E&M_Edição 88_Setembro 2025 • CORAL SUL FLNG - “Futuro Pede Novos Projectos de Gás Natural”
GABRIELE ANNIS • EMBAIXADOR DE ITÁLIA
“EMPRESAS ITALIANAS ESTÃO PRONTAS PARA AJUDAR MOÇAMBIQUE A CRESCER”
CRÉDITOS DE CARBONO
COMO O PROJECTO MOZBLUE APOIA AS COMUNIDADES A GERAREM RENDIMENTO COM PLANTAÇÃO DE MANGAL
BOLSAS DE ESTUDO
CAMÕES I.P. REFORÇA APOIO A JOVENS COM FOCO NAS ÁREAS DE SAÚDE, ENGENHARIA E INFORMÁTICA
PARCERIA ESTRATÉGICA
MOÇAMBIQUE E BANCO MUNDIAL ENTRAM NUMA NOVA ERA DE COOPERAÇÃO ANCORADA NA ENERGIA
CORAL SUL FLNG
“FUTURO PEDE NOVOS PROJECTOS DE GÁS NATURAL”
Após três anos de operação, Coral Sul já rendeu mais de 200 milhões USD em receitas fiscais e, mais do que isso, veio provar que “Moçambique está pronto” para uma nova era de investimentos no sector, segundo a CEO da ENI em Moçambique, Marica Calabrese
20 Futuro do gás. Moçambique avança como interveniente global com a plataforma Coral Sul, gerando receitas, empregos e oportunidades, mas analistas alertam para problemas que testam o potencial do País
28 Gás sustentável. Especialistas da Ernst & Young defendem governança sólida, conteúdo local e ESG para que o gás em Moçambique gere prosperidade real para empresas, Estado e comunidades
36 Entrevista. O projecto Coral Sul é a prova de que grandes investimentos podem avançar em Moçambique, afirma a directora da ENI, destacando 200 milhões USD em receitas do Estado, 1400 empregos e contratos com 100 PME nacionais
42 Retoma e riscos. Governo reconhece que a retoma da Área 1 e a expansão da Área 4 dependem de segurança, financiamento e alinhamento estratégico. O País está pronto para dar este passo?
46 GNL no mundo. No tabuleiro global do GNL, Moçambique procura afirmar-se entre pressões de transição energética e geopolítica
16 CONTEÚDO LOCAL
Formação. Como o reforço das bolsas do Camões em áreas estratégicas está a fortalecer os recursos humanos, a cooperação luso-moçambicana e inclusão social no ensino superior
RADAR ÁFRICA
Fundos Soberanos e Desenvolvimento. Com 13 biliões USD em activos, os fundos soberanos emergem como investidores-chave na reducão do défice dos ODS. Saiba como
OPINIÃO
12 Yara Soto, Banco BIG Moçambique
14 Gonçalo Tender Arroja, EY Financial Services Manager
18 Jaikumar Sathish, Director de Tecnologia de Informação do Absa Bank Moçambique
56 João Gomes, Partner@ BlueBiz
66 Filipa Nóvoa, Directora-executiva da Caetsu Two Moçambique
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32 CTJ
52 FNB
68 Bubble Cloud Mozambique
SECÇÕES
3 Sumário
4 Editorial
6 Observação
8 Radar
10 Números em Conta
48 Radar África
74 Panorama
81
ÓCIO
54
SHAPERS
Economia descentralizada. Podem os mercados livres e regras claras serem o caminho para a prosperidade em economias em transição como a de Moçambique, tal como defendia Friedrich Hayek?
MERCADO & FINANÇAS
Cooperação económica. Moçambique e Banco Mundial renovam parceria, colocando energia, inclusão social e capacitação institucional no centro de uma estratégia de desenvolvimento sustentável
62
CEO TALKS
Gabriele Annis. O embaixador de Itália anuncia aposta do seu país nos sectores do turismo e digitalização, para transformar o potencial de Moçambique em crescimento
73 MOÇAMBIQUE DIGITAL
74 Governo Electrónico. Estudo do engenheiro Elton Sixpence, do ISUTC, antevê sistemas para simplificar serviços públicos
82 Escape Ao encontro da biodiversidade terrestre e marinha únicas do Parque Nacional de Maputo 84 Ao Volante do Volvo XC90, a nova geração do icónico modelo sueco, 100% eléctrico 85 Adega Ao sabor do Nederburg Sauvignon Blanc: vinho branco refrescante e versátil. 86 Moçambicanos na diáspora Conheça o percurso de Gerúsio Matonse, um notável nadador moçambicano na Nova Zelândia 90 Fecho de contas Municípios de todo o mundo reúnem-se em Outubro, à procura de soluções para desafios urbanos
Celso Chambisso Editor Executivo da Economia & Mercado
Gás, a Prova de Fogo
Ahistória está cheia de países que descobriram petróleo ou gás e não beneficiaram do prometido desenvolvimento: receitas concentradas, instituições fragilizadas, excesso de expectativas e sectores produtivos sufocados – o clássico “mal dos recursos”. O alerta vem de estudos do Fundo Monetário Internacional (FMI) e de países africanos como a Nigéria e a Guiné Equatorial, onde a riqueza extractiva conviveu com fracos indicadores sociais e volatilidade fiscal.
Moçambique não está condenado a repetir este guião. A primeira exportação de gás natural liquefeito (GNL) da bacia do Rovuma aconteceu há quase três anos, em Novembro de 2022, graças à plataforma Coral Sul, obra de um consórcio liderado pela Eni. Antes do arranque, a BP já tinha contratado toda a produção por 20 anos e a unidade de FLNG (sigla inglesa para gás natural liquefeito flutuante) opera na fasquia de produção de 3,4 mtpa (milhões de toneladas por ano). Foi um marco histórico para a exploração de reservas no Norte do País e é uma fonte regular de receitas externas.
ção governamental da plataforma Coral Norte, a segunda infra-estrutura FLNG operada pela Eni, na Área 4 de exploração da bacia do Rovuma. O plano aponta para uma produção a rondar 3,55 mtpa e arranque na segunda metade de 2028, aproximando Moçambique do patamar dos grandes exportadores, ao mesmo tempo que diversifica destinos e contratos. Ainda falta a decisão final de investimento, mas o sinal político e técnico é inequívoco.
A “década do gás” deve evitar os males que já feriram outros países
Entre a euforia e a prudência, cabem avisos. Florival Mucave, especialista no sector, insiste (nesta edição) em três ideias: (i) conteúdo local como disciplina e não como slogan; (ii) previsibilidade regulatória e contratual para reduzir o riscos; e (iii) aplicação inteligente do rendimento em infra-estruturas que promovam produtividade. Os riscos continuam à vista: segurança no Norte e custos de mitigação; falta de decisão final de investimento no projecto em terra da Área 4, liderado pela Exxon; pressões sociais pela “antecipação” do rendimento; e a própria volatilidade do mercado global de GNL.
Estas receitas devem começar a ancorar uma política de poupança intergeracional. A aprovação da Lei do Fundo Soberano, em 2023, abriu a porta à estabilidade macroeconómica e ao investimento de longo prazo. Em 2025, o Fundo já tinha recebido acima de 200 milhões de dólares (até Junho), superando todo o ano anterior. Trata-se de um passo decisivo para transformar ventos de ciclo em activos permanentes. O horizonte também ganhou nitidez, com a aprova-
A estratégia tem de blindar o ciclo: boa governança do Fundo Soberano, contratos transparentes, regras fiscais anticíclicas e métricas públicas de conteúdo local e emprego. Só assim a “década do gás” evita os males que já feriram tantos.
O teste político é transformar receitas extraordinárias em desenvolvimento ordinário: salas de aula, água, saneamento, saúde primária, agricultura competitiva e cidades com mobilidade. O teste económico é simples de enunciar e difícil de cumprir: cada dólar do gás deve multiplicar dólares na economia real.
Media4Development
NÚMERO DE REGISTO
01/GABINFO-DEPC/2018
Cooperação entre EUA e países emergentes, 2025
Guerra Tarifária: Estratégia Geopolítica ou Fragmentação Global?
A recente escalada da guerra tarifária dos Estados Unidos contra membros do bloco BRICS, como China, Índia e África do Sul, revela uma estratégia que vai além das disputas comerciais. A imposição de tarifas que ascendem a 50% sobre as exportações indianas, por exemplo, visa pressionar países que mantêm relações comerciais com a Rússia, especialmente no sector energético. A Índia, com uma relação histórica e estratégica com Moscovo, continua a importar petróleo russo, apesar das sanções ocidentais.
Por outro lado, a África do Sul, membro do BRICS, enfrenta tarifas de 30% sobre suas exportações de minerais e metais para os EUA. Estas medidas afectam as economias locais, mas também têm implicações para a ordem económica internacional. O bloco BRICS, composto por países com economias emergentes, procura alternativas ao sistema financeiro dominado pelo dólar, explorando novas formas de cooperação económica, numa aposta de resistência crescente às políticas unilaterais dos EUA.
No fundo, a guerra tarifária pode acelerar a fragmentação do comércio internacional, impulsionando novos blocos económicos e desafiando o modelo de hegemonia que tem marcado as últimas décadas.
Diversificação económica
Branqueamento de capitais Moçambique torna obrigatória declaração de
O Governo passou a exigir que todas as pessoas singulares e colectivas que detenham 10% ou mais de participação numa sociedade comercial ou que exerçam controlo sobre ela declarem o “beneficiário efectivo”. A medida, recentemente anunciada pelo Ministério da Justiça, reforça o combate ao branqueamento de capitais e financiamento ao terrorismo. Segundo o conservador de Registos das Entidades Legais, Arlindo Matavele, a obrigação abrange sociedades comerciais, ONG, fundações,
Governo quer empresários a apostar na cultura como activo económico
O Presidente da República, Daniel Chapo, apelou aos empresários nacionais para financiarem as artes e a cultura, considerando o sector um activo económico estratégico para o desenvolvimento do País. Falando em Tete, na abertura da 12.ª edição do Festival Nacional de Cultura, o chefe do Estado destacou que investir em centros culturais, grupos artísticos ou eventos é também sinónimo de fortalecimento da identidade, da unidade e da paz em Moçambique.
Chapo garantiu ao sector privado que existem mecanismos legais de incentivo
Energia
ao investimento cultural e dirigiu-se aos produtores de cultura, pedindo que preservem a convivência harmoniosa entre os moçambicanos.
Aos jovens, exortou-os a assumirem-se como protagonistas, explorando as novas linguagens digitais para promover a cultura nacional através de redes sociais e outras tecnologias.
O Festival Nacional de Cultura decorreu em Agosto, reunindo cerca de 1200 artistas e grupos de todo o País, num espaço de celebração da diversidade e identidade moçambicana.
CTJ Consultoria anuncia entrada de Paulo Pereira como novo sócio e reforça estratégia de crescimento
A CTJ Consultoria anunciou a integração do executivo Paulo Pereira como novo sócio da empresa. A chegada do gestor, reconhecido pelo histórico de entregas de alto impacto e visão estratégica, marca uma etapa de transformação e crescimento para a consultoria.
De acordo com os fundadores da CTJ, a experiência de Paulo Pereira irá reforçar o posicionamento da consultoria como uma “boutique” de estratégia, liderada por executivos seniores e orientada por inovação e resultados mensuráveis. A nova liderança deve contribuir para ampliar o portfólio de serviços, consolidar parcerias e acelerar a expansão da empresa no mercado.
Com este movimento, a CTJ pretende ainda fortalecer a sua actuação em projectos de grande complexidade e ampliar
o alcance junto a empresas que procuram soluções estratégicas para enfrentar cenários desafiadores. A entrada de Paulo Pereira é também vista como um catalisador para novos horizontes e como mais um passo para consolidar a CTJ consultoria como referência no sector.
confissões religiosas, cooperativas e representações estrangeiras. O incumprimento acarretará sanções e a declaração deve ser renovada anualmente e sempre que haja alterações societárias.
O presidente da Comissão Executiva da Câmara de Comércio de Moçambique, Fernando Robert, destacou que a medida ajudará o País a sair da “Lista Cinzenta” do Grupo de Acção Financeira (GAFI) e a criar um ambiente mais seguro e competitivo para os investidores.
Negócios
CTA e Microbanco Sólido juntam-se para apoiar micro, pequenas e médias empresas
A Confederação das Associações Económicas de Moçambique (CTA) e o Microbanco Sólido firmaram uma parceria para apoiar micro, pequenas e médias empresas (MPME), com foco no sector informal. O objectivo é alargar o acesso à banca, criar produtos financeiros acessíveis e fortalecer o empreendedorismo nacional.
O vice-presidente da CTA, Onório Manuel, sublinhou que a colaboração reforçará o ecossistema de apoio aos pequenos negócios e a inclusão financeira. Já o CEO do Microbanco Sólido, Jerson Tembe, garantiu que a instituição está comprometida em impulsionar o crescimento económico com soluções financeiras inovadoras, desenhadas para micro e pequenos empreendedores.
Segundo um comunicado de imprensa emitido pela CTA, a cooperação marca o início de uma relação estratégica que promete consolidar o papel do Microbanco Sólido como parceiro no desenvolvimento sustentável e na criação de emprego em Moçambique.
Quem Tem as Maiores Reservas de Gás?
O gás natural é utilizado para gerar electricidade, aquecer habitações, edifícios e alimentar transportes. É também uma fonte de energia essencial para diversos processos industriais. Neste gráfico, apresentamos uma classificação dos países com maiores reservas de gás natural, com base em dados do boletim estatístico do Instituto da Energia (Energy Institute, www.energyinst.org), actualizados em Setembro de 2023.
A Ásia lidera em reservas, por região, com seis países entre os 10 primeiros.
África, Europa, América do Norte e América do Sul têm, cada qual, um representante no “top” 10. Apesar de ocupar o 5.º lugar a nível de reservas, os EUA são o país que mais processa gás natural, com uma quota de 23% da produção global. A Rússia surge em segundo lugar (17,4%) e o Irão em terceiro (6,4%).
Os EUA foram também o principal exportador de gás natural, em 2022, com 104,3 mil milhões de metros cúbicos sob a forma de gás natural liquefeito (GNL) e 82,7 mil milhões de metros cúbicos em
Classificação dos Países por Reservas Provadas de Gás Natural
formato gasoso (via gasodutos). A Rússia foi o segundo maior exportador, seguindo-se Qatar e Noruega.
Já a Rússia detém as maiores reservas, estimadas em 37,4 mil milhões de metros cúbicos, o que representa cerca de 20% do total global. O Irão ocupa o segundo lugar com 17% das reservas mundiais, seguido pelo Qatar com 13%.
Moçambique ocupa a 12.ª posição no “ranking” mundial de reservas de gás natural, com um volume de 2,8 mil milhões de metros cúbicos.
cúbicos)
Yara Soto • Global Markets Analyst, Banco BIG Moçambique
Aindependência de um banco central é um elemento essencial para garantir a eficácia da política monetária e a estabilidade macroeconómica de um país. Esta independência refere-se à capacidade da autoridade monetária em tomar decisões técnicas, baseadas em dados e objectivos económicos, sem interferência de terceiros. Quando os bancos centrais operam com autonomia, estão mais bem posicionados para controlar a inflação, estabilizar a moeda e promover a confiança dos mercados.
A independência pode ser:
• Legal: corresponde à liberdade para definir metas macroeconómicos e instrumentos de política monetária;
• Operacional: permitindo ao banco central decidir e implementar os meios para atingir os objectivos definidos;
• Financeira: quando a instituição possui autonomia para gerir o seu orçamento;
• Institucional: nomeadamente a existência de mecanismos de protecção legal dos dirigentes, por exemplo, contra demissões arbitrárias.
Países desenvolvidos e com bancos centrais independentes tendem a apresentar taxas de inflação mais baixas e estáveis. Um exemplo é o Banco Central Europeu (BCE), cujo mandato principal é a estabilidade dos preços. A sua autonomia tem sido crucial para garantir decisões consistentes, mesmo em momentos de crise política nos países membros. Esta independência foi particularmente importante durante a crise da dívida soberana, quando o BCE conseguiu implementar medidas de estímulo e controlo da inflação sem se submeter às pressões dos governos nacionais.
Nos Estados Unidos, a Reserva Federal Norte-Americana (Fed) é frequentemente citada como um exemplo histórico de um banco central independente. Embora o presidente do Fed seja nomeado pelo Presidente dos Estados Unidos e sujeito
Política Monetária: a Importância da Independência dos Bancos Centrais
a aprovação do Senado, o Fed opera com significativa autonomia operacional. Esta independência tem permitido a este banco central tomar decisões difíceis no passado recente, como o aumento significativo das taxas de juro para conter a inflação pós-covid, mesmo quando essas medidas se revelam impopulares ao nível da população ou dos decisores políticos.
Contudo, com o regresso do Presidente Trump à Casa Branca, no início do ano, a autonomia do Fed tem sido constantemente desafiada. O Presidente norte-americano, que alega que as taxas de juro se encontram excessivamente elevadas, tem
Países desenvolvidos e com bancos centrais independentes tendem a apresentar taxas de inflação mais baixas e estáveis, como o BCE, por exemplo
pressionado repetidamente o Fed a reduzi-las, inclusive ameaçando com a demissão do seu presidente, Jerome Powell. Embora o Fed tenha resistido a essas pressões, este episódio ilustra como a interferência política pode colocar em risco a credibilidade da política monetária. Se o banco central cedesse, embora pudesse ocorrer um estímulo económico de curto prazo, gerar-se-iam riscos de agravamento da inflação e uma crise de confiança nos mercados. A capacidade do Fed em manter a sua independência é, por isso, essencial para preservar a confiança dos investidores e a estabilidade económica dos EUA.
Por contraste, a Turquia tem sido apontada como um exemplo de um país onde o Governo tem interferido directamente nas decisões de política monetária. Entre 2019 e 2021, o Presidente Turco, Recep Tayyip Erdogan, demitiu três presidentes do banco central da Turquia. Nos últimos anos, tem exercido uma forte influência sobre a instituição, pressionando cortes nas taxas de juro, mesmo em contextos de inflação elevada. Esta interferência tem gerado instabilidade nos mercados e resultou numa desvalorização significativa da moeda e na perda de confiança dos investidores. A falta de autonomia do banco central turco tem comprometido a sua capacidade de responder de forma eficaz aos desafios económicos, ilustrando os riscos associados à politização da política monetária. A evidência mostra que países com bancos centrais independentes tendem a apresentar níveis de inflação mais baixos e maior disciplina fiscal. A autonomia permite que o banco central funcione como um contrapeso às políticas orçamentais expansionistas, promovendo uma coordenação mais equilibrada entre política fiscal e monetária.
Apesar dos benefícios, a independência não significa ausência de prestação de contas. O banco central deve ser transparente, comunicar as suas decisões de forma clara e estar sujeito a mecanismos de controlo democrático, como a prestação de contas ao Parlamento. Além disso, em momentos de crise, a coordenação entre política monetária e fiscal torna-se essencial. Um exemplo positivo foi a actuação conjunta do Banco de Inglaterra e do Tesouro britânico durante a pandemia da covid-19, equilibrando independência com cooperação institucional. Num mundo cada vez mais interligado e sujeito a choques externos, preservar a independência dos bancos centrais revela-se imperioso, de modo a assegurar que os fundamentos económicos sejam respeitados, independentemente das dinâmicas políticas do momento.
O Mercado de Créditos de Carbono –Oportunidade Para Moçambique?
Gonçalo Tender Arroja • EY Financial Services Manager
Acrescente tendência de sensibilização e preocupação da população global com temáticas de sustentabilidade e com crises climáticas tem conduzido a uma atenção acrescida por parte das organizações internacionais intergovernamentais, e do tecido empresarial, em procurar alternativas viáveis para mitigar os riscos das alterações climáticas. Neste âmbito, o aumento progressivo do número de fenómenos meteorológicos extremos observado em todo o planeta e a crescente regulamentação internacional criada para limitar as emissões de carbono têm contribuído para um aumento significativo de interesse pelo mercado de créditos de carbono.
A origem deste mercado remonta ao final da década de 1970. O evento que lhe deu maior tracção ocorreu em 1997: a assinatura do Protocolo de Kyoto. Posteriormente, a 12 de Dezembro de 2015, com a celebração do Acordo de Paris, foi aprovado um novo tratado internacional, adoptado por 195 países presentes na Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (designada por COP21). Este novo tratado, juridicamente vinculativo, representou um incentivo acrescido para impulsionar o mercado de créditos de carbono, que tem vindo a evoluir de forma gradual. Hoje, é uma ferramenta importante para acautelar desastres relacionados com um clima em mudança.
O mercado de créditos de carbono (por vezes designado como “mercado de compensações de carbono”) visa, assim, incentivar a redução de emissões, concedendo uma recompensa financeira às entidades que poluem menos, funcionando também como um mecanismo de compensação para empresas e países que necessitam de reduzir o seu impacto.
O potencial deste mercado tem vindo a crescer exponencialmente, em grande parte, impulsionado pelos compromissos corporativos de “zero emissões” e pelo progresso nas regulamentações governamentais e internacionais. De acordo com dados do Banco Mundial, estima-se que o mercado de créditos de carbono tenha gerado mais de 100 mil milhões de dólares em 2024, com perspectivas de crescimento para 2025. Actualmente, encontram-se globalmente estabelecidos cerca de 80 ETF – Emissions Trading Systems (sistemas de compra e venda de créditos de carbono), com planos de criação de ETF adicionais localizados no Brasil, na Índia e na Turquia.
“Há muito espaço para a entrada de novos intervenientes no mercado de créditos de carbono. Surge assim a inevitável questão: poderá Moçambique aspirar a assumir-se como um “país mais verde”, com um papel activo no mercado?”
Mas como funciona? O mercado de créditos de carbono foi criado como um mecanismo para reduzir as emissões de gases de efeito de estuda (GEE), com foco na redução de emissões de dióxido de carbono (CO2). É um sistema onde diversas empresas e países podem comprar ou vender o direito para emitir GEE e que pode ser resumido da seguinte maneira, de forma simplificada:
1. Limites de emissões: é atribuído um limite de emissões de GEE às empresas e países;
2. Créditos de carbono: para uma empresa ou país com emissões abaixo do limite, esse diferencial passa a representar um crédito de carbono;
3. Compra e venda: entidades com emissões acima do limite podem comprar créditos de carbono àquelas cujo nível de emissões se encontra abaixo do limite.
Segundo dados publicados pela Sylvera (agência de “rating” que contribui para a preparação de literatura científica, em colaboração com diversas organizações não-governamentais, governos e instituições académicas), o nível de procura de créditos de carbono superou, pela primeira vez, o nível de oferta, no 1.º trimestre de 2025. Esta inversão na tendência entre procura e oferta disponível no mercado global parece reflectir um interesse estável e robusto que vem dando indícios de poder vir a ser consistentemente superior à disponibilidade no mercado (sendo expectável que essa tendência se mantenha em 2025).
O potencial para investir na criação de oferta parece assim ser claro: com perspectivas de crescimento anual superiores a 20%, um volume global de receitas acima de 130 mil milhões de dólares (previsto para 2025), com perspectivas de superar 1 bilião até 2030 e uma tendência de aumento na procura (que irá agravar o défice já observado em termos de oferta disponível), há muito espaço para a entrada de novos intervenientes no mercado de créditos de carbono.
Surge assim a inevitável questão: poderá Moçambique aspirar a assumir-se como um “país mais verde”, com um papel activo no mercado de créditos de car-
bono? A principal motivação que me leva a escrever este artigo é a mesma que me leva a responder “sim” a esta questão: o gosto que sempre tive em ver algo atingir o seu potencial. Sejam pessoas, projectos, empresas ou países, a motivação para estimular ao máximo o potencial existente é algo que sempre me moveu. E o potencial de Moçambique é inegável, neste campo: a extensa área florestal, o diverso leque de energias renováveis disponível (que inclui a energia solar, a energia das marés e a energia eólica) e o elevado nível de intensidade de carbono ainda presente na economia representam alguns dos principais factores que criam este inegável potencial.
Em Moçambique, as principais fontes de criação de créditos de carbono podem surgir por via de projectos de energia renovável, de iniciativas de reflorestação (incluindo florestas de mangal) e de práticas sustentáveis de gestão e exploração da terra. Os factores base aparentam estar reunidos. Contudo, será também necessário assegurar alguns requisitos comuns à criação de qualquer ecossistema empresarial, requisitos esses que podem inclusivamente ser conjugados com as preocupações ambientais já presentes no Plano Quinquenal do Governo para 2025-2029.
Por um lado, será importante investir na definição e no fortalecimento dos enquadramentos jurídicos e regulatórios, sobretudo por via do desenvolvimento de um Plano de Activação do Mercado de Carbono que estabeleça directrizes claras para os participantes do mercado, garantindo transparência, responsabilidade, adesão aos padrões ambientais, e que dê resposta a questões como o processo de registo, supervisão de projectos e de verificação de créditos de carbono. Por outro, deve também ser melhorada a capacitação e o conhecimento técnico, quer ao nível das comunidades locais (que devem ser munidas de informação e das competências necessárias para se envolverem e beneficiarem de projectos de carbono), quer ao nível do incentivo de parcerias internacionais que estimulem a partilha de conhecimento que potencie o desenvolvimento de especialização nacional em operações de mercado de carbono. Por fim, e não menos importante, será importante garantir a atribuição de benefícios às comunidades que apresentam maior potencial em criar créditos de carbono, permitindo assim capturá-lo de forma verificável, quantificável e plena.
A materialização de todo este potencial poderá ainda ser complementada
Mercado de créditos de carbono: o potencial tem vindo a crescer exponencialmente
com projectos e iniciativas já em curso, nomeadamente com os projectos de gás natural liquefeito - sendo esse um recurso que pode ser elegível para créditos de carbono quando usado para substituir combustíveis fósseis, como o carvão -, bem como por via da definição de estratégias e iniciativas semelhantes ao projecto REDD - Reducing Emissions from Deforestation and Forest Degradation, em que Moçambique se encontra actualmente a combater activamente a destruição do manto verde por meio de uma estratégia nacional que visa reduzir as emissões de GEE provenientes da desflorestação.
O mercado de créditos de carbono poderá representar mais uma oportunidade valiosa para o desenvolvimento de Moçambique de um ponto de vista ambiental, económico e social, representando igualmente uma nova fonte de captação de moeda estrangeira e de investimento externo. A importância de todos estes benefícios é muito relevante para o actual contexto do País e, sobretudo, para aspirar a um futuro mais promissor. Mais do que uma opção desejável, poderá representar uma oportunidade muito positiva para apoiar a construção, com responsabilidade e visão, de um futuro verdadeiramente sustentável e inclusivo.
Camões I.P. Reforça Bolsas de Estudo em Áreas Estratégicas
O Camões I.P. reforçou, em 2024, o contingente de bolsas de estudo para jovens moçambicanos poderem estudar em Portugal, privilegiando áreas como engenharia, saúde e informática
Texto Pedro Cativelos • Fotografia Mariano Silva
Oprograma de bolsas de estudo do Camões –Instituto da Cooperação e da Língua, entidade estatal portuguesa, tem desempenhado um papel central na formação académica de jovens moçambicanos, abrindo portas para cursos superiores em Portugal e em instituições de ensino moçambicanas.
Inserido no quadro mais amplo da cooperação bilateral entre Portugal e Moçambique, este programa constitui, segundo Helena Guerreiro, Adida Técnica Principal para a Área da Cooperação na Embaixada de Portugal em Maputo, “um dos sectores prioritários, que congrega educação e formação, valorizando os recursos humanos como condição essencial para o desenvolvimento sustentável do País”.
