Relatório II - IAU 728 Arquitetura e Urbanismo Contemporâneos II

MARINA SABADINI | 9770587

FRANCISCO SALES T. FILHO | MIGUEL ANTONIO BUZZAR

Com as transformações históricas que foram ocorrendo e a não realização da promessa moderna, o modo de ver e pensar o mundo e a arquitetura estava sendo questionada e alterada. Um processo se iniciou de modo a compreender o momento vivido e as mudanças ocorridas, ao longo desse, se conclui que o moderno havia se esgotado e fracassado e que era necessário desvendar um novo modelo.

Robert Venturi

Nesse contexto explosivo e energético que foram as décadas de 60 e 70, Robert Venturi e sua esposa Denise Scott Brown, provocaram o nascimento de uma nova perspectiva no mundo da arquitetura, mudando a visão de cidade e paisagem que se tinha até então. Em seu primeiro Manifesto Suave, o arquiteto se utiliza da arquitetura, com a justaposição de diversas obras de contextos muito diferentes, desfocando-as para assim pensar a arquitetura moderna. Nesse sentido, o arquiteto extrapola a função e revela as várias camadas da arquitetura, numa tentativa de absorver a história e realidade existente, de reconectar o edifício e a cidade (já que esses foram constantemente apartados na arquitetura moderna), e com isso gerar um apelo das pessoas, e perceber as conexões não planejadas entre espaço e obra, criando uma arquitetura sem arquiteto.

A casa Vanna Venturi, já revela essa mudança de pensamento do arquiteto Venturi, o projeto traz imagens arquetípicas da imagem de casa, revelando percepções comuns como as janelas tradicionais, telhado em duas águas e fachada superficial com clareza e riqueza de significados. Em suas obras, a arquitetura ganha expressão, e os elementos arquitetônicos tem significados que ultrapassam a função, e que foram construídos historicamente, como por exemplo as molduras que reenquadram a janela, que não tem nenhuma função além no enobrecimento da arquitetura.

Em sua obra Guild House, Venturi brinca com a informação, trazendo conhecimentos históricos aos conceitos modernos, ao mesmo tempo que mistura elementos banais. Com isso, Venturi opera em vários níveis, ao se utilizar de elementos nada excepcionais, se torna acessível para aqueles que não tem nenhum conhecimento, ao mesmo tempo que traz elementos históricos e mais elaborados como a coluna grossa na entrada, reinterpretando a coluna grega e enobrecendo a entrada, como um ato ritualístico, atendendo também aos arquitetos.

Nessas suas investigações, Venturi se aprofunda no que seria Las Vegas, em que os letreiros dominam a construção e que o automóvel e a propaganda definem a cidade, questionando o lugar da arquitetura nesse contexto. Com isso, o arquiteto se apropria da indústria cultural e do comércio para a sua arquitetura, ele achata várias camadas da história e apresenta uma vez só, de maneira rápida e fácil, onde a edificação some, dando lugar a informação e comunicação, uma vez que a função maior agora é o comércio. Um exemplo disso é a ideia de Galpão Decorado e uma de suas obras mais conhecidas: Big Duck, em que ele brinca com a regra de “forma segue função”, e para um comércio de patos e ovos, cria uma estrutura externa ao edifício em forma de pato.

Em Levittown, Venturi se utiliza da industrialização da construção civil, porém sem a noção histórica de

Casa Vanna Venturi, Venturi, Fonte: https://www.archdaily.com. br/br/01-86575/casa-vanna-venturi-slash-robert-venturi-slash-ia-plus-b

Guild House, Venturi, 1963 Fonte: https://architecturalvisits. com/en/guild-house-venturi-postmodernism/

“Big Duck” e Galpão decorado de Venturi

Fonte: https://99percentinvisible.org/article/ lessons-sin-city-architecture-ducks-versus-decorated-sheds/

Levantamento de todos os trajetos efetuados durante um ano por uma estudante que mora no XVIème arrodissement de Paris. Publicado por Chombart de Lauwe em Paris et l´agglomération parisienne.

