em dois momentos distintos.

1. Pe. Aleixo Susin. Memórias. Coleção Documentos Goyaz. Arquivo Público do Distrito Federal. 2. GUIMARÃES, Hosannah Campos. Depoimento - Programa de História Oral. Brasília,

Arquivo Público do Distrito Federal, 1994.

Primeiramente a produção daquele espaço se dá com a construção de uma capela dedicada à Nossa Senhora de Fátima, erguida por iniciativa de Dna. Olívia de Campos Guimarães². No contexto da festa da santa, realizada todos os anos em 13 de maio, acontecia a romaria de Planaltina. Três dias antes da comemoração da festa, o pé do morro era tomado por dezenas de famílias que lá acampavam. Carros de bois, cargueiros e carroças eram carregados com o necessário para as famílias passarem o tríduo que antecedia a festa. A pequena e interiorana Planaltina ficava quase desabitada, além da presença de muitas famílias, de outras localidades, que também participavam da romaria³. Barracas eram montadas e até ranchinhos provisórios, cobertos de palha, eram construídos no meio da vegetação do Cerrado. Durante três dias, os romeiros eram acordados, para dar início às orações matutinas, com estridentes fogos de artifício e com o repicar dos sinos no topo do morro. Em um altar construído em frente à porta da capelinha, Padre Antônio Marcigaglia celebrava a missa para os romeiros. Em frente ao morro, no lado que se descortina toda a cidade de Planaltina, foi aberta uma longa picada, em forma de zigue-zague, para facilitar a subida dos romeiros até a capelinha. Apropriadamente, e carregado de sentido simbólico, o povo batizou o íngreme caminho de

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“estrada da penitência”⁴. Com a saída do Padre Marcigaglia e a morte de Dna. Olivia Guimarães a romaria deixou de ser realizada. Aquela elevação, contudo, continuava a seduzir o encontro da comunidade com o sagrado levando a um segundo momento de ressignificação daquele espaço privilegiado. Em 1973, Pe. Aleixo Susin, pároco da Paróquia São Sebastião de Planaltina, desafiou o grupo de jovens da paróquia a encenar uma Via Sacra ao Vivo. Naquele abril de 1973 o topo do “Morro da Capelinha” começou a participar de uma nova narrativa a partir da encenação da Via Sacra. Como o espaço é composto por três colinas, formando um grande anfiteatro, a encenação, após alguns anos, começou a envolver todas as colinas⁵, com a produção de um espaço onde, caminhos calçados, construções e muralhas para enriquecer a representação da “Paixão de Cristo”, criaram um cenário monumental, acrescentando mais um nome àquela elevação: “Morro da Santíssima Trindade”, “Morro da Capelinha” e, agora também, o “Morro da Via Sacra”. Espaços naturais que, ressignificados pela experiência humana, tornam-se, para além de sua beleza natural, lugares de encontro conosco mesmos e com o sagrado. É a comunidade produzindo e reinventando seus espaços e, assim, inserindo o que foi criado pela natureza na história das memórias do povo de Planaltina.

FREITAS, Gabriela Guimarães. Informações: apostila incompleta datilografada pela autora. Sem data. Acervo do autor. 4. FREITAS, Gabriela Guimarães. Informações: apostila incompleta datilografada pela autora. Sem data. Acervo do autor. 5. Pe. Aleixo Susin. Memórias. Coleção Documentos Goyaz. Arquivo Público do Distrito Federal. 3.

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Monumento ao Divino Espírito Santo Simone Macedo “...no senso mais antigo e verdadeiramente original do termo, monumento é uma obra criada pela mão do homem com o intuito preciso de conservar para sempre presente e viva na consciência das gerações futuras a lembrança de uma ação ou destino. Nesse sentido, o monumento, em seu sentido original, relaciona-se com a manutenção da memória coletiva de um povo, sociedade ou grupo.”¹ 1.

