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NAÇÃO
À PROCURA DA CHAVE DA INDEPENDÊNCIA ECONÓMICA
São já 46 anos que se assinalam precisamente agora, em Junho, que o País tenta buscar a soberania financeira que nunca mais chega, apesar dos apoios… e mais apoios externos que Moçambique recebe todos os anos. Nem as tentativas de responder, na prática, aos questionamentos dos estudiosos sobre se a eficácia da ajuda externa ao desenvolvimento tem surtido efeito, acabando por consubstanciar a ideia de que tais apoios nunca determinarão o fim da dependência. Onde está o erro e como redireccionar a procura pela autonomia financeira?
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Texto Celso Chambisso • Fotografia Mariano Silva & D.R.
Para bom começo, o representante-residente do Banco Africano de Desenvolvimento (BAD), Pietro Toigo, explica que a independência económica não significa não ter défice fiscal ou ser capaz de financiar o próprio orçamento através dos impostos públicos, até porque há países industrializados que ainda têm um peso da dívida significativo e que utilizam financiamentos em Eurobonds nos mercados globais.
Segundo o responsável, para medir a independência económica é preciso considerar a resiliência a choques externos e a capacidade de utilizar qualquer forma de recursos disponíveis para implementar, de forma estável, os programas de desenvolvimento económico e social. “Haverá momentos em que o Governo entenderá ser melhor e mais barato ir aos mercados internacionais tomar empréstimos do que aumentar impostos.
É uma análise económica que se pode fazer, mas que não deve significar que o País não seja economicamente independente”, argumenta. Pietro Toigo assinala, ainda, que parte da dificuldade de Moçambique é o facto de ter possibilidade reduzida de tomar empréstimos nos mercados de capitais a taxas razoáveis, devido ao seu histórico desfavorável na gestão da dívida pública. Mas sublinha que “a independência económica é também a possibilidade de aceder às ferramentas financeiras para que o País, a custos sustentáveis, decida qual é o pacote de ajuda viável”. É a estes requisitos de autonomia económica que o País não consegue responder ao longo dos seus 46 anos de independência política. Para o economista, pesquisador e docente universitário António Francisco, esse tempo seria suficiente para que Moçambique se tivesse transformado numa economia acima do patamar dos actuais melhores exemplos africanos em termos de desenvolvimento socioeconómico, nomeadamente o Botsuana e as Maurícias, “porque temos recursos que eles não têm”. Então, porque somos dependentes? Quando e como começou esta dependência?
Lá atrás faltou incentivo à iniciativa privada António Francisco considera que logo a seguir à independência política houve a ideia errada de que o capital privado tinha de ser substituído pela estatização, segundo a qual o Estado iria ser o gerador e acumulador da riqueza. Isso acabou por criar uma situação que dominou o pouco capital que existia e rompeu com a ideologia do tempo colonial, em que havia a consciência de que era necessário desenvolver a economia privada. Na óptica do economista, o princípio da administração colonial portuguesa é que devia ter sido o caminho a seguir, “porque, se não se desenvolver a economia por via do investimento produtivo, fica-se numa situação de economia de subsistência, precária”. Foi o que aconteceu durante o período da independência, “em que se estrangulou o crescimento de uma economia privada, matando a possibilidade da criação de uma classe empreendedora que gerasse a sua própria poupança”. Assim, o Estado não permitiu o desenvolvimento de empresas com capacidade de produção massiva. Desta forma, a própria base de modernização da agricultura foi interrompida,
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“matando, por exemplo, os colonos negros que começavam a surgir em Chókwè”. Ainda de acordo com o pesquisador, “também se assistiu à nacionalização da terra, do sector imobiliário, da educação, das profissões liberais, impedindo a possibilidade de criação de capital…e ao fim de 10 anos (por volta de 1985) Moçambique estava completamente falido”. Reconhece, no entanto, que a guerra civil (1976-1992) contribuiu para o insucesso, mas insiste que “o maior problema foi pensar que em vez de ser a sociedade, por via da economia privada e empresarial a desenvolver o País, seria através do Estado. Aí morria a possibilidade de criar a poupança interna e nascia a dependência da poupança externa”. A partir daqui o economista entende que o caminho de uma dependência externa mínima teria sido assegurado se o Governo daquela época não tivesse nacionalizado a terra e a habitação. Ou seja, “era preciso que não se tomasse uma posição radical contra o capitalismo, porque esta não é a causa da pobreza. Pelo contrário, a experiência internacional tem provado o inverso”, argumentou.
Os erros sucederam-se? António Francisco também revela que quando o Governo pôs fim ao modelo de economia centralmente planificada fê-lo de forma errada, ao aceitar apoios condicionados ao controlo do Estado por parte de organizações como o FMI. “Aí não se pode ter uma liberalização saudável, regulada, aberta e capaz de gerar acumulação”, defende. Este posicionamento é secundado por uma pesquisa de 2009, do Instituto de Estudos Sociais e Económicos (IESE), que narra uma sequência de eventos e condicionalismos de ajuda que no fundo desajudaram Moçambique. “Os Estados Unidos e outros doadores exigiram ao País que passasse da economia centralmente planificada para a economia do mercado. Em 1984, Moçambique juntou-se ao FMI e ao Banco Mundial, e logrou um aumento drástico da ajuda… foi também exigido a Moçambique que autorizasse a operação de organizações não governamentais internacionais e, cinco anos mais tarde, o número destas organizações era de cerca de 180. Uma terceira condição era que Moçambique adoptasse políticas de ajustamento estrutural do FMI e Banco Mundial, e como forma de pressão os doadores retiraram a ajuda alimentar até ao anúncio da adopção deste Programa. Doravante o Governo foi deixando de oferecer resistência e a ajuda externa foi aumentando, ocasionando a situação de dependência que o País vive”, descreve o IESE. Mais recentemente, aos grandes obstáculos à independência económica, adicionam-se outros factores, segundo António Francisco, que se refere ao “ambiente hostil à protecção da propriedade privada, situações como os raptos que se tornaram muito frequentes em Maputo e já se expandem para outras cidades do País, bem como as guerras que além da mais recente, em Cabo Delgado, incluem os ataques armados que, de tempos em tempos, têm lugar no Centro e que levam as pessoas a investirem fora do País”.
A ajuda que não ajuda… Aqui, duas perguntas se impõem: seria possível utilizar os recursos do apoio externo para reduzir a necessidade desse mesmo apoio? Como Moçambique usa o dinheiro que recebe? António Francisco entende que “grande parte da ajuda que recebemos acaba sendo orientada para o consumo e não para gerar mais poupança e investimento”. Logo, não reduz a dependência. Ao mesmo tempo, o economista vê a ajuda como “um pau de dois bicos” porque, por um lado, todos os países que se desenvolveram por meio dela, principalmente na Ásia, conseguiram garantir a capitalização que alavancou a economia. “Nós não fizemos isso e eu duvido que estejamos preparados para o fazer porque, ao beneficiar da ajuda, o Estado deixou de ter responsabilidade para com o cidadão e passa a prestar mais contas ao doador”, sustenta o economista, que acredita que Moçambique ainda viverá na dependência da ajuda por longos anos. “Independentemente da oportunidade dos recursos energéticos, como o gás e os minérios com elevado valor de mercado, o País vai ficar dependente do investimento estrangeiro porque o nível de tecnologia e de integração desses produtos envolve muito capital estrangeiro”, observou, para depois concluir: “esquecendo os recursos naturais, a única maneira de reduzir a dependência era criar um mercado em que o Estado não interferisse, mas deixasse que o mercado se estruturasse, permitindo que as pessoas pudessem produzir”. … Ou pior. Uma ajuda que empobrece Na pesquisa sobre “Dinâmicas da Pobreza e Padrões de Acumulação em Moçambique”, o IESE questiona como é que se explica que, ao invés da ajuda externa criar autonomia e independência dos moçambicanos em relação aos doadores, esteja a acontecer precisamente o contrário? Efectivamente, a actual situação tem-se reduzido à fórmula que defende que “quanto mais ajuda externa nos dão, mais dependemos dela e mais a desejamos” independentemente da sua qualidade e impacto. Com esta constatação, o IESE defende que “a ajuda externa não nos pode desenvolver. Pelo menos, não nas modalidades em que ela é realizada. A ajuda está a ser processada numa perspectiva instrumental, servindo preferencialmente os interesses dos próprios doadores. Noutros termos, na sua versão instrumental, a ajuda externa viabiliza a dominação dos doadores sobre os recipientes ao banalizar a sua dimensão política, facto que estrangula o sentido de dignidade, limita a autonomia do indivíduo, e compromete a possibilidade de os moçambicanos construírem o seu desenvolvimento”. Assim, o IESE entende que são os próprios moçambicanos que de forma responsável devem, a pouco e pouco, ir construindo o seu desenvolvimento no processo de provisão pelas suas necessidades quotidianas. “Nestes termos, a ajuda externa só terá serventia para o desenvolvimento da sociedade moçambicana se ajudar o Estado na criação de

