Princesa de Vidro - Livro Ilustrado

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G A B R I E L I G N ATOW I C Z



G A B R I E L I G N ATOW I C Z

Ilustração e Diagramação Melissa Santos Guerreiro


Prólogo —T

OC TOC TOC!!! Uma figura acorda de seu cochilo da tarde, levanta do seu sofá de anêmona e segura em seu cajado. Suas sobrancelhas se franzem acima de seus olhos cegos e ela solta um suspiro de irritação. — JÁ VOU, TÁRTARO!!! As escamas cinzas, a fraqueza ao segurar o cajado e se impulsionar até a porta denunciavam a sua idade e dificuldade de se locomover. Ela chega até a porta e abre já esbravejando: — EU NÃO QUERO VI — Ah! São vocês! — Oi brux- Uma pequena mão tampa a boca do amigo. — Oi, Sra. Kaya, a gente tava pensando se… Você não… Poderia contar aquela história que você prometeu pra gente? Três garotinhos estão na porta. Apesar de parecerem com medo, a empolgação era grande, e era evidente que eles consideravam o que estavam fazendo uma aventura por si só. — Vocês sabem que os pais de vocês não gostam que fiquem por aqui, não é? Xô xô!! — Por favoooor, Senhora Kaaayaaa!!! — Os três imploram em uníssono. — Entrem. A bruxa foi derrotada pela fofura deles. — ANTES QUE EU MUDE DE IDEIA! — disse ela, como uma falsa ameaça. As crianças abrem um sorriso e vão correndo para dentro da caverna. Todas elas nadam em direção a anêmona mais próxima e se aconchegam juntas para ouvir a tão esperada história. — Hmm… Onde será que ficou o livro…. A figura anciã pensa alto e logo encontra o mesmo em uma das prateleiras de sua casa, sentando em frente as crianças e abrindo o livro, que faz os três se inclinarem para tentar ler a primeira página antes mesmo dela começar. — Essa história se chama Princesa de Vidro, é o conto da atual Rainha que vocês bem conhecem. — A MEEKA?? — Os três exclamam espantados. — Sim, a Rainha Meeka...


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A princesa entre mundos Onde Meeka busca a felicidade.


—V

OCÊ ESTÁ EXPULSA!!! — O Rei exclama com braveza. Sua pose é imponente e ele aponta o dedo diretamente para a princesa, que se encontra jogada no chão, chorando e suplicando contra a decisão do pai. — VOCÊ NÃO PODE FAZER ISSO, EU AINDA SOU MEIA ABISSAL! Meeka suplica com todo seu coração, mas já sabia que não iria conseguir convencer o Rei, que já estava com a decisão concreta. O Rei abre a mão e a levanta, fazendo menção de que iria dar um tapa nela se continuasse com a discussão. A princesa decide intervir e assim que abre a boca o Rei efetua o tapa, descendo a mão a toda a velocid a d e... Meeka abre os olhos. Outro dia, outro pesadelo. Até o Tártaro era melhor do que sentir que não pertencia nesse mundo, ou em nenhum deles, sendo meia humana e meia abissal, muitas pessoas achariam isso uma oportunidade de ter duas famílias, dois povos. Mas não na situação em que os dois povos travam uma guerra que dura anos. Os abissais, povo que habita as profundezas, sempre venciam as batalhas, seus guerreiros armadurados eram impenetráveis para os humanos, mas a guerra sempre deixa marcas para ambos os lados. Apesar de não vestir as armaduras como seus pais, Meeka tinha segurança, seu quarto real tinha tudo que qualquer um do reino mataria para ter, ótima decoração, todos os tipos de roupa, materiais de todos os tipos para tudo que ela quisesse, e é claro, uma cama das esponjas mais macias do mar. Mas ali, no meio do castelo da família real do Reino Abissal, não tinha o que ela mais queria: felicidade. Não havia riquezas, vida fácil, ou as comidas mais gostosas desse mundo que fizesse Meeka sentir que pertencia dentro desse mundo quebrado e dividido. Era hoje. Hoje o dia em que a princesa iria tentar tomar as rédeas da própria vida e finalmente ir atrás do que realmente quer. Era exatamente hoje! — Mas...O que eu quero? O questionamento veio com toda a força e a resposta simplesmente não veio a mente. Felicidade. Isso é um conceito muito aberto, não? Não é tão simples a sim só “ser feliz” e fim de papo. A frustração chega com mais força ainda. — Por que diabos todo mundo pode saber o que quer, correr atrás e ser feliz e eu não? As coisas parecem ser tão simples para todo mundo! O Rei e a Rainha nasceram para reinar, isso não há discussão. Os súditos do reino pintam, cozinham, plantam ou desempenham seja lá qual for sua função com um sorriso no rosto. Até as próprias águas vivas do jardim só pairam para lá e para cá na água e parecem tão felizes!!! Por que eu não?? Isso só pode ser uma maldição! — Maldição… maldição… Já sei! Vou atrás da bruxa! Ela com certeza deve ter uma


