E&M_Edição 43_Novembro 2021 • “A Indústria Está a Mudar ”

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DESENVOLVIMENTO FOCO NO EMPREENDEDORISMO É A ARMA PARA INDUSTRIALIZAR OS PAÍSES POBRES FMI QUAL É O IMPACTO DO APOIO DOS PARCEIROS NA GESTÃO DAS CONTAS PÚBLICAS? INOVAÇÕES DAQUI ÁFRICA REGISTA AUMENTO SEM PRECEDENTES DE COMPRAS POR APLICAÇÕES MÓVEIS

“A INDÚSTRIA ESTÁ A MUDAR” Rogério Samo Gudo, PCA da Associação Industrial de Moçambique, acredita que o País tem políticas apropriadas para acelerar a industrialização, mas lamenta a falta de requisitos tecnológicos

EDIÇÃO NOVEMBRO - DEZEMBRO 15/11 a 15/12 • Ano 04 • Nº 43 2021 • Preço 250MZN

MOÇAMBIQUE

ESPECIAL RENOVÁVEIS FINANCIAMENTO É O MAIOR OBSTÁCULO À TRANSIÇÃO ENERGÉTICA EM ÁFRICA



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69 ÓCIO OBSERVAÇÃO

Guerra na Etiópia A imagem de uma instabilidade que dura há um ano com consequências devastadoras

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OPINIÃO

70 Escape Uma viagem pelo Caribe, nos encantos da República Dominicana 72 Gourmet Ao sabor das comidas de rua típicas de Moçambique 73 Adega Precisará o vinho de se modernizar ou sabe melhor mantendo a tradição? 75 Arte “A Voz do Cárcere”, um retrato sobre os que estão privados de liberdade 76 Ao volante Conheça o CirCular, o automóvel reciclável da BMW

“O crescimento de Moçambique no pós-pandemia”, Bruno Dias, Partner/Business Consulting – EY

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ESPECIAL ENERGIAS RENOVÁVEIS

14 Transição energética FEM e Deloitte concluem que o financiamento continua a ser o maior obstáculo para África 18 Explicador Investimento Climático: o que é, quais as forças que lhe dão ímpeto e por onde começar a implementá-lo? 20 Carvão ecológico Um empreendimento inovador que transforma fragmentos de carvão em energia eficiente e limpa

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Finanças Públicas Esther Palacio, do FMI, diz que ainda é preciso consolidar a gestão do Governo, apesar das melhorias

OPINIÃO

Absa “A corrida para 5G e as implicações para a cadeia de valor da telecomunicação...”, Benson Marlon – Gestor

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NAÇÃO

INDUSTRIALIZAÇÃO 30 Transformação Industriais e economistas defendem determinação na materialização dos programas em vigor 38 Opinião “Localização Industrial: uma ferramenta de Competitividade”, João Gomes, Partner @ JASON Moç. 42 Indústria em África OCDE dá ênfase ao empreendedorismo como resposta ao subdesenvolvimento 46 Entrevista Rogério Samo Gudo é optimista quanto ao PRONAI, mas sugere foco na adopção de novas tecnologias

www.economiaemercado.co.mz | Julho 2020

MERCADO E FINANÇAS

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OPINIÃO

Banco Big Wilson Tomas, do Departamento de Research do Banco Big Moçambique, fala sobre “A Inflação Global”

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ESPECIAL INOVAÇÕES DAQUI

60 Comércio electrónico Pandemia provocou um aumento sem precedentes de compras através de aplicações móveis em África 64 Txapita Uma startup moçambicana desenvolvida para responder ao desafio da mobilidade urbana

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EDITORIAL

O desafio da industrialização com pouco capital

O

Celso Chambisso • Editor da Economia & Mercado processo de industrialização nos países pobres foi, em geral, tardio, dependente do capital estrangeiro e marcado pela presença de empresas multinacionais. Isto terá sido ocasionado por uma concorrência de factores, que vão desde a dominação colonial até aos problemas políticos internos, passando pela influência externa, dependência económica, corrupção, entre outros. Mas porque industrializar é um imperativo para o desenvolvimento socioeconómico, os Estados não têm volta a dar senão criar sinergias para contrariar obstáculos e abrir o caminho para o surgimento e consolidação de projectos industriais competitivos no panorama interno e global. Esta consciência não tem faltado em Moçambique. Basta olhar para a vontade que o actual Governo tem manifestado em relação a este tema, sempre presente nos discursos sobre as estratégias de desenvolvimento. Mas a vontade não se fica apenas por aqui. Recentemente, uma iniciativa presidencial culminou com a aprovação do Programa Nacional de Industrialização, PRONAI, que vem sobrepor-se a outro instrumento ainda em vigor: a Política e Estratégia Industrial, PEI, 2016-2025. Ambos são documentos teoricamente completos, elogiados por especialistas pelas linhas bem definidas sobre o tipo de indústria que Moçambique deve desenvolver. Onde há vantagem competitiva e comparativa. Apesar disso, tanto o PRONAI quanto a PEI apresentam “zonas escuras” sobre como obter capital. Entenda-se por capital não apenas o financeiro, mas também o Humano, dotado de capacidade de pesquisa e de conhecimento em tecnologia para poder acompanhar a aceleração da evolução dos processos de produção industrial na era contemporânea. Com todo o mérito que não se pode negar a ambos os documentos, que expressam o compromisso do Governo com a causa da industrialização, está presente a elevada dependência externa, consubstanciando um dos maiores obstáculos à realização deste sonho. Sonho que também morre nas questões que dificultam a actuação do sector privado, principalmente as elevadas taxas de impostos e de juro do sistema financeiro. Na entrevista com o Presidente do Conselho de Administração da Associação Industrial de Moçambique, AIMO, também ficaram notas dignas de realce. Na radiografia ao sector e nas perpectivas que traça, Rogério Samo Gudo ter-se-á lembrado que o País já hospedou projectos industriais de dimensão internacional (e que morreram por diversas razões). No entanto, entende que aquela conquista teria sido graças ao modelo de economia centralmente planificada, que lhe parece mais ajustada para este propósito do que a economia de mercado. Verdade ou não, o certo é que o País precisa de estudar minuciosamente todas as barreiras que existem para uma intervenção que reduza a grande distância que o separa da industrialização, mesmo considerando o patamar dos países pobres. E ainda bem que o Governo demonstra vontade!

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MÊS ANO • Nº 01 15 NOVEMBRO | 15 DEZEMBRO 2021 • Nº 43 propriedade Executive Mocambique DIRECTOR EXECUTIVO Pedro Liquatis nienis doluptae velit et Cativelos magnis pedro.cativelos@media4development.com enis necatin nam fuga. Henet exceatem EDITOR EXECUTIVO Celso Chambisso seque cus, sum nis nam iu Qui te nullant JORNALISTAS Cármen Cristina adis destiosse iusci re in Rodrigo, prae voles Freire, Elmano Madaíl, sant laborendae nihilibJaime usciusÁlvaro, sinusam Ricardo David Lopes, Rogério Macambize, rehentius eos resti dolumqui dolorep Rui Trindade, Yana deea Almeida reprem vendipid que et eumque non PAGINAÇÃO José Mundundo, Gerson Quive nonsent qui officiasi FOTOGRAFIA Silva lorem ipsumMariano Executive Mocambique REVISÃO Manuela Rodrigues Santos Liquatis nienis doluptae velit etdos magnis ÁREA COMERCIAL Nádia Pene enis necatin nam fuga. Henet exceatem nadia.pene@media4development.com seque cus, sum nis nam iu Qui te nullant CONSELHO adis destiosseCONSULTIVO iusci re in prae voles Alda Salomão, Andreia António sant laborendae nihilibNarigão, uscius sinusam Souto; Bernardo Aparício, Denise Branco, rehentius eos resti dolumqui dolorep Fabríciavendipid de Almeida Frederico reprem queHenriques, ea et eumque non Silva, Hermano Juvane, Iacumba Ali Aiuba, nonsent qui officiasi João Gomes, Narciso nienis Matos,doluptae Rogério Samo lorem ipsum Liquatis Gudo, Cripton Valá, Sérgio velit etSalim magnis enis necatin nam Nicolini fuga. ADMINISTRAÇÃO, REDACÇÃO Henet exceatem seque cus, sum nis nam E PUBLICIDADE Media4Development iu Qui te nullant adis destiosse iusci re in Rua Ângelo Azarias Chichavanihilib nº 311uscius A— prae voles sant laborendae Sommerschield, Maputo – Moçambique; sinusam rehentius eos resti dolumqui marketing@media4development.com dolorep reprem vendipid que ea et IMPRESSÃO E ACABAMENTO eumque non nonsent qui officiasi Minervaipsum Print - Maputo Moçambique lorem Liquatis-nienis doluptae TIRAGEM 4 500 exemplares velit et magnis enis necatin nam fuga. PROPRIEDADE REGISTO Henet exceatem DO seque cus, sum nis nam Executive Moçambique iu Qui te nullant adis destiosse iusci re in EXPLORAÇÃO EDITORIAL E COMERCIAL prae voles sant laborendae nihilib uscius EM MOÇAMBIQUE sinusam rehentius eos resti dolumqui Media4Development dolorep reprem vendipid que ea et NÚMEROnon DEnonsent REGISTO eumque qui officiasi 01/GABINFO-DEPC/2018 lorem ipsum Liquatis nienis doluptae velit et magnis enis necatin nam fuga. Henet exceatem seque cus, sum nis nam iu Qui te nullant adis destiosse iusci re in prae voles sant laborendae nihilib uscius sinusam rehentius eos resti dolumqui dolorep reprem vendipid que ea et eumque non nonsent qui officiasi

www.economiaemercado.co.mz | Abril 2019



OBSERVAÇÃO ETIÓPIA, 2021

GUERRA CIVIL SERÁ DEVASTADORA As forças rebeldes da região do Tigray estão a vencer a guerra que irrompeu há um ano, e ameaçam atacar a capital, tendo, inclusive, obrigado as autoridades a armarem a população e a mantê-la em alerta. Perante a intensificação do conflito nos últimos dias, a subsecretária-geral da ONU para os Assuntos Políticos, Rosemary DiCarlo, alertou para os riscos de a Etiópia entrar numa espiral de guerra civil e para as consequências devastadoras com o agravamento da violência e das crises que afectam a região do Corno de África. Referindo-se à crescente especulação sobre como a crise se pode desenrolar nas próximas semanas, a responsável da ONU observou que, num país de mais de 110 milhões de pessoas, mais de 90 grupos étnicos diferentes e 80 línguas, ninguém tem como prever o que os contínuos combates e insegurança podem trazer. Só no norte do país há mais de sete milhões de pessoas que precisam de ajuda humanitária, contabilizando-se cerca de 400 mil pessoas em Tigray a passarem fome severa. Mas os esforços para mobilizar essa ajuda em Tigray “continuam a ser prejudicados pela incapacidade de enviar dinheiro, combustível e mantimentos para a região”.

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www.economiaemercado.co.mz | Novembro 2021


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RADAR EXPORTAÇÕES NACIONAIS PODEM CRESCER EM MAIS DE 1000 MILHÕES USD EM 2022

Moçambique poderá arrecadar, no próximo ano, mais de 5203 milhões de dólares em exportações de bens e serviços, com destaque para os minerais, produtos pesqueiros e agrícolas. A concretizar-se, este valor vai representar um crescimento de cerca de 1024 milhões de dólares em relação ao volume de exportações projectado para o presente ano, reflectindo, essencialmente, o crescimento dos grandes projectos, em mais de 979 milhões de dólares, graças à recuperação gradual da procura externa e de mercadorias no mercado internacional. Segundo o Plano Económico e Social e Orçamento do Estado para 2022, o início das exportações de Gás Natural Liquefeito (GNL), condensado na Bacia do Rovuma, e a retoma e aumento das exportações dos minerais com grande peso na estrutura, nomeadamente areias pesadas, carvão mineral, rubi, gás natural, ouro e grafite e factores positivos descritos na componente ‘produção’, vão contribuir para que as exportações registem um crescimento significativo comparativamente às projecções de 2021. A construção da plataforma flutuante de produção de Gás Natural Liquefeito (GNL) também entra nestas contas, já que será concluída ainda este ano, seguindo-se o respectivo comissionamento, com o início da produção e exportação a partir de Junho de 2022.

ECONOMIA

Dívida. O ministro das Finanças, Adriano Maleiane, des-

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carta a possibilidade de o País ter de reestruturar a dívida pública devido ao atraso nas explorações de gás natural em Cabo Delgado, dizendo que “não há razões para se antecipar esse cenário”. Em declarações à agência de informação financeira Bloomberg, Adriano Maleiane argumentou que “as assunções macroeconómicas, que sustentaram as renegociações dos títulos de dívida com o comité dos credores, mantêm-se inalteradas, não há razões para

se antecipar esse cenário”. O governante referia-se à renegociação dos títulos obrigacionistas da Empresa Moçambicana de Atum (EMATUM), que foram primeiro convertidos em títulos de dívida pública e, depois, reestruturados no seguimento do incumprimento financeiro em que Moçambique caiu aquando da divulgação do escândalo das dívidas ocultas e, consequente, o corte de financiamento por parte dos doadores internacionais.

presariais para o próximo ano “permaneceram sólidas durante o mês de Outubro”.

Negócios. O aumento das encomendas está a dar um novo fôlego às empresas moçambicanas, de acordo com o índice PMI calculado pelo Standard Bank, que cresceu de 50,4 em Setembro para 52,1 em Outubro, o valor mais alto dos últimos quatro meses. “Os dados do inquérito PMI de Outubro indicam um fortalecimento das condições das empresas na economia moçambicana”, refere a análise do banco. E reitera: “as novas encomendas deram origem a um crescimento renovado da produção e à contratação de um maior número de pessoas”, mas há constrangimentos “na cadeia de fornecimento”, o que tem obrigado a um “prolongamento dos prazos de entrega desde Agosto de 2020”. Por outro lado, “os preços mais elevados das matérias-primas colocaram uma maior pressão nos custos de aquisição das empresas”. Ainda segundo o Standard Bank, as expectativas em-

Estradas. O Governo moçambicano e o Banco Mundial estão em negociações com vista à concessão de um pacote financeiro, na ordem dos 600 milhões de dólares, para a reabilitação de alguns troços críticos da Estrada Nacional Número 1 (EN1), que liga o País do Norte ao Sul. O facto foi tornado público, recentemente pelo Ministro das Obras Públicas e Habitação, João Machatine, no final do VIII Conselho Coordenador do sector que dirige. Na ocasião, o governante anunciou que a primeira fase do Programa Auto-Sustentado de Manutenção de Estradas (PROASME) – alternativa do Executivo para reduzir o défice de fundos no sector de estradas –, ora em curso, permitiu já a manutenção periódica e de rotina de cerca de 1500 quilómetros em todo o País. O programa, executado já em 35%, possibilita, igualmente, triplicar as receitas, sendo que o volume disponível ascende aos 325%.

Infra-estruturas. O Porto de Maputo investiu 70,5 milhões de dólares na construção e modernização dos cais, para elevar a sua capacidade de atracagem e de manuseamento de carga. Para o efeito, estão em curso obras de construção de raiz e modernização dos cais 6, 7, 8 e 9, o que vai permitir que, a partir do próximo ano, o Porto passe a receber navios de grande calado em simultâneo. As intervenções incluem a construção de pavimentos de acesso, defesas, onde os navios encostam ao atracar, linha-férrea e torres de iluminação, uma vez que a infra-estrutura funciona 24 horas, além de redes de serviços.

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Café. Os produtores de café em Moçambique acabam de criar uma associação que tem como foco colocar o País na lista dos grandes produtores de África. Designada AMOCAFE- Associação Moçambicana de Cafeicultores, a estrutura pretende tornar esta cultura num negócio rentável para as famílias moçambicanas, bem como expandi-lo por todo território nacional. “A AMOCAFE nasceu da união das empresas pertencentes à indústria do café e produtores que se dedicam ao seu. Até ao momento, contamos com 11 associados, que estão constantemente à procura de juntar esforços para dinamizar a produção desta cultura de rendimento”, disse Jenaro Lopez, membro da associação.

Desenvolvimento. O Embaixador dos Estados Unidos da América (EUA), Dennis W. Hearne, e uma delegação do Millennium Challenge Corporation (MCC) deslocaram-se, recentemente, à província da Zambézia para discussões com funcionários locais, líderes empresariais e organizações da sociedade civil, sobre as prioridades de investimento segundo o Compacto da MCC para Moçambique. A MCC é uma agência inovadora de assistência externa do Governo dos EUA, concebida para executar programas que reduzam a pobreza nos países em desenvolvimento, e que prevê a alocação de cerca de 500 milhões de dólares por cinco anos. www.economiaemercado.co.mz | Novembro 2021

EXTRACTIVAS Grafite. A empresa australiana de grafite, Triton Minerals, celebrou um acordo para fornecer esta matéria-prima do seu projecto de Ancuabe, província de Cabo Delgado, à empresa chinesa Yichang Xincheng Graphite (YXGC). “O acordo de abastecimento é de até 10 000 toneladas por ano de concentrado da grafite em flocos da fábrica piloto comercial do projecto, durante cinco anos, a um preço mínimo de 1000 dólares por tonelada, com a opção de renovação por 50 000 toneladas durante mais cinco anos”, disse recentemente a Triton. No entanto, ainda não foi anunciado quando será produzida a primeira extracção na unidade. A chinesa Yichang é uma das maiores produtoras mundiais da grafite, com uma vasta gama de outros produtos deste recurso, e é também um fabricante de ânodos (elétrodo através do qual a carga eléctrica positiva flui para o interior de um dispositivo) de bateria. Moçambique é uma das maiores fontes emergentes mundiais de concentrado de grafite. Gás natural. A Exxon Mobil reafirmou o seu interesse em dar continuidade aos projectos de produção e liquefacção do gás natural na área 4 da Bacia do Rovuma. Sem avançar datas, o presidente da multinacional norte-americana garantiu estarem em curso estudos para reduzir o nível de emissão de dióxido de carbono e avaliação das condições para o seu retorno. Liam Mallon, presidente da Exxon Mobil, deixou estas declarações minutos depois da audiência mantida com o Presidente da República.


