TGI II - Espaço do Coletivo

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da o extermínio, cada vez mais racionalizado, de corpos, em que menores qualificações são aprofundadas e expandidas, em que a alienação – se quisermos usar conceitos marxistas – se hiperpotencializa, em que se fortalece a ideia de trabalho como privilégio e que, portanto, esse sujeito está constantemente ameaçado. E esse cenário aponta um inconsciente coletivo articulado à hiperindividualização neoliberal, trazendo como consequência a perda de sentido comunitário, coletivo e a dissolução dos laços de solidariedade. Daí, então, novamente, apresenta-se a barbárie se não houver qualquer ação e trabalho contra-hegemônicos que alcancem fundamentalmente esses setores. Não citei Mano Brown à toa no título desta coluna. Tampouco, na epígrafe, o discurso histórico de Angela Davis na Marcha das Mulheres contra Trump, em janeiro de 2017, quando da posse do presidente estadunidense. O discurso de Mano Brown no ato em defesa da Democracia e dos Direitos, que se personificava na figura do então candidato Fernando Haddad foi muito mal interpretado, principalmente pelos setores médios do progressismo. Mas o intelectual orgânico, forjado nas ruas do Capão Redondo, estava apenas alertando para como a barbárie havia se instaurado nas relações e cotidiano das periferias e o quanto a falta de presença e de construção coletiva (portanto não enxergando indivíduos periféricos apenas como objetos de estudo ou que deveriam receber “a consciência” das universidades) estava cegando a nossa defesa por princípios democráticos. Apesar de recente pesquisa dizendo que a maioria dos brasileiros defende a democracia como modelo político, não foi possível saber na mesma pesquisa o que cada um destes brasileiros entende por democracia – um conceito, afinal, tão elástico e que passou por tantas mudanças na história. Já o discurso de Angela Davis (a tradução comple-

ta está aqui), a meu ver, aponta que mais do que ficarmos numa falsa discussão acusatória entre “identitários” versus “universais”, é preciso compreender que conviver e defender a diversidade não é uma escolha, mas algo que está posto. As conquistas até aqui e as percepções das populações negras, indígenas e pobres sobre si não podem mais ser negligenciadas. É preciso construir com esses atores e atrizes sociais que já estão em movimentação em muitas favelas, comunidades, bairros, periferias e quebradas do país. Sem qualquer pretensão de levar algum ensinamento, mas com a abertura de que é possível ensinar e, principalmente, aprender com povos e populações que vêm resistindo historicamente, com diversas estratégias de sobrevivência, a um Estado que sempre se apresentou autoritário e violento em seus territórios e vidas. Se estes dados cruzados apontam algo é que, a meu ver, é preciso muito mais periferias em nossas reflexões. É preciso muito mais as realidades e construções de coletivos e ativistas – ameaçados de extermínio pelo presidente eleito, diga-se de passagem – tanto em nossas formulações, mas também em nosso modo de fazer político. Nas eleições das fake news das redes sociais, o alerta de Angela Davis cai como luva: Nós reconhecemos que somos agentes coletivos da história e que a história não pode ser apagada como páginas da Internet. E, ao meu ver, para isso precisamos desbrancalizar nossa atuação. Precisamos de mais Mano Brown.


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