NAÇÃO
A INDEPENDÊNCIA CHEGOU COM DÉFICE ORÇAMENTAL…
As despesas do Estado, desde cedo, eram superiores às receitas, um défice que historicamente é coberto pela intervenção externa
Moçambique nunca foi capaz de eliminar o défice orçamental ao longo dos anos, apesar de melhorias substanciais na sua redução
(Em milhares de escudos/meticais) 274
62 86 148 141 203
1975 1980 1986
Receitas do Estado Despesas do Estado
Estes dados estão expressos em escudos de Portugal até 1980, ano em que foi criado o metical, moeda que nos primeiros anos tinha o mesmo valor cambial que o escudo.
…E O DÉFICE PREVALECE ATÉ HOJE
(Mil milhões Mt)
309 368,6
169,9
7,9 8,8 27,9 27,4 66 52 56,5
2000 2006 2010 2015 2021
Recursos internos Recursos externos
FONTE Banco de Moçambique, INE e IESE

um quadro que permita aos moçambicanos afirmar a sua autonomia individual no processo de emancipação social, política e económica”, conclui a pesquisa. Ou seja, as prioridades devem ser definidas pelos moçambicanos e não pelos parceiros de apoio, e dentro de um quadro em que haja disciplina na utilização desse apoio.
Há que combater a descontinuidade dos planos Com foco nas soluções para o fim da dependência externa, o economista Pedro Cossa, que é também presidente da Associação Moçambicana de Economistas (AMECON), concordou que, com 46 anos de independência, era suposto que o País estivesse a viver um cenário diferente do que vive, até porque há países que alcançaram as suas independências em momentos iguais ou próximos ao de Moçambique, mas estão numa situação económica e social muito mais estável, (ainda que sem perder de vista os fenómenos que o País viveu e que puseram em causa o normal funcionamento das instituições, da democracia e da economia no seu todo, com destaque para a guerra dos 16 anos e outros conflitos internos). Quanto às grandes razões da dependência, Cossa sugere que é importante ter-se em conta um passado recente em que Moçambique fez parte da galeria dos países que mais cresceram à escala mundial, mas, mesmo assim,
A IDADE DA INDEPENDÊNCIA… DEPENDENTE DA AJUDA EXTERNA
Em todas as fases da sua construção e consolidação como nação, Moçambique foi beneficiário de diversos tipos de assistência externa. São 46 anos de independência política, mas também de uma prevalecente dependência económica resumida abaixo:
1975 1977 1982 1983 1987
Moçambique alcançou a independência política de Portugal, mas logo depois passou a depender fortemente de outros Estados, inclusive de Portugal, para se manter. Até hoje, a maior parte do capital para o funcionamento do Estado depende de doações e créditos de parceiros.
1990 1993

Moçambique é declarado o país mais pobre do mundo e o mais dependente da ajuda, e a cooperação suíça introduz o apoio sectorial, tendo fornecido ajuda para cobrir as despesas correntes na saúde. O FMI aprova o Ajustamento Estrutural Melhorado com restrições mais severas.
Esta fase, marcada pela adopção da economia centralizada e pelo início da guerra interna dos 16 anos, é também marcada pela entrada de créditos financeiros trazidos por expatriados da Europa Ocidental e do Leste, numa altura em que grandes secas assolavam a região Sul de Moçambique.
1995 2002
O Banco Mundial e o FMI condicionam a ajuda à privatização de dois bancos estatais. Ambos estavam envolvidos em fraudes e faliram. O apoio ao desenvolvimento subiu de 933 milhões de dólares em 2001 para 2330 milhões em 2002, numa altura em que houve alívio da dívida dos países pobres.
A adopção da economia de mercado levou os EUA a cessarem a proibição da ajuda bilateral. Moçambique adere ao FMI e ao Banco Mundial e a dependência dos doadores aumentou com a afluência de agências de ajuda. Foi realizada a primeira iniciativa de coordenação de doadores.
2016
A revelação de 2,2 mil milhões de dólares em empréstimos comerciais não divulgados anteriormente prejudicou a confiança da Comunidade Internacional no País e todos os doadores suspenderam o apoio ao Orçamento do Estado até que as autoridades esclareçam a situação.
2019
Dois ciclones, Idai e Kenneth, sacudiram o Centro e o Norte do País fazendo milhares de vítimas e destruindo diversas infra-estruturas públicas e privadas. O Gabinete de Reconstrução Pós-Ciclones refere que os doadores já se comprometeram a desembolsar mais de 700 milhões de dólares.
NAÇÃO
A ECONOMIA TEM CRESCIDO...
A guerra civil entre 1976 e 1992, bem como a crise das dívidas ocultas, os ciclones, a instabilidade militar e o covid-19 são as maiores contrariedades de um crescimento económico notório
Crescimento médio do PIB em %
6,7
4,9 4,8
1974-84
-1,6 0,7
1984-94 1994-2004 2004-2010 2015 2020
-1,28
FONTE IESE “Crescimento Económico, Investimento Privado e Dinâmicas de Acumulação
…MAS NÃO HÁ DESENVOLVIMENTO
Apesar da permanente assistência externa ao desenvolvimento, Moçambique sempre esteve entre os países mais pobres do mundo. O Índice de Desenvolvimento Humano, por exemplo, pouco evoluiu
Com uma população em rápido crescimento, o aumento do PIB não tem sido suficiente para aliviar a necessidade do apoio externo em créditos e donativos.
Índice que varia de zero a 1 (quanto mais próximo de zero, mais pobre é o país)
0,36 0,401 0,433 0,456
0,227 0,248 0,307
1990 1995 2000 2005 2010 2015 2019
INDEPENDÊNCIA PRESSIONADA PELA POPULAÇÃO
(Milhões de habitantes)
14,71 7,85 7,19 6,91 3,42 3,24 3,13
1990 1995 2000 2005 2010 2015 2019 As prioridades devem ser definidas pelos moçambicanos e não pelos parceiros, e num quadro em que haja disciplina na utilização desse apoio