Fonte: https://vitruvius.com.br/revistas/ read/arquitextos/03.035/696

mudança que o modernismo tinha associado a ela, o arquiteto materializa o ideário americano de subúrbio, e considera positivo a influencia do comércio na vida, em que cada indivíduo teria a liberdade da escolha de preencher a casa com aquilo que o agradasse. O arquiteto também brinca com a ideia de monumento histórico com leveza e transparência, em sua obra Sainsbury Gallery, ele brinca com a complexidade e contradições, se utilizando de soluções cenográficas e efêmeras, como por exemplo as colunatas sem referencias e sem função estrutural, mas com simbologia. O que mostra que ele se desprendeu do peso da funcionalidade, dando autonomia a linguagem em detrimento à função.

Internacional Situacionistas

Também nesse período de grandes transformações e revisão do que já estava consolidado, surge os Situacionistas, grupo de revolucionários que participavam de diferentes vanguardas da época, que buscavam entender a dimensão espiritual pela exploração do ser em suas relações pessoais e não pela exploração do ser pelo capitalismo e produção, indo contra a cidade funcional até então estabelecida.

Os situacionistas se dedicaram a criticar e transformar radicalmente a vida, com isso a cidade e o urbano estavam frequentemente em seus discursos. Para eles, o movimento moderno não conseguiu captar a vida cotidiana, a proximidade e a vizinhança, sendo assim, a rua tortuosa triunfa enquanto o projeto fracassa. Com isso, eles criam o conceito de Urbanismo Unitário, que foge do modelo de cidade moderna segmentada por razões produtivas e funcionais, demandando vivências e se tornando uma cidade mais imaginativa que instigue a aventura e exploração e não que sirva somente como caminhos que apenas ligam funções.

Foi criado um glossário próprio para o discurso dos situacionistas:

Situação construída: momento da vida, concreta e deliberadamente construído pela organização coletiva de uma ambiência unitária e de um jogo de acontecimentos. Os situacionistas interviam na cidade a partir da ideia de construção de situação, em que, os próprios autores da situação construída deixariam de ser meros espectadores e se tronariam participantes.

Psicogeografia: efeitos do meio geográfico agindo sobre o comportamento afetivo dos indivíduos.

Deriva: técnicas da passagem rápida por ambientes variados, criando experiencias e guiados ao acaso.

Urbanismo Unitário: emprego conjunto de artes e técnicas que concorrem para a construção integral de um ambiente em ligação dinâmica com experiência de comportamento

Esse modo de pensar buscava desprogramar o sujeito, a partir do andar sem destino e sem compromisso e de uma cidade que instigasse a curiosidade do indivíduo, que extrapolaria os circuitos além dos compromissos.

Os situacionistas acreditavam que era necessário transformar o sujeito para transformar o meio, ou seja, que a revolução nasceria do indivíduo.

Os situacionistas incorporam o conceito de labirinto, em que todo o espaço é temporário, nada é reconhecível e tudo é descoberta e exploração. Esse espaço não estável e mutante criaria inúmeras experiências, a noção de labirinto traz a indeterminação das possibilidades, uma vez que é sem controle e está ocorrendo de

modo aleatório e deixado ao acaso.

A cidade era vista como uma máquina de alienação, a programação da cidade era inteiramente voltada às necessidades do capital, o objetivo principal dos situacionistas era quebrar essa alienação, reprogramando a sociedade. Para isso a obra em si é uma mudança constante, uma obra em aberto, em que o autor perde a autoria, uma vez que não a controla mais, o sentido da obra se transforma e multiplica com o público e usuários, se caracterizando como uma colagem, em que várias pessoas fazem parte dessa “colcha de retalhos”, trazendo suas próprias experimentações e experiencias.

Tropicalismo

A década de 60 também foi muito conturbada no Brasil, tanto culturalmente quanto politicamente: quando se estava chegando em alguns avanços sociais, ocorre a intervenção militar em 1964, e com ela o terror na zona rural e nos sindicatos, o rebaixamento dos salários e a censura.