Fomentar a proximidade social e cultural
Com raízes que remontam ao final da década de 1990, o programa ganhou um enquadramento formal em 1999, através da Resolução 33/99 do Conselho de Ministros de Portugal. Desde então, tornou-se “num instrumento de reforço do sistema científico e tecnológico de Moçambique, facilitador do acesso à formação científica e técnica dos seus jovens e quadros, em áreas prioritárias para o desenvolvimento inclusivo do País”, sublinha a responsável.
O impacto tem sido expressivo e, em 2024, o Governo português aumentou o contingente anual de bolsas externas atribuídas a Moçambique, passando de 57 para as 75. “Este aumento demonstra o reconhecimento do impacto positivo destas bolsas e a vontade de alargar as oportunidades aos jovens mo-
çambicanos”, explica Helena Guerreiro. O programa contempla duas modalidades principais: bolsas para formação em Portugal e bolsas para formação em Moçambique, abrangendo tanto o ensino secundário como o superior.
Aproximar dois países irmãos
A mobilidade académica proporcionada pelas bolsas externas cumpre, na visão da responsável, “uma dupla valência: por um lado, permite a frequência de cursos inexistentes no sistema de ensino moçambicano; por outro, amplia as perspectivas profissionais e pessoais dos estudantes, democratizando o acesso ao ensino superior no estrangeiro, com critérios de selecção que discriminam positivamente candidatos com menos recursos financeiros, mulheres e residentes fora dos grandes centros urbanos.”
O programa privilegia áreas alinhadas com as prioridades definidas no Programa Estratégico de Cooperação, nomeadamente as ciências, tecnologias, engenharia e matemática (CTEM). “Queremos que os estudantes regressem com conhecimentos sólidos e aplicáveis a áreas estratégicas para o desenvolvimento de Moçambique”, refere. Na prática, as áreas mais procuradas têm sido a saúde, as engenharias e a informática.
O Camões I.P gere o programa em estreita articulação com o Instituto de Bolsas de Estudo de Moçambique (IBE), parceiro-chave na recolha, triagem e encaminhamento das candidaturas, bem como no apoio logístico aos bolseiros. “O IBE tem um papel determinante desde a divulgação e abertura do concurso, passando pela recolha dos processos, até ao ingresso dos alunos nas instituições de ensino em Portugal. Assumem, inclusive, o pagamento das viagens”, detalha Helena Guerreiro.
Mais de metade dos 70 bolseiros são mulheres e 85% estudam em sectores prioritários para o desenvolvimento do País
Integração e acompanhamento
Para Helena Guerreiro, a dimensão estratégica do programa vai além da formação académica: “Mais que tudo, este é um instrumento de diplomacia e cooperação cultural, reforçando laços históricos e culturais e contribuindo para a capacitação dos recursos humanos e das instituições moçambicanas.”
Olhando para o futuro, não descarta novas modalidades de apoio, incluindo a integração de regimes digitais ou a expansão de parcerias entre universidades portuguesas e moçambicanas. “As parcerias académicas estão a ganhar cada vez mais dinamismo, com mobilidade de estudantes, docentes, investigadores e projectos conjuntos que têm impacto directo na formação avançada de recursos humanos”, conclui.
HELENA GUERREIRO
Adida Técnica Principal para a área da Cooperação na Embaixada de Portugal em Maputo
Jaikumar Sathish • Director de Tecnologia de Informação do Absa Bank
Num mundo cada vez mais interligado, a tecnologia tornou-se no motor de transformação dos serviços financeiros. Contudo, esta evolução traz também grandes desafios para as instituições. Um deles é assegurar que a velocidade da inovação não compromete a protecção dos dados dos clientes, num contexto em que as ameaças digitais se tornam cada vez mais sofisticadas.
No Absa Bank Moçambique, a adopção de soluções digitais inovadoras é uma resposta à evolução do sector bancário e uma estratégia para oferecer maior conveniência, rapidez e personalização aos clientes. O banco está atento aos riscos inerentes aos avanços tecnológicos e, por isso, desenvolve a sua inovação em paralelo com políticas rigorosas de segurança, garantindo que cada solução seja testada, certificada e adaptada ao contexto local e global.
Jaikumar Sathish, director de Tecnologias de Informação do Absa Bank Moçambique, sublinha que cada nova funcionalidade ou canal digital disponibilizado aos clientes deve assegurar simplicidade, rapidez e proteger todos os dados e activos financeiros contra as crescentes ameaças cibernéticas.
“A tecnologia deixou de ser apenas uma ferramenta de conveniência e passou a fazer parte do ADN dos serviços bancários. É um pilar estratégico que nos permite estar mais próximos dos nossos clientes e, ao mesmo tempo, mais preparados para responder às necessidades de forma pró-activa. Com a aceleração da inteligência artificial e de outras tecnologias emergentes, o futuro dos serviços bancários em Moçambique promete ainda mais inovações. O Absa estuda formas de incorporar estas tendências de forma responsável, garantindo que a segurança acompanha –e, sempre que possível, antecipa – o rit-
Tecnologia e Ameaças Cibernéticas: O Compromisso do Absa Bank com a Inovação Segura
mo da inovação. Enquanto actores relevantes no sistema financeiro nacional, não temos dúvidas de que, num mercado cada vez mais digital, será a capacidade de aliar inovação e protecção que definirá os líderes do sector.”
A política de cibersegurança do Absa segue padrões internacionais e é revista regularmente para acompanhar a evolução das ameaças. Com o crescimento das soluções digitais, aumenta também a sofisticação dos ataques cibernéticos – desde tentativas de “phishing”
O Absa Bank Moçambique é um exemplo de como a tecnologia e a segurança cibernética podem caminhar lado a lado, impulsionando a transformação de sonhos e histórias de vida
até acções direccionadas contra sistemas bancários. Consciente deste cenário, o Absa Bank Moçambique investe continuamente em:
• sistemas avançados de monitorização para detecção precoce de incidentes;
• protocolos de autenticação multifactor que dificultam o acesso não autorizado;
• encriptação de dados para proteger informações sensíveis;
• formação contínua de colaboradores e campanhas de sensibilização junto dos clientes para prevenção de fraudes.
O Papel Transformador da Tecnologia
A integração de plataformas digitais no Absa permite que os Clientes realizem as suas operações bancárias de forma simples, ágil e segura, seja através do “Internet banking”, “mobile banking” ou de serviços automatizados nas agências. Entre as principais vantagens destacam-se:
• acesso às operações bancárias em qualquer momento e lugar;
• rapidez nas transacções;
• experiência personalizada;
• maior eficiência operacional, através da automatização de processos internos para um atendimento mais eficaz.
O Absa Bank Moçambique é um exemplo de como a tecnologia e a segurança cibernética podem caminhar lado a lado, impulsionando a transformação de sonhos e histórias de vida. A aposta em soluções digitais modernas é acompanhada por um investimento constante na protecção de dados, na formação de clientes e na actualização de sistemas. Não vemos a segurança como um obstáculo, mas como a base sobre a qual construímos a nossa promessa de inovação e confiança”, afirma o director de Tecnologias de Informação do banco.
A tecnologia transformou o sector bancário e abriu novas possibilidades no relacionamento entre o Absa e os seus Clientes. No entanto, a verdadeira vantagem competitiva reside na capacidade de integrar inovação e segurança de forma equilibrada. Esse equilíbrio assegura não apenas conveniência e eficiência, mas também confiança –um valor essencial no mundo financeiro moderno.
Da Riqueza às Armadilhas do Gás
Moçambique entrou no mercado de gás natural liquefeito com a plataforma Coral Sul que, em três anos, gerou receitas, empregos e oportunidades para empresas locais. Mas atrasos nos restantes megaprojectos, riscos de segurança e problemas de governança expõem fragilidades que podem comprometer os benefícios esperados. Será que o País vai conseguir transformar o potencial energético em desenvolvimento sustentável? Ou vai ficar preso às armadilhas do gás natural?
Texto Celso Chambisso • Fotografia D.R.
Com reservas provadas superiores a 180 triliões de pés cúbicos de gás natural na bacia do Rovuma (um número que a coloca entre as maiores do mundo), os megaprojectos de exploração aprovados já podiam ter colocado o País como um pilar energético da África Austral e um fornecedor relevante para os mercados europeu e asiático. Mas só um avançou: o arranque da Coral Sul, plataforma flutuante (como um navio-cidade, em mar alto) de captação e liquefacção de gás, operado pela Eni, marcou a entrada de Moçambique no grupo dos exportadores globais de gás natural liquefeito (GNL) em 2022. Com uma capacidade de 3,4 milhões de toneladas por ano (mtpa), este projecto – integrado na Área 4 de exploração do Rovuma – tornou-se exemplo de como países com infra-estruturas limitadas podem, através das FLNG, sigla inglesa para Floating Liquefied Natural Gas (produção, liquefacção, armazenamento e transferência de gás natural directamente em instalações marítimas), posicionar-se nos mercados internacionais. De tal maneira que a fórmula é para repetir: em Abril de 2025, o Governo moçambicano aprovou o desenvolvimento da Coral Norte, com uma capacidade adicional de 3,55 mtpa e produção prevista para 2028.
Os outros dois projectos em terra não seguem este ritmo. O megaprojecto “onshore” liderado pela TotalEnergies (Área 1), anunciado como o maior investimento privado da história de Moçambique, está suspenso desde 2021, devido à insurgência armada em Cabo Delgado. Ainda que a retoma seja uma prioridade, as mais recentes projecções atiram o início da produção para 2032, comprometendo as previsões de receita e de impacto macroeconómico no curto prazo.
Apesar destes desafios, grandes operadores internacionais, como a Adnoc, dos Emirados Árabes Unidos, demonstram confiança no potencial moçambicano. Em Junho de 2025, a petrolífera Adnoc adquiriu 10% do projecto da Galp em Moçambique, num negócio que poderá ascender a 1,15 mil milhões de dólares. O gesto foi visto pelo Wall Street Journal como um sinal claro de que o País continua a ser visto como uma aposta energética de longo prazo.
Três anos de Coral Sul. O que nos trouxe?
Nos últimos três anos, o Coral Sul significou um avanço em termos de infra-estrutura e capacidade operacional e tor-
TRÊS ANOS DO
Números que reflectem a influência do único projecto de exploração da bacia do Rovuma em fase de produção
nou-se também num ponto de referência para debates sobre governança, sustentabilidade e integração social. O projecto representa um teste concreto à capacidade do Governo moçambicano e das empresas envolvidas em transformar o potencial energético em desenvolvimento económico e benefícios tangíveis para as comunidades locais (apesar de estar localizada em mar alto, a cerca de 40 quilómetros da costa de Cabo Delgado).
À medida que a produção da plataforma avança, cresce também a expectativa sobre a sua capacidade de cumprir metas ambiciosas de produção de GNL e de impulsionar a estratégia de longo prazo delineada no Plano Económico e Social e Orçamento do Estado (PESOE)
O processamento através de liquefacção permite transportar o gás natural por todo o mundo
Ainda que a retoma da Total seja uma prioridade, as mais recentes projecções apontam o início da produção apenas para 2032, comprometendo as previsões de receita e benefício macroeconómico no curto prazo
2025 e na Estratégia Nacional de Desenvolvimento 2025-2044 (ENDE). O sucesso e desafios do projecto nos próximos anos serão determinantes para avaliar se Moçambique está, de facto, preparado para assumir uma posição de destaque no mercado global de energia.
Que avanços houve em concreto?
De acordo com o documento do Cenário Fiscal de Médio Prazo (CFMP) 20252027, as receitas de GNL provenientes da plataforma Coral Sul aumentaram 11,8% em 2023, em relação a 2022, totalizando 73,4 milhões de dólares (aproximadamente 4688,2 milhões de meticais).
Este ano, o CFMP prevê que as receitas de GNL atinjam 78,3 milhões de dólares, dos quais 60% serão destinados ao Orça-
mento do Estado e o restante será alocado ao Fundo Soberano.
Na área do emprego, segundo a ENI, o projecto tem, actualmente, cerca de 1400 moçambicanos empregados directa ou indirectamente, com aproximadamente 200 profissionais moçambicanos a bordo da unidade FLNG. Além disso, o projecto investiu cerca de 33 milhões de dólares em programas de formação para jovens licenciados, para melhorar as competências e prepará-los para o mercado de trabalho. No domínio do conteúdo local e desenvolvimento empresarial, até ao momento, empresas moçambicanas de pequeno e médio porte asseguraram contratos no valor de cerca de 800 milhões de dólares no Coral Sul.
Como equilibrar crescimento e riscos?
Florival Mucave, presidente da Câmara de Energia de Moçambique, figura influente no debate sobre a política energética, considera que o gás deve ser explorado de forma estratégica, combinando exportação e utilização doméstica, com o objectivo de industrializar a economia, dinamizar sectores produtivos como a agricultura e criar emprego. Mucave defende uma plataforma de colaboração entre Estado, empresas privadas e especialistas africanos para assegurar que a riqueza gerada não escapa às mãos de Moçambique.
Este optimismo encontra, no entanto, um contraponto inevitável: a chamada “maldição dos recursos”. Países ricos em petróleo e gás registam, muitas vezes, crescimento económico volátil, desigualdade acentuada e fraca diversificação.
Para Florival Mucave, a criação do Fundo Soberano em Moçambique é um passo estratégico para blindar as receitas do gás e direccioná-las para investimentos estruturais. Contudo, alerta que a experiência de outros países africanos mostra que tais fundos, por si só, não garantem prosperidade. É preciso, diz Mucave, assegurar transparência rigorosa, regras claras e governação sólida para evitar a captura por interesses políticos ou uso de curto prazo.
A grande questão, segundo o dirigente, não é apenas a existência do Fundo, mas se o País conseguirá geri-lo com disciplina fiscal, visão de longo prazo e foco em resultados concretos que beneficiem a economia e a população de forma sustentável.
Gás como ponte ou armadilha energética
Mucave diz que o importante é encontrar um equilíbrio no debate global
180
Triliões de pés cúbicos:
Reservas de gás natural na bacia do Rovuma, que podem fazer de Moçambique um actor global relevante
sobre a transição energética. Moçambique não pode abdicar dos combustíveis fósseis de forma precipitada, sobretudo quando a lenha continua a ser a principal fonte de energia para milhões de famílias O gás natural, segundo o especialista, deve ser encarado como uma energia de transição, capaz de gerar receitas imediatas, garantir a electrificação mais ampla e sustentar o crescimento industrial. Esta estratégia, no entanto, é arriscada: a dependência prolongada de combustíveis fósseis pode atrasar a adopção de fontes renováveis e travar compromissos ambientais mais ambiciosos.
O especialista defende que o desafio, agora, é usar o gás como ponte para uma matriz energética diversificada e mais limpa, com investimentos simultâneos em solar, eólica e noutras soluções sustentáveis (o que felizmente já começa a acontecer), evitando que o País fique preso a um modelo energético que poderá perder relevância nas próximas décadas.
É urgente acelerar a exploração
Neste contexto, Mucave defende uma postura de urgência – à semelhança do
É preciso assegurar transparência rigorosa, regras claras e governação sólida do Fundo Soberano, para evitar a captura por interesses políticos ou uso de curto prazo, diz Mucave. A grande dúvida é se o País conseguirá gerilo com disciplina fiscal
famoso “drill, baby drill” (“perfura, querido perfura”, slogan político que surgiu nos EUA como incentivo à perfuração de novos poços de petróleo, em 2008). Entende que, num contexto de pobreza estrutural e necessidade de industrialização, a exploração acelerada do gás é um imperativo. O desafio é conciliar esta pressa com factores como volatilidade dos preços internacionais, pressões ambientais e instabilidade na região de Cabo Delgado – todos eles capazes de comprometer a sustentabilidade do sector.
Curto prazo: receitas e fundo soberano
Este ano, o Governo prevê que as receitas de GNL atinjam 78,3 milhões de dólares, dos quais 60% serão destinados ao Orçamento do Estado e o restante alocado ao Fundo Soberano, criado para gerir receitas extraordinárias provenientes de recursos naturais.
O Fundo Soberano terá um papel determinante no curto prazo, prevendo-se que financie 15 projectos estratégicos, entre os quais se destacam 12 novas
O PODER DO GÁS
Do Rovuma para o mundo, conheça as números e metas que revelam o impacto do gás natural, e que há mais de uma década se espera que coloquem Moçambique no mapa global da energia
3,4 mtpa
Capacidade de produção da plataforma flutuante Coral Sul, consórcio da Área 4, operacional desde 2022 sob a liderança da ENI.
3,55 mtpa
Capacidade de produção prevista para o projecto adicional Coral Norte (plataforma flutuante em construção), a partir de 2028.
10% de crescimento do PIB
Potenciais receitas do Estado se todos os projectos avançarem. Até 2045, as receitas brutas podem chegar a 500 mil milhões USD.
100 mil milhões USD
Potenciais receitas do Estado se todos os projectos avançarem. Até 2045, as receitas brutas podem chegar a 500 mil milhões USD.
>100 TCF
Estimativa das reservas de gás natural sob a bacia do Rovuma, ao largo da costa de Cabo Delgado, no oceano Índico.
12,9 mtpa
Capacidade de produção prevista para a linha de liquefacção em terra (“onshore”) em Afungi, Área 1, consórcio liderado pela TotalEnergies.
tcf – triliões de pés cúbicos mtpa – milhões de toneladas por ano
30 000 empregos directos
Estimativa de empregos que serão criados se os projectos em terra avançarem.
662 para 951 USD de PIB Per capita
Estimativa de aumento da qualidade de vida (até 2029) caso a exploração de gás avance em pleno, um aumento de 43%.
3,55 para 20 mtpa
Meta de aumento da produção nacional de GNL até 2029, mas que se afigura optimista, face ao histórico de adiamentos.
18 mtpa
Previsão de produção da ExxonMobil para o projecto Rovuma LNG, península de Afungi, mas cuja decisão tem sido sempre adiada.
FONTE Ministério dos Recursos Minerais e Energia, Deloitte, African Economic Development & International Consulting (AEDIC), Reuters, Financtial Times
escolas secundárias. Se se concretizar, esta aposta pode mostrar uma acção do Governo capaz de traduzir a exploração de gás em desenvolvimento social e capacitação humana - embora persistam críticas sobre a transparência, especialmente quanto ao destino de 165 milhões de dólares em receitas de gás entre 2022 e 2024, cujas informações foram omitidas do PESOE 2025.
Médio prazo: fortalecimento institucional
No horizonte de médio prazo, o Governo pretende reforçar o papel da Empresa Nacional de Hidrocarbonetos (ENH),
A visão de longo prazo implica maximizar receitas, integrar o sector da energia com políticas de desenvolvimento sustentável, criação de emprego qualificado e diversificação da economia
dotando-a de capacidade para operar directamente os projectos de gás, representando os interesses do Estado. Actualmente, a ENH participa em 10 concessões, mas o plano é expandir esta presença para garantir maior controlo sobre os investimentos estratégicos e promover transferência de tecnologia e conhecimento.
Além disso, o PESOE 2025 prevê que as receitas provenientes do sector de petróleo e gás, estimadas em aproximadamente 3000 milhões de meticais (cerca de 46,5 milhões de dólares), sejam aplicadas em infra-estruturas prioritárias, alinhando o investimento energéti-
Parte considerável dos trabalhadores do Coral Sul é nacional
co com a expansão económica e industrial do País.
Longo prazo: transformação económica
A visão de longo prazo, consagrada na Estratégia Nacional de Desenvolvimento (ENDE) 2025-2044, repete promessas por concretizar: aponta a exploração de recursos energéticos, incluindo gás natural, como eixo central para a industrialização e transformação económica de Moçambique. A visão de longo prazo implica maximizar receitas fiscais e integrar o sector de energia com políticas de desenvolvimento sustentável, criação de
EMPREGO, FORMAÇÃO E CONTEÚDO LOCAL
Emprego, formação e conteúdo local
Empregos directos e indiretos: 1400 moçambicanos
Empregos directos a bordo da FLNG: 200 moçambicanos
Investimento em formação: 33 milhões USD para jovens licenciados
Contratos com empresas locais: 800 milhões USD
emprego qualificado, diversificação da economia e promoção de parcerias público-privadas estratégicas.
O Governo olha para o gás natural como um motor capaz de colocar Moçambique no mapa global da energia, atraindo investimentos internacionais, fortalecendo a cadeia de valor doméstica e garantindo que os benefícios da exploração alcancem as comunidades locais e o Estado de forma equilibrada.
Apesar das projecções optimistas, o Governo reconhece os problemas que o País enfrenta: atrasos nos megaprojectos terrestres, riscos de segurança em Cabo Delgado, limitações de infra-estru-
turas e a necessidade de governança sólida na gestão de recursos. Para mitigar os riscos, o PESOE 2025 e a ENDE reforçam a importância de alinhamento estratégico, transparência, integração de conteúdo local e ESG (ambiental, social e governança) nos projectos de gás.
As grandes preocupações da sociedade civil
A sociedade civil em Moçambique acompanha de perto o desenvolvimento do sector de gás natural que aponta como uma oportunidade:
• Potencial económico: o gás natural, especialmente do projecto Coral Sul, é uma oportunidade para gerar receitas significativas, criar empregos e fortalecer a economia nacional;
• Foco social: a alocação de 40% das receitas ao Fundo Soberano para projectos estratégicos, como escolas e infra-estrutura social, é reconhecida como um passo positivo para vincular recursos energéticos a benefícios concretos para a população;
• Alinhamento com recomendações técnicas: muitas das linhas de orientação do PESOE estão em sintonia com recomendações de especialistas, como transparência, governança sólida e integração de conteúdo local.
As organizações da sociedade civil também apontam fragilidades e riscos que podem comprometer a execução do plano:
• Transparência e fiscalização: existe preocupação sobre a gestão dos recursos do Fundo Soberano, especialmente considerando omissões nas receitas de anos anteriores (165 milhões de dólares entre 2022-2024);
• Capacidade institucional: questionam se a ENH e outros órgãos estatais têm efectiva capacidade técnica e administrativa para operacionalizar projectos complexos de gás em grande escala;
• Riscos sociais e ambientais: os impactos sobre comunidades locais e ecossistemas, bem como a necessidade de políticas robustas de mitigação ambiental, são lacunas a serem preenchidas;
• Dependência de factores externos: a volatilidade dos mercados internacionais, atrasos em megaprojectos e riscos de segurança em Cabo Delgado podem comprometer as metas estabelecidas.
No fundo, estas posições revelam que o sucesso do sector dependerá não apenas da dimensão dos investimentos, mas da capacidade de transformar receitas em progresso inclusivo.
FONTE ENI
Como Transformar o Gás em Motor de Prosperidade
Especialistas da EY destacam a necessidade de alinhamento estratégico, governança sólida e integração de conteúdo local e ESG. Apontam caminhos para que os projectos de gás beneficiem empresas, comunidades e Estado. Estamos prontos?
Com uma presença activa, em Moçambique, desde os primeiros passos da exploração de gás natural, a Ernst & Young (EY) tem desempenhado um papel estratégico tanto do lado empresarial como no apoio institucional ao Estado. A experiência acumulada pela consultora abrange vários processos, do aumento da eficiência operacional (com recurso a plataformas avançadas de gestão e integração de cadeias de valor), até ao reforço do enquadramento regulatório e fiscal do sector. Esta combinação de competências técnicas e visão estratégica torna relevantes as análises de José Diogo (director de consultoria de negócio), Hugo Machado (director de fiscalidade internacional e serviços de transferência) e Norma Franco (“partner” de sustentabilidade e alterações climáticas). Juntos, nesta edição da E&M, ajudam a esclarecer ambiguidades e a compreender desafios da indústria do gás em Moçambique.
A fiscalidade carece de actualização
Na perspectiva de Hugo Machado, “os temas de natureza fiscal são altamente relevantes e podem colocar em causa decisões de investimento”. Contudo, observa que estes só costumam ser considerados após confirmada a viabilidade operacional, financeira e legal de um projecto. No caso do investimento direc-
Texto Celso Chambisso • Fotografia D.R.
to estrangeiro (IDE), destaca três pilares para a atracção fiscal: estabilidade do regime, confiança nas autoridades competentes e competitividade face a países com recursos idênticos.
Relativamente ao Rovuma, recorda que os contratos de concessão assinados há mais de uma década (alguns quase a completar duas) foram decisivos para captar grandes intervenientes globais, graças a condições protegidas por cláusulas de estabilidade fiscal. Mas, acrescenta, o tempo passou e há necessidade de ajustes que respondam ao novo contexto social, económico e político. Essas mudanças, sublinha, “não podem resultar de revisões unilaterais ou abruptas”, mas sim de “negociações estratégicas que preservem a confiança dos investidores e permitam ao Estado aumentar a sua flexibilidade fiscal.”
Que desafios se impõem e como ultrapassá-los?
Machado aponta o regime especial de regularização do IVA aplicável à indústria extractiva, que atribui ao Estado a obrigação de compensar fornecedores pelo imposto liquidado e não pago por operadores e entidades contratadas. No entanto, a falta de liquidez do Tesouro tem provocado atrasos significativos nesses reembolsos, fragilizando a sobrevivência de empresas, travando cadeias de fornecimento e ameaçando a eficácia da Lei do Conteúdo Local.
Para o especialista, a saída exige coordenação entre Governo e investidores,
Boas práticas internacionais, como as da Nigéria e do Gana, oferecem referências úteis de conteúdo local, mas devem ser adaptadas ao contexto moçambicano
revisão na alocação das receitas e reforço da capacidade institucional, incluindo formação de agentes tributários, melhoria da fiscalização e combate à economia informal. O caminho para Moçambique deve evitar “uma revisão unilateral ou abrupta dos regimes aplicáveis” e incluir uma combinação de instrumentos tributários complementares, a par de fortalecimento institucional, que assegurem estabilidade e prosperidade.
Há que melhorar a prestação de contas
Para José Diogo, a crescente relevância do gás na economia moçambicana impõe a revisão e modernização dos sistemas de recolha, análise e divulgação de dados fiscais e económicos, alinhando-os com padrões internacionais de transparência e prestação de contas. “Uma supervisão rigorosa dos impactos, da arrecadação fiscal à alocação dos recursos, aumenta a confiança dos investidores e da sociedade e permite optimizar”, afirma.
No centro desta estratégia está o Fundo Soberano, que, para ter impacto sustentável e intergeracional, precisa de ser guiado por uma visão de Estado e não por agendas políticas de curto prazo. Diogo defende duas prioridades claras: 1. Reforçar pilares essenciais – educação, saúde e infra-estruturas sociais e produtivas, para reduzir dependências externas e criar bases sólidas de desenvolvimento humano e económico.
2. Investir em sectores estratégicos –energias renováveis, turismo e agricultura de grande escala, aproveitando as vantagens comparativas do País para gerar emprego, receitas e inovação.
José Diogo lembra que experiências como a da Noruega, do Botsuana e dos Emirados Árabes Unidos demonstram
O gás pode abrir caminho para a industrialização e uma prosperidade duradoura
que fundos soberanos bem geridos podem transformar recursos finitos em prosperidade duradoura. Mas, para lá chegar, tem de haver governança independente, regras claras para distribuição de recursos entre investimentos internos e aplicações internacionais, avaliação periódica de resultados e protecção legal contra uso político indevido. “Mais do que um instrumento financeiro, o Fundo Soberano deve ser o catalisador de um modelo de desenvolvimento capaz de preparar o País para prosperar para além da era do gás natural”, conclui.
Como desbloquear os impasses no conteúdo local?