a distribuição de bens e a provisão de serviços sociais básicos continuou aquém do desejável. “Isto quer dizer que existe a necessidade de continuar a trabalhar muito mais para chegarmos onde queremos chegar. Além disso, temos de desenvolver a capacidade de gerir os nossos recursos para lá dos mandatos presidenciais e numa base em que todos estejam claros de que, independentemente de quem venha dirigir o País, os anos subsequentes sejam geridos de uma forma que assegure sustentabilidade”, sugeriu o economista, fazendo menção ao velho problema da descontinuidade dos programas de desenvolvimento quando há mudanças nos ciclos de governação. Ao contrário dos críticos do socialismo, Pedro Cossa entende que “não é correcto olharmos para o socialismo (que foi adoptado a seguir à independência política) como um dos motivos na origem dos problemas que o País enfrenta. Há países que adoptaram este modelo e estão muito mais avançados, como a China, Vietname, etc.” Assim, “o mais importante é que olhemos para o País e verifiquemos o que aconteceu. De mau, é preciso não ignorar as feridas da guerra dos 16 anos e o facto de que para sarar as feridas e trilhar o caminho do desenvolvimento num ambiente de reconciliação e harmonia requer muito tempo, que provavelmente o País ainda não tenha tido. Mas também é preciso sanar rapidamente alguns problemas internos como a corrupção”, constatou. Já os doadores fazem a sua interpretação do fenómeno da dependência externa num ângulo diferente. No artigo seguinte, tentam demonstrar que o apoio que prestam às economias africanas, incluindo Moçambique, está a gerar impactos importantes no crescimento.

OPINIÃO
Transições energéticas e as renováveis: Os investimentos que estão a ser feitos em África e em Moçambique
Priscila Macamo • Absa CIB Coverage
Um dos tópicos mais debatidos da actualidade mundial é a crise climática e o processo de mudança para energias limpas e sustentáveis a longo prazo. África, no geral, não está fora deste debate e tem investido o que pode no sentido de diminuir as suas emissões de CO2. Apesar de o acesso à energia tender a expandir, espera-se que a população do continente duplique de mil milhões em 2018 para mais de 2 mil milhões de pessoas em 2050. Um grupo de pesquisadores do Fundo Monetário Internacional (FMI) estima que a necessidade de energia irá aumentar em 3% anualmente até então, sendo que as principais fontes de energia têm sido o carvão, o petróleo e a biomassa tradicional (madeira, carvão vegetal, esterco seco). A transição para fontes de energia renováveis em África tem estado a progredir de forma impressionante nesta última década, com muitos países a trabalharem para aumentar a sua capacidade em produção de energias renováveis. O International Renewable Energy Agency (IRENA) afirma que, com políticas correctas, governação e acesso a mercados financeiros, a África Subsaariana pode atingir 67% da sua necessidade de energia até 2030. Para África, a transição para energias renováveis não é apenas uma forma de preservar o meio ambiente, mas é também uma forma de dinamizar o crescimento económico. No cenário actual, mais de 600 milhões de famílias não têm acesso a serviços básicos de energia e com o crescimento da população, se não houver inovação e criação de fontes de energia sustentáveis, este problema só vai piorar a longo prazo. A falta de acesso a energia restringe a disponibilidade de luz, inovações industriais e desenvolvimento de instituições sociais que melhoram a qualidade de educação e aumentam o ritmo de desenvolvimento económico. Os fundos públicos, no caso de África, têm sido a fonte primária de financiamento de projectos de energia. A redução no custo de implementação de projectos de energias renováveis permitirá a África fazer uma transição mais célere para as energias renováveis. Apesar de as energias solar e eólica estarem cada vez mais competitivas em termos de custo de implementação, África ainda está muito atrás em relação ao resto do mundo em termos de custo por MWh. O elevado custo das energias renováveis precisa de um maior investimento inicial, mas é mais eficiente no longo prazo. Os países africanos precisam de mobilizar fundos públicos, privados e entidades multilaterais e bilaterais para poderem angariar os fundos necessários para a transição para uma economia que emite pouco CO2. O FMI está a liderar um programa com a Etiópia, Senegal e Madagáscar, de nome “Scaling Solar”, com o intuito de criar um one stop shop onde eles juntamente com o Banco Mundial preparam um único pacote que inclui desde identificação e definição do projecto, preparação de documentos legais, até financiamento privado e seguro de risco político. O programa GetFIT, que inicialmente foi pilotado no Uganda, está a ser expandido para a Zâmbia e o Governo sul-africano tem como cometimento 17GW de energia através de energias renováveis nos próximos anos. Existe um outro debate sobre o efeito da transição para energias renováveis a nível global e o efeito que este terá na economia africana. De acordo com o Banco Mundial, pelo menos 50% das exportações da África Subsaariana são combustíveis fósseis. A exportação de recursos naturais, como gás natural, petróleo bruto, metais e, no caso de Moçambique, carvão mineral, geram receitas substanciais para os governos na África Subsaariana e contribuem em aproximadamente 25% da receita dos mesmos.
A redução no custo de implementação de projectos no campo das energias renováveis permitirá a África fazer uma transição mais célere das fósseis para as energias renováveis