OPINIÃO

O crescimento de Moçambique no pós-pandemia Bruno Dias • EY Partner | Business Consulting

É

lícito dizer que moçambique se encontra em fase de recuperação após a terceira vaga de casos de covid-19, que atingiu, no seu pico, cerca de 1900 casos diários de infectados. Devido às restrições impostas pelo Governo e às campanhas de vacinação da população, o número de casos diários reduziu para cerca de 50. Os valores da população vacinada são ainda baixos, mas o Governo planeia vacinar 6,4 milhões de pessoas (20 % da população) até Dezembro de 2022. Como se a pandemia não bastasse, foi necessário lidar com outros problemas do passado próximo, como a destruição causada pelos ciclones Idai e Kenneth, a insurgência na Província de Cabo Delgado e a suspensão dos megaprojectos de gás natural. É caso para dizer… que mais irá acontecer? De facto, a economia moçambicana foi afectada significativamente em 2020 devido ao impacto da pandemia, instabilidade política e desastres naturais e contraiu pela primeira vez desde 1992. Adicionalmente, entre Março de 2020 e Janeiro de 2021 houve grandes oscilações de câmbio em relação ao USD. O Governo de Moçambique tomou várias medidas sociais para conter o impacto da pandemia, como a redução do número de pessoas em ajuntamentos, a redução de horários de funcionamento e o recolher obrigatório. Contudo, aqui, como a nível Global, estas medidas de mitigação têm levado a custos e perdas económicas significativas. Um estudo recente da CTA indica, sem surpresas, que o sector da Hotelaria e Turismo foi o mais afectado, tendo registado uma retracção do nível de actividade em mais de 75%. O nível de actividade empresarial reduziu em cerca de 65% no primeiro semestre de 2020 e contribuiu para a redução do rendimento dos agregados familiares, particularmente ao nível das zonas rurais. Como sabemos, foram implementadas um conjunto de medidas fiscais e de política monetária ou financeira com o

objectivo de minimizar este impacto. São de destacar as isenções fiscais temporárias e direccionadas para apoiar as famílias e o sector da saúde, a disponibilização de uma Linha de Crédito para os bancos (US$ 500 M), por um período de nove meses, e a abertura no BNI de uma linha de crédito à tesouraria e investimentos para as Micro, Pequenas e Médias Empresas. Estas medidas foram as possíveis e são de louvar, mas constituem um paliativo face ao impacto previamente referido. Moçambique joga um campeonato diferente quando comparado com economias desenvolvidas, que injectaram muita liquidez através de vários pacotes de estímulos económicos e pagamentos directos aos indivíduos. A título de exemplo, o Governo dos EUA aprovou três fases de financiamento de emergência para combater o coronavírus e os seus impactos. A primeira fase totalizou US$ 8,3 Mil M, a maioria dos quais foram para suprimentos médicos e P&D, mas US$ 1,25 Mil M foram para medidas de estabilização económica, como empréstimos para pequenas empresas. A segunda fase totalizou US$ 100 Mil M e destinou-se ao financiamento de licenças remuneradas obrigatórias, programas de assistência alimentar e pagamentos relacionados com desemprego. A terceira fase totalizou US$ 2,2B e incluiu pagamentos directos de até $ 1200 a indivíduos, aumento dos benefícios de desemprego, US$ 350 Mil M em empréstimos para pequenas empresas e U$ 500 Mil M em fundos de empréstimo para apoiar grandes empresas ($ 25 Mil M para companhias aéreas). Estamos a falar de uma resposta de outra capacidade e magnitude (!)… mas não desesperemos. Existem alguns factos que contribuem para um panorama económico de melhoria para Moçambique e que nos devem manter optimistas. Se não vejamos: No contexto interno, a situação em Cabo Delgado parece estar mais controlada e já se começa a falar da retoma

Em primeiro lugar, a vacinação da população é chave para a retoma “do normal” e as empresas conseguirem atingir o volume de receitas pré-pandemia. Este facto terá de ser garantido por via de financiamento público, privado, cooperações, multilaterais, etc.

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Com o controlo do conflito em Cabo Delgado, renasce a esperança da retoma dos projectos de gás

dos megaprojectos de Oil & Gas. Houve recentemente uma visita a Moçambique de elementos da gestão de topo da Exxon, que reafirmaram o empenho no projecto. É também de salientar que Moçambique aprovou, no primeiro semestre de 2021, um total de investimentos no valor de US$ 753 milhões destacando-se o sector da Energia. No contexto externo, é notório que economias fortes mostram sinais de recuperação e de volta “ao normal”. Isto é relevante para Moçambique no contexto da balança de exportações e tendo em conta que é fortemente dependente de doações e fluxos de capitais de investimentos estrangeiros. Mas há muitos riscos e diversos factores a ter em conta para garantir o crescimento da economia. Em primeiro lugar, a vacinação da população é a chave para a retoma “do normal” e as empresas conseguirem atingir o volume de receitas pré-pandemia. Este facto terá de ser garantido por via de financiamento público, privado, cooperações, multilaterais, etc. Em segundo lugar, aumentar o consumo interno é de importância capital no curto prazo e pode ser dinamizado com subsídios ou medidas de fomento ao emprego e programas de protecção social que garantam assistência www.economiaemercado.co.mz | Novembro 2021

alimentar e apoios ao tecido informal, que é altamente relevante na economia. Em terceiro lugar, é fundamental diversificar a economia e diminuir a dependência do actual modelo de crescimento assente nos megaprojectos e continuar a senda da melhoria das infra-estruturas e do tecido primário. E, por último, é prioritário garantir sustentabilidade fiscal que será apenas possível com esforços de eficiência da mobilização de receitas e aumento da eficiência na despesa pública. Eu, como “Jazz Lover”, lembro-me sempre, a propósito destes temas, de um clássico – o “Pick yourself up” - cujo refrão tem a receita necessária: “Pick yourself up, dust yourself off and start all over again”. Vale a pena ouvir a versão da Ella Fitzgerald que tem um swing bem-disposto e o beat que é necessário neste contexto. É esta a mensagem de optimismo que gostaria que prevalecesse. É um facto que Moçambique tem tido, nas últimas décadas, vários ciclos de aparente crescimento forte que foram interrompidos, e que este passado recente foi complexo e desafiante, mas como a maioria dos gestores sabem, e particularmente os mais empreendedores, os ciclos económicos são isto mesmo e a resiliência é chave.

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Especial Energias Renováveis 14

TRANSIÇÃO ENERGÉTICA

África não será capaz de materializar as suas estratégias de adopção de energias limpas sem apoio financeiro. Esta conclusão do relatório conjunto da Deloitte e Fórum Económico Mundial levanta sério debate sobre o futuro do continente

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EXPLICADOR

O ABC do investimento climático, o papel do investidor

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CARVÃO ECOLÓGICO

Como transformar fragmentos residuais em energia limpa

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PANORAMA

As notícias sobre energias renováveis no País e lá fora


transição energética

“Financiamento é o Grande Obstáculo ao Futuro Verde” No relatório “Financing the Future of Energy” for Africa, elaborado pela consultora Deloitte e o Fórum Económico Mundial, descreve-se o cenário do sector energético em África e as opções de financiamento no contexto do esforço global para reduzir as emissões de carbono. À E&M, Mário Fernandes, partner da Deloitte Africa, fala sobre as grandes conclusões do relatório TEXTO Luís Ribeiro • FOTOGRAFIA Istock Photo

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enquanto ainda se debatem os grandes passos (ou não) que o mundo deu na cimeira COP26, a realidade do dia-a-dia não abranda, especialmente num continente como o africano. Se, por um lado, muitos países têm nas receitas de petróleo, gás ou carvão importantes fatias da sua criação de riqueza anual, por outro, continua a ser o continente com menos produção de energia e, ao mesmo tempo, aquele em que o financiamento para a transição é mais decisivo. A contribuição de África para as emissões de gases com efeito de estufa provenientes de combustíveis fósseis é significativamente menor em relação às de outros continentes, e há ainda um enorme potencial para acelerar a transição

é preciso alavancar o que existe, criando ao mesmo tempo um ambiente favorável ao sector privado através de um Mecanismo de Investimento em Energias Renováveis”, explica Mário Fernandes, Africa Power Utilities and Renewables Leader, na Deloitte.

Moçambique no caminho

Há, por esta altura, um conjunto de investimentos recentemente anunciados em Moçambique na área da energia, na energia hidroeléctrica, o projecto Mphanda Nkuwa com 1500 MW, ou extensão da Central Hidroeléctrica de Cahora Bassa com 1.245 MW. Ao nível solar, a unidade de PV Cuamba Solar (Niassa), que combinará 19MWp (15MWac) de PV solar com 2MW / 7MWh de armaze-

Em África, é preciso criar um ambiente favorável ao sector privado através de um Mecanismo de Investimento em Energias Renováveis para um futuro de emissões net-zero. Actualmente, metade do continente vive sem acesso adequado à electricidade e, com o aumento da procura de energia, o fosso energético poderia ser colmatado através de alternativas de energia limpa, especialmente se as soluções certas de financiamento forem utilizadas o quanto antes. É esta, de resto, a principal conclusão do relatório “Financing the Future of Energy for Africa”, elaborado pela consultora Deloitte e Fórum Económico Mundial. “O financiamento será o maior obstáculo para assegurar a transição sustentável de África para as energias renováveis em larga escala. Há muitas soluções de financiamento disponíveis. Em África

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namento de energia de bateria, naquele que é o primeiro IPP em Moçambique a integrar armazenamento de energia em escala de utilidade com uma unidade solar, numa construção iniciada em Junho/2021. Depois, há o projecto de energia solar Dondo, na província de Sofala, de 40MW, que está a ser desenvolvido através do Proler, mas que ainda está numa fase inicial.Na eólica, o projecto de energia eólica de 60MW em Namaacha e de gás, com a central Térmica de Temane de 450MW, associada à construção da Linha de Transmissão de 400kV entre Temane e Maputo, e para a qual, em Maio deste ano, foram assinados os acordos que tornam o projecto viável; www.economiaemercado.co.mz | Novembro 2021


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E já se sabe que durante a próxima década, Moçambique deverá tornar-se um grande exportador de gás natural liquefeito (GNL), devido à descoberta de mais de 180 TCF de reservas de gás natural na bacia de Rovuma, no norte do País. No entanto, se o cenário macro parece trazer bons motivos ao nível da produção energética não poluente, há ainda questões por responder. “As recentes perspectivas prevêem agora uma queda do peso do gás natural no futuro cabaz energético mundial, num cenário net-zero. Significa que o gás terá de se descarbonizar para emparelhar ou competir com outros combustíveis mais limpos. Com um potencial solar significativo (aproximadamente 2,7 GW), a integração solar na infra-estrutura de fornecimento de gás existente pode posicionar o gás de Moçambique como uma opção de energia limpa.”

Contexto global

Do consumo total de energia final em África, apenas 7,8% provém de fontes renováveis modernas. Claro que as economias mais avançadas têm a maior percentagem de energias renováveis no seu consumo total de energia final em 12,7%. No entanto, é importante notar que a taxa de acesso à energia em África é extremamente baixa em comparação com economias mais avançadas do mundo. “Para além da África do Sul, vários países africanos pretendem lidar com o acesso à energia através de fontes de energia limpas, dada a riqueza das fontes de energia renováveis existente na região.” Os projectos globais mostram que a percentagem de energias renováveis no cabaz energético aumentará entre 18% e 25% até 2030. “Em África, a escala a que a electricidade renovável é utilizada está sujeita à forma como as políticas, os investimentos e o acesso directo ao apoio aos transportes, à indústria e a outros sectores económicos críticos são moldados para aumentar o acesso energético em áreas não elegíveis.” Um dos principais obstáculos à energia limpa são os custos elevados e o baixo nível de maturidade das tecnologias de armazenamento de energia em grande escala, tal como observado na recente crise energética, o que levou os preços a níveis incomportáveis. “Ficou provado que um melhor acesso à energia ajuda a erradicar a pobreza e as soluções energéticas limpas proporcionam oportunidades para os progressos económicos na região. Qualquer transição na região tem

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de ser feita de forma equitativa, a fim de garantir que os preços são adequados e acessíveis às pessoas. Isto necessitará de uma migração constante e de soluções híbridas.” Esse caminho pode exigir, por exemplo, a utilização de recursos já existentes, como o gás e a introdução de derrogações e subsídios para apoiar a implementação em escala de soluções de energia limpa, como as tecnologias de armazenamento de energia. Num cenário pós-pandemia, é agora mais importante do que nunca re-priorizar finanças e investimentos para soluções de energia limpa. “Colmatar as lacunas exigirá a avaliação de pacotes de estímulos, políticas que apoiem uma economia resiliente e criem emprego”, explica Mário Fernandes.

A questão do financiamento

O financiamento é decisivo na corrida à energia limpa, especialmente em África, que ainda fica aquém das necessidades. O estudo aponta a existência de 150 mil milhões em fundos, face à necessidade que é de um bilião, ou seja, só estão garantidos pouco mais de 15% do total necessário para que a corrida verde não se torne numa maratona sem fim à vista. Mas como é que se dá este salto gigantesco? “África precisa de alavancar o que já existe e criar um ambiente estruturado, que permita que o sector privado prospere no investimento em energias renováveis. Assistimos a uma abordagem coordenada como a Renewables Energy Investment Facility (REIF), que apoia os países na aceleração dos seus esforços www.economiaemercado.co.mz | Novembro 2021


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“Qualquer transição na região tem de ser feita de forma equitativa, a fim de garantir que os preços são adequados e acessíveis às pessoas”

no sentido de financiar soluções para as energias renováveis, mas ainda há desafios, tais como: a capacidade dos governos de implementar políticas que permitam facilitar a realização de negócios; acelerar o desenvolvimento de infra-estruturas que suportam o acesso energético; perceber se os governos estão dispostos a evitar os subsídios associados à exploração de hidrocarbonetos ou se pode redireccioná-los para as rewww.economiaemercado.co.mz | Novembro 2021

nováveis; ou como atrair investidores e garantir retornos garantidos e quão rapidamente os países podem avançar para tarifas de custos ideais, que permitam às instituições de energia ter um bom desempenho e apoiar outros investimentos para o acesso à energia.”. E se, em África, os desafios são ainda imensos, em Moçambique o cenário não muda muito. O País é rico em recursos energéticos renováveis (hídricos, sola-

res e outros) e não renováveis (gás e carvão) com potencial para gerar 187 GW de electricidade e tornar-se um centro regional de energia. No entanto, a exploração de recursos energéticos para uso doméstico em Moçambique continua limitada e distribuída de forma desigual. De igual modo, o acesso energético fiável e sustentável (particularmente nas zonas rurais) continua a ser relativamente baixo em comparação com os países vizinhos, como a Tanzânia, o Zimbabué ou a Zâmbia, o que aumenta efectivamente a procura. “O País precisa de criar a infra-estrutura de capacitação para atrair promotores privados e operadores de energia renovável e desenvolver as competências adequadas para apoiar e operar esta nova tecnologia associada às renováveis.”

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explicador

Investimento Climático: O que é e Por Onde Começar? Em todas as questões de sustentabilidade, 88% dos investidores globais classificam o ambiente como a prioridade número um, quase dois terços das pessoas em 50 países acreditam que as alterações climáticas são uma emergência global e os investidores estão claramente a reconhecer a urgência das alterações climáticas e a necessidade de estratégias de investimento relacionadas com essa grande questão. Neste gráfico da iShares da BlackRock, percebe-se melhor o que é investimento climático, as forças que lhe dão ímpeto e como

O QUE ESTÁ A ACELERAR O INVESTIMENTO CLIMÁTICO?

os investidores podem começar a implementá-lo nas suas próprias carteiras. O investimento climático envolve a selecção de estratégias sustentáveis onde os riscos e/ou oportunidades climáticas são considerações chave. Isto ajuda os investidores a alinharem as suas carteiras com a transição para uma economia de baixo carbono. Há uma série de forças estruturais que, mesmo que a longo prazo, estão a fazer acelerar a mudança para o investimento climático.

Inovações em energias limpas As energias renováveis estão a ficar mais baratas, com os custos de produção da tecnologia solar fotovoltaica a cair 89% entre 2009 e 2019.

Danos climáticos extremos

Só em 2020, os danos causados por catástrofes naturais atingiram 210 mil milhões de dólares - o montante mais elevado jamais registado. Média ajustada à inflação

A regulação climática global

134 países fizeram acordos de neutralidade de carbono

Sentimento favorável do investidor

Em debate político Legislação proposta Em debate

Legislado

Realizado

COMO ESTÁ ISTO A IMPACTAR O COMPORTAMENTO DAS EMPRESAS? Número de empresas a encarar a situação como prioritária na sua actuação duplicou nos últimos cinco anos.

O crescimento das decisões sobre alterações climáticas Número de empresas

Quase dois terços das pessoas em 50 países acreditam que as alterações climáticas são uma emergência global.

COMO PODEM OS INVESTIDORES NAVEGAR NESTA TRANSIÇÃO RÁPIDA COM ETFS? Novos produtos com considerações climáticas estão a ajudar os investidores com a transição e um veículo amplamente disponível é o Exchange Traded Funds (ETFs). De facto, as entradas anuais em ETFs globais sustentáveis têm crescido substancialmente e, face a 2016, são hoje 63 vezes mais elevadas.

Fluxos de entrada anuais nos ETF’s sustentáveis

Fonte: iShares by BlackRock, Visual Capitalist

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ranking

renováveis

Carvão Não Poluente e Eficiente. Não, Não é Só Fumaça A sua produção é feita de pequenos fragmentos de carvão ou de lenha. Tem a vantagem de emitir pouca fumaça, não se quebra facilmente e fornece energia duradoura TEXTO Hermegildo Langa • FOTOGRAFIA Ailton Panguana

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ais de 80% dos cerca de 29 milhões de moçambicanos utiliza lenha ou carvão vegetal para as suas necessidades energéticas domésticas, de acordo com dados da Biofund. O fenómeno, que é ocasionado pelo elevado índice de pobreza (baixa cobertura pela rede eléctrica e fraco poder de compra para a aquisição de outros meios como o gás), acaba por resultar na rápida degradação do ambiente. Exemplo disso, a estimativa do Ministério da Terra, Ambiente e Desenvolvimento Rural que aponta para um nível de desflorestamento superior a 267 mil hectares por ano, principalmente devido à busca de energia. Mas, felizmente, a ciên-

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cia tem evoluído rapidamente no sentido de transformar os desafios em oportunidades, e já existem várias técnicas para um aproveitamento eficiente destes recursos e para a geração de renda. É o caso do jovem empreendedor Arlindo Macheque, que decidiu criar o projecto de produção de briquetes de carvão vegetal como forma de trazer para o mercado uma solução sustentável de utilização deste recurso. Segundo o jovem, os briquetes de carvão vegetal são feitos com base no material desperdiçado de fragmentos minúsculos, que se juntam a uma cola feita de farinha de trigo e submetidos a uma máquina que tem uma forma própria, até dar origem ao combustível, que não só emite pouca fu-

maça em comparação com o carvão original, como quebra com muita dificuldade e leva, no mínimo, duas horas para se desgastar por completo quando aquecido. Com um mercado de quase 25 milhões de utilizadores, é um negócio que não passaria despercebido a qualquer investidor. “A ideia deste negócio surgiu em 2018 depois de ter visto um projecto semelhante no jornal (a EcoCarvão, empresa nacional que produz um tipo de carvão feito à base de resíduos de coco). A partir daí comecei a investigar e descobri que há países que já fazem isto há muito tempo, por exemplo, no Brasil ou no Quénia, onde a actividade já é industrial. E foi com base nessas investigações que percebi que podia construir um produto www.economiaemercado.co.mz | Novembro 2021


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PRODUTO Briquetes de carvão vegetal ANO DE CRIAÇÃO 2018 FUNDADOR Arlindo Macheque COLABORADORES 4 VENDAS 1200 MT/dia

similar, mas totalmente nacional. E comecei a criar estes briquetes de carvão vegetal”, conta Arlindo Macheque, proprietário do projecto. Enquanto muitos jovens, que decidem abraçar o empreendedorismo em áreas ambientalmente viáveis, se deparam com dificuldades próprias do mercado, nomeadamente a questão da rentabilidade, para Machaque a realidade é bem diferente “Penso que, tratando-se de um projecto sustentável, de energias limpas, este negócio é promissor e o que falta, agora, é massificá-lo e fazer um trabalho de marketing para que se torne conhecido e reconhecido no mercado”, revela o produtor. E os primeiros números comprovam a sua ideia: “Só de Agosto do presente ano a eswww.economiaemercado.co.mz | Novembro 2021

ta parte, já vendi mais de duas toneladas de briquetes de carvão, sendo que, por dia, temos uma média de venda de dez embalagens”, revela, acrescentando que “o principal mercado de venda, até agora, são as cidades de Maputo e da Matola, mas já tivemos algumas pessoas da cidade de Xai-Xai, província de Gaza, que vieram comprar os nossos produtos”. O empreendedor tem como clientes pessoas de todas classes sociais, pois procuram estes produtos para utilizar nos seus convívios, visto que este carvão leva mais tempo a arder comparado com outro tipo de carvão vegetal. No entanto, há outro tipo de clientes que vem manifestando cada vez maior interesse nos briquetes. “Devido à pouca fu-

maça que este carvão provoca, actualmente tem sido muito solicitado pelos criadores de frangos, pois no Inverno eles usam os briquetes para aquecer os pintos”, revela. Actualmente, uma embalagem contendo 4kg de briquetes de carvão é vendida por 120 meticais, um preço que, segundo o gestor, foi estipulado no início do negócio. Por ser ainda novo no mercado, o empreendedor conta com apenas três trabalhadores para a produção dos briquetes. Quanto ao futuro, a expectativa é feita à dimensão dos sonhos de qualquer jovem empreendedor — tornar-se grande, num sector em que a escala e o potencial de crescimento é tão urgente quanto assinalável.

