Revista Conexão Jurídica

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Beatriz Roman Guedes Advogada no Estado do Paraná e em Brasília-DF. Cursando pósgraduação lato sensu em Direito do Estado na UEL.

Breve análise sobre a limitação da cobrança dos juros remuneratórios nos contratos bancários pela jurisprudência brasileira Os juros remuneratórios, devidos a título de contraprestação nos contratos bancários de concessão de crédito, devem ser fixados de forma razoável Beatriz Roman Guedes advogada

Como um verdadeiro contrato de mútuo1, a concessão de crédito junto a uma instituição financeira em contratos comuns, como o cheque especial, contratação de cartão de crédito, ou mesmo em empréstimos de valores determinados, naturalmente exige uma contraprestação ao banco. Até porque, “no crédito a produção, a ideia de gratuidade é inconcebível. Com efeito, o empresário que toma dinheiro emprestado, e o reaplica, obtêm ou visa obter um ganho”2. Esta contraprestação pode-se dar pela cobrança de juros remuneratórios sobre o capital emprestado, na 1

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Revista trimestral Medina & Guimarães Advogados

forma capitalizada ou não, e demais encargos e despesas decorrentes da obrigação, a depender da modalidade pretendida e dos serviços prestados durante o período de normalidade contratual3. Destaca-se aí que os encargos de mora, devidos no período de inadimplência, não podem ser confundidos com a remuneração do banco pelo mútuo. Os encargos moratórios - notadamente a correção monetária, multa contratual, comissão de permanência, e os juros moratórios - tem caráter indenizatório ao credor, pelos prejuízos decorrentes do atraso no pagamento. Dentre os encargos remuneratórios, os juros compensatórios são aqueles devidos ao credor como remuneração pelo fato de estar privado da disponibilidade do capital mutuado naquele período4. Atualmente, são previstos expressamente no Código Civil e na Lei n. 10.931/2004, e possuem jurisprudência bem definida a respeito. Contudo, não é o que se verificou ao longo do último século. O Código Comercial de 1850 já previa vedação expressa de cobrança de juros capitalizados, ou seja, que os juros cobrados no mês anterior fundissem ao valor principal para ser cálculo de nova percentagem de juros. O Código Civil de 1916 também limitava a taxa de juros no art. 1.063, desde então fixada por percentagem, em 6% ao ano, seja para os juros legais ou para os juros convencionados entre as partes, inserindo-se aí os juros remuneratórios. Referendando a legislação civil, em 1933, foi editado o Dec. n. 22.626/33, denominado comumente de Lei da Usura. O art. 1º do referido decreto proibiu que fossem estipulados, mesmo contratualmente, juros remuneratórios superiores ao dobro da taxa legal. À época, assim, era impossível a cobrança de juros acima de 12% a.a.. Inclusive, na mesma lei, no art. 4º, havia proibição de capitalização de juros. E mais, era considerado crime de usura a infringência das disposições daquela Lei (art. 13). A Lei n. 1.521/51, sobre os crimes contra a economia popular, deu força à Lei da Usura, constituindo crime a usura pecuniária ou real. Com o advento da Lei n. 4.595/64 (Lei da Reforma Bancária), que criou o Conselho Monetário Nacional, o Estado passou às mãos deste órgão a incumbência de formular a política de moeda de crédito, bem como, sempre que necessário, limitar as taxas de juros, comissões e outras formas de remuneração dos serviços bancários (art. 4º, IX). Concomitante a essa, surgiram a Lei n. 4.829/655, Dec. Lei nº 167/67, e também Dec. Lei n. 413/69 e Lei n. 6.840/80. Inaugurou-se, então, um novo entendimento quanto aos juros remuneratórios. Para a maioria, a Lei n. 4.595/64 revogou a limitação de juros instituída pela Lei de Usura, entendendo-se que, nesses casos, não havendo insurgência

“O mútuo é empréstimo de consumo, mediante o qual é transferida a outrem coisa móvel, fungível, obrigando-se este a restituir em coisa da mesma espécie, qualidade e quantidade”. (SILVA, Regina Beatriz

Tavares da Silva (Coord.). Código civil comentado. 6ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008. P. 536).

RODRIGUES, Sílvio. Direito civil: dos contratos e das declarações unilaterais da vontade. 22ª ed. São Paulo: Saraiva, 1994. V. 3, p. 256.

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Destaca-se que os contratos de empréstimos financiados pelo Banco Nacional do Desenvolvimento (BNDES) são remunerados de forma diferenciada às instituições financeiras, por regras pré-definidas

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e limitadas pelo próprio BNDES. Lembre-se que as instituições aqui apenas atuam como agentes intermediadores do crédito, subsidiado pelo governo federal, e que há regras específicas de remuneração para Cédulas de Crédito Rural, Industrial e Comercial, e aqueles sob a égide do Sistema Financeiro da Habitação.

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro, V. 2, Teoria Geral das Obrigações, 19ª ed., São Paulo: Saraiva, 2004, p. 390.

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Nos mesmos termos da Lei da Reforma Bancária, a Lei n. 4.829/65 no art. 14, permitiu expressamente o Conselho Monetário Nacional o estabelecimento dos juros para o crédito rural: “Os têrmos, prazos,

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juros e demais condições das operações de crédito rural, sob quaisquer de suas modalidades, serão estabelecidos pelo Conselho Monetário Nacional [...]”.


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