Moçambique é, principalmente, dependente de energia hidroeléctrica
Embora o continente tenha aumentado as exportações de outros minérios, as mudanças globais no consumo de energia podem afectar países que são dependentes da exportação de recursos naturais a longo prazo. A redução no custo das energias renováveis e o crescimento da procura de minérios associados à implementação dos mesmos poderá permitir que as economias da África Subsaariana se adaptem à uma possível ruptura económica associada a uma queda global no consumo de combustíveis fósseis. Moçambique é um país rico em recursos naturais e apresenta a capacidade e excelentes características para geração, em pequena e média escala, de energia geotérmica e biomassas, e em média e grande escala, de energia hidroeléctrica, solar e eólica. Pela sua localização geográfica, Moçambique tem vindo a sofrer directamente o impacto das mudanças climáticas. Os eventos que recentemente têm fustigado o País criam maior necessidade de abordar o efeito das mudanças climáticas no seu desenvolvimento e prosperidade. O País está no caminho certo, dando passos claros para a redução de emissão de CO2 como fazendo parte do acordo de Paris e criando centrais térmicas para fornecimento de energias limpas. Moçambique não pode dar-se ao luxo de ser um simples espectador nesta discussão e tem de assumir as rédeas com um plano concreto e e tendo como prioridade acções que ajudarão a reverter o cenário actual. Com o projecto “energia para todos” que o País tem (um plano cuja meta é o acesso universal de energia até 2030), está criada uma oportunidade para assegurar que essas energias provenham de fontes renováveis, sustentáveis e benéficas para o meio ambiente a médio e longo prazo. Actualmente, Moçambique é maioritariamente dependente de energia hidroeléctrica e de fontes adicionais de energia com base no gás e combustíveis, como o diesel, mas tem um potencial de 23,000 GW em energias renováveis, sendo o mais abundante a energia solar seguido das energias hidroeléctrica, eólica, energia de biomassa e geotérmica. Em pipeline há vários projectos, desde o solar, eólicos a hidroeléctricos, totalizando aproximadamente 3000 MW, o que irá permitir aumentar a contribuição das energias renováveis para o mix de fornecimento energético do País. Moçambique, juntamente com grande parte da África Subsaariana, está preparado para transitar para energias renováveis, sustentáveis e boas para o meio-ambiente. Para tal transição acontecer falta o compromisso governamental por via de políticas de promoção e regulação das tecnologias. Financiamento (público e privado) direccionado para os projetos de energias renováveis, oferta de serviços para projectos de sistemas renováveis e tecnologias para conversão das energias, sobretudo a geotérmica, eólica e biomassas.
NAÇÃO
A (IN)DEPENDÊNCIA ECONÓMICA NA VOZ DE QUEM NOS DÁ A MÃO

Ao ouvir os doadores a tónica do debate muda. O BAD e o FMI falam de um contributo que tem permitido avanços que não seriam possíveis sem o apoio externo… e deixam o tema em aberto
Texto Celso Chambisso • Fotografia Shutterstock
Enquanto internamente predomina a ideia de que a “culpa” pela dependência externa deve ser partilhada entre as ineficiências dos Governos e os condicionalismos e manipulações dos doadores, as instituições que prestam apoio dão a entender que é legítimo o prolongar da dependência por muito tempo, uma vez que os países pobres vão experimentado diferentes tipos de obstáculos ao longo do processo de consolidação do crescimento. Na primeira entrevista desde que substituiu Ari Aisen no cargo de representante-residente do FMI em Moçambique em Agosto de 2021, Alexis Meyer-Cirkel lembrou que as relações de Moçambique com o FMI, iniciadas a 24 de Setembro de 1984, obedecem, historicamente, a três modalidades, nomeadamente a assistência técnica que inclui a compilação de dados estatísticos de indicadores como a inflação, PIB, etc., até à melhoria das práticas de gestão das finanças públicas e governança; a avaliação e acompanhamento do desempenho económico do País; e assistência através de programas com desembolso financeiro. O responsável destacou que o primeiro relatório, elaborado em Junho de 1985, relatava as primeiras transformações e dificuldades que o País atravessava nessa época, em que praticamente todas as actividades económicas, excepto o comércio interno, foram postas sob controlo do Estado. Reconhece, no entanto, que nos anos que se seguiram à independência, Moçambique sofreu choques externos imensos, que ilustravam uma grande dependência externa quer da ajuda, quer para a realização do comércio. Mas defende que, actualmente, os riscos de choques externos são menores porque a diversificação dos parceiros de cooperação cresceu significativamente. Para Alexiss Meyer-Cirkel o grau de dificuldades que Moçambique atravessava na altura da fundação da República era muito elevado, mas res-
O FMI entende que o grau de dificuldades que Moçambique atravessava na altura da fundação da República era tão elevado que é justificável que 46 anos depois não tenha alcançado também a independência económica