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panorama

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Transição Energética

Portugal quer ajudar Moçambique na transição para uso de fontes de energia limpa Portugal manifestou disponibilidade em ajudar Moçambique na transição para o uso de fontes de energias limpas. O Ministro do Ambiente e da Acção Climática de Portugal anunciou o facto durante uma aula aberta organizada pela Universidade Pedagógica de Maputo. José Pedro Matos Fernandes disse que a ajuda de Portugal estará virada para a definição de critérios na aplicação do fun-

do verde para a transição energética. Importa recordar que Moçambique já conta com promessas de apoio de vários países. Em Maio deste ano, por exemplo, Gerry Grimstone, Ministro do Investimento no Departamento de Comércio Internacional do Reino Unido, manifestou a disponibilidade do seu país para ajudar Moçambique no desenvolvimento de energias limpas.

Renováveis

ENI quer produzir biocombustíveis em Moçambique Ambiente

Governo busca apoios para garantir transição energética sustentável Moçambique necessita de apoios em recursos financeiros e materiais para permitir uma eficiente transição energética rumo à estabilidade ambiental e cumprimento dos Objectivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Esta posição foi assumida em Glasgow, na Escócia, pelo Vice-ministro dos Negócios Estrangeiros e Cooperação, Manuel Gonçalves, falando a jornalistas nacionais por ocasião da 26ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP-26). A delegação moçambicana nesta conferência foi chefiada pelo Primeiro-Ministro, Carlos Agostinho do Rosário, em representação do Chefe do Estado, Filipe Nyusi. Aliás, o próprio Primeiro-Ministro já tinha tinha manifestado posição similar dias antes, na sua interveção oficial no encontro. Segundo Manuel Gonçalves, o País vai defender uma transição energética gradual para evitar um colapso das economias de países emergentes, com efeitos no tecido social, caso, até 2050, se veja na contingência de parar a exploração de recursos naturais, como o carvão e o gás. “Nós precisamos de ser apoiados nesse processo de transição energética, pelo impacto económico que vai representar, caso se determine a eliminação imediata da exploração dos recursos naturais”, defendeu.

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A multinacional italiana anunciou, recentemente, que está a estudar a possibilidade de produzir biocombustíveis com base em plantas para o abastecimento do mercado interno.

O cultivo das referidas plantas, segundo a administrador delegado da ENI, Claudio Descalzi, “será feito em terras marginais e não vai pôr em risco a agricultura de subsistência”. “Discutimos diversos projectos de âmbito agrícola, como o cultivo de plantas como ‘Mamona’ (ou vulgo ricino), que podem ser usadas como produção para biocombustíveis”, disse. “Moçambique tem um grande potencial nesse âmbito e este projecto pode trazer benefícios em termos de geração de emprego”, disse o administrador delegado da multinacional italiana. O responsável falava por ocasião do encontro que manteve, recentemente, com o Presidente da República, Filipe Nyusi, acompanhado pelo Ministro dos Recursos Minerais e Energia, Max Tonela. Nesse encontro, Descalzi também confirmou o início da exploração do gás natural na unidade flutuante do Coral Sul já no primeiro semestre do próximo ano.

Investimento

Banca nacional manifesta interesse em financiar projectos na área das renováveis A garantia foi dada durante um evento da Associação Lusófona de Energias Renováveis (ALER) sobre o “Papel dos Bancos Nacionais no Financiamento do Sector das Energias Renováveis”, que decorreu em Maputo, em Outubro, em formato virtual. Durante a sessão, foi realçada a importância de garantir um enquadramento regulatório favorável da formação tanto aos bancos como aos beneficiários do crédito e da disponibilização de informação de mercado. O evento contou com presença de um painel formado por

um membro da GET.invest Moçambique (programa europeu para mobilização de investimentos para projectos descentralizados de energias renováveis), um membro do Ministério da Indústria e Comércio e Energias de Cabo-Verde e representantes dos diferentes bancos comerciais nacionais para, juntos, debaterem o financiamento a projectos renováveis, as oportunidades e tendências do sector de energia renovável, e também a divulgação de iniciativas que têm vindo a ser desenvolvidas nos países falantes de língua portuguesa. www.economiaemercado.co.mz | Novembro 2021


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OPINIÃO

A corrida para o 5G e as implicações nas telecomunicações e o conteúdo local

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Benson Marlon Nhambire

• Gestor da Banca de Cadeia de Valores e Conteúdo Local no Absa Bank Moçambique

ão faz muito tempo que Moçambique recebeu a tecnologia LTE e já está a conversar sobre a possível implementação da 5G. Esta tecnologia representa um salto para a indústria e promete a transferência de dados em velocidades outrora impensáveis, que contribuirão para o rápido desenvolvimento da Web 3.0, que, por si também, já é um grande tema de debate, considerando que um dos maiores objectivos da mesma é o da descentralização de vários segmentos do mercado através da tecnologia bockchain. Estes novos avanços na indústria irão traduzir-se em oportunidades significativas na cadeia de valor, considerando as actualizações necessárias para a infra-estrutura. Moçambique é um país bem representado no que respeita à indústria de telecomunicações, onde, hoje em dia, conta com três grandes empresas que cobrem o País de Rovuma a Maputo, que oferecem diversos serviços, como voz, dados e carteiras móveis. Hoje, a distribuição da quota de mercado para esta indústria: a Vodacom com 49%, a Movitel com 28% e, por último, a Tmcel com uma quota de mercado de 23%. Esta indústria factura, anualmente, quase 30 mil milhões de meticais e apresenta um gasto com procurement anual aproximado de 15 mil milhões de meticais. Apesar de este número ser bastante apetitoso, não é tão linear pois, infelizmente, mais de 70% das oportunidades contratuais não são alocadas às empresas Moçambicanas. As dificuldades de acesso das empresas Moçambicanas a esta indústria É de extrema importância salientar que, na maioria das vezes, as empresas multinacionais detêm políticas internas de procurement centralizadas, o que ajuda nas negociações de preços, tendo em conta o volume de serviços quando o contratante apresenta várias jurisdições no continente ou no mudo. Contudo, nos dias de hoje, estas políticas não têm grande impacto na decisão final, tendo em conta que a maioria das empresas multinacionais tem,

nas suas políticas, um ênfase bastante grande no apoio ao conteúdo local e, consequentemente, apresentam políticas de procuremet preferencial, visando apoiar o crescimento das empresas/fornecedores locais, com o intuito de garantir um desenvolvimento económico nas comunidades onde operam. Apesar da implementação destas políticas, a penetração de empresas locais nestas cadeias de valor ainda é reduzida, muito devido às suas capacidades de qualificação. A qualificação continua a ser um dos maiores problemas para as Pequenas e Médias Empresas (PME) Moçambicanas, que poderemos dividir aqui em duas classes: por um lado, a certificação e, por outro, a capacidade de execução. Este tema tem sido debatido em vários painéis até de outros sectores, como o do petróleo e gás, mas o mesmo precisa ser abordado em mais fóruns, pois é um tema transversal a todas as PME da maioria das indústrias no mercado. A Certificação Para esta indústria, em particular, existem vários tipos de certificações essenciais que habilitam as PME Moçambicanas a poderem participar, tais como: a gestão de ambiente (ISO 14001:2004, ISO 14004:2004, ISO 5001), saúde e segurança (ISO 22000, IWA 1:2005, ISO 9001:2000), transporte (ISO/TS 16949, ISO/PAS 30003:2008) e, por fim, a família ISSO 31000 para questões de gestão de risco. Vamos-nos focar apenas nas mais importantes: (i) Saúde e segurança ISSO 9001:2000 - Ajuda a regular a gestãoda qualidade na indústria de dispositivos médicos. Em particular, fornece recomendações e regras para empresas, que são necessárias para a melhoria, criação e estabelecimento desses dispositivos. O padrão também considera o monitoramento constante dentro da indústria. (ii) Gestão do Ambiente ISSO 14001:2004 - Este padrão é a base para o aprimoramento de uma estrutura de gestão ambiental (SGA). Um EMS (Environmental Management Systems) é um arranjo de regras e métodos criados por uma associação para garantir a consistência. Um EMS beneficia

A qualificação continua a ser um dos maiores problemas para as PME Moçambicanas, que podemos dividir aqui em duas classes, nomeadamente a certificação e a capacidade de execução

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O desenvolvimento das telecomunicações representa uma importante oportunidade para o crescimento das PME

uma associação, expandindo a consciência ecológica e examinando abordagens para diminuir os seus gastos. (iii) Transporte ISO/TS 16949 - Audita todos os territórios da rede de abastecimento da indústria automotiva. Ele concentra-se em faixas de monitoramento, treinamento, investigação e actualizações dentro da indústria. A norma também se concentra em cursos para os fornecedores, a fim de diminuir os seus gastos e aumentar a proficiência. ISO/PAS 30003:2008 - É preciso ter em conta questões específicas dentro dos transportes e da tecnologia marítima. Também se concentra em regiões, por exemplo, na gestão de reciclagem de navios e outros materiais, que podem ter potenciais impactos ambientais. Também aborda questões específicas da indústria como, por exemplo, emissão de amianto e outros materiais perigosos. Apesar de tudo, o nosso país já dispõe de várias empresas que se especializam em preparar as PME para a certificação através do INNOQ ou outras entidades responsáveis. O Absa Bank Moçambique também criou parcerias com diversas entidades com o objectivo não só de permitir a certificação, mas também de reduzir o custo associado à preparação das PME Moçambicanas para a certificação. A capacidade de execução A capacidade de execução, por sua vez, desdobra-se em dois tópicos importantes: conhecimento técnico da indústria e estrutura de capital para execução. (i) Conhecimento técnico da indústria - na maioria das vezes rapidez é inimiga da qualidade e muitas PME apressam-se em submeter as suas aplicações para participarem em concursos, quer para novas indústrias, quer para indústrias existentes sem ao menos entenderem a operabilidade da mesma. www.economiaemercado.co.mz | Novembro 2021

Em algumas situações, onde o contratante não faz o devido due-deligence, dando preferência ao preço e à rapidez da PME em executar, faz com que, muitas vezes, as chances do contratado ser executado com um serviço de excelência serem reduzidas, o que, no curto prazo, representa uma redução na seleccção de contratação de PME Moçambicanas. (ii) Estrutura de capital – sob o risco de perder oportunidades no mercado, várias empresas Moçambicanas prestadoras de serviços em diferentes cadeias de valor não são claras com o seu contratante sobre a sua real capacidade financeira, o que afecta na qualidade de entrega do produto ou serviço. Este é um problema que também afecta muito a indústria de telecomunicações, uma vez que os fornecedores locais não detêm uma estrutura de capital robusta para executar os trabalhos exigidos pelos seus contratantes. O apoio à estrutura de capitais para PME poderá passar por várias formas, tais como: financiamento por bancos, parcerias com empresas com capital (joint ventures) ou adiantamento parcelado por parte do contratante. Recordo-me que, num artigo similar, a Economia & Mercado publicou, em detalhe, os diferentes métodos a que se pode recorrer para financiar as PME nas diferentes cadeias de valor, com enfoque especial na oferta em vigor no Absa Bank Mozambique. Em nota de conclusão, é notável a necessidade de mais programas subsidiados por diferentes entidades, sejam elas o Governo, ONGs, Bancos e Empresas Corporativas, para capacitar as PME com vista a que estas estejam actualizadas com os requisitos globais de procurement, impulsionando, deste modo, a sua penetração nas grandes cadeias de valor das indústrias que dominam o mercado.

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NÚMEROS EM CONTAA QUEM GANHA A CORRIDA DOS VEÍCULOS ELÉCTRICOS? A Tesla tem reinado supremo entre as empresas de carros eléctricos, desde que lançou o Roadster pela primeira vez em 2008. A empresa sediada na Califórnia, liderada por Elon Musk, terminou o ano de 2020 com 23% do mercado dos veículos eléctricos (VE) e tornou-se, recentemente, no primeiro fabricante de automóveis a atingir uma capitalização de mercado de 1 bilião de dólares. No entanto, concorrentes como a Volkswagen esperam acelerar os seus próprios esforços de VE para desalojar a empresa de Musk como fabricante dominante de um mercado em ascensão. Este gráfico, baseado em dados de EV Volumes, compara as posições actuais da Tesla e de outros fabricantes de automóveis de topo - de uma perspectiva totalmente eléctrica - e fornece projecções de quotas de mercado para 2025.

A Tesla planeia abrir a sua própria exploração de lítio no Nevada, nos EUA, para assegurar matéria-prima para as suas baterias. A VW planeia construir seis fábricas de baterias na Europa até 2030 e investir em estações de abastecimento de energia nas estradas.

MERCADO DOS VE 2020-2025 QUOTA DE MERCADO EM 2020

VENDAS 2020

QUOTA DE MERCADO EM 2025 (PROJECÇÃO)

VENDAS 2025 (PROJECÇÕES) FONTE VE Volumes, Visual Capitalist, Yahoo Finance.

VE PODEM ULTRAPASSAR CARROS A GÁS EM 2040 Carros eléctricos a bateria Carros movidos a combustão

CARREGAMENTO DOS VE

O mercado da infraestruturas de carregamento poderá ultrapassar os 46 mil milhões de dólares já em 2025.

FONTE Global Markets Insights

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NAÇÃO


O EMPURRÃO QUE FALTA PARA A INDUSTRIALIZAÇÃO Historicamente, três problemas centrais têm sido colocados no âmbito dos programas de industrialização em Moçambique: como financiar, implementar e relacionar os projectos com a economia real. Mas há muitas outras questões que entram nesta matriz, com destaque para o alcance da competitividade, aprimorada pela capacidade de pesquisa e inovação. Actualmente, uma iniciativa presidencial vem devolver o debate sobre como o País pode, de facto, ultrapassar todas estas barreiras e tornar-se industrializado Texto Celso Chambisso • Fotografia D.R

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NAÇÃO

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ara bom começo, é importante lembrar que falar de industrialização ou da indústria transformadora em Moçambique não é a mesma coisa que abordar o mesmo tema nos países onde o processo começou logo após a primeira Revolução Industrial no Séc.XVIII – com epicentro na Inglaterra –, e que hoje estão ao nível de projectos industriais muito mais evoluídos do ponto de vista de utilidade e sofisticação tecnológica. Ao contrário disso, por ser um país pobre e jovem, Moçambique tem processos relativamente primitivos e atrasados de industrialização, mas que nem por isso deixam de ser importantes para o crescimento económico sustentado e inclusivo, podendo elevar a produtividade e o emprego. Assim, devido às características da sua muito pequena estrutura de produção, o sector industrial moçambicanodesde cedo que se concentra em sectores relacionados com a agricultura. Segundo um estudo do economista Carlos Nuno Castel-Branco, logo após a independência, em 1975, 67% da produção da indústria transformadora provinha de três ramos da indústria ligeira, nomeadamente alimentos, bebidas e tabaco (54%); têxteis, vestuário e couro (7%);

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e madeira e mobiliário (6%). Nessa altura, todos estes ramos eram altamente importadores de matéria-prima, sem contar que 80% da mão-de-obra na indústria transformadora era analfabeta e 85% não qualificada, o que constituiu, desde cedo, um sério obstáculo à modernização e desenvolvimento do sector e à melhoria rápida da gestão, produtividade e disciplina laboral. “Ou seja, no seu conjunto, a indústria transformadora não contribuía para a captação de divisas, visto que as receitas de exportação dos produtos primários pré-processados eram inferiores aos gastos totais de importação de factores de produção para o sector, o que é característico de um sector frágil e subdesenvolvido”, caracteriza o estudo, intitulado “Problemas Estruturais de Industrialização – Indústria Transformadora”. Evolução muito lenta Ao longo dos anos, pouca coisa mudou. Basta olhar para os dados da Política e Estratégia Industrial 2016-2015, que aponta que os sectores mais contribuidores para a produção da indústria transformadora nacional são a Metalúrgica (35%), Alimentar (25%), Bebidas (13%), Minerais não-metálicos (10%), Tabaco (8%), e as restantes com 9%. www.economiaemercado.co.mz | Novembro 2021


INDUSTRIALIZAÇÃO outras unidades de sectores electrónicos, como a fábrica de montagem de aparelhos televisores e de rádio. Todas elas falidas durante as crises relacionadas com a guerra civil dos 16 anos (1976-1992), e que, apesar de inúmeras tentativas, nunca se conseguiu recuperar.