RIEGL, Aloïs. O culto moderno dos monumentos. Leya, 2019. (1984, p.35)

Em 2013, o casal Alcimar Jardim de Melo Oliveira e Bento Lourenço de Oliveira foram respectivamente Imperatriz e Imperador da Festa do Divino Espírito Santo. Era um sonho familiar realizar essa festa novamente, pois os pais da Imperatriz Alcimar, Deijas Jardim de Oliveira Melo e Alcyr Gonçalves de Melo, também devotos do Divino Espírito Santo, já tinham realizado a Festa em 1956. Deijas Jardim de Oliveira Melo, professora aposentada pela Secretaria de Educação do

DF, muito devota, sempre desejou um marco simbólico dessa fé coletiva na cidade. Para presentear sua mãe, o filho Alcione Jardim de Melo, mandou confeccionar uma escultura que simbolizasse toda essa fé ao Divino Espírito Santo que é representada pela pomba branca da paz para que fosse instalada em um ponto significativo da Cidade. O monumento, encomendado num ateliê de artes em Goiânia-GO, foi criado em fibra de vidro, com aproximadamente 4 metros de comprimento de asa a asa, instalado num pedestal de ferro de 8 metros de altura e iluminado com luzes nas cores que simbolizam os dons do Divino. O local escolhido e aprovado pelo GDF foi no início da Avenida Goiás na confluência com a DF128, principal avenida de acesso ao Centro Histórico. A instalação foi realizada em área pública, em frente a entrada da área do DER-DF Planaltina, no ponto mais alto da Avenida Goiás, voltado para Igreja Matriz de São Sebastião, como que abraçando e abençoando toda a Cidade. Esse local também é o local de concentração da Folia de Roça antes de entrar na Cidade para o Encontro das Folias, evento culminante da Festa que acontece em frente à Igreja Matriz.

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Sua inauguração se deu em 10 de maio de 2013 e marcou o início da Festa daquele ano. Uma missa foi realizada no local com a presença da família dos Imperadores, dos Foliões, dos Alferes e dos devotos que chegaram em procissão juntamente com o Padre Paulo Renato, Pároco da igreja de São Sebastião. Desde então esse local tem sido utilizado como marco do início das programações da festa na cidade.

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Patrimônio Natural Águas emendadas

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Planaltina: a cidade e seus múltiplos patrimônios Regina Coelly

O patrimônio é tudo aquilo que atribuímos valor. É um atributo humano que reconhece a importância da experiência histórico-cultural e ambiental vivida por nós e pelos nossos antepassados, nossos ancestrais. Essa experiência se constrói na história, com e pela cultura, e pelas relações que vão se acumulando com o meio ambiente, a natureza presente nos territórios, lugares de vivência. A diversidade é uma das singularidades do patrimônio, já que nele está representado a diversidade da vida humana. E o seu patrimônio? Você sabe qual é? Brincar de amarelinha, jogar bolinha de gude, fazer pamonha na casa da vizinha, pular elástico embaixo do bloco, ir à Micarecandanga¹ e muitas outras coisas que são importantes para você fazem parte do seu patrimônio. O que você gosta e guarda em casa com todo o carinho, como a sua boneca, a sua bicicleta, a bola de futebol, o seu patinete, a agenda cheia de bilhetinhos do ano passado também são seu patrimônio. E na cidade sua cidade? Que lugares você acha importante?²

No sentido norte do Distrito Federal, fica a velha Planaltina. Velha não em um sentido pejorativo, mas no sentido mais profundo do que pode significar “ser velha”. Esse sentido é trazido aqui em referência (e reverência) à memória e tudo aquilo que ela acumula de passado, de presente, mas também de futuro e que se notabiliza entre nós como patrimônio. Planaltina é uma cidadememória. Mas o que é o patrimônio? Como ele se caracteriza entre nós?

Festa popular de rua que ocorria no centro de Brasília nos anos 1990. Governo do Distrito Federal. Departamento de Patrimônio Histórico e Cultural do Distrito Federal – DEPHA/Secretaria de Estado de Cultura do Distrito Federal. Patrimônio Cultural, Brasília, s/d. 1.

2.

Ver SARAIVA, Regina Coelly Fernandes “Planaltina: o lugar da fala” In: OLIVEIRA FILHO, João Batista et all. Memórias de Gerações, Brasília: MINC, Fundo Nacional de Cultura, 2013. 4. Ver https://antigo.mma.gov.br/biomas/cerrado.html, acesso em 31 de março de 2022. 5. Ver Revista Darcy. O Cerrado está morrendo. Universidade de Brasília, Brasília, N.21, 3.

janeiro a março de 2019.