magia, poção, sei lá! Alguma coisa pra resolver isso. — disse Meeka, com esperanças. E lá foi a princesa. Saiu pela janela do quarto e foi direto para a parte mais funda do Reino Abissal, onde morava a tal bruxa que teria a resposta para todos os seus problemas. — Toc Toc Toc! — a princesa bateu com cautela. Após um pouco de atraso, a porta lentamente se abre, revelando a figura da tão famosa bruxa, mal falada e temida por aqueles tão privilegiados que moram no reino. — Ah, Princesa Vitrea! A que devo a visita? Não é sempre que alguém tão importante quanto a senhorita vem aqui. Entre! Acabei de terminar de fazer um chá! Meeka abre um sorriso pela boa recepção, entra e se senta na cadeira mais próxima. — Então, senhora.. — ela suspira — Eu vim aqui pois preciso da sua ajuda, se não for a incomodar. A bruxa fita a princesa com um olhar desconfiado, mas mantém o silêncio para que ela possa terminar de fazer seu pedido. A tática funcionou, Meeka se sente desconfortável e decide ir direto ao ponto. — Eu queria que você me desse um feitiço para me deixar feliz. Eu já até sei o que você vai falar! Não é fácil, sempre tem um custo, esse papo de conto de fadas. Eu aceito! Só não aguento mais viver nesse mundo em que nada faz sentido!! — Princesa… não há um feitiço pra ser feliz. Todos os feitiços reagem de forma diferente dependendo do coração da pessoa que o recebe, então eu não posso simplesmente fazer um feitiço que eu acho que vai ser ideal pra você sendo que nem você mesmo sabe! Você é imatura, não adianta ir atrás de algo sem nem saber o que esse algo é. — VOCÊ NÃO SABE DA MINHA VIDA! Você sabe como é ser metade de tudo e mesmo assim não ser aceita por lugar nenhum??? Sabe o que é ver todos ao seu redor dando sorrisinhos e vivendo felizes e você sentir como se houvesse um buraco no seu peito?? Eu sou imatura? Você não me conhece e nem sabe o que eu já passei pra falar isso!! — Princesa, não foi isso que eu quis diz— mas a fala da bruxa foi interrompida abruptamente. Meeka, em sua raiva, pega o primeiro frasco que vê na prateleira da velha bruxa e estoura ele no chão da caverna. — NÃO!!! A bruxa estende a mão em direção da princesa mas não há nada que pode ser feito. A poção se torna uma névoa rosa que envolve a princesa e a sufoca de pouco a pouco, até começar a diminuir de tamanho, se cristalizar e sumir a frente dos olhos da bruxa, que só pôde assistir.


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De novo, uma nova vida No qual a princesa renasce.