salta a redução gradual do peso do financiamento externo no orçamento do Estado, que passou de 56% em 2006 para 13% em 2019. O responsável reage, inclusive, às críticas que apontam que a interferência das instituições multilaterais, incluindo o FMI, terá retardado o desenvolvimento. “Honestamente, eu conheço poucos países que tiveram tantas forças/agentes externos engajados em ’jogar areia‘ (prejudicar) na engrenagem do desenvolvimento socioeconómico de um país dando os seus primeiros passos autónomos”, observou. O representante do FMI também é cauteloso em assumir uma posição sobre o quanto o apoio da instituição que representa tem contribuído para o desenvolvimento. “Quanto à minha avaliação do impacto da ajuda do FMI é uma pergunta difícil e não será bom que eu elogie ou repreenda… No entanto, modéstia à parte, creio que os programas financeiros proporcionaram amortecedores para choques internos e externos – como os ciclones e a pandemia actual – e tivemos alguma influência na instituição de passos importantes na consolidação de instituições e processos em Moçambique”, afirma Meyer-Cirkel, referindo-se, por exemplo, à criação do Gabinete de Gestão de Riscos, que mais tarde passou a designar-se Direcção Nacional de Riscos Fiscais, a revisão do quadro legal das finanças públicas (Lei do SISTAFE), a Lei do Sector Empresarial do Estado, entre outros exemplos mais recentes.
Afinal, a ajuda tem sido crucial Ao contrário dos pesquisadores, que citámos no artigo anterior, a argumentarem que o País está a receber “ajuda que não ajuda”, os doadores dizem-se preocupados em alinhar a sua intervenção conforme as necessidades de desenvolvimento de Moçambique. Por exemplo, a alta comissária do Reino Unido para Moçambique, NneNne
Iwuji-Eme, disse, recentemente, que na sua intervenção em Moçambi-
que, aquele país não só sugere o que gostaria que Moçambique fizesse, mas também ouve as prioridades que o País concebe para o desenvolvimento. Na sua página electrónica, a embaixada dos Estados Unidos em Moçambique também refere que “a nossa assistência ao desenvolvimento promove um Moçambique mais próspero, democrático e inclusivo. Em 2014, criámos também o Escritório de Serviços Comerciais Externos em Moçambique para incentivar o investimento comercial por parte das empresas americanas. Com estas a liderarem o desenvolvimento do sector de gás natural do país, os EUA logo se tornarão o maior investidor privado no País, produzindo renda que pode beneficiar todos os moçambicanos e ajudar o País a expandir o seu próprio investimento na Saúde, Educação, Agricultura e Infra-estruturas”. Também o Banco Mundial refere que “a assistência que presta a Moçambique tem vindo a evoluir de uma ajuda destinada a estabilizar a economia para uma colaboração estreita com o Governo, parceiros de desenvolvimento e sociedade civil”. Na mesma linha, o representante do BAD, Pietro Toigo, afirma que a maneira através da qual a instituição colabora
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com os países-membros é na base de um ciclo estratégico de cinco anos onde as prioridades são acordadas com o Governo e são formadas por meio de uma auscultação das várias entidades, sobretudo a sociedade civil e o sector privado. Ao longo dos 46 anos de relações entre o BAD e Moçambique, as áreas de intervenção mudaram e foram se adaptando às necessidades de cada momento e para serem complementares aos instrumentos de apoio dos outros doadores de Moçambique. No passado, o BAD estava mais focado no apoio à Educação, financiando especialmente a construção de escolas; na Saúde estava voltado para o financiamento da construção de clínicas rurais; e abastecimento de água e saneamento. Mas hoje foca-se sobretudo na agricultura e estradas. “Avanços não podem ser subestimados”. Toigo começa por advertir que a procura pela independência económica não deve significar que o País tenha de isolar-se do sistema económico global. Pelo contrário, o País deve acompanhar o desenvolvimento económico regional na SADC, o desenvolvimento continental e até global. “Por isso achamos que a participação de Moçambique em bancos de desenvolvimento regionais são o veículo para atingir a visibilidade global que o País precisa e merece, e que é fundamental para a independência económica”, sublinhou Pietro Toigo, que defende que, em relação ao BAD, “Moçambique tem sido um parceiro extremamente forte”. Explicou também que na altura em que as relações entre o BAD e o Governo moçambicano começaram, em 1975, o País encarava grandes desafios. Mas nos últimos 40 anos fez um percurso que não pode ser subestimado, tendo conseguido “grandes progressos” que se traduzem numa “base fiscal muito forte, acima de 20% do PIB, que o colocam entre um dos melhores desempenhos de África em termos de mobilização de recursos internos”. Reconhecendo que as necessidades de 1975 são muito diferentes das actuais pela prevalência de pressões relacionadas com as mudanças climáticas, pressão populacional e a necessidade de criar emprego digno para quase meio milhão de jovens que entram anualmente para o mercado de trabalho, o responsável acredita que os novos desafios podem ser encarados se se adoptar uma base económica muito mais robusta, cujo mérito, segundo Pietro Toigo, está no facto de o País ser capaz de atrair investimento privado em projectos de grande envergadura, como, por exemplo, o recente lançamento, pelo Presidente da República, do complexo de projectos com capital privado de 1000 milhões de dólares para a utilização do gás de Temane, nomeadamente a central térmica, a linha de transmissão Temane-Maputo e a fábrica de gás de cozinha, bem como a possibilidade de criar investimentos de capital privado avaliados em 5000 milhões de dólares
QUEM SÃO OS MAIORES DOADORES BILATERAIS?
Todos os dias os noticiários confirmam a dependência de Moçambique em relação ao exterior com o anúncio de avultadas somas de dinheiro em créditos e em donativos para as necessidades humanitárias, económicas, sociais e até políticas. A lista dos maiores contribuintes não é actualizada há mais de dois anos, mas são tradicionalmente estes que fazem a diferença, sem contar com os parceiros multilaterais
CHINA
Moçambique acumula cerca de mil milhões de dólares em dívidas com a China, 16% do total da dívida pública. Nos 46 anos de cooperação, quase todas as áreas recebem apoio chinês, incluindo o perdão das dívidas, por muitos visto com desconfiança.

SUÉCIA
A cooperação começou em 1965 na luta contra o colonialismo, e foi-se estendendo para quase todas as áreas económicas e sociais. Recentemente doou 3,7 milhões de euros para assistência aos deslocados vítimas da violência em Cabo Delgado.
REINO UNIDO
Até 2015 estimava-se que o Reino Unido desembolsava, por ano, cerca de 120 milhões de dólares em apoio a Moçambique. Recentemente, o Reino Unido prometeu uma doação de 8 milhões de libras (694 milhões de meticais) para a reforma tributária até 2024. ESTADOS UNIDOS
As relações de ajuda começaram em 1975. Hoje os EUA são o maior doador bilateral e prestam quase 500 milhões de dólares por ano em assistência em muitas áreas, como a luta contra o HIV/SIDA, programas educacionais, política agrícola, etc.
JAPÃO
Na primeira linha da assistência a Moçambique para questões humanitárias (nutrição, desastres naturais, epidemias etc.), o Japão está também presente em projectos de grande impacto económico da agricultura e infra-estruturas.
ALEMANHA
Recentemente desembolsou 34 milhões de euros, entre créditos e donativos para apoiar as PME afectadas pelo covid-19 e para a Educação. A representação alemã estima em 200 milhões de euros a ajuda ao País desde 2003.

NAÇÃO
nos projectos do corredor de Nacala, sem falar nos outros projectos de gás da Bacia do Rovuma.
Mas desafios há… Aqui há consensos, mas fica a ideia de que a responsabilidade de corrigir os factores que dificultam o desenvolvimento socioeconómico de Moçambique e dos países pobres, de um modo geral, é dos próprios beneficiários da ajuda, embora se trate de aspectos que os doadores dizem ter preocupação em eliminar em nome do desenvolvimento. Pietro Toigo, a este respeito, alista os exemplos das mudanças climáticas que, todos os anos, levam à perda média de até 100 milhões de dólares em infra-estruturas; os grandes desafios demográficos com muita população jovem à procura de oportunidades de emprego; e pressões em termos de conflitos e de violência em algumas regiões do País. “Tudo isso significa que Moçambique precisa de continuar a mobilizar recursos internos e externos para acelerar o crescimento económico e assegurar que este crescimento seja mais inclusivo”, constatou. Diversificação e aposta na agricultura fazem falta O representante do FMI, por seu turno, fala de uma matriz económica pouco diversificada, que cria vulnerabilidade a choques específicos, de cunho ambiental ou de alguns preços globais, sobretudo das commodities relevantes para o País (carvão, alumínio, gás natural, etc.). Assim, Alexis Meyer-Cirkel aponta que o caminho estará em trabalhar mais na diversificação, tanto dos parceiros económicos como da matriz de produtos. Recorda ainda que uma das críticas que se fazem a Moçambique é que, apesar de um crescimento económico extraordinário que se registou entre os anos 2000 e 2016 (cerca de 7% ao ano), “a distribuição desse crescimento não foi tão boa. Olhando para os diferentes períodos da História, essa distribuição tem oscilado, embora haja historiadores económicos (Kuznets, por exemplo) que olham para essa irregularidade na distribuição de rendimentos como parte do processo de desenvolvimento e que se corrige a partir do momento em que se começa a incorporar uma parte maior do capital humano no processo de produção”, argumentou Alexis Meyer-Cirkel. Sugere, também, que a diversificação vai ser efectiva e inclusiva num ambiente em que se incentive o investimento interno e externo através de medidas como a criação da estabilidade institucional, gestão transparente e de um pensamento de longo prazo”. Estes ingredientes, por sua vez, devem incluir a formação do capital humano, crianção de infra-estruturas de mobilidade, disponibilidade de energia, bom ambiente de negócios, boa governação, redução das desigualdades de género, entre outros factores”, que considera “componentes mais fáceis de resolver, mas que requerem empenho dos agentes públicos e privados”, sem falar nos projectos de gás e outras áreas com grande potencial (agricultura, turismo, exploração da matriz energética renovável, etc.). Pietro Toigo ainda fez menção ao facto de que, nos últimos cinco anos, a ênfase do apoio do BAD mudou para a transformação da agricultura e desenvolvimento rural, que a instituição considera ser importante para a independência económica, através da diversificação da economia e criação de um sector privado não dependente dos poucos grandes negócios. A ideia principal, ao nível da agricultura, assenta na aplicação do capital privado estrangeiro em apoiar a transformação dos pequenos e médios produtores de subsistência em produtores comerciais, e na sua integração na cadeia de valor do processamento. Toigo está convencido que “sem desenvolver a agricultura, o País não será capaz de explorar em pleno o seu potencial económico e ficará dependente da flutuação de preços de carvão e do gás, retardando ainda mais a independência económica”. Considera, por isso, que o programa Sustenta é o ponto de partida de que o País estava à procura para a transformação, sem falar na componente do processamento interno da produção que o Programa Sustenta detém, além da valorização do pequeno e médio produtor moçambicano dentro das cadeias globais, o que não acontecia nos projectos anteriores. Por isso, olha para o futuro com algum optimismo. “Acredito que, já na próxima década, Moçambique estará em condições de financiar a maior parte do seu orçamento com recursos próprios”, concluiu.