Empresários moçambicanos e entidades do sector apontam obstáculos concretos para entrarem na cadeia de valor do gás: ausência de um quadro legal claro e vinculativo, demora na aprovação da Lei do Conteúdo Local e falta de consenso sobre os seus parâmetros. Verifica-se também escassez de capital e faltam li-
HUGO MACHADO Ernst&Young
“Não deve haver revisões unilaterais, mas sim negociações que preservem a confiança dos investidores e a flexibilidade do Estado.”
nhas de financiamento adequadas. Nota-se ainda uma carência de empresas com capacidade técnica, falta de certificações internacionais e limitações ao nível da educação, saúde e infra-estruturas nas comunidades próximas dos projectos. Estes factores tornam difícil que empresas nacionais aproveitem plenamente as oportunidades geradas pelos megaprojectos do gás.
José Diogo observa que o conceito de conteúdo local vai além de percentagens de contratos atribuídos a empresas nacionais. Para o especialista, trata-se de garantir a apropriação real do projecto por todos os “stakeholders” (comunidades, empresas e Governo), assegurando que os benefícios permaneçam no País. Para estruturar um modelo eficaz, é necessário:
• definir um conceito nacional adaptado à realidade moçambicana;
• estabelecer metas progressivas com base na capacidade actual do tecido empresarial;
O ESG deve garantir benefícios reais para as comunidades locais
• criar incentivos, mecanismos de supervisão e requisitos de certificação que coloquem empresas nacionais em padrões internacionais;
• investir em educação técnica e profissional alinhada com as necessidades do sector e em programas de capacitação empresarial com foco em qualidade, segurança e práticas ambientais;
• desenvolver mecanismos de financiamento, incluindo parcerias com bancos e o Fundo Soberano, que permitam acesso a capital e superem barreiras à participação de empresas e comunidades.
Diogo realça que boas práticas internacionais, como as da Nigéria e Gana, oferecem referências úteis, mas devem ser adaptadas ao contexto moçambicano. O sucesso do conteúdo local depende de um plano nacional original, fruto de diálogo inclusivo entre Estado, empresas e comunidades (o que ainda não aconteceu no caso de Moçambique).
Como está ou deve ser explorado o ESG?
Para Norma Franco, “partner” de sustentabilidade e alterações climáticas na EY, a integração das dimensões ambiental, social e de governança (ESG) é decisiva na avaliação de projectos de gás. Os impactos, riscos e oportunidades associados a estas dimensões influenciam
directamente o financiamento, licenciamento e a reputação dos projectos.
Em Moçambique, os projectos de gás concentram-se quase exclusivamente na exportação, limitando os benefícios para as comunidades afectadas, especialmente as submetidas a reassentamentos. Ao mesmo tempo, o País possui reservas estratégicas e potencial para uma matriz energética mais verde, abrindo oportunidades de financiamento climático e privado, essenciais para atingir os objectivos nacionais de transição energética.
Sugere que para fortalecer a credibilidade e atrair capital, é fundamental consolidar os compromissos políticos já assumidos e demonstrar progresso mensurável na implementação das estratégias de transição energética. A publicação de relatórios periódicos com metas climáticas claras e a integração de objectivos sociais e ambientais nos planos de desenvolvimento regional, aumentam a confiança dos investidores.
“A diversificação energética deve ser comunicada como parte de uma transição justa, priorizando projectos que beneficiem as comunidades locais e promovam o uso sustentável do gás. Alinhar os projectos a padrões internacionais, como os do International Finance Corporation (IFC), é crítico, pois estes referenciais são amplamente adoptados por financiadores multilaterais e privados”, indicou.
JOSÉ DIOGO
Ernst&Young
“O Fundo Soberano deve ser o catalisador de um modelo de desenvolvimento que prepare o País para prosperar além do gás.”
NORMA FRANCO Ernst&Young
“O gás só será estratégico se for integrado numa visão de longo prazo que promova biodiversidade, transição justa e resiliência climática.”
Que lugar ocupamos no contexto da transição energética?
Ainda de acordo com Norma Franco, o gás natural pode ser um recurso de transição relevante para Moçambique, substituindo combustíveis mais intensivos em carbono e diversificando a matriz energética nacional e internacional. Contudo, à medida que as energias renováveis se tornam mais acessíveis e os compromissos climáticos globais avançam, o valor estratégico do gás dependerá da capacidade do País em internalizar benefícios, reduzir a dependência das exportações e assegurar que os projectos sigam critérios ESG robustos e transparentes. Franco realça que Moçambique enfrenta desafios significativos relacionados com a vulnerabilidade climática e preservação da biodiversidade, especialmente em áreas ecologicamente sensíveis. “O País possui potencial para gerar créditos de carbono, mas isso exige regulamentação adequada e governança eficaz, incluindo mecanismos como o Gabinete de Financiamento Climático”, sugere.
Entende, igualmente, que o gás poderá ser um activo estratégico se integrado numa visão de longo prazo que promova biodiversidade, transição justa e resiliência climática; caso contrário, corre o risco de se tornar num recurso transitório com impactos sociais e ambientais limitados.
Bruno Chicalia • Partner, CTJ Consultoria bruno.chicalia@ctjconsultoria.com
“Quando vi Sur pela primeira vez na década de 1990, era uma vila de pescadores. Uma pequena linha de casas brancas, barracas, barcos de madeira encalhados na areia e uma estrada que mais parecia um trilho seco de cabras. Mas o sultão Qaboos decidiu: ‘É aqui que vamos construir o futuro.’”
Construir uma Nação com Energia: A Jornada de Omã com o Gás Natural
Ahistória não se repete — mas pode rimar, se formos poetas do nosso próprio destino.”
Esta é a viagem de um engenheiro de Moçambique até ao coração do deserto e o quanto ela nos pode inspirar.
“Quando vi Sur pela primeira vez, na década de 1990, era uma vila de pescadores. Uma pequena linha de casas brancas, barracas, barcos de madeira encalhados na areia e uma estrada que mais parecia um trilho seco de cabras. Mas o sultão Qaboos decidiu: ‘É aqui que vamos construir o futuro’. E foi ali mesmo que vimos um milagre acontecer”.
A voz do engenheiro José Silva Pereira, aos 79 anos, ainda carrega a energia de quem sabe que viveu uma história que poucos têm o privilégio de contar. Sentado à sombra de uma varanda, em Maputo, com o olhar pousado no Índico, ele regressa, com um sorriso sereno, aos dias quentes do Médio Oriente, quando o gás natural era apenas promessa e Omã era um país que acreditava mais no futuro que no presente.
A equipa da CTJ Consultoria falou com o José Silva Pereira sobre experiências relevantes e referências ao Sultanato de Omã para a construção da indústria de gás natural e o consequente desenvolvimento económico, social e ambiental do país.
Um moçambicano no deserto Homem do Chiveve, José nasceu em Moçambique, onde se licenciou em Engenharia Química e partiu jovem pela mão da Sasol, petrolífera estatal sul-africana. Em 1982, obteve um MBA na Universidade Nova de Lisboa e, em 1983, aterrou, pela primeira vez no Médio Oriente, em Abu Dhabi, representando a Partex — o braço petrolífero da Fundação Calouste Gulbenkian. Integrou a Administração da GASCO, empresa de recuperação e conversão de gás associado ao pe-
tróleo bruto, que até então era queimado no deserto. Era o início de uma longa jornada no coração da indústria do petróleo e gás.
“Não era fácil. Mas era fascinante. Os países da região estavam a reinventar-se, e eu tive o privilégio de fazer parte disso.”
Em 1995, a chamada chegou: Omã queria construir a sua primeira fábrica de liquefacção de gás natural. José foi nomeado para o conselho de administração da recém-criada Oman LNG, com uma missão clara: ajudar a lançar o projecto e formar jovens licenciados omanitas para assumirem cargos de liderança, em cinco anos. “Na altura pensei: isso é valioso. Mas será possível? Um dos jovens licenciados que tive a responsabilidade de recrutar é hoje o COO (Chief Operating Officer) da Oman LNG.”
Sur: onde tudo começou
Sur era, então, uma vila piscatória com poucas infra-estruturas. Três localidades tinham sido consideradas para a construção da fábrica, todas na costa, a cerca de 350 quilómetros das reservas de gás, no subsolo do interior do país. O sultão Qaboos, com uma visão ousada, escolheu Sur.
“Queria levar desenvolvimento para onde não havia nada. Queria equilíbrio territorial. Escolheu o lugar mais difícil. E ganhou.”
“Lembro-me de ver o letreiro ‘Pizza Hut – coming soon’ pendurado numa barraca em Sur. Na altura, achei surreal. Mas, hoje, percebo que aquele letreiro era símbolo de algo maior: um país a acreditar no seu futuro e a gerar oportunidades onde apenas existiam sonhos e chão de areia”, conclui José Silva Pereira.
Sur, sultanato de Omã, 1990
A Oman LNG foi criada por decreto real em 1994 como “joint venture” com capital estatal dominante (51%) e participação privada (Shell 30% e operador; Total, Partex, Korea LNG, Mitsubishi, Mitsui e Itochu), com financiamento bancário
Instalações de processamento de gás natural em Sur
cobrindo 80% do investimento inicial, o que atestava a credibilidade do projecto. Esse modelo garantiu controlo nacional e boa aceitação nos mercados internacionais. A negociação e contratação com as multinacionais envolvidas foi fundamental para salvaguardar os interesses nacionais da altura e futuros. Omã apostou no controlo da cadeia desde a extracção até à liquefacção e exportação de GNL, permitindo maximizar valor e criar competências internas robustas.
Sur, fábrica de GNL, 2000 Foi assim que começou a transformação: a vila ganhou hospitais, escolas, hotéis. A ligação de Muscat (capital de Omã) a Sur tinha duas alternativas: uma estrada alcatroada pelo interior do país, por 300 quilómetros, ou uma estrada bem mais curta, 200 quilómetros, de terra batida e atravessada por vários leitos secos de riachos (“wadis”) que, em caso de chuvada, nas montanhas, ficava intransitável, devido a enxurradas. No lugar desta estrada existe hoje uma auto-estrada, que até permite o acesso a locais turísticos de interesse, tais como o conhecido “sinkhole” de Omã. “De repente, Sur não
estava só no mapa. Estava no coração da economia do país.”
Construir mais que infra-estruturas
Mas o que mais impressionou José não foram os edifícios, nem os investimentos milionários. Foi o compromisso com as pessoas. “Havia resistência. Os pescadores diziam que íamos destruir o ganha-pão deles. Dialogámos. Investimos. Alugámos casas a locais, renovámos, construímos aglomerados populacionais modernos, que atraíram comércio, serviços, instituições, pequena e média indústria. Foi um processo humano de desenvolvimento sempre em concertação social.”
Com orgulho, ele conta: “Quinze anos depois, o problema que existia era que os mesmos pescadores iam pescar para próximo dos pilares do cais da fábrica. Havia mais peixe e já não era apenas pesca — era também negócio, era exportação, era dignidade.” E ainda se ri: “Mas foi preciso impor que pescassem sem fumar, porque na proximidade de um cais de carregamento de GNL não era muito seguro.” Investiu-se
em crédito rural, infra-estrutura costeira e gestão profissional da pesca para fortalecer a produção local e garantir exportações.
Uma fundação para o futuro
A Oman LNG desenvolve-se. Desde a exportação da primeira carga de GNL (ano 2000), os accionistas comprometeram-se a destinar 1,5% dos lucros líquidos anuais para o desenvolvimento social e sustentável. Isto representava 20-25 milhões de USD por ano. O plano consistia em utilizar metade desse montante em projectos sociais e o restante revertia para um Fundo de Reserva.
Em 2015, criou-se a Oman LNG Development Foundation — uma fundação de carácter perpétuo (isto é, com “vida” para além da própria Oman LNG), com mais de 200 milhões de dólares do Fundo de Reserva, cuja missão é investir na sociedade mesmo após o fim da fábrica, um dia.
“Isso tocou-me profundamente. Não era filantropia — era visionário. Era investimento intergeracional, vontade de mudar o status quo de uma população maioritariamente pobre.”
Hoje, são mais de 4000 projectos sociais apoiados pela fundação: escolas equipadas, formação de professores, clínicas, campanhas de saúde, desenvolvimento rural, até mesmo uma fábrica de queijos em Salalah, no extremo sul do país, com técnicas importadas da Europa – tudo fruto directo dos investimentos das receitas de exportação do gás natural.
Foi assim que Omã apostou em capital humano. “Havia aldeias no norte, como Musandam numa península isolada no Estreito de Ormuz, onde habitantes de aldeias só acessíveis por barco eram regularmente levados de helicóptero pela Força Aérea a centros urbanos, para exames escolares, consultas médicas, até compras de bens e roupa. Tudo suportado pelo Estado e pelas receitas do GNL. Era caro. Mas era necessário e era justo. O património era de todos.”
E não era só para formar operários: eram engenheiros, gestores, médicos, professores.
Durante a construção da fábrica de GNL, a Oman LNG financiou a construção de um hospital em Sur, no valor de 80 milhões de USD, bem equipado e incluindo formação de pessoal local para prestar cuidados de alto nível.
A Oman LNG integrou programas de conteúdo local (ICV - Política de In Country Value), privilegiando contratação e abastecimento locais no seu desenvolvimento industrial.
Omã queria que o seu povo liderasse o futuro — não apenas o servisse.
“O jovem que me substituiu na administração da Oman LNG? Hoje tem uma
posição proeminente na indústria no país. E continuamos amigos.”
Fertilizantes, turismo, indústria: a roda gira
Com o gás como motor, Omã diversificou. Um dos maiores projectos foi a OMIFCO — Oman India Fertilizer Company —, uma fábrica moderna de ureia e amoníaco, criada com vários parceiros. Pensada logo no início do desenvolvimento do GNL, com o intuito de dar uso ao gás natural reservado para o país, e sobretudo com intenção de gerar nova manufactura e outras actividades paralelas, que, por sua vez, apoiassem indústrias críticas ao país como era a agricultura.
“Geração de empregos, exportação, inovação. Tudo muito intencional.”
Mas havia mais. O turismo foi promovido com investimento em infra-estruturas, cultura e ambiente. O sector bancário foi fortalecido para apoiar empreendedores locais que contavam com apoios para se desenvolverem e participarem nas cadeias de valor das grandes Shell, TotalEnergies, etc. E a logística tornou-se um pilar: com portos modernos, estradas e zonas industriais integradas.
A criação do SOHAR Port & Freezone, com milhares de hectares e dezenas de milhares de milhões de USD em investimentos, atraiu clusters de metalurgia, petroquímica e alimentos, reforçando a logística nacional. Institutos como o CBFS e o National Hospitality Institute foram estabelecidos em colaboração
com a Oman LNG e outras entidades para qualificar a mão-de-obra local noutras áreas, como Hotelaria e Catering.
A política nacional obrigou empresas a atingirem percentagens mínimas de emprego omanita (ex.: 75–95% em vários níveis), fomentando a oferta de trabalho local.
Desenvolveram-se projectos como o Miraah — energia solar térmica gigante — que permitem a geração de energia para extracção petrolífera e liquefacção de gás natural sem utilizar gás fóssil, reduzindo emissões. O novo projecto Marsa LNG, liderado pela TotalEnergies, será totalmente alimentado por solar e visa posicionar Omã como hub de bunkering para GNL.
Criou-se a Vision 2040, que organiza esforços nacionais em eixos estratégicos — economia, cultura, Governo —, alinhando investimentos nos sectores energético, industrial e de serviços.
“Era uma visão sistémica. Tudo ligado, tudo com propósito. O gás era o gatilho, mas o alvo era maior: era o desenvolvimento completo.”
Moçambique no limiar da história Com reservas que ultrapassam as de Omã em sete vezes, Moçambique está, segundo José, “onde Omã estava há 35 anos”, mas com potencial superior. Palma pode ser a nova Sur — se o País tiver a visão de fazer diferente para si próprio e para os seus.
“O primeiro passo? Formar moçambicanos. Apostar na juventude. Trazer universidades técnicas, escolas de formação, programas de intercâmbio. Temos de preparar a geração do durante e pós-gás. Se o gás vai durar algumas décadas apenas, o que vem depois e o que seremos depende dos jovens que formarmos hoje.”
O segundo, diz ele, é governança. “Transparência. Instituições fortes. É inevitável. Sem isso, o gás pode ser uma maldição disfarçada que deixa o País mais pobre apesar da ´riqueza´.”
E, por fim, visão territorial. “Palma não pode crescer sozinha. Tem de puxar por toda a província. Por Cabo Delgado, Nampula, Niassa. O desenvolvimento tem de ser partilhado pelo País todo.”
José Silva Pereira não fala com nostalgia — fala com missão.
“O que mais me orgulha não são os títulos. É saber que participei em algo que deu frutos. Que mudou vidas.”
Se há algo em que Omã poderá inspirar Moçambique, é que o gás natural, se bem usado, pode construir não apenas auto-estradas e fábricas — “mas sonhos, dignidade e futuro.”
Pormenor da paisagem urbana de Sur, em 2025
“Coral Sul Mostra Que é Possível Gerar Benefícios Para o País”
A ENI tem planos para expandir as actividade em Moçambique, em linha com as ambições do País enquanto produtor de energia na arena global. Marica Calabrese, Administradora-Delegada da Eni Rovuma Basin, antecipa a chegada da segunda plataforma e detalha outros projectos
Texto Pedro Cativelos • Fotografia Mariano Silva
Após mais de 15 anos de debates, expectativas e promessas adiadas em torno da exploração do gás natural em Moçambique, a ENI materializou, em 2022, o primeiro grande projecto do sector, no norte do País, com a entrada em operação da plataforma FLNG Coral Sul. Este marco histórico assinalou a transição das intenções para as realizações em relação à bacia do Rovuma, inserindo Moçambique numa das arenas mais competitivas do mundo — o mercado global de energia — e provando que grandes projectos de gás natural podem funcionar no País.
A completar três anos de operação, o projecto Coral Sul já gerou mais de 200 milhões de dólares em receitas fiscais, mobilizou cerca de 100 empresas nacionais, assegurou contratos de mais de 800 milhões de dólares e garantiu 1400 postos de trabalho directos e indirectos – além da aposta na formação: a ENI já colocou moçambicanos a trabalhar noutros projectos de petróleo e gás, na Argélia, Costa do Marfim, México e outros.
Até 2028, deve iniciar produção a segunda plataforma (Coral Norte), uma versão melhorada da actual. Mas há mais ambições no horizonte: as principais descobertas estão localizadas na bacia do Rovuma, no norte do país, mas Marica Calabrese, Admirectora-Delegada da
Eni Rovuma Basin, indica nesta entrevista à Economia & Mercado que há outras descobertas ao longo da costa, no mar e em terra e que Moçambique merece “receber investimentos em várias frentes”.
Ao completar três anos de operação, já é possível ver benefícios da operação da plataforma Coral Sul?
A operação da plataforma Coral Sul movimenta uma carga [de GNL] por semana, o que é, definitivamente, uma boa conquista. O que nos orgulha, também, é o facto de estarmos a proporcionar valor a Moçambique, não apenas pagando impostos e “royalties”, mas através de benefícios indirectos como a formação profissional. Temos vários programas de treino de jovens engenheiros moçambicanos. É incrível a rapidez com que aprendem o trabalho técnico e como estão orgulhosos por trabalhar para o seu País, num projecto desta dimensão e importância. Hoje, já temos moçambicanos a trabalhar nutros projectos de petróleo e gás, na Argélia, Costa do Marfim, México e outros. Há também benefícios para a macroeconomia e para as cadeias de valor nos negócios das pequenas e médias empresas, um universo empresarial com que trabalhamos muito.
Qual tem sido a estratégia da ENI para envolver essas empresas
As principais descobertas estão localizadas na bacia do Rovuma, no norte do país. Mas há, igualmente, outras descobertas ao longo da costa, no mar e em terra
locais na cadeia de valor do projecto Coral Sul?
Neste momento, temos contratos com cerca de 100 empresas locais num valor de cerca de 800 milhões de dólares e estamos a trabalhar para garantir que esse número cresça. Isso significa mais formação, para garantir padrões de qualidade ainda mais elevados.
Nalguns casos, ajudamo-las a obter as certificações de que precisam para trabalharem connosco. Isto contribui para a criação de empregos, alargando os benefícios do projecto Coral Sul. Estimamos que o projecto já tenha ajudado a criar cerca de 1400 empregos, tanto directos como indirectos, o que é muito.
O que os levou a avançar com o projecto Coral Norte, ou seja, uma segunda plataforma na bacia do Rovuma?
Estamos a avançar com o projecto Coral Norte, que já foi aprovado, e trabalhamos com vista à decisão final de investimento com o objectivo de iniciar a produção de GNL em 2028. O conceito é simples: quando a plataforma Coral Sul entrou em produção, em 2022, percebemos o sucesso alcançado e questionámos: porque não fazer outra?
Assim surgiu a ideia de replicar o desenho e a engenharia da Coral Sul, mas de forma optimizada. Estamos a aplicar no projecto Coral Norte todos os ensinamentos, usando a mesma base técnica, incorporando melhorias que são fruto da experiência dos últimos três anos, para colocarmos rapidamente no mercado um projecto que possa duplicar a produção.
Em termos de dimensão, investimento e produção,
Engenheira ambiental com mestrado em engenharia de petróleo pelo Imperial College de Londres e licenciatura pelo Politecnico di Milano, tem mais de 20 anos de experiência na indústria da energia. Lidera actualmente a Eni Rovuma Basin, em Moçambique, onde dirige o projecto Coral Sul FLNG e outros empreendimentos na bacia do Rovuma. Antes de assumir funções no País, em 2023, trabalhou na sede da Eni, em Itália, no desenvolvimento de recursos para África e no departamento de fusões e aquisições.
MARICA CALABRESE
FLNG CORAL SUL EM NÚMEROS
Impacto económico, social e ambiental do Coral Sul em Moçambique
+16
mil milhões USD esperados para a economia moçambicana ao longo da vida útil do projecto
+8,5
milhões de toneladas de gás liquefeito produzidos até Setembro de 2025
+7
mil milhões USD de investimento inicial no projecto
+800
milhões USD em contratos com empresas nacionais
+210
milhões USD em receitas geradas até Agosto para o Estado moçambicano
+100
carregamentos de gás liquefeito produzidos até final do ano
3,4
milhões de toneladas por ano capacidade de liquefacção da plataforma
+50% do crescimento económico, em 2023, teve o contributo do projecto
FONTE Oxford, ADPP e UN Comtrade (das Nações Unidas)
Plataforma Coral Sul, à chegada na Bacia do Rovuma em Janeiro de 2022
a plataforma será uma réplica da Coral Sul?
Será um pouco maior, graças às melhorias, em vários aspectos, incluindo a eficiência e capacidade de produção. Algumas actividades preliminares já foram feitas. A plataforma esta a ser construída por um consórcio composto pela Technip, JGC e Samsung Heavy Industries - TJS e não apenas pela Samsung. O projecto tornou-se num modelo, servindo de referência para outros, em diferentes partes do mundo. Já em 2017, quando a unidade FLNG Coral Sul foi concebida, existiam muitas preocupações na indústria de GNL sobre o conceito de navios de energia flutuantes, porque, até então, não havia nenhuma unidade que funcionasse de forma con-
sistente no mercado. Agora há, é uma plataforma moçambicana e é uma referência global.
Mas com todas as mudanças recentes (covid-19, guerra na Ucrânia, tensões globais e a crescente agenda de sustentabilidade) o papel do gás natural como fonte de energia não está ameaçado?
O mercado está a evoluir e nos últimos cinco anos aprendemos que é muito volátil e sensível. A guerra na Ucrânia foi um exemplo. O gás é um instrumento essencial para uma transição energética real. Essa transição não pode ser feita de um dia para o outro. É preciso tempo e um com-
Quando o projecto Coral Norte entrar em produção, Moçambique poderá ser o terceiro maior produtor de energia do continente. E, considerando todos os projectos de gás, pode facilmente chegar a ser o primeiro produtor de gás em África
bustível que garanta essa passagem. O gás tem provado ser limpo, eficiente e capaz de chegar a qualquer parte do mundo através da tecnologia de liquefacção. Acreditamos muito nesse papel do gás, mas também entendemos que a transição energética vai além do gás: envolve o sector de carbono, florestas e outras formas de produção como os biocombustíveis. Moçambique faz parte dessa estratégia.
De que forma é que Moçambique pode fazer parte dessa estratégia? Definitivamente, temos outros projectos em preparação. Para já, há a plataforma Coral Norte, mas também há outros, na área agrícola, em que queremos aumentar a nossa actividade. Já realizá-
mos alguns projectos-piloto e estamos a trabalhar com as autoridades para a expandir.
A vantagem é que, enquanto os projectos de gás são altamente intensivos em capital, o negócio agrícola é muito mais intensivo em mão-de-obra e isso é fundamental numa sociedade como a moçambicana, com muita população jovem. Para ter uma ideia: se o projecto Coral Sul criou cerca de 1400 empregos, o sector agrícola pode criar milhares e milhares de postos de trabalho, ou seja, ter um impacto ainda maior.
Acreditamos que Moçambique tem a ambição de se tornar num importante produtor de energia em África. Quando a plataforma do projecto Coral Norte entrar em produção, Moçambique poderá ser o terceiro maior produtor de energia do continente. Considerando todos os projectos de gás em curso e os previstos, o País pode, facilmente, ser o primeiro produtor de gás em África. O potencial está claramente aqui.
Só que essa perspectiva tem repetida muitas vezes, sem se concretizar...
Durante muito tempo, as pessoas diziam que, apesar das grandes descobertas de gás, não havia benefícios concretos. Esta frustração fazia sentido, porque não havia projectos em execução e o projecto Coral Sul mostra que é possível transformar descobertas em projectos reais e gerar benefícios para o País e para a população. Estamos a falar de mais de 200 milhões de dólares já transferidos para o Governo, através do Fundo Soberano, e mais receitas irão chegar com o Coral Sul e outros projectos.
Acreditamos todos que chegou a hora de investidores e autoridades garantirem que os projectos avancem e tragam benefícios concretos para o País e população.
Mas o gás foi descoberto há mais de 15 anos e a produção arrancou apenas com o projecto Coral Sul. O que falta para que os próximos projectos avancem com maior rapidez?
O ponto crucial é começar a implementar os projectos. É tempo de avançar com mais iniciativas, de modo a que a população possa sentir, no seu dia-a-dia, os benefícios desta riqueza. Quando falamos de novos projectos, também pensamos em novas iniciativas na costa de Moçambique. É natural que isso esteja no horizonte, já que as principais descobertas estão localizadas na bacia do Rovuma, no norte do país. Mas há, igualmente, outras descobertas ao longo
da costa, no mar e em terra. Moçambique merece receber investimentos em várias frentes. O momento é de aproveitar esta oportunidade, tanto para o País, como para os investidores.
A ENI lidera a primeira operação na bacia do Rovuma. Quais os desafios de comandar um projecto desta dimensão?
É um desafio, admito, e também é um processo de aprendizagem para mim e, creio, para toda a sociedade moçambicana. Estamos a trabalhar muito para comunicar, para que todos entendam o que fazemos. É difícil imaginar que estamos a falar de uma unidade de produção e liquefacção flutuante, localizada a 50 quilómetros da costa, com 400 metros de comprimento, 60 metros de largura e levando a bordo cerca de 250 pessoas. Desde o primeiro dia, dedicámo-nos a estabelecer uma relação baseada em
O investimento na agricultura é apontado como uma das soluções mais acertadas para aplicar os benefícios da exploração do gás, a par da industrialização
confiança, especialmente com as autoridades, garantindo que aquilo que fazemos seja entendido do ponto de vista técnico e ético. Este não é um projecto fácil. Tem desafios de segurança, logística e de engenharia. Por isso, é importante que trabalhemos como uma equipa, junto das autoridades, incluindo o Instituto Nacional de Petróleos (INP) e o Ministério dos Recursos Minerais e Energia (MIREME), que são as nossas principais contrapartes para continuar a alcançar os melhores resultados para todos.