N

a imensidão do mar profundo, onde o sol nem ousa chegar com seus raios de luz, uma forma cristalizada começa a se formar aparentemente do nada. O mar, que antes não via um semblante de luz, agora é agraciado por um véu cintilante de luz rosa que vem de uma estrutura cristalina que vai crescendo a cada instante, iluminando o mar inóspito. Aos poucos é possível ver uma pequena criatura se formando dentro dela. Uma água viva? Um humano? Não há como saber por enquanto, mas esse novo ser é um bebê definitivamente bastante estranho. Algum tempo passa e seja por influência das marés ou pela própria vontade desse ser de viver, uma pequena rachadura aparece nesse cristal. Agora duas e agora três! Toda a estrutura se enche de rachaduras e explode em uma cintila rosa incrível! E de dentro dela… sai uma criança. Meeka! Porém… diferente? Quando ela jogou aquela poção no chão ela estava nos ultimos anos de sua adolescência, mas agora ela tinha a aparência e mente de uma pré adolescente novamente. — Hã…? Onde eu tô? — ela diz confusa. A pequena Meeka olha para os dois lados e não consegue encontrar nada que reconhecesse, afinal de contas, o mar ali era tão inóspito quanto quieto. — MANHÊÊ….?? Ninguém responde, o vazio enche o espaço. A pequena princesa não tinha memória alguma do que acontecera, mas dentro do seu coração havia a imensa vontade de viver que ela tanto procurava e não entendia. Então ela nadou. Nadou sem rumo e sem plano algum, mas tudo que ela queria era chegar em algum lugar que não fosse completamente escuro. E finalmente chegou! Ruínas. O lugar onde ela estava era tão longe de tudo que a Meeka anterior tinha pisado que ali só haviam ruínas. — Finalmente!!! — A pequena Meeka exclama felicidade apenas por achar algo que não seja o nada. A pequena nada por entre destroços do que parecia uma vila abandonada a centenas, não, milhares de anos sem sequer um humano ou abissal pensar em tocar nesse canto do planeta. E a paisagem era linda. Corais e algas encontraram suas casas nas pedras antigas e já maltratadas pelas águas e as tornaram mosaicos que floresciam cheios de cores. Os peixes então encontraram as suas casas nesses corais e nadavam em conjunto como uma grande família de seres vibrantes e curiosos, que ao ver a presença de uma humana-água-viva, começaram a se aproximar com olhos investigativos, mas contentes ao mesmo tempo. — Olá pessoal! Eu… não cheguei aqui de propósito. Vocês podem me mostrar onde eu estou? Os peixes ouvem as palavras dela e começam a nadar em direção ao centro das ruínas. Meeka segue prontamente. Lá, um templo aparentemente intocado pela maré, peixes ou seja lá o que poderia cor-


roer a magnificência que era apresentada diante da princesa. As portas se abrem sozinhas e lá dentro havia apenas uma espécie de livro aberto. — O que é isso? É pra mim? O livro começa a emanar uma espécie de magia dourada e Meeka entende como uma autorização para se apossar do artefato. Ela se aproxima. Suas mãos encostam no livro e ela sente um véu de conforto entrar em seu corpo como se ela já conhecesse aquele livro, não, diário? Há muitos anos. A primeira página apresentada a ela está em branco, mas ela folheia esse diário e encontra várias páginas escritas até parar na verdadeira primeira página, o início.

Registro N°1 - Quem sou eu? Já faz anos que nado pra cima e pra baixo atrás de respostas e não encontro nada. Nenhuma ligação, nenhum lugar para chamar de mar de origem, nada. Me sinto solta nesse mar a esmo, sem propósito e sem nem conhecer ninguém. Ao menos achei esse diário, irei escrever meus registros a partir de hoje nele e ao menos alguém pode achar e ter alguma ideia de quem fui.

Meeka termina de ler o primeiro registro e só tem mais perguntas sobre esse diário, que esperava que trouxesse alguma resposta. — De quem é isso? — ela se pergnta. Meeka pergunta e olha pra trás, esperando ver os peixes que a guiaram até lá. Eles não estavam mais lá. Folheando as outras páginas, parece um registro de diversas pessoas diferentes de épocas diferentes, vivendo experiências no mundo abissal e humano, todas elas que não sabiam quem eram e queriam apenas registrar que existiram nesse mundo, que viveram, sentiram, amaram, sonharam e passaram o sua experiência para o próximo que teve as mãos nessa pequena peça de amor conjunto nesse oceano tão vasto. — Interessante… É a minha vez agora, né? A pergunta é feita em voz alta, mas direcionada para si mesma e para o seu coração. Ela não sabe nem quem é, tampouco sente que pode registrar uma vida que nem sabe se viveu ou se vale a pena ser registrada. De qualquer modo, ela escreve, ou tenta escrever, sua primeira entrada no diário. Registro N° 42 Oi! Eu encontrei esse...livro? Diário! mas nem sei onde estou, parece que é uma obra do destino ou algo assim. Todos esses registros são inspiradores, apesar de me deixarem um pouco assustada também. Será que eu fui destinada a isso? Morrer com a única lembrança de mim sendo uma página de um diário?


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O amuleto do destino Onde a melodia canta o passado.