A madeira é um dos potenciais que Moçambique tem em termos de recursos importantes para a indústria, mas que é subaproveitado ao ser exportado em bruto De acordo com este documento, o sector industrial moçambicano é composto, fundamentalmente, por empresas de micro e pequena dimensão que correspondem a mais de 90% do mercado industrial, sendo as micro-indústrias correspondentes a 63% do sector, as pequenas 31%, as médias 3% e as grandes apenas 3%. Todos estes dados elucidam a fraca base de sustentação da indústria transformadora moçambicana e legitimam todo o esforço que o País tenta realizar rumo a uma melhor estruturação do sector. Más há também que lembrar que a industrialização não é o sonho de um País principiante. Moçambique já deu passos que pareciam promissores quando, nas décadas de 1980 e 1990, chegou a ter indústrias respeitadas na região e no continente, como a fábrica de pneus MABOR, a indústria de vidros Vidreira de Moçambique, a indústria têxtil, além de www.economiaemercado.co.mz | Novembro 2021

Os Determinantes Da “Pobreza” Industrial Todos os nossos entrevistados convergem em relação aos aspectos que perpetuam o subdesenvolvimento do sector industrial. A Política e Estratégia Industrial 2016-2025 resume-os da melhor maneira, agrupando-os em cinco factores, nomeadamente o reduzido nível de infra-estruturas adequadas que geram o encarecimento dos custos operacionais, caracterizados por condições de acesso precárias a alguns mercados; o preço de transporte praticado relativamente alto; o fraco acesso ao financiamento bancário, caracterizado por elevadas taxas de juro; a inexistência de linhas de crédito específicas para o ramo industrial e instituições bancárias orientadas para o financiamento da indústria; o reduzido nível de força de trabalho com qualificações adequadas (sendo que a existente é onerosa); deficiência no fornecimento de energia eléctrica e água e com custos elevados comparativamente aos países da região, apesar da existência das Zonas Económicas Especiais (ZEE) e das Zonas Francas Industriais (ZFI); a pouca atractividade do sistema fiscal devido às altas taxas de cobrança existentes comparativamente aos países da região; e ainda a prevalência de taxas aduaneiras elevadas, demora no desalfandegamento dos produtos e custos portuários elevados. Sobre os elevados custos de investimento na indústria, o Presidente do Pelouro da Indústria ao nível da CTA – a maior organização das empresas do sector privado nacional –, Evaristo Madime, avança o exemplo do IVA, que em Moçambique está nos 17%, sendo mais elevado do que em vários países da África Austral que praticam 14%. Lembra ainda que Angola já está a aplicar uma das taxas de IVA mais baixas, em 7%, “que está perfeitamente ajustada à realidade dos países com este nível de rendimento”. Quanto ao IRPC, que é um tipo de imposto sobre o rendimento, está nos 32%, mas nos vários países ronda nos 20%. É isto que tem de mudar. Já se tentou resolver mas… Agora é a sério! Depois de vários instrumentos aprovados a tentarem responder aos desafios da industrialização, mas sem resultados, eis que uma iniciativa do Presidente da República, o Programa Nacional de Industrialização (PRONAI), lançado em Agosto passado, vem reacender a esperança de um futuro risonho. O sector privado – que muitas vezes discorda da postura das iniciativas do Governo – e os académicos acreditam, desta vez, no mérito deste instrumento. O que dizem? A Associação Industrial de Moçambique é a primeira a suspirar de alívio com a introdução desta iniciativa, mas os aspectos particulares do seu posicionamento estão na entrevista ao seu presidente, Rogério Samo Gudo, nos artigos subsequentes desta edição. Evaristo Madime vê a iniciativa como “bastante pertinente, representando o fortalecer da aposta na industrialização com linhas muito importantes que o Governo está a trazer”. Por seu turno, Edson Chichongue, director-executivo da Associação de Comércio, Indústria e Serviços (ACIS),

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O MELHOR CENÁRIO DO FUTURO DA INDÚSTRIA Mesmo com incertezas quanto aos requisitos que vão tornar exequível o PRONAI (o financiamento é um deles), o Governo fixa metas ambiciosas sobre o seu impacto na economia, nomeadamente:

SUBIR O PESO DA INDÚSTRIA NO PIB… Em uma década, o Executivo quer que o PRONAI torne a indústria transformadora responsável por até 14% do PIB Em %

8,8

9,8

11,8

14

2019

2024

2027

2030

… AUMENTAR EXPORTAÇÕES… Uma vez alcançada alguma capacidade de produção interna e de transformação, a grande filosofia assentará na aposta na exportação Em %

0 2019

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5 2024

2027

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2030

… SUBSTITUIR IMPORTAÇÕES… Gradualmente, a estrutura dependente de importações irá dar lugar à capacidade interna de alimentar a industrialização Em %

100

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… AMPLIAR POSTOS DE TRABALHO Será o resultado de toda esta movimentação. A meta é ambiciosa, indicando um aumento de quase 2,5 vezes no número de empregos Em milhares

215 159 118

88

2019

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2024

2027

2030

organização que congrega 400 membros efectivos e 700 registados, entende que “o PRONAI, sob ponto de vista teórico, tem uma abordagem que pode produzir algum impacto no desenvolvimento da indústria em Moçambique. Na mesma linha, Cerina Mussá, do Ministério da Indústria e Comércio, revelou que este programa distingue-se por ser prático, com um novo paradigma, que representa uma mudança na forma de pensar, de agir, de conceber a produção e de olhar para os mercados nacional e internacional. “Procurará resolver os entraves ao nível da logística com a preocupação de aproximar as fontes de matéria-prima e a indústria. Além disso, toma em consideração a industrialização no modelo de cluster o que traz a necessidade de sustentabilizar as pequenas empresas para que estabeleçam ligações com as de maior dimensão e fazer o uso dos diversos corredores de desenvolvimento espalhados pelo País”, defendeu a economista e assessora do ministro da Indústria e Comércio, Carlos Mesquita. A alimentar este optimismo estão, entre outros factores, as ambiciosas metas a serem alcançadas em apenas uma década (ver gráficos). Mas... quem garante que desta vez vai funcionar? A experiência do passado encarrega-se de alimentar dúvidas. O Estudo do Instituto de Estudos Sociais e Económicos, elaborado pelo economista Carlos Nuno Castel-Branco, elucida esta questão. Segundo o documento, após a Independência, o estado da indústria transformadora foi influenciado por diferentes estratégias: até 1984/85, por www.economiaemercado.co.mz | Novembro 2021


INDUSTRIALIZAÇÃO ONDE ESTÁ O POTENCIAL DE INDUSTRIALIZAÇÃO? As prioridades de industrialização foram definidas tomando em consideração factores nos quais o País apresenta vantagens, o que, no entender do Governo, acabaria por facilitar a implementação dos projectos e torná-los competitivos. Entre os vários factores destacam-se a geração de emprego e a fonte de matéria-prima

ALIMENTAR E AGRO

METALURGIA

Moçambique é um país fértil para o desenvolvimento deste tipo de indústria. Várias iniciativas têm dado provas de que há espaço para a sua consolidação.

O País tem também potencial de fabrico de produtos metálicos que pode ser capitalizado internamente e substituir importações.

PROCESSAMENTO DE MADEIRA

VESTUÁRIO, TÊXTIL E CALÇADO Será a revitalização de projectos industriais que não são propriamente novos no País, mas que, por razões diversas, entraram em falência.

Não é novidade que muita madeira nacional é contrabandeada ou exportada em bruto, resultando em perdas significativas de divisas.

MINERAIS NÃO METÁLICOS

QUÍMICA, BORRACHA E PLÁSTICOS

Fazem parte desta indústria as pedras preciosas e semi-preciosas que abundam no solo moçambicano, mas que estão subaproveitados.

PAPEL E IMPRESSÃO Tem a particularidade de poder utilizar, como matéria-prima, os recursos florestais que são abundantes em Moçambique.

Há aqui um histórico de indústrias que operaram nesta área, pelo que poderá tratar-se, também, da revitalização destas actividades. FONTE Política e Estratégia Industrial 2016-2025

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NAÇÃO

A indústria das cervejas é uma das poucas grandes referências de Moçambique, a par de outras gigantes. Quase todas são do ramo alimentar ou de bebidas uma estratégia teoricamente assente na alocação administrativa de recursos por via da planificação centralizada, com o Estado como centro de acumulação e com novos investimentos de raiz como prioridade. A partir de 1986/87, por uma estratégia teoricamente caracterizada pela liberalização das operações dos mercados e pela privatização das empresas estatais e intervencionadas, com o sector privado como centro de acumulação e com investimentos na reabilitação do parque industrial existente como prioridade. E a questão é: por que motivos tais estratégias, embora teoricamente tão diferentes, produziram o mesmo padrão de resultados? Quais as alternativas para uma industrialização sustentável da economia moçambicana? A verdade é que a indústria transformadora nacional mantém, ao longo do tempo, uma estrutura subdesenvolvida e desequilibrada que requer a alteração dos objectivos do sector e das suas ligações com os restantes sectores da economia, o que é desafiante num contexto de escassez de recursos. Daí os avisos quanto à estratégia mais recente. A transformação está na capacidade de realizar Um documento vale o que vale, mas a acção vale muito mais. “É necessário que se invista muito na forma como esses instrumentos se devem operacionalizar”, defende Edson Chichongue, cuja dúvida encontra argumentos na constatação de que “não só os instrumentos do sector indus-

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trial, mas no quadro geral de políticas de desenvolvimento do País, verificam-se várias descontinuidades ocasionadas pelas variações dos ciclos governativos. Isto é, as prioridades são interrompidas e mudam conforme os governos se vão sucedendo”. Junta-se a este o representante do sector industrial nacional ao nível da CTA. Evaristo Madime sugere que pelo facto de o sector privado liderar o desenvolvimento industrial em termos propriedade, de iniciativa, de inovação e de acção no terreno, a unidade de implementação do PRONAI a ser estabelecida deve garantir que este sector privado esteja bem representado. “Isso vai assegurar que a sensibilidade dos industriais quanto aos requisitos da aceleração da industrialização seja levada em consideração”, acrescentou, explicando que a partir daqui seria possível, por exemplo, encontrar formas de reduzir as elevadas taxas de impostos, através de acções coordenadas de alargamento da base tributária, conferindo maior atractividade e competitividade à actividade industrial. Da parte do Governo, Cerina Mussá assume que entre os riscos e desafios está a necessidade de melhorar o ambiente de negócios, aprimorar a coordenação institucional e a capacidade de pesquisa, melhorar as infra-estruturas com enfoque nos transportes e reduzir os seus custos para estimular investimentos industriais. Os desafios da competitividade Também não valerá o esforço na ausência dos requisitos de competitividade. A principal aposta, segundo os dois representantes do sector privado que já citámos, deveria ser em acções de transferência de tecnologia porque a maior parte das tecnologias que precisamos já existem. Mas este exercício, em si, não é tão fácil quanto parece, porque www.economiaemercado.co.mz | Novembro 2021


INDUSTRIALIZAÇÃO AFINAL, TAMBÉM TEMOS CÁ BOAS REFERÊNCIAS! São poucas, mas o País tem uma indústria transformadora com perfil internacionalmente reconhecido no que se refere ao padrão de investimento, empregabilidade, pujança financeira, acesso a meios tecnológicos de ponta e aumento de exportações. Mas, pela natureza da própria base produtiva nacional, a maior parte delas é do ramo alimentar

CERVEJAS DE MOÇAMBIQUE

MOZAL

Não é nacional, mas assume relevância por ter sido vista pelo Governo como aquela que poderia ajudar a recuperar a economia devastada pela guerra civil. Instalou-se no Parque Industrial de Beluluane, província de Maputo, e começou a actividade de fundição de alumínio exclusivamente para a exportação em 2000. Foi o primeiro grande investimento estrangeiro no País.

Desde 2016 faz parte do Grupo AB InBev, o maior grupo cervejeiro do mundo. Um dos seus maiores investimentos dos últimos tempos é a construção da nova fábrica no Distrito de Marracuene, província de Maputo, num investimento avaliado em 180 milhões de dólares e que permitiu a criação de mais de 1800 empregos na fase de construção e hoje emprega cerca de 235 pessoas.

MEREC

CIMENTOS DE MOÇAMBIQUE

Fundada em 1998, é hoje uma referência nacional nas farinhas de milho e trigo, massas alimentícias, bolachas, farelos e derivados para alimentação animal. Possui unidades industriais de elevado padrão tecnólogico, com equipamentos modernos e recursos humanos qualificados, que asseguram a reconhecida qualidade de excelência dos seus produtos.

A Cimentos de Moçambique é a maior empresa do sector de construção no País, tendo iniciado a sua operação em 1924. Hoje está presente nas três regiões de Moçambique. A empresa produz e comercializa um leque alargado de produtos, nomeadamente cimento, cal hidráulica, betões, agregados e argamassas secas, de acordo com as necessidades específicas dos mercados.

COMPANHIA INDUSTRIAL DA MATOLA

É das mais antigas indústrias nacionais do ramo alimentar e das poucas que resistiram às falências que se assistiram. Fundada em 1948, até 1980 tinha uma forte intervenção do Estado. Mas em 1995, com a sua privatização, foi criada a Empresa Industrial da Matola (CIM) SARL. Actualmente emprega mais de 800 trabalhadores.

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NAÇÃO

AS ETAPAS DA INDUSTRIALIZAÇÃO

Num percurso de dez anos, Moçambique estabeleceu como meta implementar um total de 293 projectos industriais, esperando que já em 2024 comece a produzir efeitos

AGOSTO DE 2021 Lançamento do PRONAI

FEVEREIRO DE 2022 Arranque do PRONAI

JUNHO DE 2024 130 projectos aprovados

JUNHO DE 2027 227 projectos aprovados

JUNHO DE 2030 293 projectos aprovados FONTE Ministério da Indústria e Comércio

A indústria de plástico, que até já movimenta muita actividade em Moçambique, também está dentro da matriz das apostas e deverá crescer ainda mais exige a capacitação das empresas a buscarem essa tecnologia o que, por sua vez, exige um conjunto de requisitos, sobretudo os recursos financeiros. Mas, para que Moçambique não seja um mero replicador de tecnologias já desenvolvidas, pode complementar através de processos relativamente mais demorados, que consistem em utilizar conhecimentos desenvolvidos pelas instituições académicas, que também têm uma palavra a dizer no apoio à industrialização. Os custos de todos destes processos, infelizmente, ainda não foram estudados. Além disso, há a grande tarefa de fazer um mapeamento rigoroso sobre as importações e exportações para conhecer os principais produtos de importação e exportação e valores envolvidos, os principais agentes do comércio externo. Assim, segundo os industriais, será fácil desenvolver os mecanismos de protecção das indústrias para produzirem localmente e aprovar os melhores pacotes de incentivos para atrair investimento industrial nacional e estrangeiro. Por incentivos, além da redução já referida da carga fiscal, deve-se entender um conjunto de aspectos que incluem o acesso à água e energia a preços razoáveis e com melhor qualidade, ter uma banca preparada para prover produtos adequados para um sector da indústria, considerando o seu ciclo produtivo relativamente longo, entre outros aspectos.

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Por onde começar num país pouco produtivo? Michael Sambo, economista e pesquisador do Instituto de Estudos Sociais e Económicos (IESE), explica que, geralmente, as economias que se industrializaram rapidamente partiram de uma fraca produção. Singapura é um bom exemplo. Para o economista, este caminho começa com o desenvolvimento do capital humano, o que requer investimento público. “Se isto não for feito, continuaremos com fraca produtividade e com recursos que têm de aprender tudo de zero”, avisa o responsável, acrescentando que são estas competências que encabeçam as iniciativas de pesquisas e desenvolvimento e que facilmente absorvem a tecnologia. A sugestão de Michael Sambo é que a formação de quadros, dentro da estratégia definida para a industrialização, deve focar-se nos sete sectores que o País quer atacar (ver infografia), através do desenho de currículos que sejam condizentes com as necessidades internas. Este exercício - prosseguiu - pode não necessitar da importação de conhecimentos, já que “temos gente com competências dentro do País, embora seja pouca. Mas a vantagem é que as competências são transferíveis”. Além disso, “grande parte das instituições externas, cujos modelos podemos querer importar, estão mais avançadas e podem trazer o risco de haver desfasamento com a realidade nacional em termos de desenvolvimento”. Sambo sugere que a formação do capital humano vai além de um plano ou estratégia industrial, mas deve estar dentro de uma estratégia nacional de desenvolvimento. “Parece haver um esforço contrário ao desenvolvimento do capital humano quando assistimos à degradação dos sistemas de formação”, criticou. www.economiaemercado.co.mz | Novembro 2021



OPINIÃO

Localização Industrial: Uma Ferramenta de Competitividade

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João Gomes • Partner @ JASON Moçambique

em este artigo a propósito de um desafio recente que me foi colocado para encontrar a “melhor localização industrial” (adiante “MLI”) em Moçambique. Na sequência, peço aos leitor@s que comigo analisem a função da geografia como uma ferramenta de construção e reforço da competitividade empresarial. Não cuidaremos aqui de analisar as seguintes situações extremas de localização, por serem óbvias as soluções: - O caso da indústria extractiva, para a qual a total proximidade em relação à fonte da matéria-prima é condição sine-qua-non1 de sucesso na equação da “MLI” das respectivas unidades. - O caso da chamada indústria quaternária2, para as quais a total proximidade em relação ao mercado é condição sine-qua-non de sucesso na equação da “MLI” dos respectivos estabelecimentos. - Nem tão pouco veremos o caso da “indústria footloose3” (v.g. Diamantes, chips de computador e fabrico móvel) cujas unidades podem ser colocadas em qualquer local, por isso neutras aos efeitos da localização dos factores de produção, tais como terra, mão-de-obra e capital. Postos de lado os três casos extremos de localização, e com o foco centrado na indústria transformadora (v.g. cimentos, têxtil, de abate e processamento de frangos, etc.), vejamos sucessivamente: 1) Que vantagens competitivas as empresas transformadoras pretendem obter ao se estabelecerem nas áreas de “MLI”? Objectivamente, a decisão do investidor/a em colocar a sua unidade na “MLI” fundamenta-se principalmente nas seguintes razões: a) Obter significativa redução dos custos4 de investimento (Capex5); e de exploração (Opex6). b) Obter a maximização do lucro7. c) As anteriores razões e, em adição, fazer crescer o negócio8, através da obtenção das vantagens de escala associadas às economias de interdependência ou aglome-

ração9, por exemplo, instalar a unidade próxima de outra unidade industrial, da qual seja fornecedora (v.g. indústria de fornecimento de componentes automóveis). 2) Quais são os factores que mais tendem a influenciar a “MLI”? Cada sector apresenta especificidades, mas elencamos os sete factores de avaliação obrigatória e cuja disponibilidade - em qualidade, quantidade, proximidade e custo - deverá ser cuidadosamente analisada pela equipa de projecto10, de modo a assegurar a “MLI”. A ordem de apresentação dos factores equivale, de acordo com a nossa experiência, ao grau de dificuldade de obtenção dos mesmos em Moçambique. a) Terra: Títulos válidos (DUATE11) cobrindo a totalidade do período de vida útil da unidade industrial; terra plana, com características morfológicas adequadas, e com acessibilidade assegurada. b) Energia: Ainda que o “Programa Nacional de Energia para Todos” esteja a avançar, sendo o objectivo fixado até 2030, este é um dos maiores “calcanhares de Aquiles” em Moçambique. Na procura da segurança de fornecimento energético haverá que assegurar que não será necessário proceder a investimentos adicionais, quer na linha de transporte, quer no posto de transformação. c) Força de Trabalho: A proximidade e fácil acesso ao capital humano, que garanta níveis de produtividade acima da média, com vontade e habilidade para aprender, continuam a ser um dos mais potentes factores de competitividade industrial. d) Matéria-prima: Na procura de segurança de abastecimento de matéria-prima, esta deverá estar disponível em qualidade, quantidade, preço competitivo e fornecimento seguro e atempado. A proximidade da matéria-prima continua a ser um dos mais potentes factores de competitividade industrial. e) Mercado: Uma clientela próxima (distância física e emocional) – volumosa e com necessidades e com poder de compra do nosso produto - continua a ser um dos mais potentes factores de competitividade industrial.

