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Temos de esTar nos mega-projecTos
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chegou há poucos meses a
Moçambique mas o seu conhecimento do mercado nacional é já bastante claro. Assim como a estratégia da Cimentos de Moçambique (CM), uma empresa histórica do sector, que aparenta estar rígida, como betão. Isto depois de anos de crise e abrandamento económico que paralisaram a evolução do sector da construção e das grandes infra-estruturas. Mas os projectos do gás em Cabo Delgado são, agora, a luz ao fundo do túnel, e iluminam as expectativas de crescimento para os próximos dez anos. Edney Vieira explica à E&M a visão da empresa para Moçambique.
Há uns meses, saíram notícias de que a CM ia ser vendida e que a sua fábrica na Matola, a maior do país, ia encerrar. É verdade?
Não. Isso foi fruto de uma confusão com a compra da Limak da participação na Cimpor em Portugal e Cabo Verde.
Qual é, actualmente, a capacidade instalada da empresa e do mercado, em geral?
O mercado tem cerca de 4,7 milhões de toneladas de capacidade instalada para uma procura 2,3 milhões de toneladas de consumo. A CM tem 2,2 milhões de toneladas de capacidade instalada com vendas de cerca de metade. Há dois anos que o mercado não cresce, o que coloca uma pressão grande na indústria porque os custos fixos são elevados.
A capacidade instalada da CM é maior do que a procura. Como se lida com isso?
Na verdade, até 2017, o mercado crescia a taxas elevadas. Talvez possa ter havido um erro de avaliação do sector em geral, levado pelas taxas de crescimento elevadas da primeira metade da década. Mas com a crise cambial a demanda estagnou.
Como é que a CM se vai posicionar nos mega-projectos? Entendo que uma empresa do porte da CM tem de ter um papel relevante em todos os mega-projectos. E eu, como gestor, vou lutar para participar num empreendimento dessa magnitude. Primeiro porque preciso de vender e depois, porque
cv
curriculum vitae
edney Vieira tem uma carreira nas áreas de Logística, Supply Chain, recursos Humanos, Jurídico,
CM
a marca tem de estar ligada a estes mega-projectos. Temos aqui o recente projecto da ponte de Katembe, um motivo de grande orgulho nosso e uma obra de referência que, para nós, faz todo o sentido. No Norte, os projectos de oil&gas têm uma dinâmica diferente e chegámos ao momento ‘quente’ de resolução. A decisão de investimento já foi feita e agora estamos em fase de discussão de contratos.
É verdade que está a negociar com a Total?
Não é verdade porque não é sequer a prática normal neste tipo de empreitada. O próprio investidor não faz esse approach directo com os fornecedores. O que está a acontecer é que as empresas que prestam serviços directos a esses grandes players do gás estão a procurar-nos para pedir cotações de cimento. De resto, a a CM já
executivo com mais de 20 anos de experiência, actuando em posições estratégicas e de liderança executiva em empresas multinacionais de grande porte. está há 20 anos no grupo intercement que detém a maioria do capital da Cimentos de Moçambique.
participa na operação de reassentamento que está em curso, e que utiliza o nosso cimento. Estamos dispostos e prontos para participar nestes projectos que vão ser o divisor de águas na História de Moçambique.
Essa intervenção vai também para outros projectos?
Já temos o nosso cimento em Cahora Bassa, outra obra icónica que nos orgulha. Somos a única empresa verdadeiramente nacional, geograficamente falando, porque estamos nas três regiões do país, temos duas unidades em Nacala, uma no Centro, no Dondo, e aqui na zona Sul. No Brasil usamos uma expressão: ‘o cantor tem de ir onde o povo está’. E o cimento tem de estar onde o desenvolvimento acontece. É um negócio de escala, necessária para a amortização dos custo fixos. E Moçambique tem tudo para ser um líder regional, crescer economicamente e melhorar os níveis de desenvolvimento.