A plataforma Coral Sul foi a primeira unidade FLNG no mundo a operar em águas ultraprofundas. Isso explica parte dos desafios? Do ponto de vista da engenharia, isso representou um grande desafio, porque são 2000 metros de profundidade, com fortes correntes. Paralelamente, temos uma preocupação constante com as
emissões: o nosso equipamento foi concebido com tecnologia de ponta para garantir o menor impacto ambiental.
O gás natural processado em Moçambique tem menor teor de impurezas? Isso é uma vantagem? Sim, o gás de Moçambique é realmente incrível. Eu sou engenheira de reservas de gás e comecei a minha carreira no departamento técnico, trabalhando em países como o Congo, Cazaquistão e Egipto. Gostaria que todas as reservas com que trabalhei fossem como as que temos, aqui, em Moçambique. São reservas excelentes, tanto em termos de qualidade de entrega (localização geográfica privilegiada para os mercados europeu e asiático), como de qualidade do gás. A proporção de dióxido de carbono e sulfeto de hidrogénio é muito baixa, o que representa uma vantagem competitiva para Moçambique, porque o cus-
to de produção é menor: o gás já tem uma qualidade superior e não precisa de grande tratamento para atingir o nível desejado, tornando-o mais competitivo no preço e rentável para a operação.
Para além do gás, que outros projectos e iniciativas estão a desenvolver em Moçambique para apoiar a sustentabilidade e as comunidades?
Temos vários projectos ligados à compensação de carbono, com destaque para as cozinhas limpas. O nosso objectivo é distribuir 400 mil fogões melhorados. Estes fogões, certificados por organismos internacionais, são muito mais eficientes do que os tradicionais, permitindo poupar entre 75% e 85% de lenha e carvão vegetal. Isto representa economia para as famílias, benefícios para a saúde de mulheres e crianças – que passam muito tempo em espaços fechados a
cozinhar – e menor desflorestação. Estamos também a implementar um grande projecto de reflorestamento na região do Limpopo, em parceria com a Bio Carbon Partner. Trabalhamos com as comunidades para proteger e usar de forma sustentável as florestas, gerando créditos de carbono e, ao mesmo tempo, oferecendo alternativas sustentáveis de subsistência. Outro foco é o desenvolvimento de biocombustíveis. Queremos que toda a cadeia agrícola seja feita em África, criando milhares de empregos através do cultivo de grãos destinados à produção de biocombustíveis.
A questão do conteúdo local tem sido um tema recorrente em Moçambique há mais de uma década. Para a ENI, a forma de trabalhar com empresas locais segue o mesmo modelo de outros mercados onde a empresa opera? Privilegiar o conteúdo local faz parte da nossa estratégia. Nós chamamo-la de estratégia “dual-flag” (dupla bandeira). Basicamente, onde há a bandeira da ENI, também há a bandeira do país. O conteúdo local faz parte do nosso ADN, é o nosso compromisso com o País em que operamos.
Não há outra forma de adicionar valor a Moçambique e aos moçambicanos se não trabalharmos ao nível do conteúdo local, já que, desenvolver um país, não é apenas pagar taxas e “royalties”, mas criar oportunidades económicas. Por isso, temos vários projectos sociais junto das comunidades, porque queremos benefício rápidos e directos.
Com estes projectos, suprimos as necessidades básicas em áreas que incluem a educação, a saúde, o acesso a água ou energia. Por exemplo, a inauguração, em Novembro de 2024, do Hospital de Pemba, com o primeiro e único equipamento de exames médicos com imagem de tomografia computorizada (TAC) na região. E há outros projectos, porque trabalhamos junto das comunidades e com as autoridades, procurando entender as necessidades.
Numa perspectiva mais pessoal, qual é a sua experiência favorita em Moçambique, até agora?
Sem dúvida, as pessoas. Tenho colegas incríveis e, no dia-a-dia, conheci pessoas que me marcaram muito. Há uma abertura e uma simpatia que me lembram bastante a cultura latina. Desde o início, senti-me bem recebida, e o mesmo aconteceu com a minha família. Levarei sempre estas pessoas comigo, ao longo da vida.
‘Dar Gás’ ou Travar.
Que Futuro Para o Rovuma?
Apesar das incertezas sobre o pleno regresso às operações, os avanços no financiamento e nas negociações internacionais reacendem a expectativa em torno dos megaprojectos de gás na bacia do Rovuma. Consórcios das áreas 1 e 4 caminham entre o optimismo e os riscos geopolíticos e de segurança.
Texto Celso Chambisso • Fotografia D.R.
Omaior projecto da Área 1 da bacia do Rovuma, conhecido como Mozambique LNG, desenvolvido em terra (‘onshore’), prepara-se para um regresso estratégico, após quatro anos de paralisação, após o ataque de insurgentes armados à vila de Palma, causando um número nunca apurado de mortes e desaparecidos. A TotalEnergies, líder do consórcio, anunciou a intenção de retomar a construção este ano, depois de os parceiros de financiamento reassegurarem o compromisso e de haver alegadas melhoria das condições de segurança na zona do projecto, em Cabo Delgado. No entanto, a euforia da “retoma iminente” convive com riscos financeiros, geopolíticos e sociais, que poderão moldar o destino desta aposta de mais de 20 mil milhões de dólares.
Retoma anunciada e cronograma ajustado
Em Setembro de 2024, o ex-Presidente Filipe Nyusi declarou, em Nova Iorque, que a retoma do projecto era “uma certeza” e que o País tinha “criado condições” para que a Total regressasse - dizendo que a suspensão estava relacionada com decisões internas da empresa. O então ministro dos Recursos Minerais e Energia, Carlos Zacarias, já havia afirmado, em Agosto de 2023, que havia “sinais claros de que as condições de segurança” estavam criadas, ao mesmo tempo que o Governo mantinha “diálogo constante” com a TotalEnergies. Apesar desse optimismo político, o prazo original, que previa o iní-
cio de produção em 2027, foi adiado para 2029-2030, reflectindo a paralisação prolongada, renegociações financeiras e contratuais.
Na segurança há progressos, mas não há garantias
As autoridades moçambicanas e os militares estrangeiros (do Ruanda e da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral, SADC) reforçaram a presença na zona de Palma, no perímetro do projecto, permitindo um ambiente mais estável. Em 2023, o ministro da Defesa, Cristóvão Chume, considerou “satisfatórios” os níveis de segurança. Contudo, analistas independentes continuam a alertar que a ameaça insurgente não desapareceu. De facto, vários incidentes ainda ocorrem em zonas periféricas, o que significa que a “segurança suficiente” é, em parte, uma avaliação política e estratégica. Isto além de uma tragédia humanitária em toda a região, devido à população em fuga.
Financiamento reactivado e disputa geopolítica
O US ExIm Bank aprovou, em Março de 2025, um financiamento de 5 mil milhões de dólares para apoiar a construção do Mozambique LNG. O banco norte-americano enfatizou que o financiamento privado não estava disponível devido à escala e ao risco do projecto e que a operação evita que China e Rússia assumam o papel de financiadores. Este impulso foi determinante para reabrir o debate sobre a retoma, mas nem todos os financiadores originais regressaram, e a estrutura final de capital ainda está a ser consolidada.
À medida que Moçambique se aproxima da retoma dos megaprojectos de gás, em terra, a nação enfrenta um dilema crucial: aproveitar a riqueza energética, evitando os erros do passado. Como o fazer?
O Mozambique LNG prevê, na primeira fase, duas linhas de liquefacção com capacidade de cerca de 13 milhões de toneladas por ano (mtpa), com possibilidade de expansão para até 43 mtpa. O projecto assenta em recursos de cerca de 65 triliões de pés cúbicos (TcF) de gás natural.
Com a procura asiática e europeia em alta, Moçambique pode beneficiar de uma janela estratégica no mercado global de GNL, mas enfrenta a concorrência de pólos como Qatar, EUA e Papua Nova Guiné, além da pressão da transição energética para reduzir emissões. Neste momento, a retoma da Área 1 parece inevitável, sustentada por declarações oficiais e pelo impulso financeiro norte-americano. Contudo, o sucesso dependerá de factores como a estabilidade militar, alinhamento entre Governo e operadores e o posicionamento competitivo no mercado global.
Da retoma cautelosa à consolidação offshore
A Área 4, por outro lado, entrou na fase em que as decisões industriais e
Grande parte das dúvidas sobre o avanço dos projectos está associada à insegurança em Cabo Delgado
comerciais começam a gerar resultados visíveis e a reconfigurar o calendário energético de Moçambique. O arranque de produção da plataforma Coral Sul, em 2022, fez do País o primeiro produtor de GNL por unidade flutuante em águas ultraprofundas no hemisfério sul, consolidando uma via totalmente autónoma em mar alto (“offshore-offshore”) que contorna os constrangimentos de insegurança em terra.
O projecto, operado pela italiana Eni através do consórcio Mozambique Rovuma Venture (MRV), está a explorar as reservas Coral com capacidade para liquefazer cerca de 3,4 mtpa de GNL que têm seguido, sobretudo, para a Europa, num contexto de procura elevada pós-2022.
Esta pedra basilar (tecnológica e comercial) provou a exequibilidade técnica do Rovuma e abriu espaço a uma “segunda parte” na mesma linha: a plataforma Coral Norte. A 8 de Abril de 2025, o Governo aprovou o plano de desenvolvimento do Coral Norte, num investimento estimado em 7,2 mil milhões
Principais investidores e participações nas duas áreas
E&P Mozambique Area 1, Ltd.
Empresa Nacional de Hidrocarbonetos
Mitsui E&P Mozambique Área 1
ONGC Videsh Ltd.
Beas Rovuma Energy Mozambique Ltd.
BPRL Ventures Mozambique B.V.
PTT Mozambique Área 1
QUEM SÃO OS OPERADORES DO ROVUMA? ÁREA 1 ÁREA 4
Mozambique Rovuma Venture
Empresa Nacional de Hidrocarbonetos E.P.
ADNOC (quota vendida pela Galp)
KOGAS Moçambique Ltd.
FONTE Instituto Nacional de Petróleo (INP)
de dólares, com capacidade prevista de 3,55 Mtpa e arranque projectado para a segunda metade de 2028.
O eixo em terra e o calendário do Rovuma
Ainda na Área 4, há outro projecto em terra aprovado, liderado pela ExxonMobil, como operadora delegada do Rovuma LNG, mantendo a ambição de erguer uma fábrica com mais de 15 Mtpa em Afungi, ancorada no gás dos reservatórios Mamba (Área 4).
A empresa reafirmou, publicamente, que a decisão final de investimento foi reprogramada para 2026, perspectivando o “primeiro gás” por volta de 2030, num cronograma que reconhece a complexidade do processo de produção e a necessidade de segurança sustentada em Cabo Delgado. A leitura de mercado também pesa: preços mais moderados que os picos de 2022 e uma Europa mais diversificada, mas ainda carente de substituir volumes russos no médio prazo, o que exige contratos de longo prazo.
ROVUMA EM NÚMEROS
Visão geral dos operadores e do potencial energético do Rovuma
Área 1 (Mozambique LNG) Área 4 (Rovuma LNG)
Reservas estimadas 129 Tcf
Tipo de projecto Em terra (“onshore”)
85 Tcf
Em mar alto (“offshore) e em terra (“onshore”)
Arranque de produção Previsão: 2029-30 “Offshore” Coral Sul desde 2022; “onshore” previsão: 2030
Capacidade inicial de produção
13 Mtpa
TcF – Triliões de pés cúbicos
Capital e parceiros em evolução A fotografia societária da Área 4 evoluiu. O consórcio MRV (Eni, ExxonMobil e a chinesa CNPC) detém 70% das quotas. ENH, a coreana KOGAS e portuguesa Galp tinham 10% cada. Em 2024, a Galp anunciou a venda da sua participação à petrolífera dos Emirados Árabes Unidos ADNOC, transacção vista por analistas como parte de uma ro-
18 Mtpa
Mtpa – Milhões de toneladas por ano
tação de portefólio para financiar apostas na Namíbia.
Em 2025, a imprensa noticiou a entrada de um veículo ligado a Abu Dhabi no perímetro. Independentemente da arquitectura final, o sinal é claro: o capital do Golfo procura exposição material ao “cluster Rovuma”, somando-se a petrolíferas ocidentais e à chinesa CNPC – um misto que dilui risco e estabele-
A instabilidade política mina a capacidade de arrecadação em vários países
ce equilíbrios para a fase de desenvolvimento pesado. Para Moçambique, esta diversificação de “sponsors” pode acelerar decisões finais de investimento e facilitar a engenharia financeira, desde que os termos contratuais salvaguardem conteúdo local, transparência fiscal e estabilidade regulatória.
De fora, um importante alerta À medida que Moçambique se aproxima da retoma dos megaprojectos de gás, em terra, a nação enfrenta um dilema crucial: aproveitar a riqueza energética, evitando os erros do passado. Como o fazer? Joseph Stiglitz, economista americano, Nobel de 2001, advertiu que países ricos em recursos naturais, correm o risco de cair na armadilha de endividamento excessivo e crescimento desigual. Enfatizou que, sem uma gestão estratégica e inclusiva, a abundância de gás pode acentuar as desigualdades e comprometer o desenvolvimento sustentável. Portanto, a questão persiste: o Rovuma será um motor de prosperidade ou um campo minado? A resposta dependerá da capacidade de o País alinhar investimentos, governança e benefícios sociais.
GNL: O Tabuleiro Global e a Aposta Moçambicana
Num mercado global bilionário, o gás natural liquefeito ganha centralidade estratégica entre as grandes potências. Estados Unidos, Qatar e Austrália disputam protagonismo, enquanto Moçambique tenta afirmar-se entre os colossos.
Texto Celso Chambisso • Fotografia D.R.
Omercado global de gás natural liquefeito (GNL) está em franca expansão, alimentado tanto pela reconfiguração geopolítica do mundo como pela necessidade urgente de reduzir emissões de gases com efeito de estufa. Em 2024, o comércio mundial de GNL atingiu 411,24 milhões de toneladas, um crescimento de 2,4% face ao ano anterior, segundo o relatório anual da União Internacional de Gás (IGU, sigla inglesa). A capacidade total global de liquefacção atingiu aproximadamente 494,4 milhões de toneladas por ano (mtpa) e a procura continua a crescer, especialmente em mercados asiáticos e europeus.
As projecções indicam que o mercado de GNL continuará a crescer a um ritmo médio anual de 5,1% até 2032, com um valor global entre 462 e 689 mil milhões de dólares até ao fim da década, de acordo com o portal Maximize Market Research. Este crescimento sustentado torna o GNL num activo geopolítico, porque tem implicações profundas no comércio, nas finanças e na segurança energética global.
GNL na Transição Energética
O gás natural, apesar de ser um combustível fóssil, tem sido amplamente defendido como uma solução para fazer a ponte na transição para fontes renováveis. Tem metade das emissões de CO2 do car-
vão, apresentando-se como uma opção viável para assegurar a segurança energética, atenuando os prejuízos climáticos. A logística instalada para o transporte e produção de electricidade tornam-no particularmente atractivo para países em desenvolvimento.
No entanto, há uma crescente atenção internacional para a poluição com emissões de metano. A Europa, o Japão e a Coreia do Sul, grandes importadores de GNL, já começaram a exigir maior transparência e rastreabilidade nas cadeias de fornecimento. Isto representa um desafio adicional para países como Moçambique, que precisarão de adoptar práticas mais sustentáveis e supervisão ambiental rigorosa para manter a competitividade e reputação internacional.
Um impulso para Moçambique
O potencial desenvolvimento do sector de GNL em Moçambique, de que se fala há décadas, não se limita a uma oportunidade de inserção no mercado global. Poderá ser um catalisador estratégico para a expansão das energias renováveis e modernização do sector energético nacional. O gás natural, enquanto fonte de energia de transição, garante estabilidade e segurança energética, permitindo integrar gradualmente energia solar, eólica e respectivos sistemas de armazenamento. Neste contexto, investimentos públicos e privados podem vir a ser importantes, co-
mo mostra o empreendimento da central térmica a gás de Temane - complementado por iniciativas de distribuição rural financiadas pelo Estado e por investidores estrangeiros. Estes investimentos permitiram ao País reduzir a dependência de combustíveis fósseis mais poluentes, expandir a rede eléctrica e preparar a infra-estrutura para receber de forma eficiente a energia proveniente de fontes renováveis. Mas é preciso que planos desenhados há muitos anos passem à prática.
As
projecções indicam
que
o
mercado de
GNL continuará a crescer a um ritmo médio anual de 5,1% até 2032, com um valor global entre 462 e 689 mil milhões de dólares até ao fim da década
A combinação de receita do gás, capital privado e políticas públicas estratégicas poderá fortalecer a resiliência do sistema energético moçambicano e criar condições para várias metas que são sonhos do País: industrialização verde, criação de emprego e redução de desigualdades regionais de acesso à energia. Ao articular de forma estruturada o GNL e as renováveis, Moçambique poderia ser um pólo de inovação energética em África, indicam vários estudos. O crescimento económico e sus-
Na bacia do Rovuma, o processamento de GNL avança apenas em alto mar
OS LÍDERES DA LIQUEFACÇÃO
Enquanto os Estados Unidos, Qatar e Austrália lideram a capacidade instalada de liquefacção de gás, com infra-estruturas massivas e décadas de experiência, países como Moçambique, Nigéria e Papua-Nova Guiné assumem papéis emergentes
Crédito em dólares
tentabilidade ambiental caminhariam lado a lado, oferecendo um modelo de transição energética que alia segurança, competitividade e desenvolvimento inclusivo.
Alavanca de crescimento continua por activar
O País encontra-se num ponto de inflexão. Por um lado, as suas vastas reservas de gás natural e os investimentos estratégicos em plataformas flutuantes (para a exploração da bacia do Rovuma) colocam-no na linha da frente ao nível dos países com potencial técnico no sector. Por outro, os atrasos nos megaprojectos terrestres, os riscos de segurança e a limitada infra-estrutura doméstica continuam a adiar qualquer benefício acrescido que o GNL venha a trazer para a economia nacional.
Segundo o Financial Times, mesmo com todos os projectos em operação plena, a contribuição do sector para o PIB poderá manter-se abaixo dos 2% até 2029, a menos que medidas claras de redistribuição e industrialização do gás sejam implementadas. Moçambique corre o risco de tornar-se apenas numa “plataforma de exportação”, sem grandes efeitos multiplicadores na economia real.
Será que o GNL poderá desempenhar um papel fundamental na extensão da rede eléctrica do País? Neste equilíbrio entre exportação e uso doméstico reside uma das maiores oportunidades estratégicas para Moçambique: usar o gás não apenas como activo de exportação, mas como alavanca de desenvolvimento interno. Infelizmente, o País colecciona um histórico de projectos que ficam na gaveta.
Na mira das grandes indústrias do sector
Os projectos de GNL colocam também Moçambique na mira das grandes empresas industriais do sector. Por exemplo, a multinacional sul-coreana Daewoo revelou estar interessada em expandir os seus investimentos nos projectos do Rovuma. Durante um encontro, em Maputo, com o chefe do Estado, Daniel Chapo, em Junho, o presidente da empresa asiática, Won-Ju Jung, destacou o elevado potencial dos empreendimentos.
“Nós já estamos presentes na Área 1, onde colaboramos com a construção do projecto, e agora queremos participar também na Área 4. São projectos de alta valorização, que poderão ajudar Moçambique a crescer e a ser conhecido no mundo”, disse. Citado pela Agência de Informação de Moçambique, o responsável sublinhou que a Daewoo tem um plano para desenvolver, no País, indústrias com base no gás natural, indústrias de fertilizantes e modernizar a energia eléctrica.
Cabo Verde
Tempestade mortal em São Vicente
Nove pessoas morreram e 12 ficaram desalojadas na sequência de cheias causadas por chuvas intensas que assolaram as ilhas de São Vicente e Santo Antão, em Cabo Verde, na madrugada de 11 de Agosto.
Ruas ficaram inundadas, casas parcialmente destruídas, pavimentos e calçadas levantadas e detritos espalhados,
evidenciando a força das chuvas, que destruiu ainda várias viaturas e estabelecimentos comerciais. O Governo de Cabo Verde anunciou um plano estratégico de resposta com recursos do Fundo Nacional de Emergência, criado em 2019, para responder a situações de catástrofes naturais ou impacto de choques económicos externos.
Senegal Dívidas ocultas provocam aumento de impostos
O Senegal vai aumentar impostos, cortar nas despesas e renegociar contratos de energia para arrecadar quase 10 mil milhões de dólares, em três anos, como parte dos esforços para estabilizar as finanças públicas e restaurar a confiança dos investidores, afirmou o primeiro-ministro Ousmane Sonko.
As medidas surgem na sequência da descoberta, no ano passado, de 7 mil milhões de dólares em empréstimos não declarados pelo Governo anterior. A divulgação levou o Fundo Monetário Internacional (FMI) a suspender um programa de empréstimos de 1,8 mil milhões de dólares.
Nigéria Falta ajuda alimentar
A agência alimentar das Nações Unidas vai encerrar metade das suas clínicas no Nordeste da Nigéria, região devastada por conflitos armados. A decisão avança à medida que o Programa Alimentar Mundial (PAM) começa a reduzir o apoio humanitário devido aos cortes na ajuda que recebe a nível global. O PAM afirmou não ter recebido financiamento para ajudar 1,3 milhão de pessoas, apesar de um apelo urgente de 130 milhões de dólares para manter as operações durante este ano.
Namíbia
BP e Eni aceleram
A Azule Energy, uma joint-venture entre as petrolíferas BP e Eni, está a acelerar as suas operações petrolíferas na Namíbia, competindo com empresas como a TotalEnergies para estar entre as primeiras a produzir crude num dos mais recentes pontos críticos do mundo. Uma decisão final de investimento é desafiante, mas possível até ao final do próximo ano, afirmou o CEO da Azule, Adriano Mangini. Separadamente, um tribunal sul-africano impediu a Total de explorar petróleo na costa ocidental do país, perto da fronteira com a Namíbia.
maior
A Etiópia escolheu o Banco Africano de Desenvolvimento (BAD) para negociar o financiamento, que pode ascender a 8 mil milhões de dólares, para a construção daquele que será o maior aeroporto de África. O projecto irá quadruplicar a ca-
pacidade de aviação do país e duplicar o fluxo de turistas numa década, de acordo com o ministro das Finanças, Ahmed Shide. O empreendimento, a ser construído a sul de Adis Abeba, tem um custo estimado de 10 mil milhões de dólares.
Botsuana Diamantes em crise
O Citigroup espera que o Botsuana volte a desvalorizar a sua moeda, ao enfrentar um forte colapso do mercado dos diamantes, a sua principal fonte de receitas. O Banco do Botsuana anunciou que vai permitir que a pula se desvalorize até 2,8% face a um cabaz de outras moedas até ao final do ano, quase o dobro da sua meta inicial, para impulsionar as exportações. A queda global dos preços dos diamantes deve-se, em parte, ao aumento da concorrência das pedras preciosas cultivadas em laboratório.
Somália Armas causam embaraço
A região semiautónoma de Puntlândia, na Somália, pediu desculpas e autorizou a circulação de um navio que transportava equipamento militar pertencente à Turquia, semanas depois de o ter apreendido. O embaixador da Turquia na Somália reuniu-se com o presidente de Puntlândia e
partilhou provas de que a carga no MV Sea World é legítima e faz parte do programa de cooperação na área da defesa entre Turquia e Somália. A Puntlândia é um dos seis estados federais da Somália e, noutras ocasiões, já confiscou armas ao longo da costa, alegadamente para terroristas.
O Quénia planeia angariar até 4 mil milhões de dólares utilizando uma taxa sobre as importações para financiar a extensão de uma ferrovia construída pela China e está em negociações com a Etihad Rail para explorar a linha. O país do Leste africano
Angola 30 mortos em protestos
Os protestos desencadeados pelos cortes nos subsídios aos combustíveis, em Julho, em Angola, provocaram uma resposta contundente das autoridades, elevando a tensão política num dos maiores produtores de petróleo de África. Pelo menos 30 pessoas morreram em confrontos entre a polícia e os manifestantes. Outras 200 ficaram feridas e mais de 1500 foram detidas. As forças
vai utilizar a sua taxa de desenvolvimento ferroviário para financiar as ligações a Kisumu, no Sudoeste, e a Malaba, na fronteira com o Uganda. O tesouro arrecada 387 milhões de dólares por ano com tarifas de 2% sobre as importações.
de segurança angolanas terão utilizado gás lacrimogéneo, balas de borracha e munições reais para dispersar a multidão e pôr fim aos saques generalizados, o que levou à condenação da Human Rights Watch e a um pedido de investigação das Nações Unidas. Não há respostas fáceis para o Governo. Os subsídios aos combustíveis custaram cerca de 3 mil milhões de dólares em 2024.
Essuatíni Prisão para deportados
Essuatíni juntou-se a uma lista crescente de governos africanos que concordaram em aceitar deportados dos EUA. Cinco detidos, cujos países de origem se recusaram a aceitá-los devido à gravidade dos seus crimes, foram levados de avião para o país do Sul de África, segundo o anúncio feito em Julho. O Supremo Tribunal dos EUA decidiu anteriormente que um plano para deportar oito pessoas para o Sudão do Sul — das quais apenas uma era cidadã daquele país — poderia prosseguir.
Fundos Soberanos: a Vitamina Que Falta aos ODS?
Um relatório da IE University, Espanha, sublinha o papel dos fundos soberanos para que as metas propostas nos Objectivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) sejam alcançadas
Texto Redacção • Fotografia D.R.
Mçambique tem 44 pontos em 100, ligeiramente abaixo da média do continente africano (45), na primeira edição do Índice de Prestação de Serviços Públicos (PSDI, sigla inglesa), um dos mais recentes estudos elaborados pelo Banco Africano de Desenvolvimento (BAD) com base em dados de 2024. Em todas as cinco dimensões avaliadas, a prestação de serviços públicos em energia e electricidade é a mais bem classificada (52 pontos), seguida pela inclusão socioeconómica (49), soberania alimentar (43), integração regional (43) e industrialização (35).
Os fundos soberanos de investimento (SWF, na sigla em inglês) estão a afirmar-se como actores centrais no esforço global para alcançar os Objectivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) das Nações Unidas, segundo o Sovereign Impact Report 2025 (Relatório 2025 sobre o Impacto dos Fundos Soberanos), publicado pelo Centro para a Governação da Mudança da IE University (originalmente Instituto de Empresa, instituição privada espanhola, entretanto alargada para outras áreas). O trabalho, da autoria de Drew Johnson, director-adjunto de investigação sobre Fundos Soberanos e da Sovereign Impact Initiative, confirma que estes veículos financeiros estão a direccionar, de forma crescente, capital para o desenvolvimento sustentável, com especial destaque para África. Estima-se que ajudem a reduzir o défice anual de financiamento dos ODS, estimado em 4,2 biliões de dólares, através de estratégias de investimento de longo prazo.
Com activos globais superiores a 13 biliões de dólares sob gestão, os fundos soberanos — muitos deles sediados em países em desenvolvimento ricos em recursos na-
turais — consolidaram-se como mecanismos de mobilização de capital sustentável. De acordo com inquéritos recentes, 67% destes fundos já consideram um ou mais ODS nas suas decisões de investimento, um salto face aos 48% registados em 2022. Segundo o trabalho, esta evolução ilustra uma mudança mais ampla no panorama financeiro internacional, em que o impacto do desenvolvimento é cada vez mais visto como complementar ao retorno financeiro a longo prazo.
