Revista Nossa América - nº 55

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clavam situações de fato, sobre as quais havia que tomar decisões quase imediatas, com outra que apontavam para o futuro da nova pátria, segundo as diferentes alternativas ideológicas postas em jogo, mas que requeriam decisões rápidas e urgentes. (...). Não há dúvida, viver então era decidir dia a dia o futuro nacional e buscar construí-lo com instrumentos que muitas vezes não significavam mais do que a vontade, o desejo ou o sonho (mas também, está claro, os interesses) de uns poucos.” 2 O crítico literário uruguaio Ángel Rama acrescentou um ponto importante nessa interpretação. Para ele, as intenções dos autores latino-americanos guardam relação com o surgimento da imprensa no final da colonização: “Quando, na segunda metade do século XVIII, a palavra impressa começou a competir com a palavra oral, juntou-se outra tradição singular com que contava a Colônia e que, para ela, não obstante, tinha passado despercebida: o ensaio moral, político, educativo religioso, científico, histórico, ou seja, o modo adulto e responsável de lidar com o texto escrito nascido de uma

2 Cornejo Polar, Antonio. O Condor Voa: Literatura e Cultura Latino-Americanas (organização de Mário J. Valdés; tradução de Ilka Valle de Carvalho). Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2000, p. 38-39.

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sacralização soterrada em povoados coloniais, para os quais a palavra escrita era sinônimo de lei. Ao irromper a Independência, esses seriam os dois instrumentos capitais do discurso literário e continuariam sendo por todo o século XIX.”3 Pode-se aqui perceber que os autores latino-americanos exerceram o papel de intérpretes da realidade política e social dos seus países e consideraram algumas soluções e caminhos, combinando o exercício periodista com a prática da ficção. De fato, vários escritores foram jornalistas, como no caso de Sarmiento e Hernández (e a grande maioria dos grandes escritores brasileiros). Muitas obras, aliás, foram publicadas na forma de folhetim na imprensa, como no caso de Facundo. Os textos se destinavam a uma pequena elite letrada que representava as classes políticas e econômicas dominantes (com exceção de Hernández e José Martí, dentre outros). Há outra característica que se pode encontrar no século retrasado. Os escritores também atuaram como políticos ou funcionários públicos. Foram secretários, deputados, senadores, governadores ou mesmo presidentes, como 3 Rama, Ángel. Literatura e Cultura na América Latina (organizadores Flávio Aguiar e Sandra Guardini T. Vasconcelos, tradução de Rachel La Corte dos Santos e Elza Gasparotto). São Paulo: Editora da USP, 2001, p. 43.


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