Antes do golpe, o governo populista de Goulart havia desenvolvido uma consciência nacional, em que diversas classes haviam se unido exigindo reforma agrária, nacionalização de empresas americanas, havia uma agitação camponesa e dos operários. O país estava inteligente e a produção intelectual passava a reorientar as massas, havia se entendido que muitos dos problemas encontrados no país eram partes sistemáticas do sistema instaurado: “a noção de que a miséria e seu cimento, o analfabetismo, não são acidentes ou resíduos, mas parte integrada no movimento rotineiro da dominação do capital”. E com isso, intelectuais faziam o que estava em seu alcance na tentativa de reverter essa situação, por exemplo, professores frequentavam comunidades rurais, e a partir das experiencias das pessoas ali presentes, definiam assuntos e discussões, que ao mesmo tempo que alfabetizava a comunidade, também a inseria no contexto dos sindicatos, da reforma agrária e da constituição.

Essa situação também florescia no teatro e outros campos artísticos, em que a cultura se torna verdadeiramente democrática e de acesso a todos. Com a ditadura militar, a cultura da esquerda continua marcando presença e se mantem hegemônica no país, representando a luta e compromisso, porém essa deveria ser restrita a classe de intelectuais, e a partir de punições como prisão, desemprego, exílio e tortura, o governo corta a ponte dos artistas com as massas.

Todo o avanço social que havia sido conquistado fora perdido pelo receio de que o Brasil estivesse caminhando e se alinhando a ideais comunistas, a direita revive sentimentos arcaicos da burguesia, como tradições cristãs e o conceito de família tradicional, retrocedendo tudo aquilo que a modernização havia trazido, como reforma agrária, salário mínimo, voto do analfabeto,... e reprimindo os movimentos operário e camponês. No governo de Goulart a modernização passaria pelas relações de propriedade e poder, pela ideologia, que deveriam ceder às reais necessidades do país, já durante o golpe, se deu o fim desse movimento através das formas tradicionais de poder. O governo durante a ditadura marcava um momento da história do país muito associado ao imperialismo, com forte influencia da cultura estadunidense e com intensa desmobilização popular.

The Naked City, illustration de l’hypothèse de plaques tournantes, assinado por Guy Debor em 1957 Fonte: https://vitruvius.com.br/revistas/read/ arquitextos/03.035/696

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Todo esse retrocesso e anacronismo serviu como matéria para o Tropicalismo, movimento brasileiro de vanguarda com influência pop, que trazia a sensibilidade do momento, indicando toda essa contradição que o Brasil vivia. Dentro das instabilidades passadas, aquilo que se mantinha era a combinação do moderno e antigo, ao mesmo tempo que se tinha a manifestação mais avançada da integração imperialista internacional, esse período também se baseou nas ideologias burguesas mais antigas e obsoletas.

Essa corrente trazia tudo aquilo que permeava o imaginário do que era o Brasil, sobrepondo e unindo os vários elementos, percorrendo entre o tradicional e o moderno, se configurando como um “calidoscópio” daquilo que seria o país. Nesse período a produção artística funcionava como luta e compromisso, ela era uma forma de protesto diante das instabilidades da ditadura militar.

O governo militar, se utilizando da força para se manter, considerava desnecessário um esforço ideológico para sustentação popular, sendo assim, inicialmente, essa tarefa era efetuada pela vida cultural, que com efeito de propaganda, se utilizava de campanhas contra a tortura, rapina americana, inquérito militar e a censura, se unindo contra os militares, e triunfando moral e intelectualmente. Entretanto, em 1968, o policiamento e punições aumentam, numa tentativa de interromper esse movimento revolucionário artístico.