Energia renovável para um desenvolvimento inclusivo e verde O relatório sublinha o papel central dos fundos soberanos no estímulo ao investi-
trabalho assinala o estímulo particular ao investimento em energias renováveis
mento em energias renováveis — precisamente o sector com maior défice de financiamento ligado aos ODS, estimado em 2,2 biliões de dólares por ano. Só em 2022, os fundos soberanos aplicaram mais de 6 mil milhões de dólares em investimentos directos no sector da energia renovável, apesar da desaceleração global da actividade dos SWF nesse mesmo ano.
“Os fundos soberanos estão numa posição única para actuarem como in-
DISTRIBUIÇÃO GEOGRÁFICA DOS FUNDOS DE INVESTIMENTO ESTRATÉGICOS (SIF) EM ÁFRICA
Ithmar Capital, Ithmar
NSIA, Nigeria Sovereign Investment Authority
$1,9
FGIS, Fonds Gabonals d’Investisse
$2,2 mil milhões
Agaciro Development Fund
Mauritius Investment FSEA, Fundo Soberano de Angola
Fonte IE university
vestidores pacientes e estratégicos em sectores essenciais para o desenvolvimento inclusivo e verde”, explica Drew Johnson. “Têm capacidade para atrair capital privado, reduzir riscos e oferecer estabilidade de longo prazo — factores críticos em mercados em desenvolvimento, onde a escassez de financiamento para os ODS é mais aguda.”
África: fundos soberanos como motores de crescimento interno Embora a Ásia e o Médio Oriente continuem a dominar em volume de activos e dimensão das operações, o relatório dedica atenção especial ao surgimento dos fundos soberanos africanos como protagonistas do desenvolvimento interno. Desde 2010, foram criados 15 fundos soberanos na África Subsaariana, que, no seu conjunto, gerem hoje cerca de 153 mil milhões de dólares. Apesar de modestos face aos gigantes globais, estes fundos — frequentemente estruturados como Fundos de Investimento Estratégico (SIF) — perseguem o chamado “duplo objectivo”: assegurar retorno financeiro e, em simultâneo, promover o desenvolvimento socioeconómico.
O relatório destaca ainda a crescente utilização de modelos de financiamento misto (“blended finance” no termo inglês) e de parcerias público-privadas por parte dos fundos africanos, bem como as alianças em expansão com instituições financeiras de desenvolvimento (DFI), sociedades de capital privado e investidores globais de impacto.
UM DESAFIO ENORME
O Relatório de Financiamento para o Desenvolvimento Sustentável de 2024 das Nações Unidas destacou a necessidade de medidas urgentes para fechar o défice de financiamento do desenvolvimento, actualmente estimado em 4,2 biliões de dólares anuais
Défice de financiamento do desenvolvimento
BI: SOVEREIGN IMPACT INITIATIVE
A Sovereign Impact Initiative (SII, Iniciativa para o Impacto dos Fundos Soberanos) é uma parceria liderada pelo Centro para a Governação da Mudança da IE University, lançada originalmente em colaboração com o Fundo Conjunto dos ODS da ONU e com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). A iniciativa procura transformar a cultura de investimento dos fundos soberanos globais, dos fundos estratégicos em economias emergentes e de outros investidores internacionais, canalizando recursos financeiros para projectos de elevado impacto, alinhados com os ODS e promovendo maior apropriação nacional do desenvolvimento.
a Ithmar Capital de Marrocos, o FONSIS do Senegal e o Sovereign Fund of Egypt (TSFE), com planos futuros de alargar a iniciativa à América Latina, Caraíbas e Sudeste Asiático.
“A Sovereign Impact Initiative é mais do que um simples mecanismo financeiro — é também uma plataforma de formação e capacitação”, reforça Johnson. “Ao dotar estas instituições com ferramentas e competências para avaliar, estruturar e escalar investimentos de impacto, estamos a preparar uma nova geração de investidores soberanos, profundamente atentos às necessidades sociais e ambientais dos seus países.”
Apelo à comunidade internacional
A Sovereign Impact Initiative
Elemento central do relatório, a Sovereign Impact Initiative (SII, Iniciativa para o Impacto dos Fundos Soberanos) é um projecto em curso liderado pela IE University, em parceria com vários fundos soberanos africanos.
O objectivo é conceber e implementar um veículo de financiamento misto para apoiar projectos alinhados com os ODS em todo o continente. O grupo inicial inclui instituições como a Nigerian Sovereign Investment Authority (NSIA),
O relatório conclui com um apelo à comunidade internacional para que envolva os fundos soberanos como parceiros estratégicos no desenvolvimento sustentável. Os investigadores do Center for the Governance of Change alertam que, com menos de seis anos até ao horizonte da Agenda 2030, os desafios — mas também as oportunidades — são maiores do que nunca.
Para Irene Blázquez, directora do Centro para a Governação da Mudança da IE University, “a Sovereign Impact Initiative é um projecto transformador de impacto social, destinado a conquistar o apoio de líderes comprometidos e de mentes visionárias no ecossistema do investimento de impacto.”
O FNB Moçambique Inaugura Balcão FNB Franca, Após Reabilitação Estrutural
OFNB Moçambique inaugurou a 12 de Agosto o balcão Franca, localizado no Centro Comercial Interfranca, na Avenida 24 de Julho, em Maputo, totalmente renovado, após uma reabilitação estrutural que aliou a modernização da imagem a maior conforto e reforço da componente tecnológica.
Esta reabilitação reforça o compromisso do FNB Moçambique em continuar a investir na melhoria dos seus canais de atendimento e em proporcionar uma experiência bancária melhorada aos seus clientes, incorporando um design mais moderno, para uma experiência de atendimento mais rápido e personalizado.
A cerimónia de inauguração contou com a representação do Conselho Municipal da Cidade de Maputo, do Banco de Moçambique e de membros da Comissão Executiva do FNB Moçambique, além dos colaboradores do balcão. Estiveram igualmente presentes clientes e parceiros da instituição.
No seu discurso, Nasser Meggi, director de Retalho do FNB, destacou a importância histórica deste balcão e explicou que a reabilitação insere-se na estra-
tégia de transformação do banco: “Este balcão passou por uma reabilitação profunda, alinhada com a nossa estratégia de transformação, não apenas dos serviços de atendimento, mas também com a introdução de melhorias que proporcionam um ambiente mais acolhedor e confortável para os nossos colaboradores, clientes, pequenas, médias e grandes empresas, bem como para o público em geral. O nosso compromisso é claro: estamos aqui para ajudar."
A modernização inclui novas funcionalidades, como salientou Adilson Martins, gerente do Balcão: “Para além do
A modernização inclui novas funcionalidades, conforto e comodidade, além de inovação tecnológica e salas de reuniões com maior privacidade
conforto e da comodidade, trazemos também inovação tecnológica — ATM com funcionalidade de depósito, sistema interno de Internet wireless e salas de reuniões para atender os clientes com maior privacidade. O próprio espaço está totalmente renovado e apresenta-se diferente.”
Em representação do presidente do Conselho Municipal de Maputo, o vereador das Actividades Económicas e Turismo, Alexandre Muianga, sublinhou que este investimento reforça a infra-estrutura financeira da cidade e aproxima a banca das necessidades da população: “Mais do que um espaço de atendimento, este balcão é uma ponte entre a visão de crescimento da nossa cidade e os recursos necessários para a concretizar. Esta parceria entre o sector bancário e a cidade de Maputo é fundamental para construirmos uma capital mais próspera, inclusiva e competitiva”, assinalou.
Já o director do Departamento de Serviços Bancários e Sistemas de Pagamento do Banco de Moçambique, Gabriel Domingos, destacou a modernização alinhada com as políticas nacionais para o sector.
“O BdM reafirma o seu compromisso na promoção de um ambiente financeiro cada vez mais competitivo, estável e inclusivo, onde instituições como esta possam prosperar com responsabilidade, ao serviço da economia nacional”. Entre os clientes, a satisfação também foi visível. Luís Carvalho, cliente do FNB há 16 anos, destacou a melhoria da experiência de atendimento: “O banco, agora renovado, apresenta maior facilidade e qualidade em relação à minha experiência com o FNB. Fico satisfeito de ver que o meu banco está a melhorar e a crescer, a fazer com que os clientes se sintam mais próximos e mais confortáveis em deslocar-se ao balcão quando necessitam."
Inaugurado originalmente em 2007, o balcão Interfranca ocupa 140 metros quadrados e oferece uma ampla gama de serviços bancários, desde operações básicas a soluções personalizadas para empresas e particulares, contando ainda com ATM e ADT para transacções automatizadas.
Mirsa Sultane, Osvaldo Faquir, Gabriel Domingos, Nasser Meggi, Alexandre Muianga, Dennis Mbingo, Alberto Magaia
Liberdade, Ordem Espontânea e Desenvolvimento
Num tempo de tentação pelo controlo estatal, Friedrich Hayek ergueu-se pela descentralização.
Defensor da "ordem espontânea", o Nobel alertou para os riscos do planeamento centralizado
Texto Celso Chambisso • Fotografia D.R
Friedrich August von Hayek (1899-1992), laureado com o Prémio Nobel da Economia em 1974, foi um dos mais influentes pensadores do século XX, defendendo ideais que atravessaram os campos da economia, filosofia política, direito e teoria social. Figura central da escola austríaca de economia, Hayek destacou-se por uma defesa vigorosa da liberdade individual, de mercados livres e da descentralização do conhecimento como base de qualquer ordem económica eficaz.
Num tempo em que o planeamento centralizado ganhava terreno, sobretudo após a Grande Depressão e a II Guerra Mundial, Hayek ofereceu uma resposta aos modelos intervencionistas que permanece actual face aos problemas que os países em desenvolvi-
mento, como Moçambique, continuam a enfrentar.
O conhecimento disperso e a ordem espontânea
No centro da visão de Hayek está a constatação de que o conhecimento económico relevante está disperso por milhões de indivíduos. Nenhuma autoridade central, por mais informada ou bem-intencionada, conseguiria reunir e processar toda a informação necessária para coordenar os recursos numa economia. Esta percepção foi desenvolvida com profundidade no ensaio The Use of Knowledge in Society (1945), onde Hayek demonstra como o sistema de preços, num mercado livre, actua como mecanismo de coordenação e comunicação do conhecimento disperso. Para Hayek, as entidades que surgem espontaneamente ao longo do tempo, co-
CONTRIBUTOS CIENTÍFICOS E OBRAS FUNDAMENTAIS
Hayek deixou uma vasta produção. Além das obras citadas, destacam-se:
• “Prices and Production” (Preços e Produção, 1931), onde apresenta a sua crítica à teoria monetária dominante e propõe uma análise dinâmica dos ciclos económicos com base nas distorções provocadas pelo crédito;
• “The Constitution of Liberty” (Os Fundamentos da Liberdade, 1960), onde defende o Estado de Direito e a importância de normas gerais e abstractas como base de uma sociedade livre;
• “Law, Legislation and Liberty” (Lei, Legislação e Liberdade, 1973-1979), em três volumes, aprofunda a distinção
entre lei e legislação e propõe um modelo de democracia liberal baseado em regras evolutivas e não em decisões discricionárias.
Em termos científicos, Hayek foi pioneiro ao aproximar a economia da epistemologia. O seu debate com Keynes é paradigmático: enquanto Keynes confiava na capacidade técnica do Estado para gerir a economia, Hayek via nesta crença um risco para a liberdade e eficácia. Em 1974, o Nobel veio reconhecer a sua “análise penetrante do entrelaçamento das teorias económicas e institucionais e do processo de tomada de decisão sob condições de informação imperfeita."
Friedrich Hayek (1899–1992) foi um economista e filósofo austríacobritânico, reconhecido mundialmente por defender o mercado livre e criticar o socialismo e o intervencionismo estatal. Doutorado em Direito e Ciência Política pela Universidade de Viena, Hayek leccionou em instituições como a London School of Economics, a Universidade de Chicago e a Universidade de Freiburg. Em 1974, foi laureado com o Prémio Nobel da Economia, distinguido pelo seu trabalho sobre as flutuações económicas e a interdependência entre fenómenos económicos, sociais e institucionais. É um dos maiores representantes da Escola Austríaca de Economia.
mo o mercado, a linguagem ou o direito baseados nos costumes e tradições, são mais eficazes do que estruturas desenhadas deliberadamente. É neste sentido que se refere à "ordem espontânea", um conceito central que rejeita o planeamento central como uma forma de imposição artificial da ordem, muitas vezes ignorando a complexidade e diversidade das realidades locais.
O caminho da servidão: um alerta político
A sua obra mais conhecida fora da academia, “The Road to Serfdom” (O Caminho para a Servidão, 1944), publicada durante a II Guerra Mundial, alerta para os riscos do socialismo planeado, mesmo quando motivado por boas intenções, conduzindo inevitavelmen-
te à erosão das liberdades individuais e ao autoritarismo. Hayek argumenta que, ao atribuir-se ao Estado o controlo sobre os meios de produção e os objectivos económicos, abre-se caminho para o uso coercivo do poder, substituindo escolhas individuais por ordens centralizadas.
Esta tese, polémica à época, teve grande repercussão, sobretudo nos Estados Unidos e na Grã-Bretanha, influenciando políticas liberais e líderes como Margaret Thatcher (primeira-ministra do Reino Unido de 1979 a 1990) e Ronald Reagan (Presidente dos Estados Unidos de 1981 a 1989). Embora nem todas as suas ideias tenham sido implementadas, Hayek consolidou um legado de defesa da liberdade como condição essencial do progresso humano.
Hayek defendeu um sistema judicial independente, previsibilidade legal, protecção do empreendedorismo e valorização da poupança –elementos que Moçambique ainda precisa de fortalecer
Hayek e os desafios do desenvolvimento em Moçambique Num país como Moçambique, onde o Estado ainda detém um papel central na atribuição de recursos, na produção e até na intermediação económica, parte das ideias de Hayek pode oferecer pistas para uma abordagem alternativa ao desenvolvimento. A principal lição está no reconhecimento da importância dos mecanismos de mercado como formas de descentralizar decisões e mobilizar conhecimento local.
O modelo de desenvolvimento moçambicano ainda se apoia na planificação central, em subsídios por vezes mal direccionados e em programas que, em muitos casos, negligenciam as realidades do sector informal – precisamente o espaço onde, segundo o economista, o conhecimento prático e contextual se manifesta de forma mais intensa. Para Hayek, uma política pública eficaz começa por reconhecer os limites do que o Governo pode saber e fazer. Assim, o papel do Estado deveria focar-se em garantir regras estáveis e justas (Estado de Direito), assegurar direitos de propriedade e promover um ambiente de concorrência livre.
Hayek também alertou para o excesso de dependência da ajuda externa e dos investimentos dirigidos por grandes instituições multilaterais, se estes forem canalizados sem respeito pelo tecido social e económico local. A imposição de “modelos prontos”, na sua visão, ignora a evolução institucional orgânica das comunidades e corre o risco de gerar mais distorções do que benefícios.
Reformas institucionais e liberdade económica
A abordagem de Hayek também inspira uma visão mais sólida da reforma institucional. Defende que o desenvolvimento não se resume ao crescimento económico ou ao volume de investimento estrangeiro: passa por instituições que sustentam um ambiente propício à iniciativa individual, à inovação e à confiança. Isso implica um sistema judicial independente, previsibilidade legal, protecção do empreendedorismo e valorização da poupança – elementos que Moçambique ainda precisa de fortalecer.
Embora Hayek fosse céptico quanto ao planeamento económico, não era um liberal radical. Reconhecia, por exemplo, a importância de uma rede mínima de segurança social e a provisão de bens públicos essenciais. Mas insistia que tais intervenções deveriam ocorrer dentro de um quadro de regras gerais e não segundo critérios políticos ou discricionários.
João Gomes • Partner @BlueBiz joaogomes@bluebizconsultoria.co.mz
1Introdução “PowerPoints” não movem tractores. Pessoas sim. Vem este artigo a propósito da constatação que África — e Moçambique, em particular — continua atolada em planos estratégicos elegantes, conferências bem intencionadas e consultores com inglês fluente..., mas com resultados minguados no terreno. A cada novo ciclo de doadores, renova-se o entusiasmo, cria-se mais um “roadmap” e volta-se a prometer o que já se tinha prometido. O “gap da execução” não é um acaso. É um padrão.
Neste artigo, convido os meus leitores/ as a responder à seguinte pergunta: Porque planeamos tanto e entregamos tão pouco?
Este artigo complementa os seguintes textos que escrevi nesta coluna:
- Falhar, um Catalisador do Sucesso: Lições Inspiradoras dos Empreendedores1;
- Dilemas Estratégicos na Gestão: Escolhas, Riscos e Incertezas (I)2; - Dilemas Estratégicos na Gestão: Escolhas, Riscos e Incertezas (II)3.
2. O ciclo africano: bons planos, fraca execução?
Não faltam visões. Faltam entregas. Em 2023, o Banco Africano de Desenvolvimento (BAD) identificou4 que mais de 60% dos planos estratégicos financiados em África estavam fora do cronograma ou subexecutados após três anos de implementação. Na Zâmbia, por exemplo, o Plano Nacional de Desenvolvimento 7.º NDP (2017–2021), estruturado com apoio do PNUD, previa reformas significativas nos sectores da energia, agricultura e saúde. Contudo, o Relatório de Avaliação do Ministério das Finanças (2022) mostra que apenas 43% das metas sectoriais foram alcançadas, com subexecução severa nos projectos infra-estruturais e nos programas de criação de emprego rural. As causas apontadas? Fraca coor-
Estratégia Sem Execução: Como Quebrar o Ciclo do “PowerPoint(ismo)”?
denação entre Ministérios, ciclos de financiamento erráticos e mudanças de liderança política a meio do ciclo.
3. Os sabotadores silenciosos da execução: cultura, incentivos, tempo político… e mais
a. Cultura de “vitrina” e não de entrega
O valor está na apresentação, não no produto entregue. “Planear” tornou-se num fim em si mesmo. O sucesso é medido por relatórios enviados, não por impactos reais.
b. Incentivos desalinhados Gestores públicos raramente são premiados por implementar, mas quase sempre são punidos por falhar na conformidade (“compliance”) docu-
Convido os leitores a responder à pergunta: Porque planeamos tanto e entregamos tão pouco?
mental. Isso gera um ciclo de medo e passividade.
c. Tempo político “versus” tempo técnico
O mandato de um ministro é de três a cinco anos; o ciclo real de transformação demora entre sete a dez. Resultado? Cortes a meio do caminho, recomeços constantes e uma administração presa à próxima eleição.
d. Rotatividade institucional e fuga de memória técnica
Frequentemente, as equipas que desenham os projectos não são as que os executam. A cada nova liderança, recomeça-se do zero, perdendo-se o conhecimento acumulado, a visão estratégica e os laços criados com as comunidades.
e. Exigências externas mal adaptadas ao contexto
Muitos financiamentos vêm amarrados a lógicas, métricas e cronogramas impostos de fora. Os resultados são projectos que respondem mais a relatórios para doadores do que a necessidades locais. O plano pode ser “executado no papel”, mas completamente irrelevante no terreno.
Este ambiente favorece o “PowerPoint(ismo) crónico”: muita intenção, pouca entrega.
Importa reconhecer que, apesar das falhas persistentes, têm sido dados passos relevantes por parte de instituições públicas e seus parceiros para melhorar a execução. Em Moçambique, por exemplo, observam-se avanços na implementação de sistemas de supervisão digital, no fortalecimento do Sistema Nacional de Investimentos Públicos (SNIP) e na criação de unidades técnicas de gestão de programas com maior autonomia operacional. Ainda tímidos, estes sinais apontam para uma crescente consciência de que não basta planear: é preciso entregar.
4. Casos reais: quando a execução venceu o discurso (região SADC) Apesar das dificuldades, há excepções que quebram o ciclo:
a. Botswana Innovation Hub (BIH)
• Porque funcionou? Forte parceria público-privada, metas anuais claras e gestão com semiautonomia e com “accountability” (responsabilização) real.
• Resultado: mais de 70 startups incubadas e com produtos no mercado entre 2018 e 2023.
b. Kigali Urban Planning Project (Ruanda)
• Porque funcionou? Liderança política alinhada, cronograma respeitado e análise de reacções em tempo real.
• Resultado: 85% das metas físicas entregues no prazo, segundo o World Bank Implementation Report (2022).
c. Malawi Social Cash Transfer Programme (MSCTP)
Chegou a hora de trocar “slides” por impacto. Palavras por entrega.
• Porque funcionou? Modelo de transferência monetária simplificado, com foco em famílias extremamente pobres, com gestão digital de pagamentos e acompanhamento social regular.
• Resultado: Cobertura de mais de 1,2 milhão de beneficiários em 2022 com uma taxa de execução de 97% do orçamento, segundo dados do UNICEF Malawi.
d. Angola’s Municipal Development Project (PDGM)
• Porque funcionou? Descentralização financeira para municípios, sistemas de aquisição simplificados e formação local contínua.
• Resultado: 145 municípios com projectos implementados directamente entre 2018 e 2022, com impacto positivo documentado em infra-estrutura básica e serviços públicos locais .
5. Ferramentas de gestão com os pés na terra Executar é um processo com etapas, não uma acção isolada. Abaixo, indico cinco ferramentas agrupadas em torno das fases do ciclo de execução — da preparação à entrega —, todas testadas em contextos africanos.
a. Planeamento com acção no terreno Ferramenta: Missão de Planeamento Operacional Participativo (MPOP) Antes do PowerPoint, deve vir o terreno. A MPOP junta uma equipa técnica e beneficiários locais num diagnósti-
co participativo em campo, para ajustar cronogramas, custos e responsabilidades às realidades concretas. E evita surpresas.
b. Envolvimento de equipas
Ferramenta: “kick-off” operacional com quadro de compromissos
Reuniões de arranque são convertidas em sessões práticas de compromisso entre participantes (“stakeholders”). Com o uso de ferramentas visuais simples, define-se: o que vamos entregar, quem faz o quê e como lidamos com falhas.
c. Acompanhamento disciplinado
Ferramenta: Objectivos e Resultados-Chave (Objectives & Key Results, OKR) com ciclos trimestrais
Permite alinhar metas e resultados num horizonte curto, mensurável e reavaliável. Um antídoto ao planeamento estático de 12 meses.
d. Clareza na atribuição de responsabilidades
Ferramenta: RACI expandido (do inglês “Responsable, Accountable, Consulted, Informed”)
Evita a ambiguidade: define quem executa, quem valida, quem comunica e quem supervisiona.
e. Supervisão viva, em tempo real
Ferramenta: Diário de Execução Semanal (DES)
Formato simplificado e operativo de registo de progresso semanal. Foca-se em acções realizadas, obstácu-
los enfrentados e decisões pendentes. Funciona como barómetro de entrega contínua.
6. Conclusão: menos visão, mais tracção
Começámos com uma provocação: PowerPoints não movem tractores. E essa ideia resume bem o dilema do nosso tempo — em África e, particularmente, em Moçambique. Não faltam planos. Falta entrega. Não faltam visões. Falta tracção.
A análise do “ciclo africano” mostrou que a execução continua a ser o elo mais fraco. Estatísticas do BAD, casos do Botsuana e Zâmbia, tudo aponta para o mesmo: a distância entre o planeado e o realizado é demasiado grande — e crónica.
Na secção dos “sabotadores da execução”, identificámos os obstáculos reais: cultura de vitrina, incentivos errados, rotatividade institucional e condicionalidades externas mal calibradas. Ainda assim, há sinais de mudança, com reformas discretas em áreas como o SNIP e a supervisão digital.
Mas há luz ao fundo do túnel: os casos bem-sucedidos da região SADC demonstram que é possível fazer diferente. Do ProSul ao BIH, do Ruanda a Angola, projectos com metas claras, liderança comprometida e autonomia operacional provaram que, quando há vontade de executar, há resultados.
E há ferramentas práticas que fazem diferença: planeamento com acções no terreno, compromissos de equipa, “OKR” curtos, clareza de papéis e supervisão viva. Nenhuma delas é sofisticada — todas são úteis.
Executar deixou de ser detalhe. É, hoje, o que distingue países entre os que prometem e os que avançam. Empresas que executam ganham mercado. Governos que executam ganham legitimidade. Líderes que executam ganham tempo político.
Chegou a hora de trocar “slides” por impacto. Palavras por entrega. Visão por tracção.
Num contexto de transformações económicas e sociais, Moçambique e o Banco Mundial estão a redefinir a sua parceria, com o sector energético no centro da estratégia. A aposta está centrada na transição energética e na inclusão social
Texto Celso Chambisso • Fotografia D.R.
Acooperação dura desde a década de 1980, mas hoje ganha novo impulso com o chamado “quadro de parceria”, assinado, em Julho, entre o Governo e o Banco Mundial, para cinco anos. Mais do que nunca, esta parceria é vista como catalisadora de estabilidade macroeconómica, oportunidades e reformas estruturais. Este alinhamento marca o início de uma nova etapa de confiança mútua e de ambições renovadas, durante a visita de Ajay Banga, presidente do Grupo Banco Mundial, ao País. A meta é clara: “Se olharmos para um quadro de 10 anos no pensamento deste Presidente (Daniel Chapo), o objectivo é fazer de Moçambique uma potência energética e torná-la no ‘back office’ (centro) energético da parte sul de África. Penso que se trata de uma verdadeira oportunidade e de algo em que devemos trabalhar em conjunto”, referiu.
Energia como eixo de desenvolvimento
O Governo moçambicano e o Banco Mundial convergem na ideia de que o futuro do País passa pela energia, não apenas como fonte de receitas, mas como plataforma para a transformação económica. O sector é visto como ali-
cerce da industrialização, da integração regional e do acesso inclusivo à electricidade, colocando Moçambique na rota para se tornar num centro energético de dimensão continental. Com reservas de gás natural estimadas em mais de 180 triliões de pés cúbicos na bacia do Rovuma, capacidade hídrica ainda subaproveitada e um potencial solar entre os mais elevados da África Austral, o País posiciona-se como um dos territórios com possibilidade de oferecer soluções diversificadas e competitivas para a transição energética.
A ambição inclui investimentos robustos na expansão da rede eléctrica nacional e a modernização de infra-estruturas críticas. Se for devidamente infra-estruturado, o País pode vir a ser uma peça-chave na estratégia de integração da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC), com capacidade para reforçar o fornecimento de energia à África do Sul, Zimbabué e Maláui, ao mesmo tempo que atrai parcerias internacionais para acelerar a descarbonização e criar novas cadeias de valor industrial. Esta visão coloca a transição energética no coração da agenda de desenvolvimento, com a instituição multilateral a assumir o papel de financiador estratégico e facilitador de parcerias público-privadas.
O quadro de parceria pretende reforçar
o papel de Moçambique como laboratório de soluções africanas em transição energética e responder a pressupostos básicos do desenvolvimento
3,5
É o valor da carteira de projectos a serem financiados pelo Banco Mundial na nova era da parceria bilateral mil milhões USD
Em concreto, Ajay Banga garantiu a disponibilidade do Banco Mundial e das suas agências para apoiar projectos já em andamento:
• Reforço da produção em Cahora Bassa, com a construção da central norte (conclusão prevista para 2032);
• Novo parque solar de 400 MW;
• Nova barragem de Mphanda Nkuwa, no rio Zambeze, com capacidade de 1500 MW e investimento estimado em 4,5 mil milhões de euros (a concluir até 2031).
