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reveladoras histórias não contadas

Paulo Rezzutti é um dos principais e mais lidos historiadores e biógrafos brasileiros, ao lado de nomes como Mary del Priore, Laurentino Gomes, Eduardo Bueno, Lyra Netto, Jorge Caldeira e Ruy Castro, que já estiveram presentes no Graciosa Country Club. No dia 30 de março, em comemoração ao mês da mulher, o autor esteve no Clube para a palestra “D. Leopoldina: A história não contada”, tema também de um de seus livros.

O papel de Dona Leopoldina é, em geral, reduzido ao de vítima em um triângulo amoroso que envolvia o marido, D. Pedro I, e Domitila de Castro, a Marquesa de Santos. Mas Leopoldina foi muito mais que isso. Ela foi fundamental para nossa história.

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Premiado Historiador

PAULO REZZUTI FAZ PALESTRA

SOBRE D. LEOPOLDINA, A

Mulher Que Arquitetou A Independ Ncia Do Brasil

Lucia Casillo Malucelli: A sua série de livros vemos como ela articulou politicamente os acordos para que isso ocorresse, por exemplo, avisando que, se o marido não tivesse liberdade para escolher os próprios ministros, ele não continuaria no Brasil.

“A história não contada” recupera personagens marcantes da história brasileira. Qual das personagens mais o surpreendeu?

Paulo Rezzutti: Dona Leopoldina é a que mais me surpreendeu. Eu tinha uma ideia preconcebida sobre ela como esposa de Dom Pedro I e mãe de Dom Pedro II. Uma mulher dominada pelo marido, apagada, sem noção da realidade política e social brasileira, alguém que se calava perante o caso público e que aceitava passivamente a presença da amante de D. Pedro, a Marquesa de Santos, no palácio. Na realidade, Leopoldina não só havia sido educada para governar, mas era também uma cientista e alguém muito superior moralmente ao marido.

Lucia: A educação de Leopoldina foi importante para seu papel na história do Brasil?

Rezzutti: Muito! Ela recebeu uma das melhores educações que uma mulher poderia ter na época. A Casa de Habsburg tinha um mote: “Os outros que façam guerra, tu, Áustria feliz, casa-te. O que os outros conquistam por Marte, a ti será dado por Vênus” A estratégia da dinastia consistia em realizar alianças matrimoniais para ampliar o seu poder. As arquiduquesas eram super bem preparadas; Maria Antonieta, tia-avó de Dona Leopoldina, foi uma das raras exceções. Além da educação, ela teve uma vivência da política e dos acontecimentos europeus que Dom Pedro passou ao largo, no Brasil. D. Leopoldina conheceu Goethe, teve contato com o início do Romantismo europeu, ouviu Beethoven e tantos outros. Ela adorava estudar Ciências Naturais, principalmente Mineralogia e Botânica. Essa educação e a sua perspicácia permitiram aconselhar o marido e dar alguns empurrões nas decisões dele. Por exemplo, eu brinco que o Fico dela foi anterior ao dele. Ela já tinha percebido que nada mais eles poderiam esperar de Portugal, enquanto Dom Pedro ainda estava com medo de desobedecer às Cortes portuguesas e ser deserdado do trono por isso. As cartas dela para o secretário são muito reveladoras e mostram o quanto ela estava empenhada na causa autonomista brasileira.

Lucia: Quem foi mais importante para a nossa independência: Dom Pedro ou Dona Leopoldina?

Rezzutti: Ambos foram importantes, cada um à sua maneira. Ela foi fundamental para ajudar Dom Pedro a se decidir a ficar no Brasil e não cumprir as ordens das Cortes de retornar para Portugal. Nos bilhetes ao seu secretário, nós vemos como ela articulou politicamente os acordos para que isso ocorresse, por exemplo, avisando que, se o marido não tivesse liberdade para escolher os próprios ministros, ele não continuaria no Brasil.

Lucia: D. Pedro traía Leopoldina com várias mulheres. Mas talvez tenha havido uma mulher mais importante e que tenha tido papel decisivo na depressão e morte de D Leopoldina. É a Marquesa de Santos uma das responsáveis pela depressão da imperatriz? Ou a culpa foi mesmo de D. Pedro? Será que a princesa Diana e Maria Leopoldina têm algo em comum?