A modernização, que era vista como uma maneira de libertação, passa a ser utilizada como forma de submissão, assim como o arcaísmo, que se torna instrumento de opressão. Essa conjuntura serviu como base para o Tropicalismo, em que se era explorada esse novo contexto intelectual, artístico e de classe. O movimento coloca a imagem do país patriarcal, rural e urbano, apresentados com a forma mais avançada e associada a moda mundial: o pop, criando com isso, uma cena que é ao mesmo tempo alegórica e simples. Assim como afirma Schwarz: “o resultado da combinação é estridente: muitas tensões e contradições e ambiguidades. O veículo é moderno e o conteúdo é arcaico, o passado é nobre e o presente comercial; por outro lado, o passado é iníquo e o presente é autentico,etc. Combinaram-se a política e uma espécie de coletiva de exibicionismo social” (SCHWARZ, 1978)

O tropicalismo ao mesmo tempo que debocha e critica essa condição, também se alinha e integra com ela. Os tropicalistas se utilizavam da distancia histórica entre tema e técnica para realizar suas obras, traziam uma visão sofisticada, ao mesmo tempo que tornava ela acessível a muitos. Os artistas trazem a contradição entre antigo e novo, entre conteúdo e forma, como aberrantes e insolúveis, a antítese, resultado da contra revolução, é colocada como absurda, os tropicalistas retratam o atraso do país e a pobreza brasileira. No Brasil, e em outros países colonizados e depois subdesenvolvidos, o arcaico e o moderno convivem e permanecem em todos os lugares, a contradição é a base, é fato central que mantem a sociedade capitalista.

Nesse período, a distância entre o especialista e o leigo diminuíram muito, há uma democratização da arte, sem que essa seja barateada ou reduzida, a arte e a vida passam a caminhar juntos. Argumentos e com-

portamentos bem pensados são passados de maneira mais acessível, sem que seja um “um belo texto insondável”. A cultura passa a buscar a liberdade, valorizando a banalidade do lugar comum, o direito dos oprimidos e a crueldade dos opressores, e a produção artística busca ser revolucionária e contra a ditadura.

A exposição “Tropicália” do Oiticica, realizada em 1967, seguia a linha do movimento, e apresentava a precariedade do país de maneira rude, e ao mesmo tempo, leve. O artista criou espacialidades sem materializá-las, produziu um desenho moldável, em que planos eram sobrepostos, assim como a condição do país, que une os vários elementos (moderno e arcaico) dentro de um mesmo contexto. A ideia de povo era representada de maneira caricaturizada, idealizada e ingênua.

O Tropicalismo teve uma repercussão muito forte na música, Caetano Veloso compôs sua música “Tropicália”, em 1968, retratando a contradição de avanço e retrocesso do Brasil de maneira absurda e chocante: “O monumento não tem porta / A entrada é uma rua antiga / Estreita e torta / E no joelho uma criança / Sorridente, feia e morta / Estende a mão”.

Simultaneamente a essas produções artísticas, o arquiteto Vilanova Artigas projeta a casa Elza Berquó, que representa a crise em relação à arquitetura moderna e um alinhamento “à moda tropicalista”. A obra se materializa com retalhos de diferentes contextos e épocas, as contradições aparecem nos vários elementos que compõem a casa, nos diversos pisos em um mesmo ambiente, nos elementos decorativos exagerados, e nos tronocs de arvores utilizados como pilares, ao mesmo tempo que se remete a elementos da arquitetura moderna, como o concreto aparente e os grandes vãos, se referindo ao arcaico e moderno que o país vivia.

As produções arquitetônicas nesse período inicial de ditadura ficaram restritas a casas particulares de conhecidos dos arquitetos que permitiram algumas experimentações, é um período de ausência da arquitetura no campo cultural. A arquitetura passava por um processo de radicalização, o que afastava do social, os modernos acreditavam poder interferir na vida conforme o projeto, e por isso, inicia esse processo de radicalização, e acaba se distanciando das pessoas, as casas se tornam inabitáveis para o contexto que se estava vivendo. O concreto aparente era muito bruto e o espaço estava retalhado e racionalizado, associado a uma lógica socialista de produção coletiva e não às finalidades de uma casa particular.