Na procura de segurança de abastecimento de matéria-prima, esta deverá estar disponível em qualidade, quantidade, preço competitivo e fornecimento seguro e atempado

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No caso da indústria extractiva, a total proximidade com a fonte da matéria-prima é crucial para a sua competitividade

f) Transporte (in e out): Elevado grau de portabilidade da matéria-prima (input), e do produto intermédio ou final (output), quer em volume, perecibilidade, perigosidade, fragilidade, a par da redução da distância e do custo do frete, continuam a ser um dos mais potentes factores de competitividade industrial. g) Política Governamental: A disponibilidade de incentivos financeiros, de benefícios fiscais, de assistência técnica e de uma atitude de abertura e amigabilidade face ao investidor/a privado, por parte do Estado, de modo a tornar mais atractiva a localização do investimento numa determinada região, continuam a ser dos mais potentes factores de competitividade industrial. Propositadamente, e dada a experiência negativa12, não falamos nos chamados “distritos industriais”13, o que no caso Moçambicano significa instalar-se numa zona de livre comércio e exportação (v.g. numa Zona Económica Especial (ZEE), ou numa Zona Franca Industrial (ZFI)14. Conclusão O necessário esforço de “substituição das importações” constitui uma rara oportunidade para o empresariado Moçambicano considerar o caminho da industrialização (em especial a indústria manufactureira) como uma opção viável. Neste contexto, avaliámos o papel que a “Melhor Localização Industrial” (MLI) pode ter como ferramenta de construção e reforço de vantagens competitivas na indústria manufactureira. E destacámos sete factores que condicionam a distribuição da “MLI” entre i) a proximidade face à matéria-prima; ii) ou a proximidade face ao mercado. O factor capital, dada a sua actual extrema mobilidade, deixou de fazer parte do inventário obrigatório da “MLI”, mas sem que se lhe neguemos a relativa importância. Destacamos, i) pela positiva o factor capital humano, por influir decisivamente na produtividade, esta considerada pela escola New Economy Geography como a mãe de todos os factores “MLI”; ii) e pela negativa, em Moçambique, a ausência de atractividade geográfica dos “distritos industriais” (v.g. ZEE e ZFI). Não considerar a localização industrial como um factor de competitividade industrial é criar as condições para terwww.economiaemercado.co.mz | Novembro 2021

mos uma indústria manufactureira que seja “prisioneira da geografia”15. “Sine qua non” é uma locução adjectiva, do latim, que significa “sem a qual não”. 2 “Basicamente inclui actividades como geração e compartilhamento de informação, telecomunicações, educação, pesquisa e desenvolvimento, planeamento, consultoria e outros serviços baseados no conhecimento”. Wikipedia.. 3 Estas indústrias têm frequentemente custos espaciais fixos, o que significa que os custos dos produtos não mudam, apesar do local onde o produto é montado. Trata-se, em geral, de indústrias não poluentes. 4 Esta é a tese da Escola do Custo Mínimo, representada por WEBER, Alfred (1929) “Theory of the Location of Industries”. The University of Chicago Press. 5 Do inglês Capex - Capital expenditure. 6 Do inglês OPEX - Operational expenditure. 7 Tese de LOSCH, August (1945) “The Economics of Location”. Yale University Press. 8 Tese da New Economic Geography (NEG), representada por KRUGMAN, Paul 1991a. “Geography and Trade”. Cambridge: MIT Press. 9 “De acordo com o modelo da Weber, a aglomeração refere-se à concentração espacial da indústria, resultante da percepção de que o agrupamento de diferentes unidades de produção, num local comum de produção, resulta em custos mais baixos por unidade de produção”. SPINOLA, Noélio. “Business location: strategic factor for the development of regions? One approach on industrial location policy of Bahia”. 10 Estudo de Localização Industrial. 11 “DUATE - Direito de uso e aproveitamento de terra. 12 Conferir o artigo” “Elefantes brancos” em quatro Zonas Económicas Especiais em Moçambique”, em https://tinyurl.com/4b7229xz. 13 Autor do conceito, MARSHALL, A. 1920. “Principles of Economics”, 8th edn. London, Macmillan. 14 Para uma distinção entre ambas conferir ROCHA, Paula Duarte “Zonas Económicas Especiais e Zonas Francas Industriais: Aspectos a Realçar” - Revista Economia & Mercado”. 15 Pedi emprestado e adaptei o título do excelente livro de MARSHALL, Tim - “Prisioneiros da Geografia: 10 mapas sobre tudo o que precisa saber sobre política global”. 1

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NAÇÃO ENTRE O POTENCIAL E OS FALHANÇOS… ÁFRICA SEGUE LENTAMENTE Quem estudar as características, desafios e oportunidades da industrialização em Moçambique fica a precisar de muito pouca informação para conhecer a situação de todo o continente: os problemas são os mesmos

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Texto Celso Chambisso • Fotografia D.R organização para a cooperação e desenvolvimento económico (ocde) é uma das poucas entidades mundiais que estudam continuamente a evolução dos mercados em África, e que tem procurado identificar os pontos críticos para a industrialização. Uma contextualização feita pela OCDE, viaja na História para explicar uma série de fenómenos actuais e fazer perspectivas futuras. Começa por revelar que os anteriores governos africanos, que trabalharam para a industrialização dos respectivos países, muitas vezes não tiveram grande sucesso. Na sequência da sua independência, muitos procuraram industrializar-se para evitar a dependência económica em relação aos antigos colonizadores. Mas as suas políticas industriais assentavam em grandes empresas públicas e defendiam indústrias transformadoras de capital intensivo, servindo-se da substituição de importações para as proteger. Como resultado, a indústria transformadora cresceu rapidamente entre 1960 e 1975. No entanto, avança a OCDE, as estratégias fracassaram por uma série de motivos, já que muitas delas focavam-se em indústrias de capital intensivo, que não correspondiam às vantagens comparativas dos respectivos países. Além disso, a falta de responsabilização e os regimes de incentivos provocaram enormes défices às empresas públicas que encabeçavam o processo de industrialização, mas “era, porém,

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difícil eliminá-las”, acrescenta. A indústria africana, estrategicamente, empregava uma grande proporção da mão-de-obra e as elites industriais que as dirigiam tinham bastante poder político. “Deixar que as grandes empresas públicas se afundassem seria uma admissão de fracasso das políticas. O subsequente período de programas de ajuste estrutural levou ao desmantelamento dessas empresas após 1975. Por conseguinte, os sectores da indústria transformadora decresceram”, explica o documento. E prossegue: desde meados da década de 1990, as políticas económicas nos países africanos têm, em larga medida, seguido o “Consenso de Washington”. Isto é, os governos centraram-se, sobretudo, na melhoria do ambiente empresarial. Apesar de estas políticas terem tido impactos positivos, os progressos têm sido lentos. Assim, a OCDE sugere que as novas estratégias de industrialização têm de aprender com os sucessos e os fracassos do passado e que poucos países africanos foram bem-sucedidos nas suas estratégias de industrialização. As Maurícias e a Tunísia fazem parte dos poucos bem-sucedidos. Criaram Zonas Económicas Especiais (ZEE) e atraíram Investimento Directo Estrangeiro (IDE) para as indústrias exportadoras. Tais estratégias elevaram as Maurícias e a Tunísia ao estatuto de países de rendimento médio. Trata-se de uma estratégia que Moçambique vem seguindo há alguns anos, mas que ainda não deu resultados visíveis. Até hoje, o Governo procura formas de tor-

nar as ZEE atractivas a investimentos industriais. O fracasso Um conjunto de aspectos, até certo ponto óbvios, têm sido determinantes no atraso da industrialização do continente. Primeiro, as estratégias subestimaram a importância das vantagens comparativas, ou não conseguiam oferecer os incentivos necessários aos empresários. A protecção do comércio deu origem a um aumento do preço das importações e dos bens de substituição de importações em relação aos preços mundiais. Os mercados fragmentaram-se e a concorrência de empresas estrangeiras diminuiu. As taxas de câmbio sobrevalorizadas reduziram a competitividade dos empresários locais nos mercados interno e de exportação. Em segundo plano, as instituições com desempenhos medíocres exacerbaram a corrupção, a burocracia, a falta de direitos formais de propriedade e um Estado de direito débil. A má gestão das rendas provenientes dos recursos em muitos países, bawww.economiaemercado.co.mz | Novembro 2021


África continua a ser a região menos industrializada do mundo, com apenas um país em todo o continente, a África do Sul, actualmente classificado como industrializado. O consenso é que isso tem de mudar seados em recursos naturais, enfraqueceu as instituições já de si frágeis. Esta situação provocou um ambiente empresarial arriscado, que desencorajou o investimento produtivo e o empreendedorismo. Em terceiro lugar, as tentativas de industrialização africana também sofreram com as exportações da Ásia Oriental para os mercados africano e internacional a preços que desafiam a concorrência global. Foi o consumo e não o investimento interno que provocou o aumento das importações, enquanto o crescimento se manteve reduzido. E, por último, os pequenos mercados internos de muitos países africanos impediram o desenvolvimento de economias de escala, especialmente nos países de menores dimensões ou sem litoral. A lenta integração regional provocou várias restrições relativas a normas, a medidas de protecção difewww.economiaemercado.co.mz | Novembro 2021

rentes e a outras políticas, reduzindo as dimensões do mercado para a industrialização. Ênfase no empreendedorismo Apesar desta base mal-sucedida, a OCDE reconhece que, nos últimos tempos, os países africanos estão a fazer esforços consideráveis para desenvolver uma visão para a industrialização. Actualmente, cerca de metade dos países africanos (são 54 ao todo) dispõem de estratégias de industrialização (incluindo Moçambique, claro) muitas das quais destinadas a melhorar o empreendedorismo. Mas poucas se referem, realmente, ao papel das empresas com elevado potencial de crescimento, sobretudo Pequenas e Médias Empresas jovens. “As estratégias têm de visar mais eficazmente tais empresas, que são importantes para a industrialização.

Aquando da concepção de estratégias, os governos devem considerar certas políticas industriais e aprender com as experiências do passado”, recomenda, sublinhando que a própria implementação de estratégias de industrialização ainda constitui um desafio para muitos países. “Estratégias bem-sucedidas exigem uma forte liderança política e o empenho total de todos os níveis de Governo. A participação dos governos nacionais pode ajudar a criar políticas que se adaptem melhor às necessidades locais das empresas, desde que tenham as capacidades necessárias e possam assegurar transparência. A coordenação entre organismos governamentais e a participação do sector privado no processo de decisão política pode ajudar a implementar as estratégias de industrialização de forma mais eficaz”, acrescentou. Por último, sugere a monitorização das políticas e a avaliação de impacto como passos cruciais para tornar as estratégias de industrialização mais eficientes. “Este tipo de avaliação pode servir para recompensar as instituições com

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Vários governos africanos integraram eficazmente o desenvolvimento empresarial nas suas estratégias de industrialização. Os exemplos africanos mais citados são os de Marrocos, Costa do Marfim e África do Sul bom desempenho e para rever políticas, mas são necessários dados fiáveis”, concluiu. As políticas bem-sucedidas Vários governos africanos integraram eficazmente o desenvolvimento empresarial nas suas estratégias de industrialização. Um exemplo disso é o Industrial Acceleration Plan (PAI) 20142020, de Marrocos. Estabelece medidas especiais para apoiar o crescimento do empreendedorismo por meio de cinco pilares: criação do estatuto de emprego independente, segurança social, financiamento, fiscalidade e apoio directo aos empresários, que inclui aconselhamento empresarial, aconselhamento personalizado, financiamento e digitalização. O PAI criou um fundo de 2,2 mil milhões de USD para identificar e colmatar o défice de financiamento no desenvolvimento industrial. O Governo também atrai IDE para as indústrias de apoio, de modo a reduzir gradualmente a dependência de mercadorias importadas que a indústria transformadora manifesta e para adquirir os conhecimentos e a experiência que as empresas nacionais precisam. Outro exemplo é o Plano de Desenvolvimento da Costa do Marfim para o sector das TIC, que promove a criação de novas empresas reduzindo os custos de arranque, investindo nas infra-estruturas e melhorando o quadro jurídico. Esta iniciativa ajudou o país a subir para a 142ª posição, melhorar substancialmente o ambiente de negócios e atrair grande volume de investimen-

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to externo. Na África do Sul, os Industrial Policy Action Plans (IPAP) servem para diversificar a economia além do sector mineiro. Dão prioridade a sectores de valor acrescentado médio a elevado e de mão-de-obra intensiva, como a transformação agrícola, os veículos, os têxteis e a energia ecológica. Além de promover o comércio e atrair IDE, os IPAP fornecem incentivos e coordenam acções de reforço das competências e capacidades industriais e científicas. A força do dividendo demográfico Com a expectativa de que sua força de trabalho de 500 milhões aumente para 676 milhões de trabalhadores até 2030, de acordo com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), África pode tirar vantagens do dividendo demográfico se corrigir os seus fundamentos, incluindo um maior apoio da política governamental para o desenvolvimento industrial, de acordo com a IndustriALL Global Union, uma federação sindical que trabalha nas cadeias de suprimentos dos sectores de mineração, energia e manufactura ao nível global. Segundo esta organização, “a industrialização sustentável tem potencial para criar empregos, especialmente nos sectores de manufactura das economias africanas. Com mais empregos decentes que paguem salários dignos, acreditamos que a pobreza será erradicada. Actualmente, a África Subsaariana tem os níveis de pobreza mais altos, especialmente em países de baixa renda e afectados por conflitos. Também tem o maior número de trabalha-

dores pobres. O desemprego continua alto, especialmente para os jovens, com a maioria deles a ganharem a vida no sector informal. A industrialização sustentável pode reverter isso e virar a fortuna dos trabalhadores”, disse Valter Sanches, secretário-geral do IndustriALL Global Union. Com menos de 10% do PIB, a manufactura global da África continua atrás da de outros continentes. Está concentrada apenas em alguns países, que incluem África do Sul, Egipto, Nigéria e Marrocos. A manufactura pesada do continente consiste em veículos de transporte, electrodomésticos, electrónicos e equipamentos industriais. O mercado comum, uma oportunidade As Nações Unidas, à semelhança de todas as entidades que estudam o fenómeno da industrialização do continente, entendem que é preciso haver uma mudança fundamental na estrutura das economias das nações africanas. A indústria, especialmente a manufactura, terá de ser responsável por uma parcela muito maior do investimento, da produção e do comércio nacionais. Assim, espera que o acordo da Área de Livre Comércio Continental Africana, que se tornou operacional recentemente, dê início a novas e dinâmicas oportunidades, aumentando o comércio intra-africano e promovendo um ambiente que pode desbloquear o Investimento Directo Estrangeiro no continente. Há também a perspectiva de que muitos dos 100 milhões de empregos intensivos em mão-de-obra, que devem deixar a China em 2030, sejam realocados para os países africanos. O Banco Africano de Desenvolvimento (BAD) também acredita que o acordo da Área de Livre Comércio Continental Africana constitua uma oportunidade. “A AfCFTA constitui uma grande oportunidade para a industrialização do continente africano, porque tem potencial para permitir que produtos primários e intermédios sejam transformados no continente”, disse o seu representante em Moçambique, Pietro Toigo. Para o responsável, “uma maior integração das economias africanas vai criar economias de escala e levar a uma pressão positiva para a transformação de bens e equipamentos no continente”, sublinhou, contrariando as vozes que temem que, com a abertura dos mercados, os países com estrutura produtiva fraca irão sucumbir. www.economiaemercado.co.mz | Novembro 2021


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NAÇÃO “PRECISAMOS DE UMA NOVA PERSPECTIVA SOBRE COMO FAZER A INDÚSTRIA” Rogério Samo Gudo, PCA da Associação Industrial de Moçambique, AIMO, gosta da abordagem transformadora da nova iniciativa presidencial, PRONAI, mas avisa que será preciso muito trabalho para levantar voo nesta era digital

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Texto Celso Chambisso • Fotografia D.R

aimo é uma associação que representa as empresas industriais, fundada em 1989 por homens de negócios em representação de empresas líderes de mercado, que pretendiam que a indústria se unisse para melhorar as condições de negócio em Moçambique. Actualmente, conta com mais de 300 associados, sendo a maior parte industriais de todas as dimensões (pequenos, médios e grandes), como a Vale Moçambique, a Mozal, a Cervejas de Moçambique, a Sumol+Compal, etc. Também comporta membros não industriais, mas que actuam neste segmento, como alguns bancos e empresas prestadoras de serviços, entre as quais consultoras. Tem membros em todas as províncias, e em diversas áreas de actividade (electromecânica, construção, produção de materiais de construção, bebidas, alimentação, madeira, entre outras.) Dos seus grandes objectivos constam os de estimular o aumento da produção industrial nacional, da produtividade e da competitividade; promover um sector industrial sólido, unido e coeso que olhe como subsectores chave a indústria extractiva, a agro-indústria e a indústria transformadora; desenvolver sinergias com outros sectores da economia, em particular com o sector agrário e extractivo; promover a diversificação da produção; e promover a agregação de valor às matérias-primas nacionais. Com uma visão relativamente maior

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sobre os desafios e oportunidades do sector industrial nacional, o Presidente do Conselho de Administração desta organização, Rogério Samo Gudo, manifesta grande optimismo quando aos resultados do Programa Nacional de Industrialização (PRONAI), já que nele vê o ponto de inflexão, rumo à reorganização da produção. Mas lamenta o facto de Moçambique ainda estar “muito longe” dos patamares de competitividade que seriam satisfatórios. Como é que o sector industrial está? Em que medida terá ou não resistido aos efeitos negativos da pandemia do novo coronavírus? Como deve imaginar, todos os sectores experimentaram impactos negativos. É óbvio que a área industrial, que também engloba a área de processamento de alimentos, não tenha tido um impacto tão grande quanto o das outras áreas, mas estamos a ter constrangimentos relacionados com a redução da procura no mercado. Mas a maior de todas as dificuldades é global e diz respeito ao deficiente fornecimento dos materiais para o funcionamento das indústrias. Ou seja, há uma ruptura de stock no mundo, que foi ocasionada pelas limitações na mobilidade de pessoas. Temos grandes deficiências na recepção de peças industriais e isso dificulta os processos de manutenção dos equipamentos e a produção. Além disso, temos um problema constante que é o acesso ao dinheiro. O custo do dinheiro é muito elevado, sobretudo nas

circunstâncias em que vivemos. As indústrias precisam de financiamentos especiais para poderem recuperar a estabilidade. Tudo isto faz com que o sector se ressinta de cumprir as suas obrigações, quer com a banca, quer com fornecedores ou com o fisco. Conta que o sector industrial também é afectado pela instabilidade na África do Sul… De facto. Primeiro foi a crise da vandalização que houve durante as manifestações, e depois veio a crise do sindicato da indústria metalo-mecânica que interrompeu o fornecimento de stock de equipamentos a este segmento em Moçambique. E agora temos problemas de energia, que regista cortes constantes. Portanto, não é só o covid-19 a impactar negativamente. Há um conjunto de www.economiaemercado.co.mz | Novembro 2021


Hoje em dia, qualquer jovem pode ser industrial. Basta ter um computador, um produto e um mercado nas redes sociais. Pode fazer a encomenda numa indústria, elaborar a sua marca e expandir outros aspectos que dificultam a nossa capacidade de dar a volta aos problemas do dia-a-dia. Mesmo assim, os industriais estão firmes, comprometidos e satisfeitos por compreenderem que o Governo também tem a mesma visão que, aliás, está veiculada no recém-lançado Programa Nacional de Industrialização (PRONAI), que constitui uma plataforma que vai facilitar ainda mais o processo de industrialização do País. Temos estado em actividades com o Governo e com outros parceiros e desenvolvemos iniciativas com as comunidades para assegurar que as discussões ao nível do PRONAI possam permitir progreswww.economiaemercado.co.mz | Novembro 2021

sos no sector industrial. Por falar no PRONAI, nota-se o facto de o País estar a funcionar simultaneamente com dois instrumentos de política para o desenvolvimento industrial: o próprio PRONAI, lançado em Agosto último, e a Política e Estratégia de Industrialização 20162025. Isto não é sintomático de que algo está a falhar ao nível da própria concepção das prioridades? O PRONAI é um quadro legal que contém planos e estratégias. Mas sentimos que ainda precisamos de rever algumas linhas, pelo que ainda não está fechado. Portanto, o mérito do PRONAI é o facto de chamar a si a interven-

ção de todos os actores, sem deixar ninguém de fora. Ou seja, tem a preocupação de identificar todos os actores principais do processo de industrialização, porque tem a particularidade de envolver uma enorme cadeia de intervenientes. Ora veja: tudo começa nos actores primários, que são os que extraem os recursos da terra ou cultivam alimentos. Se estes não fizerem isto, não haverá processo de industrialização. Mas é preciso notar que os processos não acabam com a intervenção da indústria transformadora, uma vez que depois vem o Comércio, e depois os Serviços, incluindo os financeiros que são transversais. Então, enquadrar todos estes actores dentro dos processos industriais é o mérito do PRONAI. É aqui onde está toda a visão sobre o que precisamos de extrair, transformar e como devemos expor-

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tar os recursos, o que, em princípio, passa por adicionar valor às matérias primas para atrair riqueza adicional para o País. Estas foram as discussões que fizemos no processo de elaboração do PRONAI, porque já não faz sentido um país como Moçambique, em plena era digital e de uma sociedade de informação, continuar a optar por métodos tradicionais de fazer a indústria, promovendo o crescimento dos outros países através da exportação de toda a capacidade que temos para resolver os nossos problemas. E quanto à Política e Estratégia de Industrialização 2016-2025, para que serve este instrumento se o PRONAI assume a função de guião da industrialização? É um documento bem estruturado, mas está desenquadrado. Precisa de ser actualizado e ajustado ao momento que estamos a atravessar. De 2016, ano da sua entrada em vigor, para 2021, passam seis anos e este documento per-

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maneceu estático. Por exemplo, na lista das indústrias prioritárias a indústria farmacêutica é fundamental, mas não está prevista neste documento. Hoje, a pandemia do covid-19 veio mostrar que é importante para qualquer país instalar uma indústria farmacêutica, que até tem sido estimulada: já produzimos material de protecção como o álcool em gel, alguns medicamentos e até equipamentos hospitalares. É tão prioritário que não faz sentido que continuemos a importar estes produtos, por serem elementos extremamente básicos e que respondem, inclusive, aos desafios da pressão populacional, sendo, por isso, uma oportunidade que não deve ser ignorada. Além disso, temos sido vítimas das mudanças climáticas, daí que a nossa indústria tem de prever materiais de construção que sejam resilientes. Temos de trabalhar muito neste segmento industrial para que respondamos a estas preocupações. No fundo, há várias questões que devem ser actualizadas no novo contexto.