Cooperação alargada, uma nova estratégia
No quadro de parceria assinado entre as partes, em Maputo, cinco áreas ganham importância estratégica num pacote de investimentos avaliado em 3,5 mil milhões de dólares. Além da energia, os sec-
tores de educação, saúde, protecção social e infra-estruturas também entram na equação. Segundo Ajay Banga, presidente do Grupo Banco Mundial, a lógica desta aliança ultrapassa o campo tradicional da ajuda externa. O Banco Mundial assume-se como facilitador de parcerias internacionais, ligando Moçambique a redes globais de conhecimento, tecnologia e investimento. O objectivo não é apenas injectar recursos, mas criar condições para que o País se posicione como centro energético e logístico da África Austral, potenciando a sua localização estratégica, as vastas reservas de gás e carvão e as condições para exploração de energias renováveis.
Ao inserir o País numa agenda de integração regional e diversificação económica, o quadro de parceria pretende reforçar o papel de Moçambique
UMA COOPERAÇÃO QUE JÁ LEVA 41
ANOS
Marcos da história que, desde há décadas, juntam Moçambique e o Banco Mundial
Com o Acordo de Paz de Roma, o Banco Mundial intensifica o apoio a Moçambique, financiando programas de reabilitação de estradas, saúde e educação,estabilização fiscal e privatizações.
Apoio a grandes projectos de energia, incluindo pequenas centrais hidroeléctricas e expansão da rede. O objectivo era promover industrialização, emprego e integração regional.
Após o ciclone Dineo, o Banco Mundial reforça programas de resiliência climática, reconstrução de infraestruturas e protecção social, integrando medidas de mitigação e adaptação.
O presidente do Banco Mundial, Ajay Banga, realiza uma visita oficial a Moçambique, dando início a uma parceria de cinco anos com foco na energia, turismo e qualificação dos jovens.
1984
O Banco Mundial inicia programas de assistência técnica e financeira, focados na reconstrução de infra-estruturas básicas e estabilização macroeconómica.
1997
Início do Programa Nacional de Redução da Pobreza (PRSP), com financiamento e consultoria do Banco Mundial. Foco na agricultura, acesso a serviços básicos e protecção social.
2011
Ampliação do leque de projectos para incluir saúde materno-infantil, saneamento, educação básica e formação profissional, com uma forte componente de capacitação institucional do Estado.
O Banco Mundial aprova um novo quadro de parceria com Moçambique para o período de 2023 a 2027, visando apoiar o país a alcançar um desenvolvimento mais verde, resiliente e inclusivo. 2023
FONTE Banco Mundial
Para o Banco Mundial, outro potencial reside na população jovem e em crescimento. É imperativo garantir empregos de qualidade, acesso a formação técnica e inclusão social
como laboratório de soluções africanas em transição energética, ao mesmo tempo que responde aos pressupostos básicos do desenvolvimento: transformar riqueza natural em bem-estar social inclusivo.
Turismo como multiplicador de empregos
O presidente do Grupo Banco Mundial descreveu Moçambique como um “país abençoado”, destacando a combinação rara de praias, biodiversidade e hospitalidade da população. Para Banga, o turismo deve ser uma prioridade nacional, não apenas pelo potencial económico, mas como motor de inclusão social e criação de emprego. “O turismo é o maior multiplicador de empregos por cada dólar investido. Vamos trabalhar com o Presidente num plano que abranja destinos de negócios e de conferências, destinos sociais e de casamento e, por último, o turismo sustentável de elevado valor. Mais uma vez, têm todos os atributos necessários: vida selvagem, praias, campos de golfe”, afirmou, sublinhando que cada segmento do sector deve ser explorado de forma integra-
da para gerar empregos de qualidade e oportunidades para jovens e mulheres.
A aposta no turismo, segundo a visão do Banco Mundial, vai além do simples desenvolvimento de “resorts” ou atracções isoladas. Trata-se de uma estratégia de longo prazo que liga infra-estruturas, capacitação profissional, preservação ambiental e promoção internacional, transformando Moçambique num destino competitivo e sustentável. Esta abordagem visa ainda potenciar a economia local, estimular pequenas e médias empresas (PME) e criar cadeias de valor ligadas a serviços turísticos, transporte, artesanato e gastronomia, garantindo que o crescimento económico beneficie directamente as comunidades.
É preciso rapidez na execução de planos
O Banco Mundial reconhece, no entanto, a lentidão dos processos de apoio em diferentes domínios da cooperação bilateral e prometeu acelerar resultados. O presidente desta instituição apontou, como exemplo, os grandes projectos de infra-estruturas, como barragens, que exigem tempo, tecnologia e gestão de
impactos sociais e ambientais. “É preciso encontrar uma forma de fazer com que as coisas andem depressa. Quando se constrói uma barragem é preciso não só a tecnologia e o equipamento, mas também preocupação com o impacto social e ambiental. O que penso que vai mudar neste processo é o novo quadro de parceria nacional que estamos a criar, que reflectirá uma visão a cinco anos e as prioridades”, garantiu. Segundo o presidente do BM, assegurar apoio a pequenos empreendedores deve ser ainda mais urgente. “Ajudar pequenos empreendedores e empresários deve ser mais importante do que construir uma barragem”, defendeu.
Dividendo demográfico como oportunidade
Para o Banco Mundial, outro potencial reside na população jovem e crescente, lembrando que esta característica demográfica representa um verdadeiro dividendo, mas também um desafio urgente. “Têm uma nação jovem e em crescimento. E esse é o vosso dividendo. Não temos 30 anos para fazer isto correctamente. Porque se os jovens não tiverem esperança, farão coisas que não queremos, incluindo a migração para outros locais e [provocar] instabilidade”, alertou Banga, enfatizando que o futuro do País depende da capacidade de gerar oportunidades reais e dignas. Segundo o responsável, é imperativo garantir empregos de qualidade, acesso a formação técnica e académica e inclusão social, de modo a transformar o potencial demográfico em desenvolvimento sustentável. A aposta estratégica na qualificação da juventude não só fortalece a economia, como também contribui para a coesão social, redução da migração forçada e prevenção da instabilidade, consolidando Moçambique como um país preparado para enfrentar os desafios do século XXI.
O desafio da confiança internacional
O relançamento da parceria não é alheio ao contexto internacional. Moçambique, após anos de turbulência financeira e perda de credibilidade no mercado global, procura reconstruir a confiança junto dos parceiros e investidores. O Banco Mundial, ao renovar o seu compromisso, transmite um sinal de confiança no País e nas reformas em curso. Esta reposição de credibilidade é decisiva para atrair novos fluxos de capital, diversificar a economia e consolidar a estabilidade macroeconómica, factores essenciais para uma trajectória sustentável de crescimento.
"Estamos Prontos Para Ajudar Moçambique a Crescer"
Como pode Itália ajudar Moçambique a transformar o seu potencial em crescimento real e sustentável?
O embaixador Gabriele Annis destaca investimentos estratégicos e uma parceria renovada
Num contexto global marcado pela crescente interdependência, a cooperação internacional revela-se fundamental para o desenvolvimento sustentável. Moçambique e Itália, que este ano celebram 50 anos de relações diplomáticas, mantêm uma parceria estratégica que procura transformar o potencial do país africano em crescimento concreto. Este momento, decisivo para Moçambique, conta com investimentos focados em sectores-chave e um esforço conjunto para criar condições que promovam emprego e progresso social, de acordo com o embaixador italiano em Moçambique, Gabriele Annis, que traça um perfil de cooperação “win-win” alicerçado na complementaridade entre os recursos naturais, a mão-de-obra local moçambicana e a capacidade tecnológica e financeira de Itália.
Nestes primeiros seis meses em Moçambique, como tem sido a sua experiência e que conhecimento já tinha do País antes de chegar?
Desde que fui nomeado para este cargo, em Julho do ano passado, comecei a informar-me de forma mais profunda sobre o País. Mas cada italiano tem algum conhecimento sobre Moçambique, devido, justamente, à relação muito espe-
cial que existe entre os dois países irmãos. Então, conhecimento sobre o País eu já tinha. Sabia, inclusive, que nos meses que separavam a minha nomeação da minha assunção do cargo, Moçambique atravessou uma fase de muita convulsão, na crise pós-eleitoral [Outubro de 2024]. Cheguei a 10 de Janeiro e a situação estava muito tensa. Mas vou dizer uma coisa: se alguém me tivesse alertado, quando cheguei, que as ruas estavam desertas – e estávamos a cinco dias da posse do presidente Daniel Chapo –eu teria assinado por baixo. Quer dizer, hoje, oito meses depois da minha chegada, Moçambique tomou o caminho do diálogo, da reconciliação e das reformas políticas e económicas. Ou seja, passámos por uma crise importante, mas o sistema moçambicano resistiu a esta crise, graças ao esforço de todos, desde o Governo até aos partidos da oposição parlamentar e extraparlamentar.
A avaliar pelo ambiente político, social e económico actual, qual é a sua percepção sobre a capacidade de Moçambique manter esta estabilidade?
Hoje, vemos que foi iniciado um diálogo político, foi assinado um compromisso pelo diálogo político inclusivo, que é algo que Itália e toda a União Europeia apoia, técnica e financeiramente.
A nossa cooperação vai focar-se nos sectores agrícola, da energia, ambiente e turismo. Para fazer isso, temos os recursos do Plano Mattei para África, que é o plano do Governo italiano lançado em 2024
GABRIELE ANNIS
Embaixador italiano em Moçambique
Os dois partidos políticos mais votados nas eleições de Outubro de 2024 já se encontraram duas vezes e mantêm diálogo. Logo, tudo parece caminhar para a estabilidade, e nós, que temos interesse na estabilidade como requisito para o crescimento do País, não podemos ficar descansados: temos de continuar a apoiar, e os moçambicanos podem ter a certeza de que, como sempre na sua história, não lhes faltará o apoio de Itália.
Moçambique e Itália mantêm uma relação de cooperação económica antiga e transversal, que este ano deve conhecer um novo impulso. Qual é a estratégia para os próximos anos?
Como sempre, nós vemos o imenso potencial deste país: tem recursos naturais, cerca de 2700 quilómetros de costa, terra fértil para agricultura. A nossa intenção é intensificar as nossas relações para levar para a frente projectos de cooperação que sejam sustentáveis e desenvolvam estes sectores estratégicos de Moçambique. A nossa cooperação vai focar-se nos sectores agrícola, da energia, das energias renováveis, do ambiente e do turismo. Para fazer isso, temos os recursos do Plano Mattei para África,
Texto Pedro Cativelos • Fotografia Mariano Silva & D.R.
A PRESENÇA ITALIANA EM MOÇAMBIQUE
A representação italiana no País é articulada através de uma constelação de instituições e empresas, coordenada pela embaixada.
1. EMBAIXADA DE ITÁLIA
• Representa o Presidente e o Governo italiano;
• Coordena todas as entidades do ‘Sistema Itália’.
E DESENVOLVIMENTO (AICS)
• Uma das maiores do mundo, com sede em Maputo;
• Actua em Moçambique e noutros países africanos;
• Executa projectos de cooperação e desenvolvimento.
GABRIELE PHILLIP ANNIS
Nasceu em Oristano, Itália, a 28 de Julho de 1969. Licenciado em Direito pela Universidade de Bolonha e com mestrado em Relações Internacionais pela Universidade de Bristol, no Reino Unido, ingressou na carreira diplomática em 1999. Desde então, exerceu diversas funções no serviço externo italiano, incluindo as de cônsul em Belo Horizonte, primeirosecretário na embaixada em Nova Deli, conselheiro para Emigração e Assuntos Sociais em Brasília, e embaixador em Assunção. Em Janeiro de 2025, foi nomeado embaixador de Itália em Moçambique, função que exerce com atenção ao reforço das relações bilaterais.
plano do Governo italiano lançado em 2024 que define as novas linhas estratégicas da nossa cooperação com as nações países africanas. Neste plano, Moçambique é um dos países prioritários. Existe uma série de projectos no País que visam dinamizar a economia nos sectores a que já me referi, para depois pôr as bases de investimento italiano que possam trazer emprego e desenvolvimento. Sempre tivemos com os países africanos, e com Moçambique, em particular, uma filosofia de cooperação paritária, baseada na escuta às suas exigências para depois crescermos juntos. Itália é um país que não tem recursos, mas é exportador, transformador e investidor no exterior. Por outro lado, Moçambique detém muitos recursos, muita mão-de-obra e muitas outras potencialidades. Por isso, acredito que entre estes países há um casamento perfeito para ganhos mútuos. Recentemente, o “Sistema Itália” visitou Moçambique, liderado pelo secretário-geral do Ministério dos Negócios Estrangeiros e integrado por altos funcionários, incluindo o representante da primeira-ministra responsável pelo Plano Mattei. A comitiva, composta por cerca de 50 empresas, ONG e agências, apresentou projectos e
• Fomenta relações comerciais;
• Organiza missões empresariais e participação em feiras.
3. INSTITUTO PARA O COMÉRCIO EXTERIOR (ICE) 4. CÂMARA DO COMÉRCIO ITALO-MOÇAMBICANA
• Cerca de 50 empresas associadas;
• Liga empresas italianas, moçambicanas e parceiros internacionais.
• Escola Italiana de Maputo (ensino primário);
• Sociedade Dante Alighieri: promoção da língua e cultura italianas.
• 40 ONG activas em Moçambique;
• Forte presença missionária: Comunidade de Sant’Egidio, salesianos, entre outros.
• Eni: maior presença empresarial, plano de desenvolvimento Coral Norte (14 mil milhões €);
• Renco: sector de hidrocarbonetos;
• Rina: certificação e energias renováveis;
• Grupo Cosme: serviços e indústria;
• Saipem: projectos de gás natural;
• Inalca: distribuição de produtos alimentares.
actividades, colocando-se à disposição do Presidente da República, Daniel Chapo, para apoiar os novos projectos e reformas em curso.
Falou em sustentabilidade e numa forte aposta no digital. O que podemos esperar, na prática, dessas prioridades?
Nós tomámos nota, com muito interesse, de tudo o que o presidente Daniel Chapo disse no discurso de posse. Tomámos nota, inclusive, da prioridade da digitalização. Pela primeira vez, temos um ministro para a digitalização e estamos em coordenação com os nossos parceiros da UE e outros, para apoiar o que chamamos de “Digital Flagship”, que é um dos projectos estruturantes do Plano Mattei. O “Digital Flagship” baseia-se na escuta às necessidades, por isso, o ministro das Comunicações e Transformação Digital esclareceu muito bem os parceiros sobre as prioridades de Moçambique. Itália vai ficar com a parte dos pagamentos da Administração Pública e do “e-procurement”. Outros parceiros vão cuidar de outros temas, mas no sector digital é muito importante a coordenação, porque o sistema operativo tem de ser o mesmo, não pode ser incompatível e nem deve apresentar duplicações. É muito importante o papel do Governo moçambicano em colocar-nos a todos numa mesa para evitar falhas e o ministro Américo Muchanga está a fazer tudo isto muito bem.
Moçambique vive um momento decisivo para o seu desenvolvimento. Na sua visão, quais são as áreas prioritárias de cooperação com Itália? De que forma os investimentos podem acelerar o crescimento económico e melhorar as condições de vida da população?
Nas nossas interlocuções com o Governo moçambicano, ficou muito clara a prioridade do Executivo nestes primeiros meses, e até a urgência que o Governo tem de criar novos postos de trabalho. Deste modo, os grandes projectos têm de ser acompanhados por outros projectos, noutros sectores, que sejam de trabalho intensivo e, obviamente, um dos sectores é a agricultura. Moçambique tem o grande potencial para transformar a agricultura de subsistência em agricultura industrial e empresarial. Aqui temos muitas oportunidades de criação de emprego. É por isso que o maior investimento da cooperação italiana no País é a construção do centro agro-alimentar de Manica, no
O maior investimento da cooperação italiana no País é a construção do centro agro-alimentar de Manica, no Chimoio. Trata-se de um grande projecto que está em andamento
Chimoio. Trata-se de um projecto grande que está em andamento e que será dedicado à transformação e agregação de valor à produção agrícola de toda a província de Manica. A ele estão ligados outros projectos menores, noutras partes da província, na de Sofala, que vão criar cadeias de valor, infra-estrutura e emancipação das mulheres produtoras. A este respeito, o presidente do município de Chimoio, João Ferreira, anunciou que vai potenciar a pista do aeroporto de Chimoio para que possa receber aviões de carga, para levar a produção para outros cantos do País e, eventualmente, exportar para a região e para a Europa.
Como avalia o ambiente de negócios em Moçambique e que papel Itália, através de iniciativas como o Plano Mattei, pode desempenhar para apoiar as
A aposta na agricultura faz parte do plano italiano
reformas e atrair mais empresas italianas?
A única forma de crescer e desenvolver verdadeiramente Moçambique é dinamizar a economia, criar um bom clima de negócios, facilitar a vida das empresas, desburocratizar e garantir a transparência no processo administrativo, o que significa, também, lutar contra a corrupção. Estes pontos estavam bem destacados no excelente discurso de posse do Presidente Chapo. O nosso desejo é que Moçambique alcance rapidamente esses objectivos, de forma a atrair mais empresas. As empresas italianas estão prontas para vir, muitas já estão presentes, mas há potencial para mais. A nossa mensagem para elas é que venham conhecer as oportunidades que o País oferece. Junto com o Governo de Moçambique, vamos organizar missões empresariais, inicialmente nos sectores agrícola, agro-industrial e de infra-estruturas. Serão duas missões separadas, previstas para 15 de Setembro e início do próximo ano. O trabalho conjunto é fundamental: através do Plano Mattei, trazemos as nossas empresas e o Governo, por sua vez, vai avançando com as reformas necessárias para criar um ambiente económico favorável e atractivo para os negócios.
O turismo foi referido como um sector com potencial. De que forma Itália vê o seu desenvolvimento em Moçambique e que condições considera essenciais para que este cresça? O turismo é um dos sectores que mais podem beneficiar de um bom clima de
COMO A COOPERAÇÃO EVOLUIU
Da solidariedade das cidades-irmãs ao gás da bacia do Rovuma, a cooperação entre Moçambique e Itália percorreu um caminho marcado por projectos estruturantes, diplomacia activa e laços humanos que continuam a moldar o futuro
Presença de missionários italianos em Moçambique, marcando o início da amizade entre os dois povos. Primeiras acções de cooperação para o desenvolvimento a nível local: cidade de Reggio Emília (Itália) estabelece ligação com Pemba; província de Trento (Itália) estabelece ligação com Beira. Estas parcerias continuam activas até hoje.
1975
Construção da barragem dos Pequenos Libombos pela empresa italiana CMC, assegurando abastecimento de água à região de Maputo.
Moçambique torna-se independente. Itália é um dos primeiros países a reconhecer a independência e a estabelecer relações diplomáticas oficiais.
negócios e de melhor infra-estrutura. Moçambique é incrível do ponto de vista turístico e natural, com paisagens de tirar o fôlego, e um povo acolhedor, mas ainda enfrenta grandes desafios, como a falta de infra-estrutura, necessidade de melhorias no transporte aéreo e de um ambiente de negócios mais atractivo. Por isso, vemos o turismo como um sector para um segundo momento, quando estas condições estiverem mais consolidadas. A nossa ideia é trabalhar em paralelo com o Governo moçambicano: despertarmos o interesse das empresas italianas, enquanto o País avança nas reformas necessárias, para que, no momento certo, as oportunidades possam ser aproveitadas plenamente.
Lançamento da Operação Albatroz, com militares italianos envolvidos na desminagem em Moçambique; Expansão de iniciativas de cooperação e desenvolvimento em diversos sectores; Entrada de novas empresas italianas para investir no País.
4 DE OUTUBRO DE 1992
Diversificação da cooperação em vários sectores: universidades, saúde, indústria, agricultura e cultura. Reabilitação da barragem de Massingir (concluída por Itália); Construção e melhoria de estradas; Intensificação do apoio humanitário e de reconstrução face à guerra civil; Participação activa de Itália nos esforços de mediação para a paz, envolvendo figuras como Mario Raffaelli e Matteo Zuppi (actual cardeal).
Assinatura do Acordo Geral de Paz de Roma, mediado pelo Governo italiano e pela Comunidade de Sant’Egidio, encerrando a guerra civil em Moçambique.
Consolidação das relações políticas, económicas e culturais; Presença estratégica da ENI na bacia do Rovuma, liderando projectos de exploração de gás e contribuindo para o desenvolvimento energético de Moçambique; Reafirmação da parceria histórica como base para um renovado impulso de cooperação em múltiplos sectores.
FONTE
Moçambique e Itália celebram 50 anos de relações diplomáticas. Em que fase está hoje esta parceria e qual é a mensagem para o futuro? Este ano celebramos 50 anos de relações, com uma programação cultural de alto nível para reforçar a presença de Itália no cenário cultural moçambicano. Ao longo deste tempo, fomos um dos principais interlocutores do País, presentes nos momentos mais difíceis, e Moçambique também tem sido um parceiro fiel para Itália no cenário internacional, incluindo nas Nações Unidas. Temos ainda uma comunidade italiana muito integrada, com cerca de 1000 registados nos consulados, embora o número real atinja, provavelmente, o dobro. Esta parceria não é um ponto de chegada, mas um ponto de partida para dar um salto de qualidade e torná-la num exemplo de cooperação paritária e respeitosa. As empresas italianas, quando chegam, integram-se de forma natural: empregam maioritariamente moçambicanos, adaptam-se ao contexto local e, muitas vezes, tornam-se empresas locais. No caso de Moçambique, isso acontece de forma intensa, e muitos italianos acabam por criar laços fortes no País.
Moçambique celebra, este ano, 50 anos de independência. Que mensagem gostaria de deixar a este respeito?
Cinquenta anos é, ao mesmo tempo, muito e pouco para um país jovem como Moçambique. É verdade que há muitos desafios por vencer, mas também é importante reconhecer o muito que já foi feito. Este é um momento para olhar com optimismo para o futuro. Reafirmamos que estaremos sempre ao lado de Moçambique, apoiando o seu desenvolvimento e confirmando-nos como um dos seus melhores amigos.
Embaixada de Itália em Moçambique
Agências de Comunicação em Tempos de IA
Filipa Nóvoa • Directora Executiva, Caetsu Two Moçambique
S“Não estamos, de forma alguma, a rejeitar a IA. Trata-se de saber quando ela serve e quando distrai. De reconhecer que a tecnologia é apenas uma ferramenta e não um substituto”
er uma agência de comunicação em 2025 é um desafio e um acto de resistência. Chegámos a uma era em que tudo pode ser gerado por inteligência artificial, dos headlines mais impactantes aos “storyboards” mais incríveis. A tentação de encurtar caminho e acelerar processos nunca foi tão grande. E, sim, na Caetsu Two Moçambique também usamos IA. Automatizamos etapas e integramos ferramentas inteligentes nos nossos processos criativos e operacionais. Mas não se iludam: há campanhas que, para fazerem sentido e serem realmente sentidas, exigem mais que isso. Exigem humanidade. Exigem verdade. Exigem tempo. Foi precisamente isso que sentimos quando iniciámos o processo criativo da maior campanha institucional dos últimos tempos em Moçambique, uma campanha para o Millennium bim, com filmagens de norte a sul do país. Sabíamos que não bastava apenas comunicar uma marca. Tínhamos de captar a essência de um país, o ritmo de um povo e os sorrisos mais genuínos da nossa terra. Por isso, seguimos a música e fomos para o terreno. Dispensámos a maquilhagem e procurámos as caras, as tradições, as imperfeições. Capturámos tudo aquilo que nos pareceu verdadeiro. Escolhemos mostrar o que é real, porque é aí que reside a autenticidade. A nossa ambição não era fazer mais um filme bonito. Era fazer com que as pessoas se reconhecessem nele. Que sentissem: “isto é nosso”.
“Enquanto muitos maximizarão a vertente digital, nós valorizamos a combinação com o toque humano”
Filmámos na correria do nascer ao pôr do sol, numa perseguição incansável à luz certa. Tentámos agarrar a hora mágica, o “flare” perfeito a entrar na lente e a poeira a dançar no ar. Procurámos momentos e emoções, não encenações. Cada plano era uma tentativa de eternizar o que se sente, não apenas o que se vê. Hoje, o verdadeiro diferencial está no equilíbrio. Enquanto muitos maximizarão a vertente digital, nós valorizamos a combinação com o toque humano. Enquanto tudo se torna polido e previsível, voltamos ao terreno da dúvida, da emoção, do imprevisto. É aí que mora o impacto.
Não estamos, de forma alguma, a rejeitar a IA. Trata-se de saber quando ela serve e quando distrai. De reconhecer que a tecnologia é apenas uma ferramenta e não um substituto. E que uma boa agência precisa de ter coragem para recusar o ruído, escutar o cliente com atenção e devolver-lhe uma solução que, muitas vezes, não é a mais óbvia, mas é a mais acertada.
A inteligência artificial pode acelerar, facilitar, até surpreender. Mas continua sem saber interpretar um silêncio numa reunião, ler nas entrelinhas de um “briefing” ou sentir o que não está dito. A IA pode sugerir mil caminhos, mas escolher o caminho certo exige intuição.
É por isso que, nas agências, o factor humano é irrepetível. É do confronto de ideias, da dúvida criativa, do rasgo inesperado que nascem as campanhas que realmente ficam. A IA pode ser uma ferramenta, mas o critério, esse, continua a ser nosso. E talvez essa seja a maior responsabilidade das agências hoje: saber usar a tecnologia com inteligência, sem perder a inteligência emocional. Saber acompanhar a inovação, sem abdicar da empatia.
Na Caetsu, é isso que defendemos. Somos um espaço de confronto criativo, onde cada projecto é uma construção conjunta entre cliente, equipa e contexto. Porque, no fim do dia, mais do que inovação, as marcas precisam de relevância. E essa conquista-se com estratégia, escuta e coragem.
Curiosidade editorial: Este texto foi escrito por uma humana apaixonada pela comunicação… e revisto por uma IA muito bem treinada. Cada uma no seu lugar.
“Disponibilidade, Preço e Segurança Distinguem a Bubble Cloud no Mercado”
Num mercado em constante inovação e cada vez mais dependente da tecnologia, novos aspectos do quotidiano ganham relevância.
A gestão e segurança dos dados tornaram-se questões centrais para empresas, instituições e governos. Para a Bubble Cloud Mozambique, são um compromisso diário
Texto & Fotografia • M4D
Em Moçambique, a Bubble surge como pioneira na disponibilização de uma “data resident cloud” — solução de armazenamento e processamento de dados em centros localizados no País, garantindo soberania digital e conformidade com a legislação nacional.
Criada em 2023, como resultado de um consórcio entre a Triana Business (tecnológica moçambicana) e a sul-africana Strategix, a Bubble Cloud Mozambique posiciona-se como alternativa local às grandes plataformas internacionais, respondendo a preocupações crescentes com privacidade, regulação e custos de investimento em TI.
Em entrevista à E&M, Cameron Smith, director de Desenvolvimento de Negócios da Bubble Cloud Mozambique, explica a estratégia da empresa, os desafios do sector e as oportunidades que se abrem para o futuro da cloud em Moçambique.
O que é a Bubble e como surgiu?
A Bubble é uma “data resident cloud”, formalmente constituída como Bubble Cloud Mozambique. A empresa nasceu há cerca de três anos como um consórcio entre a Triana, bastante reconhecida no mercado moçambicano pelas suas soluções de TI, e a sul-africana Strategix, especializada em gestão de cloud. Em 2023, formalizámos a criação da empresa e
começámos a instalar o equipamento em Maputo. Logo em Maio desse ano conquistámos os primeiros clientes e, desde então temos crescido consistentemente até que, em 2025, pretendemos activar o nosso segundo data center no País.