Durante o Milagre Econômico Brasileiro (1968 - 1973), período de crescimento econômico artificial proveniente dos empréstimos externos, o campo da construção civil também se expandiu. Os arquitetos se beneficiaram desse crescimento, porém seu protagonismo foi reduzido à presença do engenheiro, das grandes empresas e construtoras. A função do arquiteto deixa de ser de um artista e passa a ser de técnico, membro de uma equipe coordenada por engenheiros, administradores ou empresários, que projeta grandes obras e empreendimentos como rodovias, rodoviárias, estações de metrô, hidrelétricas e aeroportos. O arquiteto perde seu status, sua inserção pública e sua função social.

Nesse período a arquitetura é marcada pela ação do Estado, as obras adquirem características expressivas e simbólicas, em que a forma ultrapassa a sua função inicial. Assim a arquitetura mostraria o Brasil grande, forte e poderoso, com o futuro a frente, porém que exclui seu passado. Os arquitetos acreditavam estar

Tropicália, Helio Oiticica, 1967.

Fonte: http://tropicalia.com.br/v1/site/internas/leituras_gg_objetividade2.php

Casa Elza Berquó, Vilanova Artigas, 1967 Fonte: https://www.nelsonkon.com.br/casa-elza-berquo/

Edifício sede da Petrobrás, 1974 Fonte: https://arteforadomuseu. com.br/sede-da-petrobras/

protestando contra o governo em suas obras, entretanto, analisando-as, percebe-se um certo alinhamento em seu produto final. Como arquitetos da forma, esses profissionais perdem o ideal transformador e modelador da sociedade, muitas de suas obras são herméticas em relação a cidade, há um distanciamento entre arquitetura e urbanismo e o edifício se torna um objeto de design a parte, desprendido de qualquer pensamento social. A arquitetura desse período conta uma história apolítica, que não observa, que é alheia ao pensamento da dimensão histórica e impasses da época, que faz uma leitura somente formal.

Um exemplo disso é o edifício sede da Petrobrás, sua presença desconfigura o local, não possui nenhum elemento que o associe ao Rio de Janeiro. E, potencializando essa ruptura entre arquitetura e urbanismo, o edifício é pouco convidativo para a apropriação das pessoas. Outro elemento desse período presente na obra é a sua dimensão apenas formal, abandonando a relação com sua função, em que há uma exploração máxima das técnicas construtivas com o objetivo de mostrar o poder do país.

Outro exemplo é o Paço Municipal de Santo André, projeto do arquiteto Rino Levi, que buscava criar um centro para a cidade, onde supostamente as pessoas se encontrariam e se reconheceria. Por ser uma cidade do ABC paulista, Santo André cresceu às sombras de São Paulo capital, a criação de um centro foi pensada para romper essa noção. Entretanto, esse espaço se configura como anticentro, ele se localiza entre vias de grande fluxo, dificultando o acesso das pessoas, possui um grande platô cimentado para estacionamento, que se torna um obstáculo e está em uma escala não convidativa. Ou seja, a obra não só não atingiu seu objetivo, como seguiu um caminho oposto ao que se desejava.

Condição pós-moderna Paço Municipal de Santo André, Rino Levi.

Fonte: https://i.pinimg.com/originals/98/9c/cd/989ccd9zN

O ano de 1973 foi marcante para a história da arquitetura, é o ano que ocorre a demolição do conjunto habitacional Pruitt-Igoe, esse acontecimento foi transmitido pela televisão, denunciando a morte da arquitetura moderna. A sua demolição representava um fracasso da intensão social que a arquitetura moderna se baseava, já que o projeto buscava mostrar o triunfo da arquitetura racional sobre os males da pobreza, e esse objetivo não é atingido, se tornando prédios vazios, abandonados e um exemplo dos problemas sociais americanos.

A arquitetura moderna destruiu metade do mundo para poder se consolidar e se estabelecer como uma arquitetura atemporal. Até a década de 70 nenhuma obra moderna havia sido demolida, a demolição do edifício moderno representa que esse envelheceu, e por isso, parou de cumprir sua função social, de nunca se tornar obsoleta.