Mas um dos grandes pontos fracos é também o acesso ao financiamento e o desenvolvimento da capacidade interna em termos de pesquisa e inovação. Como é que se vai conseguir construir um sector industrial forte se não forem definidas regras exequíveis a este respeito? Moçambique compete com as economias da região e a primeira com que nos comparamos é a da África do Sul. Obviamente que quando falamos do acesso ao financiamento, em comparação com as economias à nossa volta, vemos que estamos extremamente fora da competitividade. As nossas taxas são extremamente altas, não temos mecanismos apropriados para financiar a indústria e este é um grande dilema para o sector. Mas também não nos podemos esquecer que temos a agravante de termos uma carga de impostos muito mais elevada que a dos nossos vizinhos. Estes factores retiram a nossa competitividade, porque ainda dependemos www.economiaemercado.co.mz | Novembro 2021


zimos. Será sempre mais fácil e mais barato comprar fora. Isto para dizer que há muito trabalho que deve ser feito internamente pela competitividade da nossa indústria. Um dos aspectos que me saltam à vista na questão da facilitação do investimento privado é a instalação das Zonas Francas Industriais (ZFI), estratégia para a qual o Governo apostou já há alguns anos. Resulta? É uma das ideias acertadas. Nas ZFI está, de facto, criado o ecossistema apropriado para a produção industrial (energia, estradas água, entre outros meios adequados, incluindo a proximidade dos portos para o escoamento da produção). São, de facto, importantíssimas. Por exemplo, nós, AIMO, temos estado a trabalhar na zona especial de Beluluane, enviando os nossos membros para lá se estabelecerem. Mas, ao mesmo tempo, sentimos que o potencial destas zonas, ao nível nacional, ainda está subaproveitado, o que significa que, apesar de muito já ter sido feito, há ainda muito trabalho pela frente para capitalizar estas iniciativas.

Não podemos tentar revitalizar a indústria fazendo da mesma maneira que fazíamos no passado. Temos de estudar o contexto actual, que é de sinergias. Moçambique pode ter condições adequadas para produzir um determinado processo de um produto, mas temos de pesquisar até encontrar esse produto. Por exemplo, hoje em dia fala-se muito de viaturas com componentes eléctricas e aqui temos matéria-prima que pode ser utilizada para a produção de baterias. Em vez de pensarmos em exportar, podemos pensar e compor apenas um processo da bateria e sermos conhecidos no mundo como pessoas que fornecem aquele produto específico. Quanto à Mabor, por exemplo, já há várias indústrias pelo mundo que produzem pneus e se aperfeiçoaram de tal maneira que não conseguiremos obter a tecnologia nem investimentos para estarmos no patamar daquelas indústrias. Outra questão é que temos muitas indústrias a trabalharem abaixo da sua capacidade e queremos que elas continuem a fazer as mesmas coi-

Não temos mecanismos apropriados para financiar a indústria e temos a agravante de termos uma carga de impostos muito mais elevada do que a dos nossos vizinhos. Este é um grande dilema para o sector... em grande medida de produtos importados. Temos de partir de algum lado e vejo no PRONAI um instrumento que poderá abordar este pensamento, trazendo, como disse, todos os actores, incluindo a ciência e a tecnologia para encontrarmos um modelo que nos possa tirar do nível em que estamos, que é muito baixo. Quando tínhamos a economia centralmente planificada era fácil decidir o que se devia fazer neste tipo de objectivos. Hoje, com a economia de mercado, qualquer operador, incluindo o próprio Estado, pode decidir que quer comprar fora. Então, mesmo que haja vontade de investir por parte do sector privado, se faltar vontade por parte dos outros parceiros, aquele investimento não terá resultados. Ou seja, mesmo se o dinheiro fosse barato, se não houver vontade política ao nível da política tributária e política macroeconómica propícia para estimular o investimento privado industrial, será muito difícil conseguirmos processar o que produwww.economiaemercado.co.mz | Novembro 2021

Outra questão é a necessidade de revitalizar as indústrias que já tivemos (Mabor, Vidreira, etc.), o que se afigura muito difícil, basta olhar para as inúmeras tentativas feitas nesse sentido. É mais um sintoma da nossa fragilidade? Qual é o plano? As barreiras estão no mercado. Estão na nossa competitividade. As condições primárias para que os investimentos possam andar por si próprios não são satisfatórias. Acredito que as oportunidades para Moçambique são imensas, pela posição geográfica e pela sua população que, mesmo não sendo muito preparada, tem muita vontade de aprender. É possível fazer-se muita coisa em Moçambique. Dito isso, que futuro para a indústria nacional, num ambiente marcado por uma evolução tecnológica muito rápida e que estamos, de alguma forma, a tentar acompanhar? Temos de trazer uma nova perspectiva sobre como fazer a indústria.

sas. Hoje em dia, qualquer jovem pode ser industrial. Basta ter um computador, ter um produto ou mercado por via das redes sociais. Pode encomendar o seu produto numa determinada indústria e elaborar a sua marca e expandir. É este novo mindset que os jovens precisam de desenvolver. Por exemplo, na indústria de calçado pode ser dispensável que o jovem crie uma fábrica de calçado. Só precisará de desenhar o modelo, fazer a marca e procurar parceria com uma fábrica que vai abrir a linha de produção da sua marca. A indústria, hoje em dia, está a mudar e temos de olhar o que está a acontecer no mundo. Esta é a nova indústria que temos de criar. De jovens que não precisam de ficar muitos anos a estudar engenharia porque são criativos. Estão numa sociedade de informação. É possível Moçambique fazer parte deste jogo e os nossos parceiros têm de compreender esta nova forma de estar.

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MERCADO E FINANÇAS

“HÁ AVANÇOS NA GESTÃO DE FINANÇAS PÚBLICAS, MAS TÊM DE SE CONSOLIDAR” Muito se ouve falar sobre reformas e assistência técnica na gestão das finanças públicas, mas quais são os resultados concretos dessas reformas na vida dos cidadãos e como funciona a contribuição dos parceiros neste propósito? Esther Palacio, do FMI, explica como isto funciona Texto Celso Chambisso • Fotografia D.R

A

boa gestão das finanças públicas é um elemento essencial para garantir o uso eficiente e transparente dos recursos públicos e maximizar o impacto das políticas públicas. Numa tentativa de responder a estas questões, a E&M ouviu a coordenadora da Assistência Técnica do Fundo Monetário Internacional (FMI) em Moçambique, Esther Palacio, que tem acompanhado estas reformas nos últimos dez anos, aportando experiência internacional. Esther deu enfoque às áreas que apresentaram mudanças positivas e destacou avanços encorajadores, mas ressaltou a necessidade de consolidar e aprimorar as reformas num contexto marcado pela gradual transição da economia para a produção do gás natural liquefeito (GNL), o aumento dos riscos fiscais e a descentralização das províncias e dos distritos. Numa perspectiva histórica, quais foram as reformas que mais ajudaram a estruturar a gestão das finanças públicas em Moçambique? Após a independência, em 1975, os esforços concentraram-se na transformação da administração pública moçambicana, amplamente assente em normas e procedimentos de origem colonial, para adaptá-la ao novo sistema de

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planificação e gestão nacional, mais centralizada. Depois do conflito interno, em 1992, o País iniciou um processo gradual de reformas, com a ajuda substancial dos parceiros de desenvolvimento, para modernizar a sua gestão das finanças públicas e torná-la mais transparente e eficiente. Foi assim criado um Sistema Integrado de Administração Financeira (conhecido pelo nome de SISTAFE) para organizar e regular os processos de programação, gestão, execução, reporte e controlo do erário público que, com a implementação da Conta Única do Tesouro (CUT), permitiu processar com maior celeridade e transparência os pagamentos do Estado, directamente para as contas bancárias dos beneficiários. Cabe destacar também a criação da Autoridade Tributária, que resultou da fusão das áreas de impostos e das alfândegas a favor de uma gestão integrada para aumentar a colecta de receitas, e o registo dos contribuintes mediante um Número Único de Identificação Tributária (NUIT). Focalizando nos últimos dez anos, quais seriam as principais reformas que tiveram maior impacto na gestão das finanças públicas e que contaram com apoio do FMI? A primeira reforma que gostaria de destacar tem que ver com a consolidação do SISTAFE e a mudança efectiva de práticas de gestão para a sua plena utilização. Este sistema www.economiaemercado.co.mz | Novembro 2021


gradual que envolve praticamente todas as áreas de gestão, mas a boa notícia é que, finalmente, está em andamento. Consta que a assistência técnica estende-se, inclusive, para questões de planificação fiscal… Essa é a segunda reforma a destacar, como resultado de um processo orçamental mais bem interligado com as políticas públicas e mais realista. Agora, o Orçamento do Estado assenta numa perspectiva plurianual e toma em consideração os diversos riscos fiscais do sector público. Foi criada uma Direcção de Riscos Fiscais, que prepara relatórios que alertam o Governo das implicações futuras de assumir determinados compromissos. Por exemplo, quando se aprova uma garantia para apoiar uma empresa pública, entra-se numa Parceria Público-Privada ou decide-se um investimento que precisará de elevadas despesas de manutenção. Anualmente publica-se uma declaração de riscos fiscais que antecipa os possíveis desvios nas projecções macro fiscais (por exemplo, por uma depreciação da taxa de câmbio ou um aumento da inflação), mas também dos riscos derivados das corporações públicas, do sector bancário e outros órgãos de gestão descentralizada. A identificação de possíveis riscos permite sair de um estado de emergência recorrente para desenhar um orçamento mais realista e capaz de reagir a situações de incerteza. Como nas nossas próprias vidas, isso ajuda a preparar e desenvolver planos contingenciais, onde antes simplesmente reagíamos sem orientação a situações adversas. E o que esteve a fazer-se para fortalecer a capacidade de mobilizar receita doméstica? A terceira reforma agruparia os esforços para a consolidação do sistema tributário e aduaneiro implementado pela Autoridade Tributária, a qual fortaleceu a sua capacidade de liderança, gestão e planificação estratégica com apoio do FMI. O que aqui se pretende é facilitar o cumprimento voluntário das obrigações fiscais pelos contribuintes.

A identificação de possíveis riscos permite sair de um estado de emergência recorrente para desenhar um orçamento mais realista e capaz de reagir a incertezas já abarca as principais áreas de gestão e está disponível até nas zonas mais remotas do País. Agora, além de utilizá-lo para processar pagamentos e produzir relatórios, o seu uso está a ser promovido para tratar cada fase da despesa no momento da sua realização, o que traz maior controlo e transparência, mas também mais previsibilidade por parte dos gestores para executar de forma eficiente. Vamos, agora, para um exemplo prático do impacto: os atrasados aos fornecedores têm sido um problema constante porque se assinavam contratos por fora do sistema sem uma consolidação dos compromissos assumidos, e não se tinha informação para antecipar as necessidades de caixa. Estes atrasados acabavam por ficar na na gaveta, sem a responsabilização dos gestores, e tinham de ser suportados com o orçamento do ano a seguir, inflacionando os preços. Com esta nova abordagem, os fornecedores recebem a prova da existência de recursos, o Tesouro tem visibilidade para preparar os fundos necessários, e qualquer atrasado fica registado nas contas. Trata-se de uma reforma complexa e www.economiaemercado.co.mz | Novembro 2021

Tendo em vista todo o processo das dívidas ocultas, como é que essas reformas ajudam o País a evitar a repetição dos mesmos erros? Todas as reformas evocadas são de suma importância aqui. A primeira diminui imensamente os riscos de que despesas aconteçam fora de um processo orçamental bem estruturado e transparente. Com o registo electrónico e em tempo real, o Governo tem o controlo dos compromissos assumidos e pode restringi-los para evitar a acumulação de atrasados e os auditores têm maior facilidade para detectar possíveis casos de corrupção, o que desincentiva a execução de qualquer despesa que não tenha sido adequadamente orçamentada. A segunda ajuda a detectar riscos sistémicos e a fortalecer os sistemas, regras e instituições envolvidas na gestão das finanças públicas, indo além do Governo central. Foram revistas as regras para a emissão de dívida pública e garantida, com limites e níveis de autorização claramente definidos, e também as regras para a constituição e gestão das corporações públicas. A terceira ajuda a reduzir possíveis casos de corrupção na arrecadação da receita. E quero adicionar, também, uma reforma importante que aconteceu na parte da avaliação de projectos de investimento que está ancorada pelo Sistema Nacional de Investimento

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MERCADO E FINANÇAS

Público (SNIP). Agora a carteira de projectos resulta de processos de selecção transparentes baseados em análises de sustentabilidade e do interesse público e só os projectos aceites nesta carteira são elegíveis para serem integrados no Orçamento do Estado. A simples disponibilidade de um financiamento já não permite ao gestor avançar de forma isolada. Qual tem sido o papel do FMI no apoio a essas reformas e como colabora com os outros parceiros? A assistência técnica é um dos três pilares principais do apoio que damos aos nossos países membros e Moçambique tem sido um dos principais beneficiários ao nível mundial. O FMI oferece um reservatório de conhecimento internacional e de boas práticas na gestão da coisa pública, que permite aprender de outros países, mas também partilhar a experiência própria. O nosso papel é essencialmente estratégico e tem ajudado o Governo a identificar e catalisar importantes reformas que apoiamos com missões técnicas pontuais, treinamentos e até especialistas residentes. Temos especial atenção em seleccionar reformas que sejam críticas, mas, ao mesmo tempo, viáveis. Olhamos, por exemplo, se contribuem para a estabilidade macro fiscal, se contam com o apoio interno do Governo, se a sequência de implementação se adequa às capacidades internas e se estão bem coordenadas com os outros parceiros. Na maioria das vezes a nossa contribuição não é suficiente e desenvolvemos parcerias para ajudar o Governo a realizar estas reformas. Este mês, por exemplo, estamos a assinar um memorando com o State Secretariat for Economic Affairs (SECO), da Suíça, para implementar um projecto de

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“Aceleraram-se as reformas nas áreas ligadas à gestão da dívida e do investimento público, a governação e a transparência fiscal, orçamentação por resultados...” assistência técnica de três anos, que mobiliza cerca de três milhões de dólares, representando o segundo maior projecto de assistência técnica do nosso departamento fiscal na sede, o qual permite dar continuidade às reformas macro fiscais iniciadas com apoio dos governos da Dinamarca e da Bélgica. Como tem sido a dinâmica dessas reformas ao longo dos anos? Quando a minha posição foi criada, há uns dez anos, havia uma grande motivação pelas reformas e uma forte vontade de receber assistência técnica. Mas com a consolidação das reformas, as missões foram tornando-se cada vez mais específicas e intermitentes, trazendo resultados menos visíveis. Questionou-se então a capacidade de absorção do Governo e parecia surgir um certo nível de fatiga em relação às reformas. Talvez houvesse ali um pouco de uma confiança exacerbada de que o futuro próximo e próspero não necessitaria de um esforço de reformas tão acentuadas. Com o aparecimento das dívidas ocultas, em 2016, e a consequente redução do financiamento externo do orçamento, os gestores públicos viram na gestão das finanças públicas uma ferramenta fundamental para maximizar o uso dos limitados recursos disponíveis. Aceleraram-se as reformas nas áreas ligadas à gestão da dívida e do investimento público, a governação e a transparência fiscal, a www.economiaemercado.co.mz | Novembro 2021


programação e orçamentação por resultados e a gestão dos riscos fiscais. O foco das reformas, inicialmente posto na gestão dos recursos do Governo central, foi progressivamente abarcando outras áreas da gestão financeira do sector público, incluindo também as empresas públicas e maioritariamente participadas. Quais os principais desafios da reforma da gestão das finanças daqui para a frente? Moçambique está prestes a tornar-se um dos maiores produtores de GNL. Com as políticas apropriadas, este recurso pode gerar ganhos duradouros e ajudar a reduzir a pobreza de forma substancial. O País está comprometido com a gestão transparente dos fluxos futuros de receitas decorrentes das actividades extractivas e já estabeleceu uma base sólida para a transparência do seu quadro jurídico, do regime fiscal das empresas de recursos naturais e da integração das receitas dos recursos naturais no orçamento. No entanto, o País ainda precisa de fortalecer, o quanto antes, as instituições públicas envolvidas na gestão transparente dos recursos do gás, incluindo a definição de uma estratégia de responsabilidade fiscal com regras claras que protejam o orçamento da forte volatilidade nessas receitas, e que permita gerir as poupanças em benefício das gerações futuras. Por outro lado, Moçambique está a avançar gradualmente com a descentralização fiscal das províncias e dos distritos. Estes novos desafios requerem a realização de importantes ajustes no actual sistema, pelo que devem ser incluídos na estratégia nacional de gestão das finanças públicas, que está a ser revista, e que guiará as próximas etapas da reforma. www.economiaemercado.co.mz | Novembro 2021

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OPINIÃO

A inflação global Wilson Tomaz • Analista do departamento de Research do Banco Big Moçambique

a

economia mundial entrou numa recessão histórica na primeira metade de 2020, em resultado dos impactos da pandemia do covid-19. A nível mundial, os Governos foram forçados a adoptar medidas para o controlo da proliferação da pandemia, nomeadamente através de confinamentos, medidas de distanciamento social e restrições na mobilidade de pessoas e bens, o que resultou numa contracção da actividade económica, que foi de uma magnitude e velocidade sem precedentes. A nível dos mercados de commodities, assistiu-se a uma queda acentuada e transversal dos preços durante os pri-

De acordo com a Organização Internacional do Trabalho (ILO), a redução global de horas de trabalho no primeiro e segundo trimestres de 2020, em comparação com o quarto trimestre de 2019, foi equivalente à perda de 155 e 400 milhões de empregos em tempo integral, respectivamente. Como forma de evitar uma recessão prolongada, vários Governos e Bancos Centrais de quase todo o Mundo, particularmente de economias desenvolvidas, adoptaram políticas monetárias expansionistas e aprovaram estímulos fiscais, como forma de preservar a sobrevivência das empresas, dos empregos e estimular a procura, mitigando, assim, parcialmente, os impactos adversos da pandemia.

meiros meses de 2020. A pandemia afectou tanto a procura como a oferta agregada de diferentes bens e serviços, em resultado dos impactos das medidas de mitigação na actividade e nas redes de abastecimento. Contudo, a redução geral de preços foi, sobretudo, motivada pela queda da procura de bens e serviços, que superou os impactos e disrupções que a pandemia causou do lado da oferta. A título de exemplo, os preços das energias despencaram no início do ano, tendo os futuros do petróleo atingido valores negativos em Abril de 2020, com os receios dos investidores relativamente a uma recessão prolongada, e os seus impactos em sectores como a indústria e os transportes. As medidas de restrição também tiveram um impacto negativo no mercado laboral.

