Revista Tantas | Teste

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EDIÇÃO ESPECIAL DE AUTOR

RiO editorias desafOgo Fala pOvo em fOco reverba TANTAS culturas expressar-se 4 5 9
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Tantas possibilidades, tantas vozes, tantas versões, tantos pontos de vistas diferente, tanta pluralidade. A cultura é multifacetada e movimenta todas as sociedades e grupos. Foi pensando nessa multiplicidade de versões que este artefato nasceu. A revista tantas é uma publicação periódica independente desenvolvida para a disciplina de Laboratório de Design em Jornalismo do curso da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul e possui um caráter de experimentação com enfoque na cultura. Dedicada a cobrir e apresentar pautas culturais, como música, filmes, podcast, games, eventos, moda e regionalismo, é um produto plural e imersivo. Bem-vindo a esse universo!

Editora-chefe | Redação | Direção de arte | Diagramação

Marina Gabriely

Redação e fotografia

Alicce Rodrigues

Anna Luiza Petermann

Gabriel Neri

Gabriela Cenciarelli

Luísa Oliveira

Raquel Alves

Victória Amorim

Edição

Edson Silva

Daniela Siqueira

Gerson Martins

Katarini Miguel

Mario Fernandes

Rafaella Peres

Silvio Perereia

Ilustrações e imagens | Créditos de capa

Freepik premium com alterações de Marina Gabriely Banco de imagens gratuito

Unsplash

Pixabay

espaços games regiões moda culTura delas para O mundo pOnTo de visTa a esquina LoL of Machism ? MS é fronteiriço memórias texteis por trás do close lost girls do alto do privilégio 15 18 20 32 28 16 20
Junho, 2023 expediente edicao #01 ~ ,

reverbera

existem vários tipos de silêncio

o de quem se cala; o de quem grita; o que muito diz;

o que quieto fica; aquele momentâneo; aquele que conforta; e aquele que agonia; o silêncio é onipresente.

e o teu, meu bem me corroí e me constrange

eu gritei daqui você me ouviu?

eu grito toda hora eu imploro por socorro mas ninguém vem ninguém me vê meu grito é mudo minhas piadas fazem sentido? para mim não mais.

imploro socorro em cada fragmento de humor clichê

silêncio. o silêncio reverbera em uma frequência mais alta que um grito entre nós.

ele nos sufoca. você consegue ver o fim? eu senti.

na imensidão do silêncio. dadiva ou pesadelo?

me pergunto enquanto afundo em um marasmo

e te assisto cada vez mais distante.

o som do silêncio me espanca e se mistura com a pulsação acelarada da minha dor de cabeça minha enxaqueca pede socorro e te vejo ir embora na mais profunda onda sonora negativa.

eu queria que ficasse. por que não quis ficar? era para o silêncio continuar sendo um bom mecanismo em vez disso agora ele é minha tormenta. fragmentos vazios nulos sem som de ambientação com flashbacks do que eramos nos felizes em um silêncio amigável.

ficou tudo quieto por aqui. não te vejo mais nossos caminhos se descruzaram mas te desejo em silêncio todo a felicidade que desejei para nós em sua individualidade. grandes momentos de silêncios confortáveis e para mim, só espero, que o silêncio volte a fazer sentido.

volte a reverberar.

edição especial
Marina Gabriely
4 desafOgo

TANTAS culturas

Do termo em latim colere, cultura é uma pequena palavra imersa em inúmeros significados e cargas. Em sua essência, significa cultivar. É a ação de tratar algo, desde as plantas e bactérias até os mais diversos conhecimentos. Ela é multifacetada. O indivíduo está imerso em uma cultura desde o primeiro suspiro, e desde o primeiro bê-á-bá já compreende intimamente o comportamento social e cultural de viver-se em sociedade.

O status onipresente a torna um conceito amplo. Para o imaginário popular, é facilmente definida como características pertencentes a um determinado local ou grupo, expressões de um povo, como por exemplo, o tereré e o sobá para a culinária sul-mato-grossense. É intrínseco ao estado, um turista não pode ir embora sem experimentar e levar consigo um pouco da cultura que conheceu ali. Para a sociologia e antropologia, a cultura corresponde a tudo que provem da criação humana, como ideias, costumes, leis, crenças morais, e é incorporado em uma sociedade. Essas tradições e características são comumente adquiridas a partir do convívio social.

Em termos gerais, cultura é um misto de comportamentos, tradições, conhecimentos, arte, música, religião, língua, compartilhados por membros pertencentes a uma comunidade. É transmitida oralmente, por meio do contato entre pessoas e também de geração em geração. Devido ao repasse geracional, a forma como é consumida se modificada e se adapta aos novos costumes de determinada geração. O que um millenium compreende como cultura pode divergir dos conceitos encarregados a um gen z. A partir disso, cria-se um conceito cíclico e generalizado, que abrange todos os cantos.

As discussões sobre o que é cultura pairam nas rodas sociais desde os primórdios da democracia. Com a necessidade de aprofundar-se e compreende-la por inteiro, estudiosos dividiram a cultura em vários tipos, buscando abranger o máximo de suas variações.

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cultura de massa

Expressões culturais produzidos na Indústria

Cultural, com o objetivo de alcançar o maior número de pessoas possíveis e com foco em gerar produtos para consumo. Produzida para as massas e não pelas massas.

(*) Significados retirados do site Significados

cultura material e imaterial

Material: Associada aos elementos concretos de uma sociedade está o patrimônio cultural material. Esses elementos foram sendo criados ao longo do tempo e, portanto, representam a história de determinado povo.

Imaterial: Associada aos hábitos, comportamentos e costumes de determinado grupo social está a cultura imaterial ou patrimônio cultural imaterial. Representa os elementos intangíveis de uma cultura, formado por elementos abstratos que estão intimamente relacionados com as tradições, práticas, comportamentos, técnicas e crenças de determinado grupo social.

