Nampula
A ILHA DE SAQUINA OMUHIPITI, ILHA DE MOÇAMBIQUE
Um local que guarda segredos ancestrais para contar aos seus mais fiéis visitantes
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o mar atravessa as rochas carcomidas pelo tempo e pelo sal. Mas elas continuam ali estacadas, como se protegessem – para a Ilha continuar ilha – a terra do mar que chega em violentas ondas e morre, ainda que um pouco de cada vez, na espuma dos dias. Também a Fortaleza de São Sebastião, construída entre 1545 e 1547 para o controlo de quem chegasse pelo mar, hoje parece cumprir a missão de resistir ao avanço das águas. E resiste imponente, a alimentar o misticismo da sua construção. Na lenda fundadora da Ilha, Muanante é o nome da gigantesca criatura que numa noite colocou mãos à obra e na manhã seguinte já tinha erguido a Fortaleza. Esta estória resiste ao tempo, de boca em boca, no que o academicismo chama de tradição oral, ainda tão presente na Ilha. Até hoje há quem não acredite que homens e mulheres, os nativos e os que chegaram por caravelas e quiseram
fazer da Ilha poiso fixo, podiam por mãos próprias erguer o monumento em verticais pesadas pedras. Dos monumentos às gentes, a Ilha é esta evocação do misticismo. É o que nos confirma a imagem de Saquina, no restaurante a que dá nome, ali tão perto do mar e tão perto da Fortaleza. O rosto encoberto de m’siro, este pó a fazer as vezes de um véu, que esconde e ao mesmo tempo insinua o rosto que cobre, como se impusesse ao nosso olhar o desafio da revelação. “o m’siro/ encantamento dos meus olhos/perfaz a tua insular imagem./No litoral do teu corpo/a apoteótica espuma/do orgasmo das ondas./ Ó júbilo na falésia do canto.” está muito nestes versos de Nelson Saúte. Nascida em Monapo e ida para a Ilha com dois anos, é prova ululante que, se o lugar de nascimento define a nossa origem, só depois de vivermos muito podemos definir a nossa identidade. “Eu sou da Ilha” – afirma 42
anos depois do nascimento, com as mãos em preparação de nimino, uma caldeirada de peixe e banana (que pode também ser feita com mandioca ou batata doce). As viagens são também sobre os sabores que marcam a memória do lugar. Mas o espaço em que hoje se encontra o restaurante, que é paragem obrigatória para quem está de visita à Ilha, mesmo à beira mar, é também evocador de outras memórias. Em adolescentes namoros, Saquina ficava por longas tardes a assistir o sol a deixar-se engolir pelo mar e a noite a encobrir o céu a permitir a privacidade possível. Esta memória parece ainda física e Saquina não disfarça o sorriso. Afinal, do mar para amar, a distância é de um «a» evocador do «ah» que sugere suspiros de prazeres adormecidos.A Ilha é a parte insular, mas também a continental, uma sendo a raison de vivre da outra. O continente apenas o é porque existem longos quilómetros de água a separá-lo de espasmos de terra firme. Uma viagem a bordo de
www.economiaemercado.co.mz | Setembro 2021