A partir da segunda metade de 2020, com algum sucesso na implementação de medidas económicas e sociais e os avanços no desenvolvimento de vacinas, as economias mais avançadas começaram um processo gradual de abertura, motivando um aumento repentino da procura por bens e serviços. Grande parte desta procura encontrava-se reprimida pelas restrições impostas devido à pandemia e, com a incapacidade imediata de resposta do lado da oferta, observou-se uma trajectória crescente dos preços. Este aumento de preços tem sido transversal a nível mundial, e até ao final do primeiro semestre de 2021, os índices de preços tinham atingido níveis superiores aos pré-pandémicos, com a inflação a superar os limites superiores de

Com o aumento da inflação a nível global, têm crescido os receios de um aumento das taxas de juro pelos principais Bancos Centrais e, consequentemente, um aumento das yields das obrigações, particularmente preocupante para as empresas e para os países mais endividados

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As restrições impostas pela pandemia do novo coronavírus desestabilizaram os mercados com efeitos negativos ao nível da inflação

referência definidos pelos Bancos Centrais nos EUA e Zona Euro. Os principais constrangimentos do lado da oferta têm-se verificado, sobretudo, no sector tecnológico - devido à escassez na produção de chips -, no sector logístico e no sector energético. Segundo a Fitch Solutions, os choques globais de preços têm sido dominados por factores locais. No sector energético, em particular, os preços subiram no 3º trimestre de 2021 na maioria dos mercados, atingindo máximos históricos. No entanto, as causas variaram em cada mercado: Na Europa, os preços de energia triplicaram desde o início do ano devido a uma combinação entre a fraca produção de energia eólica e a redução dos stocks de gás natural para os valores mais baixos verificados em mais de 10 anos; Na China e na Índia, os aumentos de preços foram impulsionados pela escassez de carvão; no Brasil, os problemas de electricidade resultaram de causas naturais, nomeadamente de uma seca; na América do Norte e na Australásia, os preços mantiveram-se mais estáveis, numa tendência, contudo, ascendente. www.economiaemercado.co.mz | Novembro 2021

Com o aumento da inflação a nível global têm crescido os receios de um aumento das taxas de juro pelos principais Bancos Centrais e, consequentemente, um aumento das yields das obrigações, particularmente preocupante para as empresas e para os países mais endividados. Em Moçambique, a inflação tem-se apresentado controlada desde o início do ano, estando em linha com os limites de referência estabelecidos pelo Banco Central. Esta estabilidade resulta em parte da apreciação do metical observada na primeira metade de 2021. No entanto, nos últimos meses tem-se assistido a um crescimento da inflação de forma contínua, espelhando os impactos nos preços que se têm vindo a observar nos mercados internacionais. Sendo Moçambique um país altamente dependente de importações, a inflação local estará necessariamente dependente da evolução dos preços a nível global. Segundo as previsões do FMI, estima-se que a inflação em Moçambique ascenda a 7,3% no final de 2021, reduzindo para 5,5% em 2022.

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Especial Inovações Daqui 59 COMÉRCIO

ELECTRÓNICO

A pandemia veio impulsionar o boom das plataformas de compras online em África

64 TXAPITA

Uma startup para solucionar as dificuldades na mobilidade urbana

66 PANORAMA

As notícias da inovação em Moçambique, África e no Mundo


MERCADO ONLINE NÃO PÁRA DE CRESCER EM ÁFRICA Apesar dos desafios infra-estruturais e de desigualdade de género, África é o continente que apresenta o maior potencial de crescimento de comércio online. E os números comprovam-no Em milhões 2018

171 233,4

2019

281

2020

334,2

2021

95,3%

Número de shoppers online em África praticamente duplicou em três anos. E deverá quadriplicar até 2025

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E-COMMERCE

Cresce Acima da Média Mundial Mas... Ainda há Que Melhorar O impacto da pandemia no comportamento dos consumidores foi, como se sabe, significativo. Ao longo dos últimos 18 meses, as grandes lojas online foram inundadas por um verdadeiro tsunami de consumidores de todo o mundo que descobriram o maravilhoso mundo das compras através de aplicações móveis. Surpreendentemente, ou nem por isso, em África, essa tendência foi ainda mais forte

TEXTO Pedro Cativelos • FOTOGRAFIA Istock Photo , D.R

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mbora as restrições de distanciamento social tenham sido aliviadas em muitas partes do Globo, não há como regressar ao passado nas preferências dos compradores de todo o mundo: centenas de milhões de pessoas descobriram, durante o confinamento, o universo das compras online, da Amazon ao Alibaba, e a tantas outras sobre as quais, antes, pouco tínhamos ouvido falar. A AppsFlyer, uma plataforma que faz estudos de mercado, lançou recentemente a edição de 2021 do seu relatório State of eCommerce App Marketing, delineando as principais tendências globais na construção de uma experiência mo-

O relatório projecta que, com as instalações de comércio electrónico a aumentar em 55% no Android e 32% no iOS em 2021, e os gastos dos consumidores a subir 55% em geral, espera-se que a época festiva do 4º trimestre seja recordista. Com esta tracção, Daniel Junowicz, vice-presidente regional na AppsFlyer, exorta as marcas retalhistas a darem prioridade às apps móveis como parte da sua estratégia, uma vez que a época de compras de férias de Verão no Hemisfério Sul está ao virar da esquina enquanto, no Norte, é o espírito natalício que vai fazer mexer os mercados. “Os comerciantes devem procurar optimizar a experiência global do utilizador,

Com as instalações de comércio electrónico a aumentar e os gastos dos consumidores a subir 55%, a época festiva será recordista bile-first. Tendo analisado mais de 750 milhões de instalações em 7250 apps e três mil milhões de conversões de remarketing, a empresa revela que o mercado africano de aplicações móveis “continua a mostrar um forte crescimento com cada vez mais pessoas a aceder a bens e serviços online do que nunca.” Se globalmente, e ao longo do último ano, as aplicações de retalho já se estão a aproximar dos níveis de utilização máxima, a indústria do comércio electrónico está a entrar no último trimestre de 2021 com perspectivas animadoras como nunca antes. www.economiaemercado.co.mz | Novembro 2021

incluindo a transição da web móvel para a aplicação”, escreve Junowicz. “Além disso, o mercado deve procurar garantir que os clientes cheguem ao destino pretendido dentro de uma aplicação móvel de forma suave e contextualizada. Se esta tendência, que começou em 2020, veio para ficar, os marketeers que acertarem a sua estratégia de investir nas apps móveis verão um crescimento significativo de receitas e aquisições”, preconizou, ao estilo profecia, Junowicz, elucidando o facto de o comércio electrónico estar a registar um crescimento nunca antes visto.

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Quem são os ‘bosses’ deste mercado?

Em África, e estimulado por plataformas como Jumia, Kilimall, Konga e Takealot, não há como contornar a realidade dos últimos meses: o comércio electrónico está a prosperar e... veio para ficar. Entre 2014 e 2018, o número de compradores online no continente africano aumentou, em média, 18% anualmente, face a uma média global de 12%, de acordo com a Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento. Um crescimento impulsionado pela população jovem, urbana e digitalizada do continente. Claro que, com a maior população do continente, e com 76 milhões de compradores online, a Nigéria é, sem grandes surpresas, o maior mercado de comércio electrónico de África, seguida do Quénia e África do Sul. E a Jumia, fundada em Lagos, em 2012, é

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a líder incontestada desde mercado. Durante a pandemia, um número sem precedente de vendedores inscreveram-se no Jumia Mall - uma plataforma para marcas oficiais dentro do site principal - aumentando as opções de compra e fornecendo uma grande variedade de produtos. Lidera um mercado com centenas de lojas online. Um relatório preparado em parceria com a Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD na sigla em inglês), a International Finance Corporation e a Mastercard mostra como 28 milhões de encomendas foram feitas na plataforma no ano passado, sendo que 35% das encomendas feitas através da Jumia foram pagas utilizando o braço financeiro da empresa, a Jumia Pay, uma aplicação que permite aos clientes pagar contas de serviços públicos e fazer encomendas sem sair do ecossistema da empresa.

Em África o online é para todos? Bem...

A tecnológica nigeriana atribui o crescimento actualmente em curso no sector do comércio electrónico do continente à crescente, embora lenta, penetração da Internet. Em toda a África Subsaariana 303 milhões de pessoas, cerca de 28% da população, estão ligadas à Internet móvel, de acordo com o relatório de 2021 da economia móvel GSMA. Espera-se que esse valor cresça para cerca de 40% da população até 2025, alargando o mercado de novas startup. Mas, apesar de todo o crescimento que até supera a média mundial, a aceitação do comércio electrónico em África permanece baixa, de acordo com um recente relatório do Centro Internacional de Comércio (ITC), com apenas dez países a representarem 94% do comércio online no continente. Nigéria, a África do Sul e Quénia são responsáveis pela maior www.economiaemercado.co.mz | N0vembro 2021


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OS GRANDES NÚMEROS DO MERCADO AFRICANO DO RETALHO ONLINE

Fundada em Lagos, em 2012, e lançada no mesmo ano em Marrocos, Egipto e África do Sul (onde opera como Zando), a Jumia começou a vender telemóveis e moda feminina, mas agora oferece uma miríade de produtos, que inclui alimentos, mobiliário e cosméticos. Cotada na Bolsa de Nova Iorque, opera em 11 mercados africanos

11,5% dos utilizadores da internet 281 milhões de compradores 60 dólares por utilizador OS PAÍSES QUE LIDERAM NAS VENDAS ONLINE Nigéria, Quénia, Líbia, Maurícia PLATAFORMAS MAIS VISITADAS

1. Jumia Nigéria

516 milhões

de visitantes mensais

2. takealot.com África do Sul

12,2 milhões

visitantes mensais

3. konga.com Nigéria

2,45 milhões

visitantes mensais

parte das vendas online na África Subsaariana. Isto porque a África Subsaariana é particularmente propensa aos efeitos de infra-estruturas de TIC limitadas — a União Internacional das Telecomunicações estima que a proporção de indivíduos na região que utilizam a Internet, pelo menos ocasionalmente, seja de 28,2% —, consideravelmente abaixo da média dos países em desenvolvimento (47%) e bem longe dos desenvolvidos (86,3%). Além disso, mais de metade da população em 60% dos países africanos vive em zonas rurais. A conectividade tende a ser pobre nestas áreas, que também estão longe dos centros de distribuição, o que significa que os serviços de entrega de mercadorias ou são defeituosos, ou inexistentes ou demasiado dispendiosos. Depois, apesar do estatuto que começa a ganhar forma, e de uma perspectiva de crescimento que pode parecer imwww.economiaemercado.co.mz | Novembro 2021

parável, a indústria tem ainda um outro grande problema no continente: a clara disparidade de género neste tipo de negócio. Assim, enquanto as empresas detidas por mulheres representam 31% das empresas na Jumia, na Costa do Marfim, e 51% no Quénia e na Nigéria, as mulheres são mais propensas a possuir microempresas, têm menos empregados e registam vendas individuais mais baixas, de acordo com um estudo da Corporação Financeira Internacional (IFC em inglês), em parceria com a Comissão Europeia. Corrigida esta desigualdade no mercado africano do comércio electrónico, este poderia beneficiar em cerca de 14,5 mil milhões de dólares se o número de mulheres que vende em plataformas online atingisse a paridade com os homens, resume o mesmo estudo. Os investigadores entrevistaram vendedores e peritos em comércio electrónico, realizaram inquéritos com homens e mulheres que vendem online no Quénia, Nigéria e Costa do Marfim, e analisaram dados da Jumia, a maior plataforma de comércio electrónico do continente, tendo concluído como estas podem apoiar as mulheres a crescer e prosperar no sector, através da recolha de dados

vanguarda da jornada digital de África”, complementa.

Pandemia acelerou futuro... Até em Moçambique

Quando se tornou claro que milhões de consumidores precisariam de se adaptar ao novo normal das compras em formato digital, as perdas dos primeiros meses da pandemia recuperaram de forma célere. Isso reflectiu-se no aumento de 256% da despesa global em aplicações de retalho entre Abril e Maio de 2020. No total, houve um aumento de 55% nos gastos dos consumidores em aplicações em 2020. Para além da ascensão de um sem número de fintech, que tem deixado impressões indeléveis no continente africano nos últimos anos, a indústria do comércio electrónico parece ser o próximo passo digital digno de registo e a merecer um atenção redobrada. As projecções feitas pelo McKinsey Global Institute indicam que, até 2025, o comércio electrónico poderá representar 10% da totalidade das vendas a retalho nas maiores economias africanas, um valor equivalente a 75 mil milhões de dólares de vendas online todos os anos. Para já, e com taxas de crescimento acima

“O comércio electrónico africano está a prosperar, mas estamos a assistir a um aumento do fosso entre homens e mulheres no sector” desagregados por sexo, alavancando o financiamento das plataformas, educando as mulheres em promoções pagas, impulsionando ofertas de formação e encorajando a entrada em sectores de alto valor. “O comércio electrónico africano está a prosperar, mas estamos a assistir a um aumento do fosso entre homens e mulheres no sector”, observa Sérgio Pimenta, vice-presidente do IFC para o Médio Oriente e África. Por isso, iniciativas de apoio direccionadas para as mulheres são cruciais para lidar com esta desigualdade, afirma a Jumia. “É absolutamente essencial que as mulheres sejam tidas em conta no futuro do comércio electrónico”, sublinha Juliet Anammah, chefe dos assuntos institucionais de empresa. “África está no início da sua trajectória de crescimento do comércio electrónico e agora é o momento de assegurar que as mulheres empresárias estejam na

da média mundial, o céu é o limite para o eCommerce africano. E, mesmo em Moçambique, sem grandes dados para analisar em profundidade, a tendência é visível em vários negócios. Casos como o da IzyShop, que já existia (e crescia) no pré-pandemia, juntam-se a vários outros players que entraram no mercado no último ano e meio, de pequenos comerciantes que inauguraram as suas próprias apps de compra e venda dos seus produtos, até às grandes superfícies comerciais que também lançaram aplicações que tornam a experiência de ir às compras num exercício de ficar em casa à espera da entrega. Sendo ainda um mercado pouco amadurecido, a tendência é similar à que se passa no continente africano. Veremos se é uma fase conjuntural ou a emergência de um novo mundo para milhões de empreendedores africanos que querem crescer.

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empresas startup

txapita

Txapita, Uma Ideia Inovadora Para um Velho Problema Não é de hoje que os problemas de mobilidade urbana tiram o sono aos moçambicanos, mas, graças à evolução tecnológica, o que parecia ser um problema de difícil solução pode, em breve, passar à história TEXTO Yana de Almeida • FOTOGRAFIA Mariano Silva

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ma observação pormenorizada da pressão sobre os transportes públicos nas cidades moçambicanas fez os jovens Eddie Massinga e René Meneses concluírem que tais problemas vão além da falta de autocarros, passando a abranger, também, a optimização da gestão dos recursos existentes. Identificado o problema, a necessidade de solução era urgente. Foi assim que Eddie Massinga e René Mene-

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ses criaram, em 2018, o projecto que daria vida ao aplicativo de mobilidade urbana denominado Txapita. Lançado em 2019, o Txapita configura-se como um sistema inteligente de intercâmbio digital para o transporte público de passageiros e mobilidade urbana. “O Txapita é um aplicativo que permite que os utilizadores e passageiros de transportes públicos da área metropolitana de Maputo possam localizar e rastrear autocarros através do telemóvel, em tem-

po real, além de aceder à informação do trânsito e localizar instituições públicas para poderem gerir, de forma inteligente, as suas agendas diárias”, afirmou Eddie Massinga, administrador e fundador do Txapita. A App – baptizada com uma gíria popular muito presente no vocabulário informal moçambicano (Txapita), que remete para a rapidez – é já uma realidade na zona metropolitana de Maputo. “Instalámos dispositivos de rastreamento GPS na frota dos autocarros de transporwww.economiaemercado.co.mz | Novembro 2021


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EMPRESA Txapita ÁREA DE ACTIVIDADE TIC INÍCIO DE ACTIVIDADE 2018 FUNDADORES Eddie Massinga e René Meneses

tes públicos de Maputo e esses conectam-se à plataforma desenvolvida para os sistemas Android e IOS. Existe também um sistema desenvolvido para os operadores de transportes públicos, onde estes têm acesso a gestão das suas frotas e outras informações operacionais”, acrescentou. Apesar de o aplicativo móvel se assemelhar a plataformas já existentes um pouco por todo mundo, como a Uber, Eddie Massinga explica que este aplicativo foi concebido à maneira moçambicana, o www.economiaemercado.co.mz | Novembro 2021

que o torna inovador. “Desenhámos um sistema de acordo com a nossa realidade e contexto, de tal forma que o dispositivo de rastreamento faz a radiografia em 360 graus da localização, não só do autocarro, como também do passageiro. Os dispositivos de rastreamento que foram instalados nos autocarros têm a capacidade de fazer o cálculo da distância e da velocidade para poderem informar o passageiro onde o autocarro se encontra e a partir daí influenciar na toma-

da de decisão”. Animados com o sucesso do Txapita, os desenvolvedores do aplicativo querem trazer cada vez mais inovações para responder a diferentes necessidades do País. “O próximo passo é introduzirmos o sistema de bicicletas compartilhadas dentro da área metropolitana de Maputo. Usamos Maputo como um recorte do aplicável ao nível nacional, um local onde podemos testar as inovações e soluções que trazemos para o mercado nacional”, concluiu.

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panorama

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Saúde

Aprovado teste em seres humanos de “cura” para o HIV Segundo um comunicado à imprensa, da empresa de biotecnologia Excision BioTherapeutics, a agência federal do Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos Estados Unidos, citado pelo site Nova Mulher, foi aprovado o teste em seres humanos de uma “cura funcional” para o HIV - o vírus da SIDA. Denominada da EBT-101, está a ser desenvolvida em parceria com investigadores da Universidade Temple. A EBT-101 isola certas partes do genoma do vírus com o intuito de torná-lo incapaz de sofrer mutações no corpo humano.

A Excision BioTherapeutics, diz o Nova Mulher, partilhou que a tecnologia poderá “curar funcionalmente” os humanos infectados com HIV. Sendo que estudos revelaram a sua eficácia na remoção do ADN proviral do HIV, uma forma do vírus que se replica com as células humanas. Daniel Dornbusch, CEO da empresa, explicou o que entende pelo termo “cura funcional”, ou seja, são quantidades diminutas de HIV que podem permanecer no organismo, porém não a um nível que acuse um teste positivo.

Inovação Digital

Moçambique destaca-se no seminário de pesquisas com aplicações práticas

Moçambique recebe financiamento do Banco Mundial para promover serviços digitais O Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, Daniel Nivagara, anunciou o facto durante o 1º Fórum de Governação da Internet em Moçambique, evento que teve lugar recentemente em Maputo. De forma virtual e presencial, ao longo de três dias, cerca de 20 oradores, nacionais e estrangeiros, debateram os grandes temas inerentes ao uso, governação e desenvolvimento da internet em Moçambique, considerando a legislação, a segurança cibernética, o acesso e a inclusão rumo a um país digitalizado, inclusivo e desenvolvido. O Ministro fez saber, na ocasião, que o Governo “está a trabalhar para a consolidação da governação electrónica em curso, e para permitir que a internet seja acessível e inclusiva.” Daniel Nivagara referiu, por exemplo, “a aprovação pelo Governo de diferentes instrumentos, tais como a política da informática em 2000, as leis da transacção electrónica e das telecomunicações, a política de segurança cibernética e outras normas”. Na opinião do Banco Mundial, Moçambique tem um grande potencial para uma transformação digital dinâmica, como resultado das reformas regulatórias empreendidas pelo Governo nos últimos anos, as quais impulsionaram o sector das telecomunicações.