Formada através de estudos, investigações teóricas e dados empíricos que permitem o desenvolvimento de um pensamento mais elitizado, elaborado e crítico. Também conhecida como “cultura de elite” ou “cultura superior”, requer o acúmulo de um conhecimento amplo prévio por parte do seu consumidor para que possa ser apreciada.

cultura erudita cultura popular

Expressão que caracteriza um conjunto de elementos culturais específicos da sociedade de uma nação ou região. Muitas vezes classificada como cultura tradicional ou cultura de massas, a cultura popular é um conjunto de manifestações criadas por um grupo de pessoas que têm uma participação ativa nelas. A cultura popular é de fácil generalização e expressa uma atitude adotada por várias gerações em relação a um determinado problema da sociedade. A grande maioria da cultura popular é transmitida oralmente, dos elementos mais velhos da sociedade para os mais novos.

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Popular

Partimos do princípio. Quando pesquisamos popular no dicionário da língua portuguesa, nos damos de cara com o seguinte significado:

po·pu·lar (latim popularis, -e); adjetivo de dois gêneros

1. Relativo ou pertencente ao povo.

2. Que é usado ou comum entre o povo.

3. Que é do agrado do povo ou de um conjunto alargado de pessoas.

4. Vulgar, notório.

5. Democrático.

6. Que se transmite informalmente ou com base na tradição oral, por oposição a erudito (ex.: música popular; palavras formadas por via popular). substantivo masculino

7. Pessoa pertencente ao povo.

“popular”, in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa

Com raízes no povo, em pessoas, a palavra tem amplo significado e divergentes aberturas de percepções. Mas traz em sua essência o sentimento de pertencimento e reconhecimento. Durante a fase da adolescência, consideramos populares aqueles em que seus nomes são conhecidos independente da ‘bolha social’ que participam. Com o avanço tecnológico, a popularidade começou a ser atrelada com a quantidade de seguidores e curtidas nas redes sociais.

Mas o popular vai além de índices de popularidade de pessoas. O popular perpassa por todos os cantos e ideias resultantes das ações realizadas do povo para o próprio povo. Estudos indicam que cada pessoa tem uma noção diferente do que é popular, geralmente definidos pelo espaço que cresceu e teve contato.

A cultura e pop

Chegamos ao viés da questão, o que se forma quando juntamos cultura e popular? A cultura popular é originaria da interação continua entre pessoas e da necessidade de se enquadrar no ambiente. Com o advento das tecnologias, novos espaços e variações para a cultura surgiram.

A cultura popular surgiu graças à interação sem interrupções entre pessoas de regiões diferentes e à necessidade do ser humano de se enquadrar ao ambiente envolvente. A sociologia e etnologia, que estudam a cultura popular, não têm como objetivo fazer juízos de valor, mas identificar as manifestações permanentes e coerentes dentro de uma nação ou comunidade. A cultura popular é influenciada pelas crenças do povo em questão e é formada graças ao contato entre indivíduos de certas regiões. Pode envolver áreas como a música, literatura, gastronomia, futebol, moda, games, entre outros. Tudo depende da comunidade em que está inserido.

A cultura popular está em todos os cantos, em todos os momentos. Respiramos cultura, mas não sabemos defini-la. Afinal, o que é cultura popular?

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O que voce entende como cultura popular?

Cultura popular é aquilo que é do povo, que é o costume, a tradição. É o linguajar, é o sotaque, são as comidas, são as coisas simples do povo, entendeu? Não é nada que refira a, sei lá, não tem muito culto intelectual, nada. É coisa popular, do povo do geralzão entendeu, da massa.

Cultura popular se aproxima das pessoas. Não é algo excludente. Não é classista e nem se restringe aos teatros e aos museus. Cultura é cultivo. O esporte faz parte dela. Pode não estar sempre ali, mas está na memória e no afeto. Enfim, cultura é ligação independente da área.

Acho que vejo a cultura popular como uma manifestação e expressão da nossa sociedade, como se fosse uma resposta à tudo que consumimos, mas em que também estamos inseridos, juntando tradições e coisas mais atuais, como as redes sociais, mídia e etc. Um exemplo seria a rapidez com que as coisas tem viralizado na internet e se inserido no nosso cotidiano, como o Tiktok. O Tiktok se tornou um grande mediador do que viraliza ou não, como as danças e as músicas populares já, que hoje estão inseridas em tudo, até em tradições regionais como as festas juninas, com o pessoal juntando as danças virais do aplicativo com as quadrilhas clássicas

Ana Caroline Rodrigues Brasilia/DF Marco Antôonio Cuiabaá/MT Gabriel Neri Campo Grande/MS
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Foto: Redes sociais Foto: Redes sociais Foto: Redes sociais

expressar-se

Tinta guache, guache sobre tela.

A arte se manifesta a todo momento em várias formas e vertentes, em cada rua, cada pessoa, cada célula. O corpo humano é uma tela em branco. Um espaço livre para encher-se de expressões e sentimentalismo.

Estamos mergulhados em uma rotina apressada e conturbada de cidade grande onde o cidadão esquece de transbordar suas angústias, sua felicidade e seus sentimentos e se entrega à monotonia da vida andando pelas ruas sem perceber a beleza que o cerca. Esquecemos de notar e apreciar os detalhes e sucumbimos ao sentimento de sufoco, de “estar de saco cheio”, de estarmos vazios.

Toda cidade possui sua própria essência e beleza em meio ao caos e, muitas vezes, é no próprio caos que mora todo o encanto e graça. A cada nova esquina esbarramos com diferentes expressões artísticas expostas com toda coragem e necessidade de fugir, mesmo que por poucos minutos, da realidade inquieta. Os efeitos dessa expressão recaem tanto a quem a faz quanto a quem reserva seu tempo a apreciá-la. A arte tranquiliza, dá força e esperança.