Qual é o principal diferencial da vossa oferta na cloud?
O nosso centro de dados está localizado em Moçambique, o que garante que todo o processamento e armazenamento decorrem dentro do território nacional, ao contrário da maioria das “clouds” internacionais, que funcionam em servidores no estrangeiro. É esta a nossa proposta de valor: oferecer a mesma flexibilidade das grandes plataformas globais, mas com dados residentes no País, tendo assim as questões da soberania dos dados devidamente acautelada. As outras vantagens estão na disponibilidade, escalabilidade e redução de custos, já que a capacidade que disponibilizamos é partilhada.
E qual a importância de ter uma “cloud” residente?
As principais questões são a soberania e a segurança dos dados. Se os servidores estão fora, os dados ficam sujeitos à legislação do país onde se encontram. Imagine, como exemplo, apenas, que os EUA decidem que todos os dados armazenados no país podem ser monitoriza-
dos pelos serviços de segurança. Isso iria expor informação de empresas moçambicanas sem o seu consentimento. Ter os dados em Moçambique significa que são apenas regulados pela lei moçambicana.
Mas a localização, por si só, garante a segurança dos dados?
Não apenas isso, porque a localização é apenas um elemento. O que garante a segurança é a combinação entre legislação, boas práticas de gestão de dados e cibersegurança. Na Europa, por exemplo, o Regulamento Geral de Protecção de Dados (RGPD) é considerado o padrão a seguir a nível mundial. Mais do que dizer que tecnologia usar, obriga as empresas a demonstrarem que pensaram de forma sistemática sobre os dados que recolhem, a sua relevância e a forma como os protegem. Além disso, a cibersegurança é crítica: limitar acessos internos apenas a quem precisa, usar redundâncias para garantir que o sistema nunca fica “off”, aplicar firewalls e cópias de segurança isoladas. A Bubble oferece todas estas ferramentas de base.
Que vantagens adicionais tem a vossa solução em relação à aquisição de servidores próprios, algo que muitas empresas ainda fazem?
A redundância é um bom exemplo. Na Bubble temos múltiplos equipamentos de cada tipo. Se um falha, outro assume automaticamente. Para um cliente individual, replicar esse nível de redundância seria caríssimo. Connosco, o cliente aluga um servidor virtual, que pode usar qualquer um dos vários servidores físicos disponíveis, garantindo que nunca fica sem serviço. Outro ponto importante
BUBBLE CLOUD MOZAMBIQUE
Criada em 2023 como resultado de um consórcio entre a moçambicana
Triana Business e a sul-africana Strategix
SECTOR
Tecnologia da Informação. (TI) – “data resident cloud”
SEDE Maputo
PROPOSTA DE VALOR
Armazenamento e processamento de dados dentro do território nacional. Redundância e alta disponibilidade para garantir que os sistemas nunca ficam inactivos. Cibersegurança integrada (firewalls, gestão de acessos, backups isolados).Modelo flexível de custos (OpEx): o cliente paga apenas pela capacidade utilizada, evitando investimentos em servidores próprios
PRINCIPAIS CLIENTES
Sector financeiro, Banca, Energia e Recursos Naturais.
DIFERENCIAL
“Cloud Residente”, combinando proximidade, segurança legal e técnica, e suporte local especializado.
CAMERON SMITH
Director de Desenvolvimento de Negócios da Bubble Cloud Mozambique
Menos Custos, Mais Flexíveis
Modelo “paga apenas o que usa”: sem investimentos pesados em servidores próprios. Libertação das empresas do ciclo de CapEx (troca de equipamentos a cada 5 anos).
Segurança e Conformidade
Cibersegurança integrada: “firewalls”, gestão de acessos, “backups” isolados. Inspiração no modelo europeu do RGPD para boas práticas de protecção de dados. Reduz risco de exposição em conflitos ou alterações legais externas.
AS
VANTAGENS DA “DATA RESIDENT CLOUD” EM MOÇAMBIQUE
Facilidade de Pagamento em Banco Local
Empresa com sede em Maputo e expansão prevista para a Matola. Equipa técnica no terreno, com conhecimento do contexto moçambicano.
Soberania e Localização dos Dados
Dados armazenados e processados em Moçambique, sujeitos apenas à legislação nacional. Alternativa às grandes “clouds” internacionais que operam em servidores no estrangeiro. Reduz risco de exposição em conflitos ou alterações legais externas.
é o modelo de investimento: em vez de gastar grandes montantes de cinco em cinco anos em novos servidores, o cliente paga apenas o que precisa de usar em cada mês. Se precisa de mais capacidade, aumenta; se deixa de precisar, reduz imediatamente os custos e isto traz competitividade às empresas.
Como tem sido a aceitação da Bubble Cloud no mercado?
Tivemos o primeiro cliente em Maio de 2024 e, desde então, temos adicionado novos clientes praticamente a cada dois meses. Já trabalhamos com sectores como os de energia, recursos naturais e finanças, incluindo a banca. O ciclo de vendas é longo, cerca de seis meses, porque quando falamos de adquirir este tipo de serviço estamos sempre a falar de uma decisão estratégica, mas a aceitação, digo-o, é cada vez maior.
Que desafios enfrentam no sector?
O maior desafio está na regulação. O Banco de Moçambique, por exemplo, ainda não estabeleceu critérios claros
“As principais questões são a soberania e a segurança dos dados. Se os servidores estão fora, estes ficam sujeitos à legislação do país onde se encontram”
para o uso de “clouds” por instituições financeiras reguladas. Isto gera insegurança e obriga cada banco a passar pelo seu próprio processo de conformidade, em vez de haver um enquadramento único, como acontece noutras jurisdições. Ao mesmo tempo, muitas empresas ainda não atingiram a sua plena maturidade digital e é para suprir esta necessidade que criámos um serviço de gestão dos servidores virtuais.
No entanto, acreditamos que isso só vem mostrar o enorme potencial de crescimento deste mercado.
Como vê o futuro da “cloud” em Moçambique?
Vejo um enorme espaço para crescimento. As empresas ainda não estão totalmente preparadas, mas a tendência é clara: a “cloud” permite reduzir custos, aumentar segurança e eliminar investimentos pesados em TI que não fazem parte do negócio principal das empresas. O nosso objectivo é simples: da próxima vez que alguém considerar comprar servidores, que pense também na opção Bubble. Muitas vezes, sai mais barato, mais seguro e mais eficiente. A Bubble posiciona-se como o primeiro grande operador de “data resident cloud”, em Moçambique, combinando localização nacional, segurança avançada, redundância e um modelo de custos flexível. Num contexto de incerteza económica, é uma proposta que pode transformar a forma como empresas e instituições gerem os seus dados no País.
moçambique digital
74 DIGITALIZAÇÃO
A Vodacom apresentou, na FACIM 2025, as potencialidades do seu novo Data Center Tier 3 bem como do cabo submarino que reforça a capacidade de serviço de banda larga no Norte do País, inovações que vêm reforçar a soberania digital e abrem caminho para a transformação tecnológica e económica de milhares de empresas nacionais.
notícias da inovação em Moçambique, África e no Mundo
Vodacom Quer Liderar
Transformação Digital Nas Empresas Moçambicanas
Na FACIM 2025, a Vodacom Moçambique apresentou o seu novo Data Center empresarial, que coloca o País na linha da frente da transformação digital na África Austral. A nova infra-estrutura revela a ambição da operadora em consolidar-se como pilar do desenvolvimento económico e tecnológico nacional
Texto & Fotografia M4D
Ainfra-estrutura crítica anunciada pela Vodacom na mais recente edição da FACIM responde às crescentes exigências de latência reduzida, continuidade operacional, governança de dados e conformidade regulatória, factores hoje indispensáveis para empresas e instituições que apostam na digitalização.
Segundo Marco Marques, director dos Serviços de Cloud e Data Center, que fez uma apresentação durante o evento, este novo centro representa “um passo decisivo na evolução da empresa, que evoluir de prestadora de serviços de telecomunicações para fornecedora de soluções digitais integradas”. A visão é partilhada por José Correia Mendes, Managing Executive da área de Enterprise Business da Vodacom Moçambique, que lidera a estratégia da operadora no apoio à maturidade digital do tecido económico moçambicano.
“Este é o caminho de evolução que estamos a percorrer, estar ao lado das empresas nacionais, seja de que dimensão for, naquilo que se pode dizer que é uma viragem do negócio que está a acontecer em todo o mundo, de Telco para Techcos”, assinala.
Localizado na Matola, o Vodacom Business Data Center possui certificação Tier 3, atribuída pelo Uptime Institute, garantindo um uptime superior
a 99,982%. A infra-estrutura opera com sistemas redundantes de energia, climatização e conectividade, e foi desenhada com base num modelo de escalabilidade modular, apto a servir desde instituições financeiras e operadores críticos de infra-estruturas até empresas de retalho, startups tecnológicas e serviços públicos.
Este centro permite que os clientes evitem investimentos elevados em salas técnicas próprias, beneficiando de alojamento seguro e fiável com redução de custos fixos, maior eficiência energética e segurança física e lógica de última geração.
A Vodacom integrou ainda zonas específicas para startups e empresas em fase de incubação, permitindo acesso a infra-estrutura de nível empresarial sem barreiras financeiras à entrada.
Cabo submarino aumenta conectividade e competitividade em todo o País
Outro marco importante da presença da Vodacom Moçambique na FACIM foi o anúncio da activação de um novo cabo submarino internacional e os investimentos contínuos na fibra óptica transfronteiriça. Com isto, a VM passa de compradora de capacidade internacional a fornecedor regional, servindo países como Maláui, Tanzânia, Zimbabué e Zâmbia. Esta decisão posiciona Moçambique como um hub de interligação regional, reduzindo a dependên-
Este serviço responde a uma necessidade real de liquidez imediata em situações do quotidiano como a compra de pão, gás ou combustível, com liquidação automática
cia externa e promovendo a soberania digital.
No âmbito das soluções empresariais, a operadora apresentou a sua tecnologia SD-WAN (Software Defined Wide Area Network), que permite às empresas com múltiplas localizações gerir as suas redes de forma inteligente, com ajustamento automático de tráfego, gestão centralizada, encriptação ponta-a-ponta e integração com serviços em cloud.
A solução melhora o desempenho de aplicações críticas, reduz custos operacionais e assegura a continuidade dos serviços, mesmo em ambientes de conectividade instável.
INCLUSÃO FINANCEIRA
Complementarmente, o serviço Txova marcou a inovação no segmento de inclusão financeira. Também apresentado na FACIM, trata-se do primeiro serviço de crédito automático sobre saldo M-Pesa, que permite a realização de transacções mesmo sem fundos disponíveis, através de um limite pré-aprovado.
Este serviço responde a uma necessidade real de liquidez imediata em situações do quotidiano como a compra de pão, gás ou combustível, com liquidação automática e transparente, fomentando o uso contínuo do ecossistema digital de pagamentos móveis. Com este portfólio de soluções
tecnológicas, a Vodacom demonstra a sua ambição em tornar-se o parceiro principal da transformação digital de Moçambique. A operadora entrega agora ao mercado não apenas conectividade, mas uma infraestrutura robusta, resiliente, segura e pensada para a economia digital emergente.
“Queremos que os nossos clientes se concentrem no que sabem fazer: crescer. Da nossa parte, garantimos que a infra-estrutura e a tecnologia estarão sempre à altura”, afirmou Marco Marques, sublinhando o papel que a Vodacom pretende desempenhar no desenvolvimento económico e digital do País.
INOVAÇÃO
Governo Electrónico: há Esperança Numa Via Sem Filas
Tratar
de documentos civis
perdido
pode ser sinónimo
de
longas filas e tempo
em diferentes instituições. Um engenheiro moçambicano está entre aqueles que trabalham para integrar tudo numa única plataforma acessível via Internet
AE&M conversou com o engenheiro moçambicano Elton Sixpence, docente e director de Programas de Graduação no Instituto Superior de Transportes e Comunicações (ISUTC), Maputo, que propôs a interoperabilidade entre instituições do Governo como tema de investigação para o seu doutoramento. Elton Sixpence formou-se em Engenharia Informática e de Computadores no Instituto Superior Técnico de Lisboa (IST), com o trabalho intitulado “E-Government Interoperability Enterprise Architecture: Systematic Literature Review” – em português: “Arquitectura Empresarial de Interoperabilidade de um Governo Electrónico: Revisão Sistemática da Literatura”. O objectivo é introduzir a interligação entre sistemas informáticos do Estado, permitindo que os dados de cada cidadão possam ser partilhados, em tempo real, entre diferentes instituições públicas. A escolha do tema nasceu da frustração partilha-
da por muitos moçambicanos: a repetição exaustiva de burocracias nos serviços públicos. “Escolhi este tema porque eu próprio já tinha passado por esse calvário de ter de fornecer os meus dados vezes sem conta”, relata Sixpence. A ausência de interoperabilidade, ou seja, a incapacidade de os sistemas do Estado “falarem entre si”, está na raiz do problema.
Simplificar processos e partilhar informação
Na prática, o trabalho propõe que processos como o registo de nascimento, atribuição do NUIT (Número Único de Identificação Tributária), emissão do Bilhete de Identidade (BI), Passaporte e outros documentos deixem de funcionar de forma isolada, passando a operar de maneira integrada, como já acontece há 17 anos em Portugal (desde que foi criado o Cartão de Cidadão), por exemplo. Isso evitaria repetições, burocracia desnecessária e permitiria alcançar uma maior eficiência. Imaginemos um cenário, semelhante ao
REFLEXO DE UMA TENDÊNCIA GLOBAL
A interoperabilidade entre os sistemas governamentais é uma tendência global que visa simplificar o acesso do cidadão a serviços públicos, reduzir a burocracia e aumentar a eficiência administrativa.
A Estónia é considerada líder mundial, com um sistema onde quase todos os serviços públicos podem ser acedidos online e o cidadão só fornece a mesma informação uma vez.
Portugal implementou uma plataforma de interoperabilidade da administração pública, que permite a troca automática
de dados entre diferentes Ministérios e organismos. Em África, Ruanda e Quénia têm apostado fortemente na digitalização e integração de serviços, criando portais únicos para documentos e licenças, o que melhorou a transparência e reduziu custos. Organismos internacionais como o Banco Mundial, a ONU e a OCDE reconhecem a interoperabilidade como elemento central para a modernização do Estado e para o cumprimento dos Objectivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).
que já acontece em vários países: “Quando uma mulher grávida dá entrada no hospital, ela é registada como estando prestes a dar à luz um novo cidadão. Assim que o bebé nasce, esse evento é imediatamente registado e fica acessível a toda a administração pública. Ao tratar a certidão de nascimento, os serviços simplesmente puxam essa informação do hospital.
O mesmo vai acontecer com o BI, o NUIT, o passaporte e a segurança social. Todas as instituições acedem ao mesmo registo, tratando aquele cidadão como uma entidade única e centralizada. À medida que a pessoa cresce, pode casar-se, mudar de residência e todas as bases de dados são automaticamente actualizadas, garantindo informação correcta e acessível sobre a sua identificação ao longo da vida”, explica.
Uma questão de organização e vontade
Para Sixpence, um recém-nascido poderia sair do hospital com o registo civil feito, com o NUIT atribuído e ligado automaticamente ao sistema de saúde. É uma questão de organização e decisão política.
“Este modelo, além de reduzir custos administrativos, combate a falsificação de documentos, melhora a eficiência dos serviços públicos e simplifica a vida do cidadão. Outra aplicação relevante seria a unificação de documentos como BI, NUIT, carta de condução e cartão de eleitor num único cartão digital, armazenando toda a informação de forma centralizada e segura”, explica o engenheiro.
Obstáculos actuais e possíveis soluções
Apesar do potencial, a implementação enfrenta barreiras. Sixpence destaca o facto de grande parte dos sistemas informáticos
Texto Ana Mangana • Fotografia D.R.
ELTON SIXPENCE
Engenheiro informático e de telecomunicações e director de Programas de Graduação no ISUTC
das instituições governamentais ter sido adquirida através de financiamento externo, por doações ou créditos de parceiros como o Banco Mundial. “Isso cria uma dependência que compromete a manutenção contínua. O sistema é instalado, mas não se garante a sua manutenção”, alerta. Para superar este desafio, sugere o modelo “utente-pagador”, em que o cidadão paga um valor simbólico pelo serviço digital, aliado a parcerias com o sector privado. As empresas poderiam investir no desenvolvimento e operação de sistemas digitais em troca de uma concessão temporária, recuperando o investimento através de pequenas comissões sobre cada serviço prestado. Esta abordagem poderia gerar empregos para jovens programadores e técnicos, dinamizar o sector privado e aumentar a transparência dos processos. Outro entrave é a falta de formação especializada em engenharia de sistemas de informação. “Para avançar com sucesso, é essencial que a Presidência, os Ministérios e grandes instituições públicas contem com assessores dedicados à área das tecnologias de informação e comunicação (TIC), capazes de pensar estrategicamente, analisar alternativas e propor soluções tecnicamente viáveis”, defende.
Sinais positivos para um projecto exequível
Apesar dos obstáculos, Sixpence vê sinais positivos, como a criação do Mi-
É engenheiro informático e director de Programas de Graduação no ISUTC, onde dirige cursos de licenciatura com maior predominância na área das engenharias.
É doutorado em Engenharia Informática e de Computadores pelo Instituto Superior Técnico de Lisboa (IST), diplomado em Sistemas de Informação - com especialização em Engenharia Empresarial - pelo IST, mestre em Engenharia de Redes e Sistemas de Comunicação pelo ISUTC e IST e licenciado em Engenharia Informática e de Telecomunicações pelo ISUTC.
Tem uma vasta experiência em gestão de sistemas de informação, com o registo de direcção de vários projectos ao longo dos seus 17 anos de experiência profissional.
Possui também experiência de ensino universitário, tendo leccionado várias disciplinas na área das engenharias, em Moçambique e Portugal. É membro da Ordem dos Engenheiros de Moçambique, onde actualmente desempenha a função de presidente do Colégio de Informática e Computadores.
nistério da Comunicação e Digitalização, que “mostra vontade política para avançar nesta agenda. O caminho passa por formar quadros qualificados, criar um ambiente regulatório favorável e mudar a cultura institucional, promovendo
Processos como o registo de nascimento, a atribuição do NUIT, a emissão do Bilhete de Identidade, Passaporte, entre outros documentos, deixariam de
funcionar de forma isolada, passando a operar de maneira integrada
confiança em modelos inovadores e sustentáveis de desenvolvimento digital.”
Os sectores considerados prioritários para a implementação seriam a Justiça, Saúde, Educação, Finanças e Identificação Civil, onde a duplicação de registos e a falta de interoperabilidade são mais evidentes. A integração destes sistemas traria benefícios sociais, económicos e políticos significativos. “Este não é um projecto utópico. É exequível e traria um enorme impacto social, económico e político para o País”, garante o engenheiro.
A pertinência do trabalho de doutoramento de Elton Sixpence foi assinalada na 32.ª Conferência Internacional de Desenvolvimento de Sistemas de Informação (ISD 2024), realizada em Sopot, Polónia. A revisão sistemática de abordagens de interoperabilidade que propõe, a par do uso de ferramentas empresariais para guiar a transformação digital no sector público, oferecem um ponto de partida.
“O cidadão moçambicano deve ser visto como uma única entidade no seio da administração pública, independentemente de quantos sistemas estejam envolvidos. Isso poupa tempo, reduz custos administrativos e melhora a qualidade dos serviços públicos. Temos as condições para implementar este modelo, desde que exista investimento estratégico em infra-estrutura digital, capacitação técnica e vontade política”.
ELTON SIXPENCE
Inovação
Cientistas Conseguem
Detectar e Processar
Sabores em Líquidos
Um estudo realizado por investigadores da Academia Chinesa de Ciências (CAS) e da Universidade de Tecnologia de Shandong, na China, apresentou a primeira língua artificial capaz de detectar e processar sabores em líquidos.
De acordo com o site Canaltech, o protótipo foi construído com membranas de óxido de grafeno (folhas ultrafinas de carbono que actuam como filtros moleculares), que permitem a passagem de iões, retardando o seu movimento 500 vezes. Este processamento prolongado é essencial para que o sistema “se lembre” e reconheça padrões de sabor, com memórias que duram cerca de 140 segundos.
A língua artificial identifica quatro sabores básicos: doce, azedo, salgado e amargo, alcançando uma precisão de 72,5% a 87,5%. Para bebidas mais complexas, como café e refrigerantes, a taxa atingiu uns impressionantes 96%.
As aplicações potenciais são vastas. Na área médica, podem vir a ajudar na detecção precoce de doenças através da análise química de fluidos corporais, assim como ajudar pacientes que perderam o paladar devido a distúrbios neurológicos ou acidentes vasculares cerebrais. Na indústria alimentar, perspectiva-se o controlo de qualidade, garantindo maior segurança em bebidas e alimentos. Há também ideias de utilização na supervisão ambiental, sinalizando mudanças que indicam contaminação de águas.
Desastres naturais
Dois
Adolescentes Criam Sistema de Alerta de Cheias
Dois adolescentes de Nicoadala, Edson Mário e José Xavier, estudantes do 12.º ano na Escola Secundária Geral de Nicoadala, desenvolveram um projecto de alerta para cheias. O sistema utiliza baterias, pequenos transformadores e uma campainha de bicicleta que serve de alarme. Quando determinado nível num reservatório é alcançado, o sistema é activado e é lançado um alerta para transbordo iminente. A ideia chamou a atenção do Governo, que prometeu financiar o projecto para aplicação em diversas localidades dos distritos de Nicoadala e Namacurra.
Formação Docente Moçambicano Torna-se no Primeiro Google Trainer
Licenciado em Informática pela UEM, pós-graduado em Design Educacional pela UNIFAHE Brasil, Bacelar Bacela tornou-se oficialmente no primeiro cidadão nacional a obter as certificações da Google na área da educação (Google Certified Trainer, Google Certified Coach e Google Certified Educator), reconhecendo o seu contributo para a pro-
Educação
moção de uma educação mais inclusiva e acessível. Com vasta experiência de ensino, Bacela lidera, há mais de duas décadas, projectos de capacitação tecnológica com impacto directo sobre mais de 20 mil professores e milhares de estudantes em Moçambique, no Brasil e em Marrocos. Entre as inovações que apresenta no seu currículo, destacam-se o projecto Escola Virtual de Moçambique, a plataforma Bacela Aulas e o movimento Programar Moçambique, com foco no ensino de programação desde os primeiros anos de escolaridade.
Este ano, Bacelar Bacela lançou o projecto Segundo Cérebro, focado em “coaching” com recurso a inteligência artificial para diferentes sectores – a par do primeiro programa de “coaching” de IA para advogados e profissionais de direito em Moçambique.
Empresa Lança Caderno Que Transforma Apontamentos
Descrito como um caderno com “superpoderes”, o Wise Book, da Firmo, é uma aplicação educativa, com inteligência artificial integrada, que funciona como uma espécie de tutor virtual, permitindo, por exemplo, transformar apontamentos em explicações personalizadas.
Segundo a Firmo, empresa portuguesa responsável pela inovação, citada pelo portal Sapo, o Wise Book foi desenvolvido com tecnologia própria e surge numa altura em que “aprender exige novas respostas”, cruzando a escrita manual com o mundo digital, mas sem abandonar totalmente o papel.
A “app” que acompanha o caderno, disponível para Android e iOS, permite digitalizar anotações, reconhecen-
do a escrita manual e transformando os apontamentos num conteúdo digital.
A partir daí, é possível gerar resumos automáticos, “flashcards” (pequenas fichas ou cartões digitais usados para estudo, onde um lado contém uma pergunta ou termo, e o outro contém a resposta ou definição) e passatempos interactivos, mas também interagir com um tutor virtual, por texto ou por voz, que responde a dúvidas com base nos conteúdos reais das aulas, indica a marca.
A IA do Wise Book aprende com os hábitos de estudo de cada utilizador para personalizar a experiência de aprendizagem. Além do caderno físico, o pacote inclui acesso à “app” tutor.
O Parque Nacional de Maputo permite contacto directo com a natureza a cerca de uma hora de viagem da capital
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ESCAPE
Parque Nacional de Maputo
Uma jóia turística que acabou de entrar na lista de património mundial da ONU
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VOLANTE
Volvo XC90
Afinal, a marca vai lançar uma nova geração do modelo icónico, com motorização híbrida
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ADEGA Nederburg
Sauvignon Blanc
A versatilidade deste vinho sul-africano faz dele uma escolha certeira
86
DIÁSPORA
Gerúsio Matonse
À escuta do “podcast” do treinador de natação e gestor desportivo na Nova Zelândia
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AGENDA Setembro
Vamos descobrir tudo o que não se pode perder na agenda cultural (e não só) que aí vem
PARQUE NACIONAL DE MAPUTO
Um destino turístico que, desde Julho, faz parte do património mundial da Organização das Nações Unidas
Parque Nacional de Maputo:
O PARQUE NACIONAL DE
MAPUTO (PNAM), uma das maiores áreas de conservação do País, está a consolidar-se como destino turístico de referência, combinando ecossistemas terrestres e marinhos num espaço de biodiversidade única. Criado oficialmente em 2021, o PNAM resulta da fusão entre a antiga Reserva Especial de Maputo e a Reserva Marinha Parcial da Ponta do Ouro. De tal forma, que tem sido promovido como o espaço onde as baleias (e outras espécies marinhas) se “encontram” com os elefantes (assim como com outras inúmeras espécies terrestres). Em Julho, passou a integrar a lista de Património Mundial da Organização das Nações Unidas.
Com 1718 quilómetros quadrados (1040 em terra e 678 do oceano Índico), alberga uma rica diversidade
Um Santuário de Biodiversidade
de habitats, que vão desde as florestas de dunas, mangais e pântanos de água doce, até uma costa de 80 quilómetros com recifes de coral, leitos de ervas marinhas e praias imaculadas. A fauna é igualmente diversificada, destacando-se espécies ameaçadas como a tartaruga-de-couro e a tartaruga-cabeçuda, além de elefantes, hipopótamos, girafas, gnus, zebras e dezenas de espécies de aves.
Hélsio Azevedo, técnico de turismo do parque, explica que “a missão principal é conservar a fauna, a flora e as paisagens, tanto na componente terrestre como na marinha, com foco especial na protecção das tartarugas e dos elefantes.” Segundo o responsável, os esforços de repovoamento já estão a dar frutos, com o au-
Entre a Terra e o Mar
mento visível da diversidade e do número de espécies. O Parque Nacional de Maputo tem como mandato a protecção da fauna, flora e paisagem que o compõem, desde as tartarugas marinhas que desovam ao longo da costa até aos elefantes que vagueiam pelas planícies e florestas.
Actividades para visitantes
O Parque Nacional de Maputo oferece experiências variadas para visitantes nacionais e estrangeiros. Os safáris em viaturas 4x4 são uma das principais atracções. Estes passeios têm duração variável – entre três e oito horas – e permitem a observação de animais em estado selvagem e de paisagens preservadas.
Na zona marinha, os visitantes podem recorrer a operadores parceiros para realizar passeios oceânicos e actividades como mergulho, snorkeling e pesca desportiva. “Há a possibilidade de avistar golfinhos, baleias, tartarugas e até tubarões-baleia nos recifes de coral, a profundidades até 30 metros”, afirma Azevedo.