O

s dias passam e a princesa continua vagando de ruína em ruína, até encontrar a primeira cidade populada desde o começo de sua viagem. — Boas vindas, andarilha! Essa cidade não costuma receber muitos viajantes. A quem devo o prazer? Um tritão, aparentemente comerciante da cidade, surge do nada e cumprimenta Meeka com um sorriso no rosto, invadindo o seu espaço sem nem pensar duas vezes. — É… — receosa ela responde — Sou Meeka, prazer em conhecê-lo.Você sabe me dizer em qual cidade eu estou? O tritão arqueia a sobrancelha ao ver que a garota era uma pessoa desinformada, um turista, seu sorriso se torna malicioso e já vê uma oportunidade de arrumar ouro fácil. — Ora, você está em Salina! A cidade com os melhores lustra-escamas de todos os sete mares! A senhorita não quer ver noss— AII!!! O tritão é atingido por uma concha jogada por uma senhora que escutou a conversa. — SAÍ DAÍ AGORA SANDER, NÃO VAI PASSAR A PERNA EM MAIS UM NÃO!!!! A velhinha, com muita raiva, nada até eles com uma agilidade inesperada, ela puxa o comerciante pela orelha e o joga para longe, que sai nadando enquanto resmunga. O semblante da senhora, que antes era de raiva, muda completamente para um de calma e acolhimento, o que faz Meeka ficar mais confortável nessa situação. — Ô minha querida, você me desculpa, viu? Nem todo mundo é que nem esse safado ali não. De onde você é? Apesar de imperceptiveis no mar, os olhos de Meeka logo enchem de lágrimas, a longa caminhada finalmente afetou seus sentimentos e ela se confessa para a idosa estranha. — Na verdade… Eu não sei...acho que perdi minhas memórias — Ela começa a nadar em circulos — Eu acordei no nada, só vi uma luz rosa e ai eu nadei um montão e acheiumdiarioeeunãoseidequAs palavras apressadas de Meeka são interrompidas pela mão da senhora em seu ombro, que a olha com compaixão e pede para ela se acalmar. A vovó já suspeitava de algo, então chama meeka para que nade junto com ela, e então a acalma no caminho: — Olha minha filha, eu não sei o que você tá sentindo de verdade, mas o que eu posso dizer é que se isso for verdade, você tá em uma situação que nem imagina o tamanho. Meeka fica confusa com a situação, mas até que entende. Quantas pessoas no mundo acordam do nada em uma zona do mar longe de tudo, sem memórias e depois encontra um registro de várias pessoas que sofreram o mesmo? Não dá pra esperar que isso seja comum. — É… como assim? — Aqui em Salina nós temos uma espécie de profecia que fala sobre as memórias de uma princesa de muito longe, mas ninguém entende muito bem, tá mais para um rumor nas cidades afastadas. Se o que você tá me falando é verdade… Você pode ser ela. As duas param a caminhada a frente de um monumento da cidade cheio de desenhos de criança. Vários rabiscos em formato de água viva e coloridos com tinta de coral em pedra, pintam a parede de um dos muros do que parece ser uma praça central da cidade.


— As crianças gostam bastante desse conto, sabia? A senhora pausa por alguns segundos, como se duvidasse das palavras que sairiam da própria boca em seguida. — Você parece ser a pessoa que a profecia fala. A princesa não parece dar muita credibilidade para o a história contada, afinal como assim ela é uma princesa? Na cabeça de Meeka não fazia o menor sentido. O silêncio fez a senhora notar a desconfiança, então ela suspira e diz: — Meu amor, você fala igual uma princesa, é besta que nem uma, e outra, quantas águas vivas híbridas com humano você acha que alguém já viu na vida? Você tem pés!!! Se orienta!!! Você pode enganar esse pessoal daqui, mas com 80 anos nas costas a gente já sabe das coisas! Dava para ver o semblante de Meeka desinflando igual um balão. — Tá bom. Digamos que eu seja essa princesa. O que o resto da profecia fala? Eu não lembro de nada de qualquer jeito! A velhinha só aponta para uma espécie de altar que havia dentro do parque. As duas caminham até ele e o altar se revelou abrigar uma espécie de caixinha de música, que as crianças gostavam de brincar ouvindo a melodia. Prontamente, Meeka dá corda na caixinha e a melodia começa. Era uma música simples, calma e aconchegante. Meeka se sentia em casa ouvindo um ritmo tão belo e suave ao mesmo tempo. Perto do final da música, o altar começou a vibrar, e como se reconhecesse a presença da princesa no local, se abriu. Lá de dentro, um brilho prateado começa a surgir, trazendo de dentro dele uma espécie de amuleto, uma pedra. A própria corrente do mar empurra o amuleto para perto de Meeka, que então o pega, sem saber exatamente onde colocar, ela olha para baixo e vê o encaixe perfeito que o acessório do seu vestido tem, sem pestanejar ela coloca a pedra sem dificuldades. Assim que o amuleto repousa sobre seu busto, Meeka se lembra. Sua casa, sua família e seu reino. Todas aquelas lembranças voltam gradativamente como se fossem gotas de chuva caindo pouco a pouco na mente da confusa garota. — Então… é você mesmo? Lá do fundo da mente dela, a voz da senhora se faz presente e a puxa de seu devaneio. — SIM!!! — Ela gira em torno de si mesma com alegria — FINALMENTE! Eu sou Meeka Vitrea, do reino abissal!!! Depois da breve alegria que o amuleto a ofereceu, a ultima gota da chuva caiu, e suas lembranças da guerra que o reino havia travado bate com toda a força. Ela pensava, quantos anos será que se passou desde que eu sumi? O que será que aconteceu? Como estão meus pais? A mente de Meeka, em um turbilhão de pensamentos sobre a possível tragédia que aconteceu com sua terra natal, tem uma só decisão: Eu preciso voltar.