NAÇÃO
Fora da esfera puramente económica, o académico Lourenço do Rosário orienta a sua visão para questões de comportamento e de concepção de prioridades para concluir que não há espaço para se falar em independência económica, e que é preciso muito esforço para aí chegar
Texto Celso Chambisso • Fotografia Mariano Silva
com muito conhecimento da história da construção de Moçambique, Lourenço do Rosário considera que Samora Machel já tinha, por diversas vezes, se referido à formula para a construção da independência económica. Mas não resultou Daí que sugere uma reforma do sistema, ao mesmo tempo que exprime alguma indignação com aspectos relativos à corrupção, má distribuição de riqueza e má governação de um modo geral. É preciso lembrar que Lourenço do Rosário é fundador e primeiro Reitor da primeira instituição privada do País de ensino superior – a Universidade Politécnica. Doutor em Literaturas Africanas pela Universidade de Coimbra, Reitor da Universidade Politécnica, Presidente do Mecanismo Africano de Revisão de Pares – MARP, e Presidente da Comissão Nacional do Instituto Internacional da Língua Portuguesa. É também professor convidado de diversas universidades da Europa, África e Américas.
Muitas vezes ouvimos vozes defenderem que 46 anos de independência política deveriam corresponder a um avanço maior do que o que se verifica na independência económica. Por exemplo, um Orçamento do Estado com menor necessidade de injecção externa de recursos…
Devo começar exactamente pelo conceito de independência. Temos de ir atrás no tempo e verificar que este conceito remonta aos anos 1940/50 acompanhando outros conceitos de afirmação, nomeadamente o pan-africanismo e negritude, face à realidade colonial que vivíamos nessa altura. Nunca se debateu grandemente a abrangência do conceito de independência porque foi capturado pelos movimentos nacionalistas que tinham uma vertente que era a libertação política. Se visitarmos o programa da FRELIMO na época, o seu propósito era libertar os homens e a terra, o que implicava independência política e todos os factores para dispor dos recursos naturais. Agora, estando no séc. XXI, não podemos continuar a usar um conceito que foi importante politicamente. Hoje, falar de independência económica acaba por resultar numa série de significados que não se encaixam porque vivemos na globalização onde somos o elo mais fraco e temos problemas sérios de má governação no continente (conflitos, pobreza endémica, corrupção, infra-estruturas decadentes, etc.). É muito difícil falar em independência económica num contexto destes.
Então, onde está a génese da dependência?
A correlação de forças entre a governação política e as holdings nacionais, que acabam por mandar nos destinos do planeta, trazem a grande contradi-
ção entre o poder eleito e o poder das corporações. Quem manda? O poder das corporações acaba por influenciar e impor-se aos poderes eleitos porque são eles que determinam o andamento do planeta. Se equacionarmos novamente o programa da FRELIMO de libertar a terra, a riqueza e os homens, estes objectivos foram alcançados? Os homens estão libertos? Se sim, então eles têm acesso à riqueza. Será que a terra está liberta? Mesmo hoje, assistimos grandes corporações como a Total, entre outras, a imporem as suas regras. Então, o que foi liberto na luta de libertação nacional? Por que temos dúvidas de que a terra e os homens foram libertos? E se não foram libertos, o que está a fazer o poder político? Voltamos à situação de dominados? Estas questões são as que devem ser respondidas pelos economistas. Mas, pelo que sei, as ciências económicas não são mais do que a gestão das dificuldades de acesso à riqueza.
E por que não estamos libertos?
É como as mães que estão sempre a queixar-se da falta de dinheiro, mas todos os dias conseguem pôr a comida na mesa, vestir os filhos e os mandarem para a escola etc. Como é que elas fazem? É porque essas mães conseguem, com o pouco que têm, governar bem as suas casas. Estas mães são o melhor exemplo de boa governação que pode servir às ciências económicas para desenvolverem as suas teorias. Quando se tem riquezas e possibilidade de as explorar mas os filhos passam fome, então há má governação. Tem-se dito, sempre, que Moçambique é potencialmente rico. Mas os homens que vivem em Moçambi-
que são pobres. É verdade que há alguns ricos, mas não são representativos e podem resultar da má distribuição desta riqueza. É o mesmo que alguém que tem, na sua casa, vários filhos, mas uma pequena parte vive na fartura e outra não recebe nada. Portanto, eu discuto o conceito de independência económica, mas não tenho tese sobre o assunto.