Oferta de alojamento diversificada
Com uma crescente procura por parte de ecoturismo, o parque conta com uma oferta de alojamento que combina conforto e imersão na natureza. O Milibangalala Resort, por exemplo, oferece 16 unidades (“bungalows”) de luxo com vista para o mar, piscina e restaurante. Já o Membene Lodge, localizado na floresta costeira, possui uma variedade de chalés e um restaurante, além de uma área de campismo com chuveiros quentes, casas de banho privadas e pontos de energia.
de elefantes a circular pelo parque
O Anvil Bay, na Ponta Chemucane, é um “ecolod-
Família
ge” de luxo com dez unidades sobre estacas de madeira, integradas na floresta de dunas e com acesso exclusivo à praia. Segundo a direcção do parque, estas opções respondem tanto a perfis aventureiros como a turistas em busca de descanso em plena natureza.
Campismo e trilhos todo-o-terreno
Para os mais aventureiros, o PNAM oferece uma rede de parques de campismo distribuídos ao longo de cinco trilhos 4x4. Estes espaços, sem água, nem electricidade, estão equipados com sanitários ecológicos e zonas de churrasco. A capacidade média é de seis viaturas por local.
Destacam-se os parques da Planície dos Elefantes (a sete quilómetros do portão de entrada), da Lagoa Nela, os parques Futi Norte e Sul e o Miradouro dos Changos, de onde se pode avistar uma vasta variedade de fauna, incluindo manadas de elefantes, búfalos, gnus e hipopótamos. O preço por noite ronda os 400 meticais por espaço.
Outro ponto de interesse é o acampamento junto à Lagoa Xinguti, no coração do parque, que oferece tranquilidade e paisagens privilegiadas, ideais para a observação de aves e contacto directo com a natureza.
Temporada alta e acesso O parque está aberto durante todo o ano, embora o fluxo de visitantes seja mais acentuado entre Setembro e Janeiro e na época da Páscoa, especialmente com turistas oriundos da África do Sul. A ausência de restrições sazonais torna o PNAM um destino acessível em qualquer altura.
O Parque Nacional de Maputo tem como mandato a protecção da fauna, flora e paisagem, desde as tartarugas marinhas que desovam ao longo da costa até aos elefantes que vagueiam pelas planícies e florestas
Texto Ana Mangana
Fotografia Istock Photo
Safari em carros todo-o-terreno
Os visitantes podem relaxar no Milibangalala Resort
A terceira geração do XC90 será construída sobre uma nova arquitectura
Volvo XC90: Nova Geração Vai
A VOLVO confirmou que o emblemático XC90, um dos modelos icónicos da marca sueca nas últimas duas décadas, terá direito a uma nova (e terceira) geração. A decisão, que contraria os planos iniciais de substituir o modelo pelo EX90 totalmente eléctrico, reflecte uma mudança estratégica por parte da fabricante, que reconhece a necessidade de manter no seu portefólio soluções híbridas para responder à realidade de diferentes mercados.
Apesar da chegada do EX90, que foi até apontado como o substituto natural do XC90, a Volvo decidiu manter o SUV em linha com uma nova geração. A revelação foi feita por Håkan Samuelsson, director executivo da marca, durante a apresentação dos resultados financeiros do segundo trimestre: “Vamos precisar de um novo XC90”, afirmou perante investidores, salientando que ainda existe uma forte procura por veículos com motor de com-
‘Conviver’ com o
bustão, sobretudo híbridos “plug-in”.
Samuelsson justificou a decisão com as limitações de infra-estrutura de abastecimento eléctrico em muitos países e a resistência de alguns consumidores em adoptar, para já, veículos 100% eléctricos. A estratégia passa por manter o equilíbrio entre o novo EX90 eléctrico e um renovado XC90 híbrido, permitindo à Volvo responder de forma mais abrangente às necessidades do mercado.
Nova plataforma e mais autonomia
A terceira geração do XC90 será construída sobre uma nova arquitectura, distinta da actual SPA (Scalable Product Architecture) e da SPA2 utilizada no EX90. O novo modelo estreará a plataforma Scalable Modular Architecture (SMA), a mesma empregue no XC70 fabricado na China. Esta base, desen-
O EX90 continuará a ser a aposta 100% eléctrica da marca, enquanto o novo XC90 surgirá como uma alternativa híbrida de longo alcance
EX90 100% eléctrico
volvida pela Geely, permitirá reduzir os custos de produção, além de oferecer maior flexibilidade no desenvolvimento de sistemas de propulsão electrificados. Entre os principais destaques está a promessa de maior autonomia em modo 100% eléctrico. Prevê-se que o novo XC90 venha equipado com uma bateria de 40 kWh, capaz de garantir até 200 quilómetros de autonomia segundo o ciclo CLTC.
A actual geração mantém-se competitiva Enquanto não chega a nova geração, o XC90 actual continua a apresentar argumentos de peso. A versão híbrida plug-in combina um motor 2.0 turbo a gasolina com um motor eléctrico, oferecendo uma potência combinada de 462 cv e 72,3 mkgf de binário. Em termos de performance, acelera dos 0 aos 100 km/h em 5,3 segundos e atinge uma velocidade máxima de 180 km/h.
Texto Ana Mangana Fotografia D.R
No universo dos vinhos brancos, o Sauvignon Blanc é um dos rótulos Nederburg mais exportados, presente em mercados exigentes como o Reino Unido e a Alemanha
Nederburg Sauvignon Blanc:
NEDERBURG É A VINÍCOLA mais condecorada da África do Sul, contando com distinções em concursos como o Michelangelo International Wine & Spirits Awards, o Veritas Awards e o Platter’s Wine Guide. O crescente sucesso como marca global de estilo de vida é resultado de uma estrutura que inclui permanente pesquisa e implementação de técnicas pioneiras de viticultura, uvas de altíssima qualidade, um grande investimento em instalações para produção de vinho e uma rede internacional de distribuição e marketing. No universo dos vinhos brancos, o Sauvignon Blanc é um dos rótulos mais exportados, presente em mercados exigentes como o Reino Unido e a Alemanha. Destaca-se como uma opção acessível, refrescante e cheia de personalidade. Com raízes profundas em Paarl, na região de Western Cape, esta marca histórica, fundada em 1791, tem conquistado paladares pelo mundo, incluindo em Moçambique.
A sedução de um sauvignon blanc
Este vinho é produzido a partir de uvas 100% sauvignon blanc, conhecidas pela sua acidez e frescor. No nariz, esta casta revela uma explosão de aromas cítricos, como lima e toranja, acompanhados por notas tropicais de maracujá e abacaxi. Há ainda um toque herbáceo, lembrando folhas verdes frescas, o que lhe confere complexidade e vivacidade. Ao paladar, é seco, leve a médio corpo, com uma acidez alta que refresca a boca e convida ao próximo gole. O final é limpo, frutado e persistente, ideal para quem aprecia vinhos
Um Vinho Para os Dias de Sol
brancos jovens, vibrantes e descomplicados.
Harmonia perfeita à mesa
Versátil e fácil de harmonizar, o Nederburg Sauvignon Blanc acompanha com excelência pratos leves e frescos. Combina especialmente bem com frutos do mar grelhados, peixes brancos, saladas e até pratos da cozinha asiática. Também brilha sozinho, como aperitivo em dias quentes, servido fresco, entre 7 e 10 graus de temperatura.
Qualidade que cabe no bolso
Apesar da qualidade reconhecida, o Nederburg Sau-
vignon Blanc mantém um excelente custo-benefício. Pode ser encontrado com relativa facilidade em supermercados e lojas especializadas, com preços que variam entre 500 e 1200 meticais, dependendo do ponto de venda e do ano de colheita.
Trata-se de uma escolha segura para quem procura um vinho branco, refrescante, ideal para o Verão e para acompanhar bons momentos à mesa. Se ainda não provou, talvez este seja o vinho certo para brindar no próximo fim de tarde.
Texto Ana Mangana Fotografia D.R
Versátil e fácil de harmonizar, o Nederburg Sauvignon Blanc acompanha com excelência pratos leves e frescos.
ADEGA
Champagne Blanc de Blancs 2014
Se pudesse, Gerúsio abriria escolas de natação em várias províncias de Moçambique. Num país costeiro, considera “inaceitável” que ainda ocorram mortes por afogamento devido à falta de formação básica
MOÇAMBICANOS PELO MUNDO
Gerúsio Matonse é treinador de natação
moçambicano.
Reside na Nova Zelândia desde 2016
GERÚSIO MATONSE
Moçambicano reconhecido em Wellington, capital neozelandesa
AOS OLHOS DE MUITOS, a natação em Moçambique ainda é um desporto secundário. Mas para Gerúsio Matonse foi o ponto de partida de uma jornada que o levaria a atravessar continentes, construir pontes culturais e torná-lo, mesmo sem um cargo oficial, um verdadeiro “embaixador” moçambicano na diáspora. Agora, a residir na Nova Zelândia, é treinador de natação e uma voz activa sobre o papel dos moçambicanos fora do País.
Tudo começou por influência dos pais. Preocupados com a segurança dos filhos, decidiram inscrevê-los em aulas de natação no Clube Ferroviário de Maputo. Gerúsio, ainda criança, mergulhou pela primeira vez sem imaginar que aquele gesto inocente o levaria a uma vida dedicada ao desporto. O irmão também nadava, mas foi Gerúsio quem transformou o passatempo numa missão.
O início de uma vida de natação
A vida em Maputo era, segundo o atleta, bastante equilibrada. Estudava de manhã e treinava à tarde - ou vice-versa, dependendo do horário es-
O Mergulho de Gerúsio Matonse nas Águas
colar. A natação, mais do que exercício físico, tornou-se numa escola de disciplina. Gerúsio aprendeu desde criança a gerir o tempo, uma competência que o acompanharia para o resto da vida. “Não era nada fora do comum”, recorda com naturalidade. Ingressou no Ferroviário de Maputo em 1992. Mais tarde, entre 2007 e 2008, já adulto, entrou para o Clube Tubarões. Enquanto o primeiro era um local para treino pessoal e atlético, o segundo servia para exercer liderança. No Ferroviário, Matonse cresceu como atleta entre amigos e através da aprendizagem; no Tubarões, já treinado, acolheu e orientou jogadores mais jovens. “No Tubarões, eu era o mais velho.” O auge competitivo ocorreu entre meados da década de 1990 e 2006. Foi uma fase marcante para o desporto moçambicano, em que o Fer-
rivalizou com o Desportivo e, mais tarde, com o Golfinhos.
A mudança para a Nova Zelândia
Em 2016, aos 31 anos, Gerúsio decidiu dar um novo passo: emigrou para a Nova Zelândia, motivado por uma oferta de emprego para a qual estava qualificado. Já havia estudado na África do Sul e no Reino Unido, onde concluiu o mestrado em Gestão Desportiva Internacional na Northumbria University, em Newcastle, o que facilitou o processo de adaptação. A decisão foi tomada em conjunto com a mulher, que também queria experimentar a vida no estrangeiro. “Foi a realização de um sonho partilhado”, afirma.
da Nova Zelândia
Na Nova Zelândia, o desafio não era a língua ou a cultura, mas sim o esforço constante para melhorar. Foi escolhido como treinador no clube Otumoetai (agora designado Evolution Aquatics) e começou a trabalhar com as equipas juvenis.
Desde então, não parou mais. Hoje, Matonse é o treinador principal de um clube da capital, Wellington, onde está há dois anos. Trabalha com equipas juvenis e adultas e diz ter um compromisso com a excelência.
Um contexto de rigor e empenho
“Aqui, as piscinas são todas cobertas, aquecidas e os treinos continuam, inde-
roviário
pendentemente da meteorologia. O calendário é rigorosamente cumprido. Não há cancelamentos por falta de fundos ou patrocínios”, explica.
Mas o que mais o impressiona no sistema neozelandês é o modelo voluntário. “A natação funciona porque há pessoas apaixonadas que doam o seu tempo: pais, ex-atletas, membros da comunidade. Ninguém é remunerado nas federações ou clubes. É outro nível de envolvimento”, enfatiza.
As entrevistas que juntam a diáspora Apesar da sua vida estável no estrangeiro, Gerúsio nunca cortou o cordão umbilical com Moçambique. A certa altura, o treinador abordou a Federação Moçambicana de Natação, oferecendo-se para colaborar remotamente. Queria partilhar a sua experiência, conhecimento e até apoiar delegações que viaja-
vam para torneios nas proximidades. Nunca recebeu resposta. “Havia uma falta de vontade de aproveitar aqueles que estão no estrangeiro.”
Dessa frustração, nasceu uma ideia. E se ele pudesse conhecer a realidade de outros moçambicanos na diáspora? A pergunta deu origem ao programa Moçambicanos na Diáspora, lançado em 2018, na Internet (um “podcast”). Ao longo de dezenas de gravações, Gerúsio entrevistou compatriotas em vários cantos do mundo. As histórias são diversas, humanas, algumas surpreendentes. “Cada pessoa traz uma perspectiva. Aprendi com todas elas”, afirma.
O programa parece ter sido bem recebido. Muitos convidados ofereceram-se voluntariamente, outros enviaram mensagens. “Havia pessoas que nunca imaginei que o ouviriam e disseram: ‘gosto do seu podcast, continue assim’.”
Embora Matonse não grave novos episódios há cerca de dois anos, a página ainda está disponível - como um valioso arquivo da experiência moçambicana além-fronteiras. Gerúsio acredita que iniciativas como esta fortalecem os laços da diáspora.
Representar Moçambique no mundo Ser moçambicano no estrangeiro “significa ser um embaixador. Significa sentir a responsabilidade de falar sobre o País, de promover Moçambique, especialmente quando muitas pessoas nunca ouviram falar dele”, diz Gerúsio. Se pudesse contribuir para um projecto, diz que criaria escolas de natação em várias províncias. O atleta acredita que, num país costeiro, o facto de ainda ocorrerem mortes por afogamento devido à falta de formação básica é “inaceitável”. “Devíamos ter mais escolas, mais pessoas que saibam nadar. Isso po-
de salvar vidas.” Apaixonado por desporto, colaborou com equipas noutras modalidades, na Nova Zelândia, como críquete, futsal e futebol. Chegou mesmo a trabalhar na recolha de dados estatísticos para clubes profissionais. Mas a natação continua a dominar o seu coração. “Sempre que surge algo relacionado com desporto, eu aceito. É a minha paixão.”
Gerúsio possui mais de 15 anos de experiência como treinador de natação (em competição) de diferentes faixas etárias. Preparou atletas que passaram a representar os seus respectivos países a nível continental, em 2002 e 2009 nos jogos da Commonwealth Manchester, Reino Unido, no Intercambio Cultural Desportivo nos Jogos Olímpicos de Atenas, Grécia (2004), participou dos Jogos Islâmicos, e marcou presença, por duas vezes, nas etapas da Taça do Mundo da FINA em Durban 2005 e 2006, bem como no Mundial de Natação da FINA em Roma, Itália (2009). O atleta também liderou e formou equipas de treinadores e professores. O objectivo é melhorar, sempre, como refere numa mensagem para as novas gerações: “Façam melhor do que nós. Sempre que a nova geração ultrapassa a anterior, é um progresso.”
Conselho para quem quer emigrar
Após sete anos fora, Gerúsio regressou a Maputo, em 2023. Foi uma visita emocionante, um reencontro com o Bairro Central, onde cresceu, destaca à E&M.
Para aqueles que sonham emigrar, Matonse oferece alguns conselhos práticos: “Informe-se. Encontre pessoas que já vivem nesses países, faça perguntas, entre em contacto. Gostaria de ter tido alguém com quem conversar” antes de viajar para a Nova Zelândia, mas “hoje em dia é mais fácil. Há sempre alguém que conhece alguém.”
Texto Germano Ndlovo
Ténis nos EUA, novas séries e uma nota cultural AGENDA SETEMBRO
O ESPECTACULAR E SEMPRE carismático US Open, nos EUA, começa no final de Agosto, mas é sempre na primeira semana de Setembro que ganha o máximo esplendor, com os melhores tenistas do mundo a gladiarem-se por um lugar na final. Este ano, com um prémio recorde de 90 milhões de dólares, o último Grand Slam da época será épico.
Setembro será um mês marcante para o continente africano, com destaque para a Feira Comercial Intra-Africana 2025 (IATF2025), que promete impulsionar o
TÉNIS
US Open 2025 USTA Billie Jean King National Tennis Center, Nova Iorque, EUA De 24 de Agosto a 7 de Setembro usopen.org
Será a 145.ª edição do torneio e o último Grand Slam da temporada. E termina em grande, com o prémio de 90 milhões de dólares, o maior de sempre na história da modalidade. O torneio dos torneios conta também com novidades: o novo formato para duplas mistas, disputado em dois dias, com estrelas como Carlos Alcaraz, Iga Swiatek e Emma Raducanu.
ECONOMIA
INVESTIMENTO
Feira Comercial Intra-Africana 2025 (IATF 2025)
Argel, Argélia
De 4 a 10 de Setembro de 2025 2025.iatf.africa/newfront
É considerada a maior plataforma de comércio e investimento do continente africano. A IATF 2025 visa impulsionar o comércio e investimento intra-africano, com a participação de mais de 35 mil visitantes de 140 países, 1600 expositores e a expectativa de gerar mais de 44 mil milhões de dólares em negócios.
A IATF 2025 é organizada pelo Afreximbank em colaboração com a Comissão da União Africana e o Secretariado da Zona de Livre Comércio Continental Africana (AfCFTA).
O Que Não Pode (Mesmo)
comércio e os investimentos regionais. O certame vai decorrer em Argel, são esperados mais de 35 mil visitantes de 140 países, 1600 expositores e o objectivo é gerar mais de 44 mil milhões de dólares em negócios.
Na cidade de Nairóbi, no Quénia, vai realizar-se a Africa Traveltech Summit & Expo (ATTSE) 2025. Reconhecida pelo seu valor prático e estratégico, a ATTSE 2025 visa acelerar a evolução do sector de viagens e turismo no continente afri-
TURISMO / TECH
Africa Traveltech Summit & Expo (ATTSE) 2025
Nairóbi , Quénia
De 29 a 30 de Setembro africatraveltech.com
Reconhecida pelo seu valor prático e estratégico, a ATTSE 2025 visa acelerar a evolução do sector de viagens e turismo em África, através da inovação tecnológica e contará com a presença de mais de 500 profissionais do sector.
Trata-se de um fórum essencial para aprendizagem, reuniões e inovação, um evento que contará com o lançamento da Africa Traveltech Association (ATA).
cano, através da inovação tecnológica e contando com a presença de mais de 500 profissionais do sector. No mundo do streaming, destaque para a estreia da quarta temporada da série “The Morning Show”, com as inconfundíveis Reese Witherspoon e Jennifer Aniston a dar vida às jornalistas Alex e Bradley, respectivamente.
Texto Luís Patraquim
STREAMING
The Morning Show (T4) Apple TV+ 17 de Setembro
É a muito aguardada quarta temporada da série protagonizada por Reese Witherspoon e Jennifer Aniston, que dão vida às jornalistas Alex e Bradley, respectivamente. Neste drama, acompanhamos as vidas, dificuldades e rituais diários da equipa de um canal de televisão responsável por dar as primeiras notícias do dia aos norte-americanos.
A nova temporada arranca na Primavera de 2024, quase dois anos depois dos eventos da terceira temporada. Com a fusão da UBA-NBN completa, a equipa tem de lidar com novas responsabilidades, motivos ocultos e a natureza esquiva da verdade numa América polarizada.
Perder em Setembro
LITERATURA
Entre Armas e Memória: Gonçalo Mabunda e os Fabricantes da Pobreza
O MILLENNIUM BIM E O CENTRO CULTURAL FRANCO-MOÇAMBICANO apresentam a exposição “O Adivinho dos Fabricantes da Pobreza”, de Gonçalo Mabunda, com curadoria de Mauro Pinto. A inauguração decorreu a 13 de Agosto, na sala de exposições do CCFM, onde a mostra ficará patente até 18 de Outubro.
Integrada nas celebrações dos 30 anos do Centro Cultural Franco-Moçambicano e dos 50 anos da independência de Moçambique, a exposição assinala também os 50 anos de vida de Gonçalo Mabunda, um artista cuja obra transbordou fronteiras e se consolidou no circuito internacional. A sua história artística, profundamente ligada ao CCFM, é também uma história de resiliência e de reinvenção da memória colectiva moçambicana.
Mabunda é amplamente reconhecido pelas esculturas emblemáticas erguidas a partir de armas desactivadas, tronos, máscaras, figuras antropomórficas e totens, que parecem carregar consigo um duplo destino: lembrar a dor da guerra civil e, ao mesmo tempo, libertar os objectos de violência para lhes dar uma nova função estética e crítica.
Cada trono forjado a partir de espingardas e baionetas é uma interrogação política; cada máscara feita de granadas desarmadas é uma memória colectiva reconfigurada em arte. O que era destruição torna-se, nas mãos do artista, símbolo de poder, crítica social e esperança.
Com passagens notáveis por bienais e galerias internacionais, da Bienal de Veneza ao Palais de Tokyo (em Paris), passando por Joanesburgo, Nova Iorque e Bruxelas, Gonçalo Mabunda tornou-se num dos nomes mais relevantes da arte contemporânea africana. O seu trabalho é hoje presença incontornável em colecções e museus de prestígio, carregando consigo a marca de Moçambique e da África Austral como territórios de criação estética que dialogam com o mundo.
Mais do que esculturas, a sua obra é uma cartografia de memórias: liga o pós-guerra moçambicano com narrativas globais de paz, reconciliação e dignidade. Com esta exposição, Mabunda convoca o público a reflectir sobre os “fabricantes da pobreza”, expressão que reflecte questões políticas e desigualdades globais.
LIVROS
História
Mundial dos Ricos
Autor: Fabrice d’Almeida • Editora: Cultura Editora • Género: Economia / Finanças / Política
Esta obra, da autoria do professor francês Fabrice d’Almeida, investiga as origens das grandes dinastias financeiras à escala mundial, de Rockefeller a Jobs, de Vanderbilt a Bezos, de Krupp a Musk, da rainha Vitória a Kylie Jenner, sempre aprofundando e partilhando o lugar que asseguraram na história, percebendo-lhes os comportamentos políticos, as influências sociais e a actuação sistémica nas economias nacionais e globais.
São estes os homens e mulheres da elite global que voa em jactos privados, colecciona automóveis de luxo, organiza festas sumptuosas, investe em todos os mercados e domina todas as redes. Os muito ricos podem ser o verdadeiro poder, às vezes exercendo-o de forma visível, noutras nem tanto. Conhecemo-los sem os conhecer e alimentamos por eles um perigoso fascínio que, por vezes, pode chegar ao ódio.
STREAMING
Outros
Lançamentos
Dia 3: Wednesday T2B (Netflix) e Beavis and Butt-Head T11 (Comedy Central)
Dia 4: NCIS: Tony & Ziva (Paramount+), The Paper (Peacock)
Dia 6: Confidence Queen (Prime Video)
Dia 8: The Walking Dead: Daryl Dixon T3 (AMC SELEKT)
Dia 9: Only Murders in the Building T5 (Disney+)
Dia 10: The Girlfriend (Prime Video), Tempest (Disney+) e Helluva Boss (Prime Video)
Dia 11: Diary of a Ditched Girl (Netflix) e Beauty in Black T2 (Netflix)
Dia 15: Futurama T13 (Hulu)
Dia 16: High Potential T2 (ABC)
Dia 17: The Morning Show T4 (Apple TV+) e Gen V T2 (Prime Video)
Dia 18: Black Rabbit (Netflix) e Reasonable Doubt T3 (Hulu)
Dia 19: El Refugio Atómico (Netflix) e Haunted Hotel (Netflix)
Dia 21: Tulsa King T3 (Paramount+)
Dia 22: Brilliant Minds T2 (NBC)
Qual o Papel dos Municípios num Mundo Cada Vez Mais Urbano?
Senegal, Serra Leoa e Zâmbia estão entre os países oradores no 5.º Encontro do Fórum de Presidentes de Câmara da ONU (Forum of Mayors), em Outubro,
na Suíça
Haverá uma reunião ministerial sobre habitação acessível e sustentável
Presidentes de municípios de todo o mundo vão reunir-se em Outubro, na Suíça. Vários representantes de África estão entre os oradores.
O 5.º Encontro do Fórum de Presidentes de Câmara da ONU (Forum of Mayors) terá lugar nos dias 6 e 7 de Outubro de 2025, no emblemático Palais des Nations, em Genebra (land.unece.org).
A iniciativa, organizada pela Comissão Económica das Nações Unidas para a Europa (UNECE) com o apoio da Global Cities Hub (GCH), constitui um espaço único de diálogo, reunindo presidentes de câmara e representantes municipais de todo o mundo para debater desafios globais e apresentar soluções locais estratégicas.
O tema central desta edição é “Cities Shaping the Future” (“Cidades a moldar o Futuro”), com enfoque em três objectivos de desenvolvimento sustentável: saúde e bem-estar (ODS 3), igualdade de género (ODS 5) e trabalho digno e crescimento económico (ODS 8). Estarão igualmente em discussão mecanismos de financiamento climático, revisões locais voluntárias (VLR) e desafios habitacionais. Este encontro posiciona-se como um “fórum político de alto nível para cidades”, permitindo aos líderes municipais analisar os mesmos temas debatidos no Fórum Político de Alto Nível (HLPF) de Nova Iorque, realizado em Julho de 2025.
Haverá ainda um evento específico sobre as VLR, organizado pelo Global Cities Hub, e uma sessão especial, no âmbito do Fórum Económico Mundial, para promover parcerias público-privadas e inovação urbana. No dia 8 de Outubro de 2025, imediatamente antes da reunião ministerial sobre Habitação Acessível e Sustentável, os presidentes de câmara terão oportunidade de apresentar as suas perspec-
tivas à sessão ministerial da UNECE, que decorrerá de 8 a 10 de Outubro.
Cooperação reforçada, agendas alinhadas
Em Abril de 2025, a UCLG (United Cities and Local Governments) e a UNECE assinaram um memorando de entendimento, reforçando a cooperação e consolidando o Fórum como um espaço multilateral inclusivo, garantindo maior representatividade das autarquias na governação global.
Criado em 2020, o Fórum tornou-se um órgão da ONU, subsidiário do Comité de Desenvolvimento Urbano, Habitação e Gestão do Território (CUDHLM). Esta institucionalização reforça a necessidade de alinhar políticas e acções entre os níveis local, regional e global, no sentido de cumprir a Agenda 2030. Este modelo de governação multilateral mais inclusivo é considerado um avanço relevante, permitindo aos líderes municipais não só partilhar experiências e boas práticas, como também elaborar recomendações, participar em encontros inter-regionais e ter voz activa no debate internacional sobre sustentabilidade urbana.
OS DESAFIOS DE MOÇAMBIQUE
O 5.º Fórum de Presidentes de Câmara representa uma plataforma estratégica para afirmar o papel central dos governos locais na construção de cidades resilientes, inclusivas e sustentáveis — com impacto directo na concretização dos ODS e na promoção de uma governação global mais participativa e próxima das comunidades. Nesta matéria, Moçambique enfrenta vários desafios:
• Infra-estruturas insuficientes: muitas cidades moçambicanas enfrentam carências graves em saneamento, abastecimento de água, mobilidade e gestão de resíduos, dificultando a criação de espaços urbanos seguros e funcionais.
• Crescimento urbano desordenado: a
rápida expansão das periferias, muitas vezes sem planeamento adequado, gera bairros informais com baixa qualidade habitacional e reduzido acesso a serviços básicos.
• Capacitação institucional limitada: os municípios dispõem frequentemente de recursos técnicos e humanos escassos, o que compromete a implementação eficaz de políticas públicas e projectos de desenvolvimento urbano sustentável.
• Descentralização incompleta: apesar dos avanços legislativos, a transferência de competências e recursos financeiros para as autarquias ainda é parcial, limitando a autonomia local e a capacidade de resposta às necessidades das comunidades.