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O reinado eterno. Onde a natureza da guerra se revela.


Q

uanto tempo faz que esse reino está travando uma disputa com o dos humanos? Todos os dias nas linhas de frente estão humanos e abissais lutando, matando e morrendo por um simples motivo: Limunite, o minério que só é encontrado nos arredores do reino abissal. A Limunite tem uma propriedade muito valiosa para ambos os lados: a cura. Ela é um mineral muito versátil que pode ser usado para fazer milhares de remédios e pode até ter propriedades milagrosas, coisa que salvaria a raça humana se eles conseguissem uma forma consistente de tê-la. Mas por que os humanos querem esse mineral? O mundo dos humanos está sendo assolado pouco a pouco por uma doença até então sem cura. Nos últimos anos chegou a um nível tão desesperador que a última esperança se tornou a Limunite, que eles irão lutar até o ultimo minuto para conseguir. E é claro, o Rei Abissal não irá deixar isso barato. O Rei usa uma das propriedades desse mineral milagroso para garantir rejuvenescimento e vida eterna a ele próprio, por isso, sua natureza egoísta não o deixa abrir mão de sequer um resquício dele. Mas isso ninguém sabia. O Rei era muito meticuloso em dizer quais eram os motivos da guerra. “Os humanos querem roubar nossos remédios!” “Os humanos querem acabar com a nossa raça, eles nos odeiam!!!” Eram frases comumente ditas pelos soldados e pelas pessoas que sofreram com a propaganda política do Rei, que escondia seus motivos reais com muita garra. Nem Meeka sabia desse verdadeiro motivo, mas ela, mais que todas as pessoas daquela família real, sabia que essa guerra tinha que acabar imediatamente. E era isso que estava determinada a fazer. — Senhora, como posso ir para o reino Abissal? A velhinha olha para ela surpresa e diz: — Xiii… Vai demorar em minha filha? Fica pra lá — A senhora aponta para a direção do reino. — Mas vo—- Meeka passa nadando na direção que ela apontou e nem deixa a mesma terminar de falar. — Muito obrigada pela ajuda, mas eu preciso ir!!!! A senhora, sem esperanças de conseguir argumentar, só dá tchau pra ela.


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A última morte No qual todas as vidas passam diante dos olhos.