A vanguarda abstracionista é um estilo artístico moderno e consiste em uma arte subjetiva e não representacional, com ausência de objetos facilmente reconhecíveis e dispostas de maneira aleatória. Ela é uma incógnita em um ambiente onde a arte sempre foi certeza. O abstracionismo está aberto para diversas interpretações e perspectivas de quem a faz, de quem a vê e de quem a sente. A ideia de utilizá-lo como base para esse ensaio foi dar a liberdade para as modelos utilizarem da tinta para extravasar seus sentimentos, de expressar-se em uma tela, seu próprio corpo, de forma “desordenada”, o que a realidade corrida reprime. Nós nos achamos no meio da nossa própria confusão.

em fOco Marina Gabriely
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Sou cria de cidade grande. Crescer em uma grande metrópole me ensinou na “marra” a enxergar e encontrar a beleza que esse ambiente nos proporciona, a torná-lo minha distração, válvula de escape, entretenimento e ponto de paz. Dentro do ambiente urbano, cada picho é uma forma de transbordar o que se sente, existe resistência ao marasmo em cada “não existe amor em cg”, “marielle vive!!” e “fora bolsonaro” rabiscado nas parede, que cada grafite é a cor da cidade, que nos tira a sensação de estar vivendo presos no cinza e traz alegria, que cada prédio, cada detalhe, cada elemento presente na cidade e em sua história tem uma beleza que harmoniza o ambiente e nos arranca da inércia robótica da rotina.

Esse ensaio foi montado com base a intenção de mostrar que até um prédio que precisa ser repintado possui seus encantos e que é necessário coragem para extravasar e sair da prisão maçante e caótica da rotina, sendo um espaço de refúgio e eternização das expressões da cidade e das modelos que toparam embarcar nessa ideia. Tinta, pintura, sentimentos e fotografia. Somos feitos de arte.

As cidades escolhidas para compor esse trabalho foram Brasília e Campo Grande, ambas localizadas na região Centro-Oeste do país. Foram fotografados em pontos das cidades que podem ser considerados turísticos e os seus arredores. Os espaços utilizados em Brasília foram: a ponte JK, o Teatro Nacional Cláudio Santoro, que se encontra perto do shopping Conjunto Nacional e do terminal Rodoviária do Plano Piloto, ambos são espaços muito utilizados pela classe popular e os caminhos que os ligam possuem fortes manifestações artísticas e políticas em suas paredes; e o Parque da Cidade Dona Sarah Kubitschek, que é repleto de grafites e possui paradas de descanso com painéis de azulejos planejado por Athos Bulcão. Já em Campo Grande o espaço utilizado foi a Esplanada Ferroviária, local onde funcionou a antiga estação ferroviária e que teve grande importância para o desenvolvimento do estado.

Expressar-se é um grande ato artístico em um ambiente em que muito se anda e pouco se percebe.

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A esquina

Na capital do estado de Mato Grosso do Sul, localizada no bairro central, na interseção do cruzamento da Rua José Antônio com o Rua Barão do Rio Branco, tem um canto popularmente conhecida. Ali se encontra o Velfarre, o bar cultural de Campo Grande. É assim que ficou conhecido o singelo restaurante localizado há 7 anos naquela esquina, uma área nobre da cidade. Ali, quase todos os dias, grupos de amigos, familiares, casais, turistas aconchegam-se em suas mesas para entreter-se. Ali casais já se juntaram, já se separaram. Amizades foram feitas, desfeitas e refeitas. Tudo isso ambientado em um espaço cuja decoração remete combinações de culturas e a um caráter boêmio. Possui um aspecto da cultura alemã e fortes elementos da cultura sul-mato grossense que tanto prezam. Perto do banheiro, encontra-se o - famoso ponto fotográfico - par de asas da arara Canindé, pássaro símbolo da capital. Dispõe em seu interior bandeirolas de todos os times brasileiros, uma lojinha de souvenirs com artesanatos feitos por artesãos locais, fotos antigas da cidade e o querido Capvel, capivara mascote do lugar.

Seu nome incomum remete a experiências de seus sócios fundadores somada a vontade de inovar. E inovaram. Inovaram e valorizam a cultura. Rodrigo e Heriko Hata idealizaram e deram o pontapé inicial do projeto de identidade de campo grande. Foi ali naquela esquina, que surgiu o primeiro letreiro “EU CG” e também é ali que se finaliza o trajeto turístico, city tour, onde oferecem aos turistas um cardápio repleto de comidas e ingredientes regionais.

Todos os pratos típicos estão ali, desde o mais simples ao mais excêntrico. Contudo, o bolinho de carne de jacaré é o que mais se destaca. Ao menos foi o que me disse Eduardo, cliente frequente do local, quando o questionei sobre qual prato ele me indicaria. E de certo ele não estava errado. O bolinho além de um sabor excepcional possui uma história por trás. Duas mulheres, um concurso, o melhor sabor.

A atribuição que lhe foi dada de bar cultural não foi atoa e tampouco. É só pisar ali que você se sente encoberto e mais próximo da cultura, da variedade e do sabor local. A experiência e a viagem se validam e se conectam bem aqui, na mesa do bar Velfarre, farreando e se entretendo com os companheiros de aventura - a aventura de adentrar Campo Grande e conhecer sua história.

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Foto:AcervoPessoal

Os Crimes de Long Island LOST GIRLS:

A mesa está posta para um jantar em família, mas a filha mais velha não aparece - aparentemente estava trabalhando. Uma mãe desesperada, uma filha desaparecida em um condomínio privado de Long Island, o descaso policial diante da situação. Em busca de respostas, Mari Gilbert (Amy Ryan) vai atrás de provas e pressiona os policiais do condado de Suffolk a investigarem o desapareci mento de Shannan Gilbert. O que ela não esperava é que descobriria uma terrível onda de crimes que entraria na pilha de casos não solucionados dos Estados Unidos da América.

Essa é a premissa do filme ‘Lost Girls: Os Crimes de Long Island’, lançado no dia 13 de março de 2020 e que estampa as prateleiras virtuais da Netflix, com classificação indicativa de 14 anos. Baseado em um caso da vida real e no best-seller homônimo de Robert Kolker, o novo suspense policial da plataforma surpre ende por ser incrivelmente morno. Dirigido pela cine asta Liz Garbus, detentora do Prêmio Emmy do Prime time: Melhor Documentário/Especial do ano de 2016 por ‘What Happened, Miss Simone?’, o filme aborda o ponto de vista da protagonista, a mãe da vítima, e é repleto de reflexões e críticas sobre a violência de gênero e o desprezo escancarado pelas minorias, que é muito recorrente no país.