A modernidade nasceu como uma arte do contra, sempre chocando, gerando certo desconforto ao público burguês e em objeção a ordem estabelecida. Mas é no momento que essa produção radical se institucionaliza e passa a ser ensinada em escolas e universidades, que ocorre a ruptura entre o modernismo e o pós modernismo.

No momento pós moderno, a arte que chocava deixa de ser esquisita e repulsiva, pouca coisa contemporânea é intolerável a sociedade, inclusive essas produções são utilizadas nas propagandas e são consumi-

das e comercializadas pela sociedade. Sendo assim, mesmo a arte contemporânea possuindo os mesmos traços formais da arte moderna, a sua aceitação na sociedade e sua posição dentro da cultura está alterada, e isso se deve a nova fase do capitalismo avançado, multinacional e de consumo.

Enquanto o moderno se apresenta como partes de fragmentos compondo um todo, o pós moderno é um quebra cabeça que permite inúmeros arranjos, sempre incompletos. O pós moderno se caracteriza pela constante ruptura e fragmentação, mas diferente do moderno, cuja ruptura se refere a um sistema de mudança, o pós moderno não faz parte desse todo, ele existe como fragmentos não ancorados, fragmentos composto de fragmentos sem chegar em uma resposta final.

O sujeito pós moderno se caracteriza com uma personalidade fluida e camaleônica, e a arquitetura tenta captar essas transformações, criando diferentes cenários, possibilitando a exploração dessas várias personalidades e instigando a imaginação. O arquiteto brinca, em um sentido lúdico, com a forma, e a obra se consolida como uma colagem de diferentes elementos, num jogo de sedução e exibição. Os arquitetos se envolvem no mundo do entretenimento, criando obras mediáticas e apelativas. Restando a dúvida se esses estão totalmente alinhados ao momento, aceitando que a cultura tenha virado um objeto de consumo e por isso caberia aos espaços culturais incorporarem essa realidade, ou se nessas obras, há uma crítica disfarçada.

Essas obras são como narrativas, que contam uma história comum de uma sociedade de consumo, elas se concretizam como uma série de fragmentos projetuais reunidos, são como um exercício de linguagem, sem precisar de justificativas ou funcionalidades. O edifício Haas House do arquiteto Hans Hollein, construído em 1987 na praça de St. Stephen, lugar histórico de Vienna, é um exemplo icônico da arquitetura pós moderna, ele se utiliza de diversos materiais que além de realçar a tensão entre os edifícios históricos já construídos, também os reflete. O edifício possui uma fachada curva que se relaciona com a arquitetura gótica, com um revestimento modular de pedra sobrepondo a cortina de vidro ortogonal espelhada, e em seu terraço, possui guarda-sóis amarelos, rompendo ainda mais a unidade do projeto. Sendo assim, a Haas House se caracteriza como a junção de inúmeros fragmentos em um único edifício.

Segundo Jameson, aquilo que caracteriza o pós modernismo é o pastiche e uma especifica relação com o tempo, que ele caracteriza como “esquizofrênica”. O pastiche se refere a imitação e certo mimetismo de outros estilos que está presente nessa produção, é como a paródia, que ridiculariza e exagera a excentricidade, mas sem a graça e o seu senso de humor: “O pastiche é a imitação de um estilo singular ou exclusivo, a utilização de uma máscara estilística, uma fala em língua morta: mas a sua prática desse mimetismo é neutra, sem as motivações ocultas da paródia, sem o impulso satírico, sem a graça, sem aquele sentimento ainda latente que existe uma norma em comparação com aquilo que está sendo imitado, é sobretudo, cômico.” (JAMESON, 1985 )

O pastiche surge de uma inabilidade dos arquitetos em criar uma representação estática para sua própria existência, como se todos os estilos já tivessem sido inventados, e por isso, era necessário repetir o pas-

Demolição do conjunto habitacional Pruitt-Igoe, 1973.