Sempre foi assim desde a independência política? Ou há uma sucessão de erros que nos vão acompanhando ao longo do tempo no contexto da “libertação da riqueza” a que já se referiu?
Se revisitarmos alguns dos pronunciamentos de Samora Machel podemos retirar bons elementos para reflexão. Um dos mais importantes foi que “nós não lutamos para substituir a bandeira dos portugueses nem pôr um Presidente preto”. Isto significa que ele tinha uma teoria clara das ciências políticas que diz que, normalmente, quando um escravo (dominado) luta contra o seu senhor e o vence tem a tendência de ir buscar os vícios do seu antigo opressor e comportar-se como tal. Samora Machel repetia que “alguns de nós hão-de querer comportar-se como o velho colono”. Na História, esta teoria verifica-se…. E Samora ia fundo ao afirmar que “se amanhã vocês se aperceberem que estou a construir um prédio, perguntem-me onde é que fui buscar o dinheiro, porque somos todos pobres”. Então, revisitar estas palavras de Samora é muito importante para tentar perceber onde é que nós nos perdemos.
Está a falar do velho problema da corrupção…
Sim. Samora também dizia: “Se amanhã o inimigo entrar na nossa casa (não importa quem seja), alguém de nós abriu-lhe a porta”. Agora ouvimos e vemos grandes projectos dos nossos parceiros, ONG e empresas lucrativas a meterem muito dinheiro, mas, depois, o que é que fica no País? Por exemplo, se os EUA doam dinheiro para o combate ao covid-19, que parte vai beneficiar os moçambicanos e qual é que vai beneficiar os que nos deram esse dinheiro, e que fica na nossa dívida? Por exemplo, li há pouco tempo que um dos grandes problemas da ajuda aos deslocados da violência em Cabo Delgado é que grande parte das verbas que são disponibilizadas para ajudar os deslocados estão a pagar os agentes da cooperação para se deslocarem em carros de luxo e se hospedarem em hotéis em Pemba. E aqueles refugiados são o pretexto para se movimentar muito dinheiro que não os beneficia. Alguém lhes abriu a porta. Mesmo falando das dívidas ocultas (2,2 mil milhões de dólares), com que parte do dinheiro os nacionais que estão presos ficaram? Muito pouco. Grande parte do dinheiro ficou com eles. Nós ficámos com a fama de corruptos e “fecharam-nos as torneiras”, como forma de chantagem. Assim, mais uma vez, não temos condições para falar em independência económica. E nem política, porque não temos voz activa. Sem podermos gerir o nosso próprio orçamento, não conseguimos nem podemos decidir sobre a governação do nosso país.
O que deveríamos ter feito naquela época? Fica a impressão que não tínhamos condições de pôr a economia a funcionar sem o suporte externo. Onde vamos buscar os exemplos?
Em África, ao longo da História, temos algumas tentativas de escapar a esta lógica que criou a imagem de que o continente é governado por políticos rentistas, ou seja, que arrendam a terra para tirar alguns proveitos. O rentismo contrapõe-se à ideologia de alguns países sobretudo os asiáticos como Vietname, Singapura e mesmo a Coreia do Sul, China, etc., que encontraram outras vias de desenvolvimento que, mesmo havendo corrupção, permitiu que houvesse uma distribuição mais visível da riqueza que não dá a sensação de uma pobreza que progride de geração em geração como acontece cá. Há também países em África que é preciso estudar muito bem. Por exemplo, verificar o que é preferível

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entre a lógica da democracia que nos é imposta ou vendida pelo Ocidente e outro tipo de governação política. Maquiavel dizia que a pior coisa que existe na democracia é que esta tem dentro de si mesma os genes de auto-destruição. Um exemplo é a corrupção da qual todos nós falamos, mas olhamos sempre para os dirigentes, esquecendo a praticada pelos que estão cá mais abaixo. Ou seja, estamos na democracia e nela implantamos um veneno que toda a sociedade tem. Maquiavel considera que, quando isto acontece, é preciso que surja alguém que tente destruir este caos que se instalou e tente construir um novo cosmos. E esta entidade, se quiser fazer política, deve esquecer-se da ética.
O que é que isso quer dizer? E como se aplica no caso de Moçambique?
Por exemplo, o Ruanda, do presidente Paul Kagame, é uma ditadura. Kagame pegou num país que estava num completo caos e transformou-o num dos mais prósperos do continente. Será esta a via para mudar a realidade de Moçambique? É apenas uma pergunta que faço. Não estou a exprimir vontade de viver no Ruanda. Mas Paul Kagame faz uma distribuição da riqueza que faz daquele país um bom exemplo de governação em África. As instituições funcionam bem, mas ele persegue os adversários políticos, etc., é um aspecto no qual temos de reflectir. O Gana, Etiópia, Botsuana são outros bons exemplos de países no que diz respeito à distribuição da riqueza e com instituições fortes. Em Moçambique, o que devia ter sido feito é pararmos e ver se o sistema que implantámos em 1990 tem estado a servir ou não. Mas, no lugar disso, entretemo-nos a gerir conflitos e a ter instituições pesadíssimas, nomeadamente um Parlamento ineficaz. Não há moçambicano que tenha um respeito orgânico para com o Parlamento, porque este não serve para nada. Então, é preciso reformar o sistema, porque já verificámos que não serve.
Mas existe, por parte de quem tem de tomar decisões, a percepção de que o sistema carece de reforma? Quer parecer que a sociedade vive conformada…
Não. Não está conformada. É que há outros vícios aqui. Por exemplo, toda a gente está atenta em perceber se o Presidente Nyusi fica na presidência ou sai, embora segundo a Constituição da República ele deva sair. Estamos a perder tempo e energia a discutir uma pessoa. Isto é um erro crasso. A mim não importa se ele fica ou não. O meu problema é: se ele ficar é para fazer igual ao que já fez ou tem propostas para se mudar o sistema? Se quiser ficar que fique, mas que traga propostas de mudança do sistema.
Tomando por base a percepção que tem sobre a vontade ou não de reformar o sistema, que futuro projecta para o País no que diz respeito à perseguição da autonomia económica?
Por natureza, eu sou optimista. Tenho sempre esperança, sobretudo nos jovens. Vejo gerações como a do Chissano e outros líderes africanos alguns ainda no poder, outros reformados e alguns até falecidos, que quiseram reformar a filosofia de governação no continente. A criação do NEPAD, do MARP, etc., teve que ver com isto. Os países africanos criaram blocos regionais que se vigiam mutuamente e em casos de golpe de Estado até há sanções. O mesmo acontece no caso dos ataques de Cabo Delgado. Isto é, há intenções para mudar as coisas, mas essas mudanças, muitas vezes, precisam de revoluções para encurtar a distância entre o discurso e a acção. No processo, o grande perigo é de os revisionistas ignorarem os discursos reformistas e engatarem a “marcha-atrás”. Por isso é preciso que, quando se introduzirem as reformas, haja activistas que sejam capazes de garantir que as mesmas sejam implementadas. Portanto, só a juventude pode trazer mudanças.
Sente que esta juventude está no caminho certo para alimentar optimismo na conquista da independência económica?
O problema é que a juventude actual está a ser vítima do ritmo do tempo, o que é natural, já que tem energia e quer testar essa energia com o que é oferecido para o consumo (informação, cultura, tecnologia, etc.). Estou a dar um seminário num curso de doutoramento e fico frustrado que, a este nível, haja jovens que não leram livros completos. Consomem alguns jornais e são vítimas de fofocas políticas, quando a sociedade é feita de muito mais do que a política. É muito difícil quando jovens pensam que só podem singrar quando entram nas estruturas à espera da vez deles. Outros jovens vivem de copos, viagens e curtição. Não têm nenhum programa.