Para um suspense policial, o drama tem um ritmo lento e peca em seu seguimento com uma passagem de tempo nem um pouco clara até perto do finalapesar das tentativas da diretora ao colocar recortes de telejornais da época que falavam sobre o crime. A forma que as sequências são colocadas dão a entender que Shannan desapareceu em um dia, no dia seguinte

mãe passou quase um ano e meio pressionando os policiais para começarem uma investigação. O entendimento fica ainda mais confuso quando uma das filhas de Mari, Sherre Gilbert (Thomasin Mckenzie), aparece mais próxima das famílias das outras vítimas encontradas. Passou-se um dia, um mês ou um ano? Era a intenção tudo ser tão “rápido” para diferenciar-se da história original ou é apenas uma mera falha de roteiro?

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Além disso, o longa foge da investigação policial dos assassinatos e se concentra no emocional de seus protagonistas. Vemos pouco do andamento da investigação em si e muito de uma mãe desesperada e policiais que escancaram seu preconceito, misoginia e seletividade ao negligenciar, não apenas as vítimas por seus status quo na sociedade e sua profissão, mas toda uma população ao decidir quais casos são relevantes e darem preferência no socorro a “besteiras” de uma elite.

Apesar das falhas, é um filme que retrata brilhantemente as emoções de quem fica, das famílias que sofrem até hoje com a falta de quem se foi e de um desfecho. Vale a pena o tempo gasto assistindo.

ficha tenica

Título:

Lost Girls: Os Crimes de Long Island (Brasil) Lost Girls (Original)

Ano de Produção: 2020

País: Estados Unidos da América (EUA)

Duração: 95 minutos/1h 35min/95 minutos

Direção: Liz Garbus

Roteiro Michael Werwie

Elenco

Amy Ryan, Thomasin McKenzie, Gabriel Byrne, Lola Kirke, Oona Laurence, Dean Winters, Miriam Shor, Reed Birney, Kevin Corrigan, Stan Cartp

Estreia: 8 de Março de 2020 (Brasil)

Classificação: Não recomendado para menores de 14 anos

Gênero:

Drama, Mistério, Thriller, Suspense, Filmes baseados na vida real, Filmes baseados em livros, Policial, Dramas policiais, Mistérios policiais

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cuLTuRa | games

LEAGUE OF LEGENDS MACHISM ?

O eSports, como é chamada a modalidade de jogos eletrônicos, engloba diversos gêneros de jogos, sendo algum deles o Real Time Strategy (RTS), luta, futebol, First Person Shooter (FPS), Role-Playing-Game (RPG) e Multiplayer Online Battle Arena (MOBA). Seu público é enorme e variado, tem gente de todas as idades, sexualidade e gênero - o acesso à internet facilitou isso. A modalidade é hoje uma grande potência, um grande espaço. É um universo gigante e contaminado por males que rondam espaços para além do digital.

Seja como pro player ou no modo casual, preconceitos e boicotes contra mulheres em jogos eletrônicos são frequentes no universo gamer

Machismo. Uma palavra pequena com um peso e consequências gigantescas. Carrega consigo tragédias, violência, opressão. Ela se tornou tão recorrente no cotidiano que nem assusta a grande parte da população - só quem sofre. Ah, quem sofre.. Nós, mulheres, tememos essa palavra e às atitudes que lhe são atribuídas e que estão enraizadas no sistema. Deixou de assustar,

virou pauta para mudança, a sociedade tem consciência de que a violência verbal, moral e física contra a mulher é errado e reconheceu seus direitos. Existem leis que defendem, mas todo esse comportamento está longe de acabar. Ele ainda está impregnado.

Os comportamentos se desdobraram em novos, se misturaram em coisas comuns, se mascararam e foram normalizados. Eles não querem deixar de existir. Insultos verbais ou não verbais, “piadas” de humor ácido, distinção na maneira de tratar alguém por conta de uma característica, estereótipos, entre outros. Essas situações estão além do que a lei promete evitar e são chamadas de micro agressões. Não achando mais brechas para se espalhar como sempre aconteceu no “mundo real”, já que a luta feminina ganhou espaço, migrou para o mundo virtual.

A internet, uma terra sem lei, mas não tão sem lei assim. Em um lugar onde existe de tudo, o machismo encontrou terra fértil e se espalhou. E a comunidade gamer, um grupo de pessoas que acompanham e praticam esportes eletrônicos, não deixou de ser contaminada. O machismo e o conservadorismo se expandiu para um ambiente novo e adaptou o visual, adentrou oficialmente o século 21.

Às mulheres estão cada vez mais conquistando seu espaço. Às sufragistas inspiraram a luta, mas no mundo gamer não tivemos tantos avanços assim. Com o aumento massivo do machismo virtual, a plantinha feminina que ali tinha foi

sufocada. Ela resiste, mas o local se torna cada vez mais inóspito e desagradável de se ficar.

A crença fiel dos homens de que aquele espaço é exclusivo para eles, que videogames são para garotos e que possuem talento natural para isso, além da consideração de que são superiores e mais habilidosos que qualquer mulher, alimentam ‘o vilão’. É comum ouvir de jogadoras reclamações de que já foram insultadas durante uma partida ao ser notada como pessoas do sexo feminino, seja pelo nickname (nome de jogador) ou pela voz devido ao sistema de chamada que alguns jogos possuem.

Como jogadora de Valorant e Couter-Strike, Giulia Amaral ouve constantemente comentários ofensivos vindo de todos os lados, inclusive de um companheiro. Ele disse que mulher não tem reflexo, não consegue pensar rápido e não joga bem por não ter habilidade o suficiente. Um estereótipo muito propagado, por sinal. Giulia tem 20 anos e faz parte dos 53,8% do mercado nacional, que é representado pelas mulheres. Dessas métricas, têm mais de 58% no casual e 41% no hardcore - dedica muito tempo aos games.

Essas ofensas e assédios são corriqueiras, muitas vezes os garotos fazem boicote e atrapalham o jogo por ter a presença feminina ali. Uma das saídas encontradas por essas mulheres para continuarem jogando o que gostam e evitar toda essa opressão e constrangimento é a opção de se esconder atrás de nicks masculinos. Não é

agradável se esconder, mas, em certo ponto, é confortável. Às empresas alegam dar proteção ao público-alvo, mas nem sempre essas denúncias têm resultado positivo, o que levou às mulheres a encontrar esse ponto de fuga.