Fonte: https://www.archdaily.com. br/br/871669/classicos-da-arquitetura-projeto-habitacional-pruitt-igoe-minoru-yamasaki

Haas House, Hans Hollein, 1987.

Fonte: https://www.re-thinkingthefuture.com/case-studies/a2409-the-haas-haus-by-hans-hollein-contrasting-with-the-adjacent/

Meixihu International Culture & Arts Centre in Changsha, Zaha Hadid, 2015 fonte: https://vitruvius.com.br/revistas/ read/arquitextos/03.035/696

Sede da China Center Television, Koolhas, 2004-2008 Fonte: https://vidroimpresso.com.br/ noticia-setor-vidreiro/nova-sede-da-china-central-television-e-destaque-no-ice-londres-award

tiche, sem que isso represente o fim do novo. Isso mostra certa incapacidade de focalizar no próprio presente, o que Jameson identifica como um traço patológico da sociedade, incapaz de relacionar o tempo e a história, e é com base nisso, que surge a segunda definição de pós moderno: a característica “esquizofrênica”.

Essa associação de Jameson está baseada em uma função descritiva e não diagnóstica, e para fazê-la, o arquiteto utiliza a definição do psicanalista Jacques Lacan sobre a esquizofrenia. Lacan considera a esquizofrenia como uma desordem de linguagem, em que ao não conseguir conhecer a articulação da linguagem, não possui a experiencia de continuidade temporal, estando condenado a viver um presente perpétuo, sem relação com seu passado e com seu futuro. Por não projetar suas experiencias no presente, a experiencia de um esquizofrênico é muito mais intensa, material e desconectada.

Essa experiencia alucinatória é sentida como perdida e como irreal, mesmo tendo um aumento das percepções e intensificação libidinal, não é uma experiencia agradável. E é essa experiência que Jameson associa a experiencia pós moderna, do sujeito incapaz de criar uma identidade, sem conexão com seu passado e sem conseguir deslumbrar um futuro. A experiencia pós moderna é intensa e material, como se a realidade fosse transformada em imagens, em que o tempo se fragmenta em uma série de presentes perpétuos.

Teoria da Grandeza

A sociedade, e consequentemente, a cidade se transformam com essa nova fase do capitalismo, há uma cultura moderna metropolitana, uma hiper densidade nas cidades e, nas produções artísticas, uma exploração da cultura da congestão. Essas mudanças também causaram uma ruptura do modo de fazer arquitetura, induzida e exposta pelo capital, que a força a explorar o máximo de seu potencial. Ao mesmo tempo que a arquitetura se torna máxima, ela também se reduz ao seu mínimo: ao máximo por conta da grandiosidade do objeto, e mínimo, pois ela se torna dependente, instrumento de outras forças.

“A forma segue a função”, um dos conceitos básicos da arquitetura moderna é rompido, já que um único edifício passa a abrigar inúmeras funções (escritórios, residencial, espaço de lazer,...) e a sua forma externa é coesa e única, enquanto seu interior é múltiplo e fragmentado. O exterior se apresenta para a cidade como um objeto de design isolado, a sua fachada está desconectada do seu interior, sendo projetos a parte. Nesse sentido, a arquitetura rompe com o urbanismo, a grandeza compete com a cidade: “Em conjunto, todas estas rupturas – com a escala, com a composição arquitetônica, com a tradição, com a transparência, com a ética – implicam a final e mais radical ruptura: a Grandeza já não faz parte de nenhum tecido urbano” (KOOLHAAS, 1985)

O arquiteto Rem Koolhaas constata que a cidade genérica, sem caráter e personalidade, é a realidade em que se vive, ela foi criada pelo capital e ninguém a controla, ela está à mercê do seu criador. Nesse processo, a arquitetura se torna espetaculosa, mostrando tudo o que é mais inovador e revelando o poder do capital, e o arquiteto se torna uma marca, o capital o força a criar uma arquitetura mais genérica, criando um padrão

fácil de reproduzir. Um exemplo disso é a Zaha Hadid, cujas obras iniciais buscavam um desenho leve e uma imaterialidade, criando outras formas de percepções, mas que passou a representar um padrão, e suas obras posteriores passam a ser apenas uma reprodução desse algoritmo, consolidando o processo de branding, em que formas icônicas criam a marca, que se destaca em relação a todo o resto.