OPINIÃO

(In)Dependência Económica
João Gomes • Partner @ JASON Moçambique
Vem este artigo a propósito da celebração, no próximo dia 25 de Junho, do 46º aniversário da proclamação da independência de Moçambique. Convido os meus leitores a reflectirem sobre o tema da (in)Dependência Económica: o que
torna um Estado economicamente (in)dependente?
Para o efeito, e admitindo que a actual pandemia só venha a agravar o “estado-da-arte”, analisaremos a (in)Dependência Económica (adiante “IE”) sob três lentes distintas, mas complementares: 1) Na perspectiva da auto-suficiência económica; 2) Na perspectiva da não-contingência económica; 3) Na perspectiva da auto-governação económica.
1) Na perspectiva da auto-suficiência.É considerado economicamente (in)Dependente o Estado: - Capaz de prover, de forma sistemática (i.e. sem rupturas de abastecimento), - Através dos seus próprios recursos (v.g. naturais, tecnológicos, financeiros, humanos), - Sem a ajuda de terceiros (i.e. sem donativos; e/ou perdão de dívida, etc.), - E apesar de eventos naturais catastróficos (v.g. ciclones, terramotos, inundações), - À satisfação das necessidades básicas e imediatas dos seus cidadãos (i.e. alimentação, energia e saúde). Nesta acepção, para se manterem IE os Estados devem manter, em contínuo, reservas estratégicas i) alimentares (v.g. cereais/cesta básica); ii) energéticas (v.g. petróleo); iii) e medicinais (v.g. stocks de vacinas). Por exemplo, em termos de segurança alimentar, Moçambique obteve, no “Índice Global da Fome (IGF) 2020, por gravidade” a pontuação de 33,1 a qual equivale a Fome Grave. Ainda assim, esta classificação significa uma tendência de progressiva melhoria (Base: Ano 2000. De -31,18%) em relação às pontuações obtidas no passado recente: [2000 = 48,1]; [2006 = 38,4]; [2012 = 31,4]; [2018 = 30,9]; [2019 = 28,8]; [2020 = 33,1]. Actualmente, em termos do Índice Global da Fome, 40 países estão classificados nas posições de grave e alarmante. Faço notar que, no âmbito da Agenda 2030 da ONU, o Objectivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) nº 2 “Erradicar a Fome – Fome ZERO” consiste em, até 2030, acabar com a fome.
2- Na perspectiva da não-contingência. É considerado economicamente (in)Dependente o Estado: - Capaz de resistir, de forma sistemática, - A sanções económicas (v.g. financeiras, proibição de viajar, embargo de cereais, embargo de armas, embargo de medicamentos), - Impostas por entidades externas (v.g. Outros Estados, Organizações supra-estatais, ONU, EU), - Baseando-se nos recursos (v.g. financeiros, tecnológicos, humanos) e produção internos, - Para satisfação das necessidades básicas e imediatas dos seus cidadãos (i.e. alimentação, energia e saúde). Nesta acepção, para se manterem economicamente (in)Dependentes, os Estados devem manter, em contínuo, i) a mais baixa dependência dos mercados externos, quer ao nível de exportações, quer ao nível das importações (ou, dito de outro modo, devem depender dos respectivos mercados internos), e ii) possuir o mais alto saldo de Reservas Internacionais Líquidas (RIL). Por exemplo, em termos do saldo (RIL), de acordo com o Banco de Mozambique, “As reservas internacionais mantêm-se em níveis confortáveis. As RIL situam-se em USD 3.987 milhões, montante suficientes para cobrir mais de seis meses de importações de bens e serviços”. É importante referir que as RIL têm conhecido, em Moçambique, uma tendência de progressiva melhoria em relação aos níveis atingidos no passado recente: [2017 < 1.700 USD Milhões]; [2018 < 3.000 USD Milhões]; [2019 < 2.900 USD Milhões]; [2020 < 3.600 USD Milhões]. 3- Na perspectiva da auto-governação económica. É considerado economicamente (in)Dependente o Estado:
Para se manterem economicamente (in)Dependentes os Estados devem manter, em contínuo, i) a mais baixa dependência dos mercados externos, quer ao nível de exportações, quer ao nível das importações; e ii) possuir o mais alto saldo de Reservas Internacionais Líquidas (RIL)

Há um número infinito de requisitos/regras que os Estados devem preencher para assegurar a sua (in)dependência económica
- Capaz de assegurar, no tempo (i.e. de forma continuada), - O controlo e a propriedade - Em mãos nacionais (v.g. seja em empresas privadas ou através da dispersão do capital na Bolsa de Valores de
Moçambique), - Dos activos domésticos estratégicos (v.g. gás, patentes, tecnologia, “cérebros”), - Que estão na base da produção de bens e serviços que visam a satisfação das necessidades básicas e imediatas dos seus cidadãos (i.e. alimentação, energia e saúde).
Nesta acepção, os Estados para se manterem economicamente (in)Dependentes devem manter, em contínuo, i) a mais baixa dependência possível do Investimento Directo Estrangeiro (IDE), e dele retirar as maiores vantagens possíveis, em domínios estratégicos. E, simultaneamente, criar um ambiente de negócio facilitador ii) da constituição de poupança pelas famílias; iii) e do investimento interno. iv) Tudo sem se constituir ele [o Estado] próprio, num competidor pelos recursos internos escassos para financiar despesa pública não reprodutiva. Por exemplo, ao nível do IDE, o caso recente da empresa Total e da suspensão, por motivo de força maior (i.e. ataques em Cabo Delgado), do Projecto Mozambique LNG é significativo de não (in)Dependência económica. Já ao nível da poupança das famílias – outro sinal de (in)Dependência económica – e até à eclosão da pandemia verificou-se, em Moçambique, um progressivo aumento da mesma (Em % sob o PIB): [2015 = 3,8%]; [2016 = 14,4%]; [2017 = 13,5%]; [2018 = 20,5%]; [2019 = 21,9%]; [2020 = 5,9%].
Em conclusão
A comemoração de mais um aniversário da independência do Estado moçambicano é uma excelente oportunidade para reflectirmos sobre o grau de (in)Dependência Económica dos Estados. Neste artigo adiantámos três perspectivas do conceito de (in) Dependência Económica que nos ajudarão a responder e a estar, doravante, atentos a esta questão. Através da medição da evolução no tempo dos seguintes indicadores - gravidade e nível da fome (auto-suficiência); saldo de Reservas Internacionais Líquidas (não-contingência); do Investimento Directo Estrangeiro em sectores estratégicos e, bem assim, da poupança das famílias (auto-governação) - é possível perceber que Moçambique tem pela frente uma longa maratona, rumo à independência económica.