As mulheres estão presentes em peso nesse universo e, consequentemente, o número de streamers e youtubers femininas é enorme e possuem grande influência com as jogadoras. Entretanto, elas muitas vezes são descredibilizadas e diminuídas a apenas um rostinho bonito. Julgam seu sucesso e fama por serem bonitas e não habilidosas no game. São constantemente objetificadas e não possuem tanta visibilidade e engajamento quanto os homens que ocupam a mesma posição.

Jogadoras são selecionadas pelos times para promovê-los, muitas delas subindo para a vida de pro player e, mesmo assim, dão ênfase a sua aparência. Recentemente a gamer Mayumi processou o antigo time, a INTZ onde atuava como pro player de League of Legends, por assédio moral. Ela alegou ter sido afastada das atividades esportivas e só utilizada para fins publicitários.

O universo gamer está contaminado, mas isso não está perdido. Assim como um jardim cheio de pragas, existe a possibilidade de podar e arrancar todo esse comportamento tóxico do ambiente. Menos ofensas, boicotes e normalização das atitudes machistas para construir um espaço mais confortável para as jogadoras.

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Tic Tac. Gasto - muito - das minhas horas en tre trabalhos, programas de TV e redes sociais. Tic Tac. Da televisão vem a notícia: fraudes no auxílio. Na notificação do celular a fofoca: “você sabia que fulana teve o auxílio aprovado?” No Instagram da fulana um story usufruindo dos luxos de uma lancha, causando aglomeração e sem o mínimo de empatia, e em seu Twitter futilidades misturadas com uma defesa voraz de um tal racismo reverso. Isso existe? Claro que não.

Tic Tac. Mais uma vez angústia.

Não me recordo de como viramos amigas. Éramos crianças, e ela sempre levava seus brinquedos caros, não tinha quem não se deslumbrasse. Nossos caminhos se encontraram e desencontraram diversas vezes, os laços estabelecidos, o íntimo conhecido. Na

Hoje, em meio a turbulentas ondas de fascismo escancarado me deparei com seu posicionamento. Não foi surpresa, mas fui tomada por tamanha decepção. Sempre fomos muito diferentes, opostos que se atraem, mas ninguém pode falar que eu não tentei. Nunca desisti dela, estava disposta a crescer junto, a compartilhar aprendizados, mas ela parou no tempo. Acreditava que era só uma fase, recebemos a mesma educação. Eu tentava até ontem. Decidi que não estou mais disposta a compartilhar a vida com quem não reconhece seus privilégios e fecha seus olhos para o mundo além da sua bolha. Com quem, do alto do seu status, não dá voz a quem passou tanto tempo silenciado.

Tento sentir a aflição e desalento de Dona Maria, que batalha todos os dias para fornecer a sua descendência aquilo que não pode desfrutar; e se orgulha de sua primeira geração em uma universidade federal. Ela deseja a paz, mas não consegue pregar o olho enquanto não vê seu filho seguro dentro de seu pequeno apartamento. A neutralidade nos coloca a favor do opressor e a injustiça sufoca uma grande nação que nasceu do sangue preto e indígena. Os tempos são sombrios ou sempre foram?

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Mato Grosso do Sul e FRONTEIRICO ,

A formação identitária de Mato Grosso do Sul tem influência de diferentes culturas, como a paraguaia e a boliviana. As fronteiras com esses países são mais do que marcações geográficas e políticas

Chipa aqui, sopa paraguaia láa

Mato Grosso do Sul faz fronteira com Paraguai e Bolívia em toda a extensão que abrange a costa oeste. O estado faz divisa também com cinco unidades federativas: Paraná, São Paulo, Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso. Somente Mato Grosso supera Mato Grosso do Sul em divisas. Todo o benefício geográfico ajudou o estado a construir sua cultura com influências de diversos lugares. A maior área de ‘contato’ é com o Paraguai.

A troca com o Paraguai acontece de forma pulsante. A influência que vem da fronteira com os chacos é muito maior que a dos andinos. A culinária presente em Campo Grande traz mais exemplos de chipas e sopas paraguaias do que saltenha. As músicas também estão mais próximas do cone sul da América do Sul.

A chipa é um pão de origem paraguaia que tem o queijo como base. Esse alimento surgiu por volta do século 20 e tem sua presença registrada por todos os lados de Campo Grande. Segundo relato do dono da lanchonete Dona Chipa, localizada no Bairro Pioneiros na capital, Anderson Marques, ele tem conhe-

cimento de três estados com a iguaria paraguaia, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso e Paraná. A unidade federativa da região sul também faz fronteira com o país guarani.

balhar com chiparia veio de herança familiar. Sua bisavó era da província de Corrientes, Argentina. Esse território antes da Guerra da Tríplice Aliança pertenceu ao Paraguai e hoje faz parte das 24 províncias argentinas, que são equivalentes aos estados brasileiros. O nordeste portenho tem uma proximidade cultural grande com os paraguaios.

O dono da chiparia destaca que é difícil um campo-grandense ou sul-mato-grossense não conhecer

o que é uma chipa e que existe uma preferência no município pelo alimento. Ele assume que há diferenças entre a receita tradicional feita no Paraguai em relação ao produto feito em seu estabelecimento. “Veio do Paraguai e aqui na nossa cidade foi readaptada. A chipa paraguaia é feita com banha

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Alicce Rodrigues | Gabriel Neri | Marina Gabriely | Raquel Alves
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de porco, erva doce e outros ingredientes e bem dura. O pessoal aqui da cidade prefere bem molinha. Ela foi readaptada, mas a essência é a mesma, que é o queijo”.

Esse produto por estar praticamente presente somente na região fronteiriça com o Paraguai se confunde com um alimento brasileiro, que vem dos sertões, o pão de queijo. A base de ambos é a mesma, o queijo curado, ou seja, mais seco, firme e com a casca amarelada. A diferença citada por Marques está no preparo e nos ingredientes da massa. A chipa tem uma massa mais simples de manusear que o pão de queijo.