A

pós alguns longos dias de viagem, Meeka finalmente consegue chegar no Reino Abissal, mas a recepção não seria agradável. — VAMOS, AGORA É A HORA!!! — Um soldado humano, aparentemente o capitão, grita com toda a força e uma parte do exército começa a nadar em direção ao reino. A princesa, com medo, decide dar a volta no reino e entrar por uma passagem menos conhecida no castelo. Meeka se pergunta o que está acontecendo após ver o caos que estava o reino, os humanos nunca haviam chegado tão longe. Soldados dos dois mundos lutavam com garra uns contra os outros. Onde atualmente é um campo de batalha, antes era onde Meeka nadava brincando pelas ruas, onde seus vizinhos moravam e onde ela viveu a vida toda. Hoje, depois de anos, os humanos conseguiram invadir o reino, e não apenas isso, mas também estavam derrotando a frota abissal. O desespero toma conta de sua mente e ela começa a nadar direto em direção do castelo principal, onde estariam o Rei e a Rainha. A princesa atravessa os portões do castelo e grita pelos seus pais, os dois viram a cabeça para olhar a princesa sumida, mas não respondem o chamado. Meeka esperava encontrar os dois prontos para recebê-la de braços abertos, a acolhendo da guerra. Mas o que ela encontrou no salão principal foi um embate, pronto para explodir a qualquer momento: — Entregue a Limunite. Nós não queremos o seu sangue. — disse o capitão, apontando uma longa espada para o Rei, como se dissesse que está pronto para fazer o que for necessário para pegar o que quer, mesmo que suas palavras sugerissem o contrário. Nem mesmo a aparição repentina da princesa fez seu olhar desviar do seu objetivo, o Rei. — NUNCA!!! — a voz dele aumenta e ecoa pela água densa do mar — Vocês não me enganam com essas mentiras! Primeiro é a minha limunite, depois o meu reino, depois o quê? Vocês humanos são podres e gananciosos, eu prefiro condenar todos vocês ao tártaro do que dar o meu bem mais precioso para seres dessa raça maldita!! Meeka, observando a interação, novamente sente medo de seu próprio pai. Sua mãe olha para ele com medo também, mas era como se ela se sentisse tão sem poder e passiva a sombra dele, que não era capaz de nada. — Então eu não terei escolha. Venham!! Vários soldados humanos que estavam só esperando as ordens entram na sala e miram suas armas para os monarcas. — NÃO FAÇAM ISSO, TEM QUE TER OUTRO JEITO!!! — Meeka exclama. — Não há outro jeito, você ouviu seu pai. Nós só queremos curar o nosso povo, sem a Limunite a raça humana irá continuar adoencendo. Eu não gostaria de estar fazendo isso, mas vocês nos obrigam. — depois de uma breve pausa, o soldado grita sem remorso — FOGO!!! Seu corpo agiu mais rápido do que sua mente, Meeka pega um impulso e pula na direção dos seus pais tentando os proteger. O ambiente barulhento fica silencioso de repente. A princesa abre os olhos e se vê em um mar sem fundo, vazio e escuro


Em seu pescoço, o amuleto quebrado, provavelmente atravessado por um arpão, começa emitir uma luz intensa. E então se Meeka lembra. O diário que carregava consigo não era um registro de várias pessoas diferentes como ela pensava, eram todos dela mesma! A “maldição” que a poção da bruxa lhe deu foi extremamente precisa no que Meeka queria: aprender a viver. Qual a melhor forma de fazer isso senão vivendo? Por conta disso a princesa viveu quantas vidas fosse necessário até aprender o que é importante de verdade para ela. Todas as vezes que viveu, o destino a entregou o diário e ela escreveu o que sentia no momento. Deixou dicas, conversou consigo mesma, sem saber ficando cada vez mais próxima do seu objetivo real. Nessa última vida, finalmente foi merecedora de receber o amuleto e se lembrar quem era de verdade. Com o amuleto quebrado, sua maldição também se foi, e lembrou de tudo que já viveu em todas as suas vidas até hoje. E agora ela está no vazio de novo. Ela se perguntou: "Tártaro!!! Como pode?? Não era pra ter vencido a maldição dessa vez? Por que o mundo é tão injusto? Por que essa guerra acontece??" E então Meeka lembrou. Em uma de suas vidas ela descobriu exatamente o porquê do Rei nao querer dar a Limunite para os humanos, o motivo dele estar governando e tão jovem até hoje: A vida eterna. Sabe-se lá quantos anos se passaram desde que o ciclo de Meeka começou, mas até hoje o mesmo Rei e a mesma Rainha governam o Reino Abissal. É claro que ela não suspeitaria de nada, ela não lembrava! Como iria suspeitar que seu pai e mãe estavam escapando da velhice se ela só lembrou deles agora, quando tinha a mesma idade de quando sofreu a maldição? Agora ela sabe, mas não há nada a ser feito. Afinal de contas, onde ela está? Meeka olha para um lado, olha para outro. Não havia nada. Em seu coração parecia que uma chave tinha aberto uma porta direta para a verdade, que apesar de dura, precisava ser aceita: seu pai era um Rei tirano sedento por poder que estava disposto a sacrificar uma população inteira a benefício próprio. O que fazer em relação a isso? Não é como se ela fosse capaz de convencer o próprio pai a simplesmente deixar de usar a Limunite e abrir mão de todo o poder. A dúvida era tremenda, mas ela iria fazer o que fosse necessário para acabar com esse conflito e juntar os dois mundos. E então, fez a única coisa que podia no momento, gritou. — ME DEIXA VOLTAR, EU POSSO ACABAR COM ESSA GUERRA!!! O abismo não respondeu ao pedido de Meeka. Sua voz só ecoou até não poder mais ser ouvida. — É SÉRIO, POR FAVOR!!! EU NÃO POSSO SÓ DEIXAR O MEU PAI DEIXAR TODOS OS HUMANOS MORREREM POR CAUSA DO EGOÍSMO DELE! Pouco a pouco, uma luz cintilante de cor rosa começou a surgir no vazio. Cristais começaram a surgir, se juntar, e aos poucos, Meeka reconheceu a estrutura como o formato do símbolo que estava na poção da bruxa, a que começou toda essa bagunça. Ela nada em direção ao símbolo e toca nele. Ao seu toque, a estrutura racha, craquela e quebra completamente. Meeka sabia que era sua chance, ela havia quebrado a maldição e nunca mais reviveria se acabasse morrendo novamente. Um clarão preenche a visão dela e ao abrir os olhos novamente, estava alguns segundos antes no tempo, na mesma situação.