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O questionamento acima nos lembra que muitos lugares nas cidades onde vivemos são importantes e formam os nossos patrimônios, no plural. Com o tempo vamos atribuindo valores e significados a casas, praças, quintais, águas, rios, natureza, parques e outros lugares de “vivência da vida”. Planaltina é uma cidade-patrimônio. Cidade múltipla e diversa, com muitas memórias e patrimônios; abriga diversos tempos representados nos seus “setores”, “bairros”, “vilas” e condomínios: tem o Setor Tradicional, onde se encontra a “velha” Planaltina do século XVIII, mas também bairros das décadas de 1970, 1980, 1990, anos 2000, novos condomínios e uma área rural consolidada ou formada por assentamentos da reforma agrária. Nela se encontram passado, presente e futuro, por isso podemos chamá-la de Planaltinas, no plural, como registramos em Memórias de Gerações. Esse encontro de tempos é o que torna Planaltina uma cidade singular e diferente das outras do Distrito Federal. Reconhecer a singularidade das cidades-patrimônio, como Planaltina (e seus lugares) nem sempre é um processo fácil. Esse reconhecimento normalmente é marcado por conflitos entre o novo e o antigo, o passado e o futuro, o tradicional e o moderno. Esses embates são parte da luta por aquilo que atribuímos

valor, nossos patrimônios histórico, cultural e ambiental, que se acumulam com o tempo, com a história vivida, com a valorização da memória. Valores que vão sendo atribuídos pelas pessoas, pelas comunidades com o tempo e a vivência da vida nos lugares que, como nos lembra, Pierre Nora vão se transformando em “lugares de memória”.

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Cerrado: patrimônio ambiental de Planaltina O Cerrado é o segundo maior bioma brasileiro. Tem uma riqueza biológica singular e diversa. Essa riqueza chamamos de biodiversidade. Ainda assim, essa natureza tão rica, ainda é bastante ameaçada. A natureza do Cerrado abraça Planaltina. Vestígios do Cerrado estão presentes na área urbana e rural da cidade: do Setor Tradicional ao Vale do Amanhecer, aos núcleos rurais consolidados como o Pipiripau e outros, como os assentamentos ocupados por camponeses da reforma agrária nos anos 2000. O Cerrado está por toda parte em Planaltina: por vezes, muito conservado; por vezes, em registros remanescentes, como registro do tempo em que a cidade era pequena e “sertaneja”; por vezes bastante degradado e quase inexistente. As Águas Emendadas é a síntese do patrimônio ambiental de Planaltina. Águas hoje abrigadas pela Estação Ecológica de Águas Emendadas (ESECAE)⁶. Conhecida por muitos

A Estação Ecológica de Águas Emendadas é uma unidade de conservação ambiental sob responsabilidade do Instituto Brasília Ambiental - IBRAM, do Governo do Distrito Federal. Foi criada, inicialmente, com 4500 ha, como Reserva Biológica, por meio do Decreto nº 771 de 12 /02/1968. Em 1992 foi declarada pela UNESCO área nuclear da Reserva da Biosfera do Cerrado. Para conhecer mais sobre a ESECAE ver https:// www.ibram.df.gov.br/

6.

moradores da cidade e do DF, em função da sua importância ecológica e das “águas que emenda”: ela une duas grandes bacias da América Latina, a Tocantins/Araguaia e Platina. Os moradores e as moradoras da Estância têm o privilégio de viver às margens da Estação Ecológica. Um luxo! Pois uma das características dessa “unidade de conservação” é sua intocabilidade humana por ser de uso integral. Lugar precioso, só podemos visitar para garantir sua plena conservação. Apesar de ser tão preciosa, a ESECAE é extremamente ameaçada pela pressão em seu entorno, principalmente por práticas agrícolas que ameaçam o Cerrado, como o agronegócio. As “águas emendadas” formam uma grande vereda (6 km de extensão), que brota e gera a vida de diferentes espécies animais e vegetais, entre elas os majestosos buritis (Mauritia flexuosa L.f.)⁷. As águas formam a Lagoa Bonita ou Mestre D’armas. Os buritis são muito especiais em Planaltina. Em diversos lugares é possível observar sua presença. É em sua memória que o bairro do Buritis, primeiro bairro de expansão de Planaltina, ganhou esse nome.