A adaptação envolve também o incremento de variações na receita original do alimento. A influência paraguaia trouxe a chipa para Campo Grande e a competitividade fez a criatividade aflorar. Os tipos presentes na lanchonete de Marques, são dois, a tradicional e as recheadas. Essas que têm recheios de goiabada, doce de leite e chocolate. Segundo informações relatadas por ele, saem oito chipas tradicionais para duas recheadas mesmo com a variedade.

A Dona Chipa está localizada na Rua Ana Luíza de Souza, a cerca de duas quadras da Associação Colônia Paraguaia. A região do bairro Pioneiros, que fica próximo ao Terminal Rodoviário de Campo Grande, tem

uma população mais velha e construções que superam os 40 anos. Marques sintetiza que há “uma influência muito grande da cultura paraguaia na região e que a boliviana é quase nula”.

A rua oferece outras opções de alimentos paraguaios como a sopa paraguaia e a erva-mate para o tereré. A história desses dois itens têm raízes na cultura guarani. A sopa paraguaia tem inúmeras receitas e sua origem é um mistério. Três versões são contadas pelos livros.

A primeira envolve o primeiro presidente do Paraguai, Carlos Antonio López. O mandatário amava sopa e um dia o chefe de cozinha errou a receita ao colocar mais milho que o costumeiro, o que deixou o cozido sólido. A segunda versão envolve a Guerra da Tríplice Aliança em que os soldados paraguaios colocavam mais milho para facilitar o transporte da sopa. A outra versão é rela-

tada pelo professor e antropólogo Álvaro Banducci. A origem estaria no significado da palavra sopa no espanhol, que é cozido ou mistura. Assim, a mistura paraguaia veio para o Brasil como sopa paraguaia e se popularizou com o nome.

Outro alimento popularizado no estado é a erva-mate, ela veio de um costume feito pelos indígenas paraguaios e o produto que hoje é identidade de Mato Grosso do Sul se restringia às classes econômicas mais baixas. Há vários estabelecimentos ao longo da rua Ana Luíza de Souza que vendem a erva. Todos os mercados visitados no estado também tinham ao menos uma opção do produto base do tereré.

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Foto: Gabriel Neri Foto: Gabriel Neri

Capital do Chamamée

O Chamamé é um estilo musical que surgiu na província de Corrientes e tem inspiração em outros ritmos paraguaios como a Polca e a Guarânia. A província argentina antes da Guerra da Tríplice Aliança era um território paraguaio e a proximidade entre o sul paraguaio e o nordeste argentino é grande por conta das relações históricas. A diferença entre os três estilos musicais está na velocidade do ritmo. Ambas são músicas de compasso com a melodia dividida em partes e com violão, bandoneón e sanfona como os principais instrumentos. A Polca tem o ritmo mais rápido e alegre que as demais, a Guarânia é mais lenta e o Chamamé se coloca no centro entre as duas. Os dois primeiros têm origens autenticamente paraguaias e o terceiro estilo é um precursor dos outros. O nome Chamamé veio do cantor paraguaio Samuel Aguayo.

A entrada desse estilo no Brasil e no território que compõe o Mato Grosso do Sul veio da corrente migratória paraguaia para o solo brasileiro. Campo Grande, que se tornou capital após a divisão de Mato Grosso, é um dos principais destinos. Segundo informações do radialista e produtor do programa

A Hora do Chamamé, Orivaldo Mengual, a Capital tem mais de 50 grupos chamamezeiros.

Mengual afirma que o estilo musical faz parte das raízes sul-mato-grossenses. Ele é um dos que fomenta essa cultura no âmbito local. O seu programa ‘A Hora do Chamamé’ tem mais de 25 anos no ar e esteve à frente da organização de festivais chamamezeiros, como o 2º Encontro de Chamamezeiros de Mato Grosso do Sul. A edição

de 2022 aconteceu entre os dias 3 e 5 de junho no estacionamento da Feira Central, em Campo Grande. “Chamamé faz parte das nossas raízes e tradições que herdamos dos nossos antepassados. Você vai a um baile em Campo Grande e vemos um grupo de Chamamé”.

O radialista ressalta que a influência para produção dos eventos e do programa vem de sua herança paraguaia. Ele tem família tanto na Argentina quanto no Paraguai. “Eu tenho uma relação desde a minha infância, eu cresci ouvindo Chamamé. Minha família é de origem paraguaia e também argentina”. A inspiração de Mengual para divulgar o Chamamé localmente e renovar os ouvintes do Chamamé. O Encontro de Chamamezeiros tinha seu público com mais idosos e poucas crianças.

O motorista David Campos esteve presente no festival de Chamamé e relatou que sempre que tem uma festa com o estilo frequenta. A relação dele com o estilo assim como Mengual vem dos primeiros anos de vida. “Minha relação com o Chamamé é praticamente desde os cinco anos de idade. Eu arranhava uma sanfona que ganhei do meu pai e mãe. Eu não tive a oportunidade de crescer devido às condições financeiras. Eu sempre cultivei isso”.

Campos relata que as músicas mais tocadas em sua casa são de origem fronteiriça como o Chamamé, a Polca, Guarânia e o Sertanejo. Essa ligação com o Chamamé inspirou o músico David Campos Filho a seguir carreira no estilo musical. “O Chamamé é hoje a minha vida, desde pequeno escuto por influência do meu pai. Atualmente sou um dos que carregam a bandeira do Chamamé, tanto pelo instrumento,

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Foto: Gabriela Cenciarelli Foto: Gabriela Cenciarelli

quanto por gostar muito do Chamamé. Escuto todo dia, meu dia a dia é 24 horas”.

“Para mim fronteira é ligação”, afirmou o motorista David Campos. “A cultura paraguaia influencia diretamente porque existe muita população paraguaia aqui em Campo Grande e no estado”, disse o músico David Campos Junior.

Campo Filho informa que o público ouvinte de Chamamé é adulto e cita que ele se considera uma exceção por ter 27 anos. “O perfil desse público é mais seleto, digamos assim. Ele abraça um pouco o povão, mas vejo que a média de idade é de 35 anos para cima. Dificilmente vejo alguém com menos de 30 anos que goste de chamamé”.