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Trata-se de criações inovadoras que incluem o desenvolvimento de estruturas de bambu, que podem ser montadas rapidamente para servir como abrigo, e mesmo enfermarias temporárias, durante desastres ambientais. Constituem também soluções para conservação de alimentos e aproveitamento de frutas locais e criação de sistemas para evitar o desperdício de água e energia. Estas criações são apenas alguns exemplos dos estudos apresentados recentemente, durante o 3º Seminário Internacional de Investigação Científica, realizado nos formatos virtual e presencial pelo Fundo Nacional

de Investigação (FNI), órgão do Ministério de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior de Moçambique. No evento, em que participaram estudantes moçambicanos de graduação e pós-graduação e estudantes de países como o Brasil, Colômbia, Cuba e Portugal, os moçambicanos apresentaram a maior parte dos trabalhos, com destaque para o desenvolvimento de um software para o dimensionamento de diversos tipos de estação de tratamento de água, apresentado por Agnercio Maria Sambo, e de um sistema electrónico de alerta de consumo excessivo deste recurso, de Adriano Muvambo. “As soluções apresentadas demonstram bem os problemas que Moçambique enfrenta e podem servir de inspiração para pesquisadores brasileiros. Os dois países têm muito em comum em termos de cultura, clima e organização da sociedade e muito do que serve para um pode ser útil para o outro”, disse Holmer Savastano Júnior, professor do da Universidade de São Paulo.

FinTechs

África pouco competitiva na inovação do sector financeiro A BAI Global Innovation Awards, prestigiado programa de premiação às ideias inovadoras da indústria de serviços financeiros do mundo, anunciou recentemente os bancos e instituições financeiras finalistas do 11º prémio anual de 2021. De um total de 32 bancos seleccionados para a final do grande prémio, a ser anunciado já em Dezembro próximo, consta apenas o sul Africano FNB, que se desta-

ca por ter criado um benefício futuro para as famílias em caso de doença crónica, categoria classificada na inovação em produtos e serviços de consumo. Outras categorias avaliadas incluem aspectos, como gestão de riscos de fraudes, transformação digital, capital humano, meio ambiente, processo interno e inovação em produtos e serviços para as Pequenas e Médias Empresas. www.economiaemercado.co.mz | Novembro 2021


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ócio

(neg)ócio s.m. do latim negação do ócio

70 República Dominicana: uma viagem pelos encantos paradisíacos América Central

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e 72 Nesta edição, conheça alguns corredores do street food típico de Moçambique

73 Uma discussão oportuna sobre a necessidade ou não de modernizar o vinho


O destino

REPÚBLICA DOMINICANA: CARIBE

Uma aventura por uma das mais belas paisagens do planeta

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há figuras que ficam gravadas na nossa memória e assumem estatuto de “quase protagonista” das histórias das nossas vidas. Por mais tempo que passe, e por mais amareladas que se tornem as páginas do nosso diário íntimo, recusam a apagar-se. Há, por conseguinte, que honrá-las. É o caso de Julito, o motorista de machibombo que, ao longo de duas semanas, conduziu um bando de estudantes nas suas aventuras (e desventuras) de viagem de fim de curso. A sua bonomia, o seu romantismo e o seu sentido de humor, tão meigos quanto o ritmo insular da sua terra natal, estavam encapsulados no dístico que trazia colado por cima do espelho retrovisor: “Soy todo sentimiento”. O cenário: República Dominicana, finais da década de

“SOY TODO SENTIMIENTO” 1990 (alguns dos leitores não eram nascidos). Um grupo de finalistas universitários escolheu como destino para a sua derradeira excursão académica a pacata vila de Juan Dolio, num pacote de pulseira que trazia tudo incluído. Há episódios que não vale a pena saírem das páginas do diário, como as serenatas ao luar regadas a (muito) rum que acabavam invariavelmente em mergulhos de mar com (ou sem) roupa. Mas outros há que são partilháveis. Julito tornou-se no herói que aguentava as cantilenas do barulhento grupo enquanto os levava a visitar os quatro cantos do país caribenho que ocupa dois terços da ilha Hispaniola, partilhada com

o Haiti: o cenário dos filmes “Apocalypse Now” e “Jurassic Park”; as casas de férias dos famosos de Hollywood; o colorido mercado na capital, Santo Domingo; ou as intermináveis plantações de cana-de-açúcar. Aguentava até as noitadas nas discotecas à beira-mar, onde, sobre a areia quente e ao ritmo de uma saborosa salsa, os pés mais tortos se tornavam exímios dançarinos conduzidos pelas mãos seguras dos mafiosos donos da noite. No dia seguinte, com a mesma boa disposição e infindável paciência, levava-os a tomar um suco da dita cana para ajudar a curar a ressaca, seguido de um almoço num restaurante de beira de estrada onde a música

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jamais cessava. E onde, pintada sobre uma parede de tinta descascada, com gaivotas a querer descolar de um fundo azul, se lia uma frase premonitória: “Si amas algo, déjalo libre, si regresa es tuyo, sino nunca lo fue”. Havia raras ocasiões em que Julito deixava de ser protagonista para ceder o lugar a outro Julio, este sem direito a diminutivo: o Iglesias. Saíamos de manhã cedo, eu e a minha amiga-irmã Ana, companheira de outras estradas que por ora não importam, em cima de duas bicicletas alugadas para começar o dia a ouvir as histórias do italiano que trocara a frenética vida de jornalista na Europa pelo doce embalo de um bar das Caraíbas. Mal nos via chegar, punha a tocar vezes sem conta a nossa música de eleição: “La Carretera”, do tal Julito cantor que tantos corações quebrou. “Llueve y está mojada la carretera / Qué largo es el camino, qué larga espera!” – cantávamos nós de mão ao peito, em total desafino, seguindo o sábio lema de Julito, o condutor: “Soy todo sentimiento”. Havia também alguns interregnos na vida farrista, quando, em preparo para a noite, nos deitávamos numa espreguiçadeira de piscina, numa inconfessa sesta à sombra de um coqueiro, com as memórias de Pablo Neruda adormecidas sobre o peito, dando o mote para os capítulos que ainda havíamos de escrever: “Confesso que vivi”. Ao fim de duas semanas, Julito conduziu penosamente o machibombo em direcção ao aeroporto e o grupo embarcou ruidoso no voo de regresso a casa. Peles tostadas, sorrisos fartos, cabelos crespos de sol e de sal, cantando em uníssono (ou nem por isso): “Sigo en la carretera buscándote / al final del camino te encontraré / aceleré...”. TEXTO CRISTIANA PEREIRA FOTOGRAFIA D.R. www.economiaemercado.co.mz | Novembro 2021

JULITO TORNOU-SE NO HERÓI QUE AGUENTAVA AS CANTILENAS DO BARULHENTO GRUPO ENQUANTO OS LEVAVA A VISITAR OS QUATRO CANTOS DO PAÍS CARIBENHO ROTEIRO COMO IR Voe para o aeroporto internacional Las Américas via Estados Unidos (Miami ou Newark) ou via Europa (a partir de Madrid). ONDE FICAR Opções não faltam naquele que é um dos mais populares destinos turísticos das Caraíbas. Boca Chica, a 30kms da capital, é uma das praias mais procuradas. A estância de Juan Dolio fica a 70kms. ONDE COMER Na República Dominicana, talvez a questão mais relevante seja o que beber e não tanto o que comer. Aconselhamos o rum envelhecido de textura rica e cor dourada (procure o “Ron Barceló Gran Añejo”), servido com muito gelo e umas gotas de lima. No caso de exagerar na quantidade, no dia seguinte tome um sumo de cana e tudo fica melhor.

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GASTRONOMIA

Ao sabor da típica comida moçambicana da rua

g comer na rua é nice! Quem o diz são as revistas de moda, sendo que já é uma tendência em todo o mundo. Moçambique entra com pleno direito nesta história, com a sua variada comida de rua – num “senta-a-baixo” ou de pé numa barraca – a ganhar dignidade gastronómica: chamuças, espetadas de peixe ou carne, matoritori (crocante de açúcar e coco), muthlutlho (caldo com pedaços de carne ou peixe). A comida de rua, conhecida como street food, é um fenómeno que está ligado a aspectos culturais. São ali-

A NOSSA PRÓPRIA STREET FOOD mentos prontos para um consumo fast, e podem ser doces ou salgados. Há várias razões para se optar por esta comida: porque é mais barato, porque é a maneira mais rápida de comer qualquer coisa, porque é uma maneira de descobrir sabores diferentes. Existe desde sempre e encontra-se em todo o mundo, mas tem, porém, um carácter regional, muitas vezes local. Exemplos disso são os hot do-

HÁ VÁRIAS RAZÕES PARA SE OPTAR POR ESTA COMIDA: É MAIS BARATO, É A MANEIRA MAIS RÁPIDA DE COMER QUALQUER COISA...

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gs de Nova Iorque, os kebab de Istambul e... as badjas de Maputo. Em Maputo, há sempre uma mamana a vender badjas: uma bacia – com uma capulana a proteger das poeiras –, um espeto de madeira e pão num cesto ao lado, para os trabalhadores na pausa do almoço ou para os estudantes na hora do lanche. A badja é já um elemento essencial das ruas da capital. Podíamos dar a volta ao mundo com esses bolinhos fritos de farinha de grão-de-bico – com cheiro a coentros e um gostinho a piripiri. Podemos dizer que as badjas de Maputo são primas das

badjas de Mumbai (Índia), mas são também parentes das panelle de Palermo (Itália do Sul) ou da panissa de Génova (Itália do Norte). Têm ainda uma ligação aos falafel do Médio Oriente. Mas esta iguaria ficou ainda mais local, quando uma senhora decidiu usar a farinha de feijão nhemba por falta da de grão-de-bico. A badja ficou ainda mais saborosa e mais moçambicana! TEXTO PAOLA ROLLETTA FOTOGRAFIA RICARDO FRANCO

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AS UVAS QUE FOSSEM COLHIDAS MUITO CEDO PASSARAM SUBITAMENTE A SER COLHIDAS TARDE. ISSO SIGNIFICAVA... A NECESSIDADE DE CORRECÇÃO NA ADEGA

PRECISARÁ O VINHO uma das discussões frequentes no mundo do vinho é o conflito entre tradição e modernidade. O vinho está enraizado na tradição, especialmente em países onde é feito há centenas ou milhares de anos. Mas a popularidade recente do vinho em países onde este não era a bebida tradicional mudou bastante o cenário. Por causa da procura dos mercados de exportação, a ligação entre o lugar e o vinho ficou enfraquecida, pelo menos em alguns segmentos de mercado. Em muitas regiões, tornou-se possível separar os produtores de vinho em diferentes grupos: aqueles mais tradicionais, que fazem vinhos da forma que se faz há muito tempo, e os que se afirmam modernos, que procuram implementar a ciência e a tecnologia para produzir vinhos novos, mais internacionais, com sabores bastante diferentes dos vinhos antigos. Isso fez emergir uma narrativa simples: quem é moderno ou tradicional? Criou igualmente conflitos. E muito de tudo isto foi desnecessário. Tomemos Portugal como exemplo. Em meados da década de 1990, o panorama do vinho era bastante diferente do actual. Tínhamos o vinho do Porto, que era visto como uma bebida muito tradicional, assim como o vinho da Madeira. Embora a fortificação não seja tão antiga como muitas pessoas pensam, o vinho do Porto, como o conhecemos hoje, tem algumas centenas de anos de História. Não tem havido muito debate sobre a modernização do vinho do Porto ou do vinho da Madeira, porque estes têm tido um relativo sucesso e a sua imagem tradicional tem feito parte da sua força. A única mudança foi o aumento na qualidade do Porto Ruby mais barato, que foi bastante impressionante. Mas ambos permanecem fiéis à sua tradição. Os vinhos tranquilos portugueses, no entanto, mudaram dramaticamente. Quase todos eram baratos - e vendiam-se porque eram baratos. Eram rústicos e não muito bem feitos, e apresentavam, frequentemente, sinais de oxidação e acidez volátil. Em meados da

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DE SE MODERNIZAR? década de 1990, alguns dos vinhos de maior sucesso comercial eram feitos por enólogos consultores estrangeiros. Os vinhos mais modernos, bem feitos e limpos destacaram-se. Depois veio a revolução do Douro. Aqui a modernização era necessária, mas talvez, em alguns casos, tenha ido longe demais. A tecnologia moderna de vinificação e o conjunto de ‘truques’ disponibilizados por empresas de produtos enológicos e leveduras significava que, embora os vinhos mais rústicos fossem limpos, muitas vezes eram também ‘maquilhados’. As uvas que talvez fossem colhidas muito cedo e com maturação variável passaram, subitamente, a ser colhidas tarde demais. Isso significava um perfil de fruta muito doce, mas também a necessidade de correcção na adega porque a acidez era muito baixa e as leveduras – perante teores muito elevados de açúcar no mosto -­ precisavam de assistência química para completar a fermentação. Em seguida, as barricas de carvalho de pequena dimensão tornaram-se moda, em parte para compensar a estrutura perdida pela vindima tardia. O resultado desta modernização foram vinhos que, em alguns sentidos, eram ‘melhores’, na medida em que não eram rústicos, diluídos ou vegetais. Mas eram anónimos: a fruta doce e o carvalho encobriam qualquer senso de lugar. Os enólogos eliminaram o terroir. Algo similar sucedeu no Alentejo, no Tejo e até em Lisboa e na Península de Setúbal. Surgiu um novo perfil de vinhos tintos bem feitos, elegantes e deliciosos, que encantariam os clientes dos supermercados, tanto no mercado interno como nos mercados de exportação, mas que trocaram a identidade do local pela capacidade de serem bebidos. Sim, a maioria dos vinhos produzidos anteriormente precisava de modernização, mas o pêndulo talvez tenha balançado em demasia. É preciso dizer que não há nada de mal com vinhos frutados e atraentes. No segmento inferior de mercado, é isso que as pessoas desejam. Só que estes consumidores não estão preparados para pagar muito por esses vinhos; e se uma região abastece esse segmento do mercado pode ser difícil ter lucro, embora possa vender muita quantidade. E os vinhos densos, ricos e maduros de alta qualidade? Sim, há mercado para estes, mas de repente tivemos uma erupção de tintos do Douro de 50 euros com o mesmo sabor, e nenhum sabia ao Douro. O mercado para este tipo de vinhos é limitado. Assistimos agora a uma oscilação do pêndulo no sentido anterior. Já não é assim tão simples dividir os produtores em dois grupos: modernos vs. tradicionais. Alguns enquadram-se bem numa dessas categoria, mas muitos não.

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LITERATURA

“A Voz do Cárcere” foi lançado em Abril de 2021 e gira à volta da população reclusa

“A VOZ DO CÁRCERE” o business louge by nedbank, em Maputo, foi o local

escolhido para fazer ecoar as diferentes vozes de homens e mulheres que dão vida à recente obra da autoria de Paulina Chiziane e Dionísio Bahule. Com 475 páginas, “A Voz do Cárcere” dá a conhecer aos leitores as vivências da população reclusa por meio de surpreendentes e profundas declarações de quem vive enclausurado. Num debate promovido pelo Nedbank, os autores da obra partilharam com o público as emoções e experiências que precisavam de sair do papel, para um apelo ainda maior à sociedade em relação a este grupo civil. “Estamos aqui apenas para promover um debate, uma espécie de nova consciência, da nossa sociedade tendo em consideração que qualquer um pode entrar na prisão a qualquer momento “, introduziu Paulina

OUVIDA NO FOLEAR DE UM LIVRO Chiziane. Em jeito de questionamento, Chiziane conduziu o auditório à reflexão sobre a reintegração social deste grupo da população moçambicana que é, no seu entender, muitas vezes, esquecido e estigmatizado. “Estar com pessoas privadas da liberdade fez-me perceber que a humanidade precisa de ser questionada”, acresceu. No olhar de Dionísio Bahule, co-autor de “A Voz do Cárcere”, esta obra proporciona uma experiência única de percepção do “outro” sem julgamentos. “Doeu perceber que dentro deste mundo existe outro que ignoramos todos os dias. É importante que a sociedade e as instituições pensem nesse outro mundo e na reintegração social dos reclusos”, acrescentou. Para Joel Rodrigues, CEO do Nedbank Moçambique, tor-

COM 475 PÁGINAS, A OBRA É UMA CONJUGAÇÃO ENTRE A LITERATURA, A SOCIOLOGIA, A PSICOLOGIA E A ANTROPOLOGIA www.economiaemercado.co.mz | Novembro 2021

na-se importante trazer a debate reflexões do género, pois retratam uma realidade actual de um problema que afecta a toda a sociedade. “Queremos ser um player activo no processo de discussão de todos os temas que são importantes para a economia moçambicana e, naturalmente, o sector prisional é importante a analisar”, disse. Na ocasião, o banco reiterou o seu compromisso com a cultura. “A cultura pode esperar do Nedbank um parceiro muito activo, promovendo não apenas artistas renomados, mas os que se pretendem lançar em todos os mercados onde o Nedbank se faz presente”, assegurou Joel Rodrigues. Tendo como proponente o Serviço Nacional Penitenciário (SERNAP), “A Voz do Cárcere” é uma conjugação entre a literatura, a sociologia, a psicologia e a antropologia. TEXTO YANA DE ALMEIDA FOTOGRAFIA MARIANO SILVA

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BMW CIRCULAR

O CirCular incorpora os três princípios da economia circular – Reduzir, Reutilizar e Reciclar

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BMW APRESENTA O CIRCULAR, a electrificação da gama automóvel está em curso para todas as marcas automóveis, e a BMW não é excepção. Com cada vez mais modelos eléctricos e híbridos, as empresas estão a abandonar os combustíveis fósseis, tentando reduzir a pegada ecológica de cada carro. Há pouco tempo, Oliver Zipse, CEO da BMW, indicou que a empresa vai apostar numa nova geração de baterias a partir do próximo ano, que irá alimentar modelos como o i4, ix SUV, entre outros modelos que serão fabricados nos próximos tempos. A BMW apresentou, no Salão Automóvel de Munique, o concept-car CirCular, uma amostra de como a empresa pensa que os carros do futuro serão. Os detalhes são poucos, excepto que

UM AUTOMÓVEL RECICLÁVEL o carro se destina à produção em 2040 e foi projectado para ser 100% reciclável. O CirCular incorpora os três princípios da economia circular – Reduzir, Reutilizar e Reciclar. O chefe de design da BMW, Domagoj Dukec, conversou com a DesignBoom sobre o conceito, tendo explicado que “um carro sustentável não pode ‘ser’, apenas ,reduzir, reutilizar e reciclar materiais. É também repensar a construção e os processos de fabrico, e olhar para os nossos fornecedores, bem como os desejos dos clientes.” A empresa diz que o CirCular “define um monovolume limpo que é ininterrupto da frente para trás. A linha do tejadilho ascendente e o painel da capota in-

O CIRCULAR DEFINE UM MONOVOLUME LIMPO QUE É ININTERRUPTO DA FRENTE PARA TRÁS. A LINHA DO TEJADILHO ASCENDENTE E O PAINEL DA CAPOTA... ADICIONAM DINAMISMO À SILHUETA

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clinado para a frente adicionam dinamismo à silhueta. Abaixo da porta traseira na parte traseira, uma superfície esculpida promove essas impressões com um movimento horizontal impressionante. O corpo é deixado sem pintura, feito de alumínio secundário anodizado ouro claro. Esta aparência mais calma combina com a cor púrpura azulada mais animada na parte traseira, realizada em aço tratado termicamente.” Dukec acrescenta: “A BMW deve ser icónica. Esta é a maneira de estender o ciclo de vida de um carro. O exterior pretende ser atemporal para que possa ser considerado fresco por mais de uma década. Para fazer isso, precisamos equilibrar minimalismo com expressividade. Tudo se resume a proporções arredondadas e orgânicas, sem linhas de estilo que podem sair de moda com relativa rapidez”.

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