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O sangue azul No qual a guerra chega ao fim.


—E

ntregue a Limunite. Nós não queremos o seu sangue. O cavalheiro novamente estava apontando sua espada para o Rei, e ela já sabia como tudo dali para frente iria acontecer. E ela estava pronta para impedir. — PAI, VOCÊ É MALUCO??? O Rei desvia o olhar do cavalheiro e encara Meeka com raiva. É possível sentir seus olhos fulminando atrávez das frestas da armadura. — VOCÊ VAI MESMO CONDENAR UMA RAÇA INTEIRA POR CAUSA DO SEU EGOÍSMO? — ela continua. Meeka cospe as palavras como se seu próprio coração estivesse sendo apertado de tanta dor que ela estava sentindo por confrontar seu pai dessa forma. — Insolente. Do que você está falando? Você sabe muito bem o motivo de eu proteger a Limunite desses LADRÕES! Com toda a sua confiança, o Rei agora nada em direção a Meeka e a encara com ar de superioridade e arrogância. — EU JÁ CANSEI DAS SUAS MENTIRAS. VOCÊ USA A LIMUNITE PRA VIVER PRA SEMPRE, NÃO PRA CUIDAR DOS OUTROS!!! EU NÃO POSSO FICAR PARADA E DEIXAR UMA RAÇA INTEIRA MORRER POR SUA CAUSA. — Meeka grita com os olhos fechados, para ganhar um pouco de coragem. O silêncio reina na sala. Nenhuma das pessoas presentes sabiam desse segredo, exceto a Rainha, que usufruia da vida eterna da mesma forma que o Rei. Apesar de se sentir culpada, não fazia nada, pois fora ameaçada por ele várias vezes caso esse segredo fosse descoberto. — YAHAHAHAHA! — ele gargalha. — Você descobriu o meu segredo! Mas… E daí? O que vão fazer? Esses arpões humanos não atravessam o metal abissal há anos. Por que acha que ainda estou aqui, sem medo algum na frente de tantos inimigos. — Eles não precisam ser inimigos... — Meeka diz, nadando para trás, coagida pelo Rei e deseperançosa. Não dá para lutar com o próprio pai e muito menos parar a guerra sozinha. O capitão humano não parece nem um pouco afetado pela ameaça do Rei, ele dá um passo pra frente e diz sorrindo: — Nem a sua própria filha está do seu lado, não vê como é patético? A sua arrogância vai ser o seu fim. — De que importa minha filha? Eu sou imortal. Daqui alguns anos ela morre e vai parar de ser um ouriço no meu tentáculo. Onde já se viu?? Ter uma filha que nem mesmo tem o meu sangue puro? Você acha que isso é algo digno do Rei Abissal? Eu nunca te quis. O Rei, sentindo que precisava se provar, se aproxima de Meeka, ergue sua a mão e se prepara para dar um tapa em seu rosto. — Você foi o meu maior erro, Meeka. Meeka é tomada pelo medo e trauma, indo cada vez mais para trás, para fugir de seu pai, ainda não acreditando no absurdo que estava para acontecer. Até que não havia mais para onde ir, ela encostou as costas na parede do castelo, e desceu os pés que o seu pai tanto detestava para chegar ao piso do castelo. O Rei alcança Meeka.