7.

O Decreto n. 14.783/93 definiu espécies tombadas como Patrimônio Ecológico do Distrito Federal, entre elas o buriti (Mauritia flexuosa L.f.) 8. Ver OLIVEIRA FILHO, João Batista et all. Memórias de Gerações, Brasília: MINC, Fundo Nacional de Cultura, 2013. 9.

https://www.ibram.df.gov.br/category/conheca-os-parques/

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Águas abundantes, marca indicativa da presença dessa espécie vegetal, foram extintas à medida que o território precisou ser aberto para abrigar milhares de famílias operárias que passaram a viver em Planaltina, com a construção da nova Capital, Brasília. Hoje, o Buritis vai de I a IV, cobrindo uma extensa área que forma a cidade. A presença dos buritis é registrada em memórias de antigos moradores do bairro⁸. Das águas da ESECAE, vertem águas que formam o patrimônio ambiental de Planaltina em encontros entre córregos, ribeirões e rios que cruzam toda a cidade: o ribeirão Mestre D’Armas, os córregos do Fumal, Monteiro, Cascarra, Brejinho, Vereda Grande, Atoleiro, Quinze, Rego, Cachoeirinha, Taquara e tantos outros, o Rio Pipiripau e a Lagoa Joaquim Medeiros são parte das águas banham Planaltina. O reconhecimento ambiental da importância do Cerrado e de suas águas, levou na década de 1990 à criação de noves parques naturais em Planaltina. Essa medida de caráter ambiental legou à cidade um patrimônio ecológico, biodiverso e singular. São eles: Parque Ecológico Sucupira, Parque Ambiental Colégio Agrícola, Parque de Uso Múltiplo Vale do Amanhecer, Parque Ecológico do DER, Parque Ecológico do Pequizeiros, Parque Ecológico e Vivencial Cachoeira do Pipiripau, Parque Ecológico e Vivencial do Retirinho, Parque Ecológico e Vivencial Lagoa Joaquim de Medeiros, Parque Ecológico Vivencial Estância⁹.

Essas áreas apesar de serem identificadas pelo poder público como áreas prioritárias de conservação, ainda carecem de apoio governamental para a implantação efetiva. Atualmente, é possível afirmar que os parques de Planaltina estão em fase de reconhecimento comunitário. Esse processo vem sendo construído e impulsionado por meio de ações educativas e formativas de movimentos sociais socioambientais, professores, professoras e estudantes de escolas públicas, pela Universidade de Brasília (UnB)¹⁰ e pela atuação da comunidade que vive em torno dos parques da cidade. Na área do Parque Ecológico do Vale do Amanhecer, não podemos deixar de destacar o encontro das águas do Córrego Mestre D’Armas e do Rio Pipiripau, que seguem para o encontro maior com o Rio São Bartolomeu. Planaltina ancora nascentes da bacia hidrográfica do Rio São Bartolomeu. Essa “bacia de águas” verte para o Sul ao encontro do grande Rio Paraná, que desemboca no extremo sul da América do Sul, como parte da Bacia do Prata.

10. No campus da UnB em Planaltina (Faculdade UnB Planaltina), projetos de extensão desenvolvem ações voltadas para a preservação e educação ambiental nos parques de Planaltina. Entre os projetos destacamos o Projeto Educação Ambiental no Parque Sucupira. Ver https://www.facebook.com/projetoparquesucupira/

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Como parte do patrimônio ambiental de Planaltina, não podemos deixar de destacar animais e aves do Cerrado encontrados na ESECAE. A Estação Ecológica, mais uma vez, faz o papel de resguardar os bichos da predação humana: a onça-pintada, a suçuarana, o tamanduá, o lobo-guará, a anta e uma imensa variedade de aves vivem no lugar. Junto com os Parques de Planaltina, a ESECAE desempenha papel fundamental de conservar, cuidar e guardar dos animais. Quanto mais rica a biodiversidade, mais rico é o patrimônio ambiental. Planaltina, é esse lugar especial, uma cidade como muitos patrimônios, no plural. Cidade diversa, na história, nas vivências, na cultura, nas memórias e no Cerrado que preserva.