Esses projetos trazem muito forte um simbolismo e um apelo imagético, para a criação de um marco, numa tentativa de demonstração de poder, como monumentos auto referentes. A sede da China Center Television foi projetada para materializar a grandeza da economia chinesa e consolidar um monumento da comunicação e do capital, sua forma se assemelha aos grandes arcos que eram construídos em homenagem às conquistas, transformando a sede da tv em um “arco do triunfo”. Essas grandiosas obras também revelam a naturalização do capital, elas são imponentes em relação a cidade, sem possuir nenhuma relação obvia, e passando por cima de tudo, já que a cidade está submetida ao capital.

Diferentes dos modernos, que buscavam na indústria uma solução para o déficit habitacional, a partir da standartização e produção em massa dos elementos pré fabricados, a discussão high tech cria tecnologias, lógicas e ferramentas para um único projeto, e com isso, esse único projeto precisa arcar com os custos de todo esse maquinário. As pirâmides do Louvre são um exemplo disso, em que se desenvolveu uma técnica para um vidro de grande espessura e resistência, sem que fosse esverdeado, somente para a cobertura do museu, foram gastos milhões de euros, dando uma importância maior a essa entrada do que ao próprio museu e as obras ali expostas: a leitura da produção artística se esvai num projeto que privilegia o espetáculo e cenografia, desconfigurando a dimensão de museu.

Nesse processo, a arte se embaralha com o consumo, os arquitetos “perdem” o controle do mundo e da dinâmica social, econômica e política, há uma comercialização do espaço e as cidades são transformadas para a reprodução desse capital. Koolhaas aceita esse processo, e dá continuidade ao cenário em que o arquiteto não é o único responsável em determinar a forma do edifício, aceitando essas modificações posteriores como parte da forma final, sem controla-la. Já o arquiteto Jean Nouvel tenta buscar esse repertório não arquitetônico incorporando-os nas formas e questões arquitetônicas, numa tentativa de organiza-los, ou seja, ele busca já inserir do seu modo elementos que seriam colocados posteriormente pelo mercado financeiro.

Esses dois arquitetos criam soluções distintas para o mesmo problema: Koolhaas aceita, com certo cinismo, que arquitetos não possuem o controle que um dia imaginaram ter; Jean Nouvel aceita esse fato como condição para negociação, buscando sempre o imaginário que não pertence ao repertório arquitetônico.

Enquanto a arquitetura moderna criava certa estabilidade para pensar e fazer arquitetura, seguindo definições e conceitos já concebidos, ao mesmo tempo que funcionava como oposição e crítica à sociedade, a arquitetura contemporânea traz respostas e soluções cada vez mais variadas, mas se alinha e reproduz a lógica do capitalismo, deixando sem resposta a seguinte questão: haverá alguma forma de resistência à essa lógica?

Pirâmides do Louvre, Ieoh Ming Pei, 1989 Fonte: https://catracalivre.com.br/criatividade/icone-da-arquitetura-piramide-do-louvre-foi-uma-solucao-de-acessibilidade-do-museu/

Referências:

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HARVEY, David. A condição pós-moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. (cap. I e II) Internacional Situacionista, “O urbanismo unitário no fim dos anos 1950” (1959); JACQUES, Paola Berenstein (or.). Apologia da deriva: escritos situacionistas sobre a cidade – Internacional Situacionista. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2003.

KOOLHAAS, Rem et al. The generic city. Sikkens Foundation, 1995.

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VENTURI, Robert. Complexidade e contradição na arquitetura. São Paulo: Martins Fontes, 1995.

VENTURI, Robert; BROWN, Denise Scott; IZENOUR, Steven. Aprendendo com Las Vegas. Editora Cosac Naify, 2003.