A princesa fecha os olhos e só espera o que está por vir. No fundo da sala, pode-se ouvir a Rainha murmurando choros, arrependida. CLANK CLANK CLANK CLANK! — é possível escutar o som do capitão correndo em direção de Meeka ecoando pelo castelo. Meeka não sente o tapa, a sala está em completo silêncio, ela se pergunta onde está a dor que ela deveria sentir agora. Somente após alguns segundos Meeka teve coragem de abrir os olhos. E ela vê seu pai com a mão quase chegando em sua cabeça, parado. Meeka levanta a cabeça e vê uma espada atravessando o corpo do Rei. Cruzando dois dos seus três corações. O soldado puxa a espada e o Rei cai a frente de todos, completamente paralizado, ele agoniza em quanto seu último coração tenta pulsar. A espada foi feita especialmente para esse tipo de combate, então além de ser desconhecida pelo Rei, era capaz de penetrar sua armadura. Este era o trunfo do soldado. Meeka sai da parede, completamente atônita. Ver seu pai morrer na frente dos seus olhos é um misto de tristeza e alívio. A Rainha, em mais choque ainda, viu todo seu passado cair. — Vocês… precisam da Limunite, não é? — diz Meeka olhando para o soldado que acabou de salvar sua vida. Ele acena com a cabeça, dizendo que "sim" e embainha sua espada De surpresa, a Rainha abraça Meeka com toda a força. Ambas estavam tristes pela morte do Rei, e pela forma que tudo ocorreu, mas no final, era necessário. Essa seria a oportunidade perfeita para acabar com o derramamento de sangue. — Você pelo visto já entendeu o motivo de precisarmos disso então… Muito obrigado por ajudar a acabar com isso. O soldado se ajoelha em agradecimento perante Meeka, sabendo que a raça humana terá alguma esperança de sobreviver a partir de hoje. Meeka fica sem palavras. Ela divaga "se eu não tivesse retornado, os humanos teriam matado os dois? ou será que o Rei não caíria na distração? " — De qualquer forma, eu comandarei as tropas a baterem retirada. Como já disse, não queremos nada além da Limunite. O soldado se levanta, vai para a porta do castelo e grita: — ACABOU!!! NÓS TEMOS A LIMUNITE!! Os soldados humanos todos largam suas armas e comemoram juntos. Gritos de esperança são ouvidos por todos os lados, aliviados por finalmente terminarem um conflito que durou tanto tempo. Os abissais estão confusos e param de atacar para evitar mais mortes. A princesa só consegue sorrir e acenar com a cabeça, feliz que a guerra teve um fim. — Meeka, ou devo dizer… Rainha Meeka, muito obrigada por voltar. Você não sabe o quanto eu estava preocupada por todo esse tempo. — A Rainha diz com todo seu coração, sorrindo para sua filha. — Eu sei que não é uma prática comum, mas… Eu irei passar a coroa para você, que seria uma Rainha muito melhor do que eu fui. Meeka começa a chorar, as lágrimas se misturam com a água salgada do mar. Ela abraça a mãe, que retribui o abraço com todo o carinho, mas a força do abraço se esvanece, e a Rainha vê todo tempo de vida roubado com a Limunite indo embora de seu corpo, e se despede com um último adeus.


Epílogo —E

aí acaba a história, porque daqui pra frente é só ladainha de reconstrução do reino que vocês já aprenderam na escola! A senhora Kaya diz e dá risada com as crianças, que pulam do sofá empolgadas com a história que acabaram de ouvir. — Eu quero ser o soldado!!! Hayaaa!!! Eu irei lhe salvar, Rainha Meeka!! Um dos garotos imita a espada do soldado e finge estar lutando contra o ar. — Obrigado senhora Kaya! Essa história foi muito boa!! A velhinha sorri e começa a se levantar, pronta para colocar o livro na estante, quando é interrompida pelo último garoto. — EI! Você é a bruxa, não é?? Foi você quem fez a poção pra ela aprender a viver!!! E esse é o diário dela, não é livro coisa nenhuma!!! A Bruxa Kaya só sorri, coloca o diário na estante e diz: — Shhhh!!! Ninguém precisa saber disso!



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