Rezzutti: O que Dona Leopoldina e a princesa Diana têm em comum é que ambos os casamentos foram realizados pelo bem da instituição e da monarquia. A diferença entre elas é que Dona Leopoldina sabia que amor podia ser complementar ao seu papel como dinasta, mas não essencial. Seu papel era de representar o poder, respeitar o seu marido e dar filhos para a perpetuação da dinastia no trono. A princesa Diana já era de outro século, como outra mentalidade, jamais ela conseguiria se portar como a imperatriz Leopoldina ou mesmo como a sua sogra, a rainha Elisabete II, eram mundos diferentes que não representam mais a realidade atual. Lady Di não aceitou ter que dividir o marido, independente de quem fosse ele, opção inexistente na época de Dona Leopoldina e na posição em que ela se encontrava.

Quanto à Marquesa de Santos, quando Dom Pedro a conheceu em São Paulo, em agosto de 1822, quem era casado era ele. Domitila estava separada do primeiro marido e brigando pela guarda dos filhos. Dom Pedro nunca respeitou a esposa.

O problema é que Domitila, diferentemente de todas as demais mulheres com que ele teve um caso, inclusive a própria irmã da marquesa, soube segurar o relacionamento, inclusive com ajuda de técnicas, como o pompoarismo, por sete longos anos. Isso fez dela a grande vilã, como se na história do mundo nunca nenhum homem tivesse traído a esposa. Ele é o principal culpado, se não pela morte, pois Dona Leopoldina morreu de febre tifoide, pelo estado de depressão em que ela entrou em 1826.

Lucia: Na última carta de Dona Leopoldina à sua irmã Maria Luisa ela escreve: “(...) Ultimamente, [o imperador] acabou de dar-me a última prova de seu total esquecimento a meu respeito, maltratando-me na presença daquela mesma que é a causa de todas as minhas desgraças”.Essa carta é uma falsificação?

Rezzutti: A carta original nunca foi localizada. O que conhecemos é uma cópia em português que está no Museu Imperial, em Petrópolis. Examinando os boletins médicos de Dona Leopoldina, vi que era impossível que ela tenha ditado a carta. Ela estava doente, com febre altíssima, o que a levou a um estado de exaltação e de delírios. Como iria conseguir ditar uma carta às 4 horas da manhã às vésperas da morte? A carta é suspeitíssima, e eu acredito sim que tenha sido forjada para colocar a culpa da morte em Dom Pedro. Em 1834, quando essa carta surgiu, temia-se que Dom Pedro, depois de ter derrotado o irmão na Europa, retornasse com um exército e invadisse o Brasil para se pôr novamente no trono. Estava acontecendo uma CPI a respeito disso na Assembleia dos Deputados. Ninguém aqui ainda sabia que ele estava com tuberculose. A carta poderia ser uma “fake news” para prejudicar ainda mais a imagem do ex-imperador brasileiro.

Lucia: Como você definiria D. Leopoldina em poucas palavras?

Rezzutti: Dona Leopoldina foi uma das princesas mais bem educadas do seu tempo, uma cientista, culta e muito bem preparada, que adotou o Brasil como sua pátria, os brasileiros como o seu povo e a Independência como sua causa.

Lucia: E quais os próximos projetos?

Rezzutti: Vários! Os literários envolvem a publicação da nova edição da minha biografia da Marquesa de Santos, que sai este semestre pela LeYa Brasil. Nela, eu trago muitas novidades a respeito da Domitila e também sobre as filhas que ela teve com D. Pedro I, a duquesa de Goiás e a condessa de Iguaçu. Tive acesso a novos documentos sobre elas, inclusive o processo de divórcio da condessa de Iguaçu, onde vemos que ela passou o mesmo que a mãe. Sofreu violência doméstica, foi roubada e traída. Domitila e a filha são exemplos do que as mulheres no Brasil tinham que passar naquela época. E que nem é tão diferente nos dias de hoje.

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