Ao nível da formação de quadros e da sua retenção, várias indústrias têm sofrido com a falta de profissionais de qualidade (em número suficiente) que estão a começar a sair para as grandes empresas de oil&gas. Também sentem isso aqui?
Moçambique precisa de desenvolver qualificação técnica e, num sector como o nosso, é difícil investir numa pessoa e de repente uma empresa que chega, levar o seu quadro. É por isso que nós e um conjunto de outras grandes empresas industriais estamos a tentar viabilizar um projecto com um grupo de formação multinacional para tentar implementar um centro de formação de quadros na área da indústria, para acelerar esse processo de formação, e poder, também, beneficiar o país.
mega-projectos “Estamos prontos para participar nos projectos que vão ser o divisor de águas na História do país”
sociedade

IgnorâncIa mútua e falta de dIálogo contamInam relações laboraIs
Volvidos 44 anos da independência de Moçambique, tornado entretanto país de acolhimento para muitos portugueses – a maior comunidade estrangeira no país, estimada em cerca de 18 mil indivíduos –, as relações entre moçambicanos e cidadãos da antiga potência colonial estão longe de corresponder à união fraterna da retórica
o fosso cultural que ainda divide uns e outros é mais notório em contexto laboral – no qual, tipicamente, o imigrante português é o empregador e o nativo moçambicano o empregado –, onde as percepções de cada qual em relação ao outro revelam muita estranheza e grande ignorância. De parte a parte. E ambas decorrentes da falta de uma comunicação que, indo além da pragmática funcional que preside às relações de trabalho, procure entender a pessoa que existe por detrás do patrão e do funcionário. Estas são, em termos muito simplificados, as grandes conclusões obtidas até agora pelo trabalho de investigação que Lisa Åkesson, professora catedrática em Antropologia na Universidade de Gotemburgo, Suécia, está a desenvolver com Inês Macamo Raimundo, docente em Geografia Humana na Universidade Eduardo Mondlane (UEM), desde 2018. Intitulado “Migrantes portugueses em Moçambique - pós-colonialismo e troca de conhecimentos”, o trabalho partiu de duas questões basilares: primeiro, saber como é que os portugueses falam dos seus funcionários moçambicanos e como é que os moçambicanos qualificam os patrões portugueses; depois, indagar que tipo de ideias e competências profissionais os portugueses transmitem aos moçambicanos e o que é que estes procuram ensinar aos portugueses. Um dos resultados imediatos do estudo de Lisa Åkesson e Inês Raimundo é que há, ainda, “um enorme desconhecimento de ambas as partes, as quais criam imagens estereotipadas uma da outra, com queixas mútuas mas sem que haja um diálogo franco e aberto”
Para isso, foram ouvir as pessoas. Além de compulsar a literatura académica, fizeram 66 entrevistas presenciais – 36 com moçambicanos e 29 com portugueses – para ouvirem, de viva voz, a verdade de cada qual. As conversas com os portugueses, diz a antropóloga sueca, que contou com os bons ofícios da AP – Associação Portuguesa de Moçambique nos contactos preliminares, foram “mais fáceis” do que com os moçambicanos: “Alguns tinham medo de falar – receavam que fossemos contar aos patrões o que nos tinham dito”, justifica Inês Raimundo. Garantida a confidencialidade e superadas as reservas, falaram todos. E muito
a linguagem da discórdia É pela palavra que se chega ao outro – como enuncia o livro mais vendido de todos os tempos, a Bíblia, “no princípio era o Verbo” (João 1:1). E é também nele que radica um dos principais equívocos: “As percepções dos moçambicanos em relação aos portugueses são muitas e diversas, mas a principal refere-se à linguagem. Para os moçambicanos, os portugueses usam muito calão, demasiados palavrões que são entendidos como insultos, como humilhações deliberadas, senão até mesmo como racismo disfarçado”, diz Åkesson. Estas situações ocorrem, na esmagadora maioria dos casos, nas pequenas empresas e, principalmente,