A cultura chamezeira segundo Campos Filho está enraizada em Campo Grande. “A relação passa de avô para filho e depois para os netos”. A cultura boliviana está em menor evidência também na música. Ele cita que os pedidos de canções quando se apresenta quase inexistem músicas bolivianas. “A cultura paraguaia influencia diretamente porque existe muita população paraguaia aqui em Campo Grande e no estado. Mesmo aqueles que não são paraguaios diretamente escutam e conhecem as músicas paraguaias. Então, influencia diretamente porque eu tenho que tocar, algum pedido vai sair de uma música paraguaia. Já a boliviana muito pouco, praticamente 1%”.

Para o casal Nestor Schovantz e Reynata Torres, o chamamé é muito mais que um estilo musical. Eles possuem um motorhome que nomearam como ‘Chamamé’ e sonham em viajar para o festival do

estilo musical que acontece em Corrientes. A presença do ritmo é constante na rotina do casal que sempre participa dos eventos relacionados ao estilo. Schovantz explica que todos os adesivos do veículo estão relacionados à fauna e flora sul-mato-grossenses.

Tamanha é a relevância do Chamamé que Campo Grande é a Capital Nacional do Chamamé. O reconhecimento veio pela Lei Federal 14.315, de 28 de março de 2022. O estilo também é considerado patrimônio imaterial de Mato Grosso do Sul. O estado também tem o Dia do Chamamé, comemorado em 19 de setembro, mesma data na Argentina, pela Lei Estadual 3.837, de 23 de dezembro de 2009.

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A cultura paraguaia influencia diretamente porque existe muita populacao paraguaia aqui em Campo Grande e no estado
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Foto: Gabriela Cenciarelli Foto: Gabriela Cenciarelli

Encontros e divisas

Fronteiras são demarcações político-geográficas instituídas para o estabelecimento da ordem territorial. Estabelecer limites físicos não implicam na divisão cultural. As fronteiras são complexas de serem traçadas quando múltiplas identidades convergem. É preciso retornar ao passado e compreender a formação das divisões territoriais entre Brasil, Paraguai e Bolívia para entender as intersecções culturais em Mato Grosso do Sul.

O primeiro marco para a divisão territorial nacional foi o Tratado de Tordesilhas. Acordo estabelecido entre Portugal e Espanha, em 1494, no período das grandes navegações. O acordo estabeleceu uma linha imaginária a oeste do arquipélago de Cabo Verde. As terras a leste do marco pertenciam aos portugueses enquanto o oeste era dos espanhóis. A doutora em Geografia e docente da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) Ana Paula Correia de Araújo comenta que “esse tratado não foi muito bem respeitado por Portugal”.

O Tratado de Madri surgiu, em 1750, depois que o de Tordesilhas se mostrou ineficaz. O novo acordo era baseado no princípio de “uti possidetis, ita possideatis”, ou seja, aquele que ocupa o território tem sua posse. O último marco importante para a criação das fronteiras brasileiras com o Paraguai e a Bolívia foi o Tratado de Petrópolis. O acordo que criou o estado do Acre foi importante para estabelecer limites com os bolivianos. Cada uma dessas fronteiras possui particularidades em sua criação, mesmo com os acordos emblemáticos.

Ana Paula Correia comenta que a formação da fronteira do Brasil com o Paraguai tem uma história própria e influência de conflitos armados e pecuária. “Teve todo um processo de ocupação do território litorâneo, primeiro com o pau brasil, mas sobretudo com a cana de açúcar. Depois houve uma produção de gado e isso foi se interiorizando pelo Brasil. O gado foi o grande fator de ocupação dessa parte do território. Já no tratado de Madri é revisto esses limites

territoriais definidos pelo de Tordesilhas e absolve essa parte que é Mato Grosso, Rio Grande do Sul e pega partes do norte também. E partes do que vem a ser depois o Paraguai passa a se vincular ao território brasileiro em função do tratado de Madri. Já no século XIX tem a Guerra do Paraguai e a gente também anexa parte do território que hoje é chamado de Mato Grosso do Sul” Ana Paula Correia, doutora em Geografia e docente da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul.

É preciso levar em consideração que a formação de uma região é dinâmica. A fronteira é marcada por múltiplas trocas culturais que se expandem além dos limites fronteiriços, a ponto de incidir em todo o estado sul-mato-grossense. Essa incidência se dá por meio da gastronomia, arte e comportamentos. “São identidades que se misturam e que fazem parte de toda uma região. Isso não tem fronteira. Não tem limites para essas relações que se estabelecem e que ultrapassam as definições de

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Sao identidades que se misturam e que fazem parte de toda uma regiao. Isso nao tem fronteira. Nao tem limites para essas relacoes que se estabelecem e que ultrapassam as definicoes de estados nacionais
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estados nacionais”, disse Ana Paula Correia, doutora em Geografia e docente da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul

A fronteira é muito mais que uma linha divisória. A professora de Espanhol, boliviana e moradora de Corumbá, Suzana Vinicia Mancilla Barreda, 61 anos, acredita que ser imigrante não é só estar fora do país, ou seja, demarcações geográficas não bastam quando se trata da diferenciação entre culturas.

“Acho que eu permaneço nessa condição estrangeira, essa condição estrangeira me acompanha. Porque no Brasil sou boliviana e na Bolívia não sou boliviana cem por cento, porque meu sotaque está carregado de português. Então é um jeito de ser imigrante permanentemente. Por isso não me catalogo como uma identidade única - não digo sou boliviana ou sou brasileira. Eu sou isso tudo. Então penso que ser imigrante não é só estar fora do país”, Suzana Mancilla Barreda

Filha de bolivianos e professora de Espanhol da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul.

Suzana Mancilla Barreda é filha de bolivianos. Seu pai, natural de Cochabamba, e sua mãe, nascida em La Paz, vieram para o Brasil na década de 50 e aqui tiveram seus três filhos. A docente de espanhol realizou inúmeras vezes o percurso entre Cochabamba e São Paulo com sua família. Em 2008, foi contratada pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul para lecionar no campus do Pantanal.