OLIVEIRA FILHO, João Batista, OLIVEIRA, Rejane Araújo de. et all (Organizadores. Memórias de Gerações, Brasília: MINC, Fundo Nacional de Cultura, 2013. UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA. Revista Darcy. Brasília, N.21, janeiro a março de 2019. https://antigo.mma.gov.br/biomas/cerrado.html, acesso em 31 de março de 2022. https://www.ibram.df.gov.br/voce-conhece-a-historia-da-estacao-ecologica-aguasemendadas/, acesso em 31 de março de 2022. https://www.ibram.df.gov.br/category/conheca-os-parques/, acesso em 31 de março de 2022.

Referencial bibliográfico DISTRITO FEDERAL. Instituto Brasília Ambiental (IBRAM). Parque Sucupira. www.ibram.df.br. Acesso em 21 de fevereiro de 2022. DISTRITO FEDERAL. Câmara Legislativa Distrital. Lei distrital nº 1.318, de 23 de dezembro de 1996. Lei Nº 1318/1996 - "Cria o Parque Recreativo Sucupira na Região Administrativa de Planaltina – RA VI" - Data da legislação: 23/12/1996. FEITOSA, Hélio Pereira. Situação Atual dos Parques da região administrativa VI - Planaltina - Distrito Federal. Brasília, 2011. Disponível em: <http://www.academia. edu/7362124/A_Situa%C3%A7%C3%A3o_Atual_dos_Parques_da_Regi%C3%A3o_ Administrativa_VI_Planaltina_DF>. Acesso: 21 de fevereiro de 2022. Governo do Distrito Federal. Departamento de Patrimônio Histórico e Cultural do Distrito Federal – DEPHA/Secretaria de Estado de Cultura do Distrito Federal. Patrimônio Cultural, Brasília: s/d. NORA, Pierre. Entre história e memória: a problemática dos lugares. Revista Projeto História. São Paulo, v. 10, Dez, 1993.

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LEGENDAS DE IMAGENS

Imagem 19 Pág. 20 - Monumento Pomba do Divido Espírito Santo

Imagem 1 Pág, 3 - Igrejinha São Sebastião

Imagem 20 e 21 Pág. 22 e 23 - Vale do Amanhecer (detalhes estrela candente)

Imagem 2 Pág. 5 - Cadeia Velha (Casa do Artesão) Imagem 3 Pág 8 - CEMEC - Casarão da Dona Nilda Campos Imagem 4 e 5 Págs. 10 e 11 - Museu Historico e Artístico de Planaltina Imagem 6, 7, 8 e 9 Pág 12 - Museu Historico e Artístico de Planaltina, Igrejinha São Sebastião, Casarão Azul e Prefeitura Velha. Imagem 10, 11, 12 e 13 Pág 13 - Colégio Irmã Maria Assunta, Cadeia Velha (Casa do Artesão), Casa dos Idosos e Casarões. Imagem 14, 15 e 16 Pág 14 - Casarões, Igrejinha São Sebastião e Pedra Fundamental. imagem 17 Pág. 15 - Pedra Fundamental Imagem 18 Pág. 19 - Cadeia Velha (Casa do Artesão)

Imagem 22 e 23 Pág. 30 - Vale do Amanhecer, Templo Mãe (foto da Tia Neiva) Imagem 24, 25, 26 e 27 Pág. 31 - Vale do Amanhecer Imagem 28, 29, 30 e 31 Pág. 32 - Cenários da Via Sacra - Morro da Capelinha Imagem 32 e 33 Pág. 33 e 35 - Morro da Capelinha, Mirante do Morro da Capelinha Imagem 33 e 34 Pág. 36 e 37 - Vista aérea do Morro da Capelinha, Monumento Pomba do Divido Espírito Santo (Visão geral do centro histórico de Planaltina) Imagem 35 e 36 Pág. 39 - Bandeira da Festa do Divino Espírito Santo, Monumento Pomba do Divido Espírito Santo Imagem 37, 38, 39, 40, 41, 42, 44 e 44 Pág. 40, 42, 43, 44, 45 e 51 - ESECAE - Estação Ecológica, Águas Emendadas Imagem 45 Pág. 47 - Prefeitura Velha

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