Fronteira vivida e fronteira percebida

O geógrafo Ricardo

Nogueira pesquisa sobre o tema e explica a existência de dois tipos de fronteira, a percebida e a vivida.

A primeira é construída pela interpretação daqueles que vivem fora desses espaços e a segunda por quem mora neles. A fronteira é, na maioria das vezes, sinônimo de violência e perigo para aqueles que estão de fora.

O entendimento desse espaço marcado pela convivência com

o outro, que pode ser harmônica ou desarmônica, faz parte da vivência de quem vive nesses locais.

Alunos do curso de Jornalismo na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) escreveram três palavras que associam às fronteiras quando pensam nessas regiões. A dinâmica aconteceu com a participação de 18 estudantes na aula de Antropologia da Cultura

Brasileira, ministrada pelo professor da UFMS e antropólogo Álvaro Banducci. O objetivo da dinâmica foi entender como esses espaços são entendidos por cada um.

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Foto: Alicce Rodrigues

nuvem de palavras

As percepções mais comuns para os alunos da disciplina foram narcotráfico, contrabando e violência. Essas interpretações são influenciadas pelos meios de comunicação, que destacam situações violentas nas fronteiras e reforçam o lado negativo desses espaços. Buscar a palavra “fronteira” em cibermeios jornalísticos, por exemplo, resulta em centenas de matérias que abordam sobre narcotráfico, contrabando e violência. Pouco se encontra sobre outros aspectos, como trocas e conflitos culturais dessas regiões.

O Tribunal de Contas da União (TCU) divulgou um relatório que aponta falhas na fiscalização das fronteiras. A falta de distribuição adequada de servidores e o alto custo para o treinamento de segurança e defesa são problemas que influenciam o aumento do tráfico de armas, drogas e do contrabando nessas regiões. O mesmo relatório também mostrou que falta investimento em segurança em todas as

fronteiras terrestres do Brasil e que ainda não existe um plano nacional para promover o desenvolvimento, a segurança e a integração nas faixas de fronteira.

As cidades fronteiriças vivem situações de violência assim como em todos os municípios de Mato Grosso do Sul. As faixas de fronteira permitem diferentes relações, harmônicas e desarmônicas, que estão em constante construção. Retratá-las somente a partir da violência, deixa de lado trocas e conflitos culturais, identitários, econômicos e educacionais que acontecem nesses espaços e reforçam estereótipos.

Cotidiano fronteirico - O mecânico Gerardo Faria, a estudante Tahis Samara e o professor Romário Oliveira cresceram em regiões fronteiriças. O vídeo documentário, presente na reportagem multimídia, mostra um compilado de entrevistas, que relatam sobre como é viver nessas regiões e quais conflitos permeiam a vida de moradores das fronteiras sul-mato-grossenses.

Leia a reportagem multimídia completa no readymag. Acesse pelo

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Por traás do ´ empoderamento e do close

A rotina agitada de quem busca realizar seu sonho de modelo e emponderar outras mulheres plus a se sentir bem com o seu corpo Marina

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Gabriely
Fotos: Redes sociais

Tri, trii, triii. O alarme indica o início de um novo dia. Cinco horas da manhã. Levanta, toma um banho, se ajeita. Pega as suas duas malas, uma com todos os itens que vai precisar para o job e outra com os itens que precisa para se preparar para o mesmo e coloca no carro. Agatha está preparada para o turno 1 de 3. O dia começa como merendeira em uma escola infantil. Bota a cara no mundo e inicia a rotina corrida. O dia só termina quando acaba.

Agatha Campos, 28 anos, é modelo plus size há 2 anos. Seu caminho se cruzou com Fabiane, uma coordenadora de concursos de moda do Rio Grande do Sul, que lhe apresentou o concurso ‘New Plus Models’, voltado para descobrir novas faces de modelos a nível nacional. O curso foi realizado a distância por conta da pandemia de covid-19 e contou com aulas de assessoria, dicas de passarela, dicas de mercado, como ter um Instagram engajado e instruções técnicas de negócios para as meninas que desejam adentrar no mundo da moda. As portas abriram e no concurso deste ano Agatha ficou em 2º lugar no nacional. “Para mim foi muito incrível. Quando saiu o resultado final foi tipo ‘ok, confirmado o que eu queria, é algo que eu posso fazer.’ Eu presumia que não chegaria nem no podium.”

Natural do Mato Grosso do Sul, ela já morou em vários estados do país. Antes de decidir voltar para Campo Grande, após perder o emprego em que trabalhava, estava morando em Anápolis e cursava estética e cosméticos. Ela conta que já pesquisava sobre o universo da moda e sobre ser modelo quando estava em Goiás. Na época, se imaginava trabalhando nos bastidores, com maquiagem e produção, e não nas passarelas. Foi no momento de transição, enquanto realizava o retorno para sua cidade natal que a possibilidade de ser modelo apareceu e percebeu que poderia ser exemplo para outras mulheres plus

O mercado da moda classifica as modelos em diferentes categorias, sendo elas desde o modus operandi de trabalho, por exemplo comercial, fashion e miss, até o manequim que vestem. Geralmente, as meninas se enquadram em mais de uma categoria. Agatha é modelo comercial e fashion do manequim plus size, ou seja, ela trabalha tanto com a publicidade e propaganda quanto desfila em passarelas para as marcas que tem como público alvo mulheres do manequim 42 a 62.

Fim do turno 1, é hora de se preparar para o turno 2: seu hobby e sua paixão, a moda. É dia de job , fotografar para uma marca de roupas. As malas com

os itens necessários para o ensaio fotográfico de editorial estão todos em seu carro. Toma banho no trabalho mesmo, se maquia, entra no carro e vai em direção ao próximo turno. Externa, 10 looks, uma tarde.

Agatha tem 2.597 seguidores em sua rede social Instagram e, atualmente, ela é quem cuida de sua carreira de forma independente. Gerencia seus trabalhos por meio da própria plataforma da rede social e ainda não fechou nenhuma parceria fixa, deseja conhecer mais as marcas que atendem a ela e ao seu público em Campo Grande antes de selar tal responsabilidade de exclusividade. Ela conta que está aberta para os diversos tipos de roupa, mas que marcas de lingerie e biquíni são as que mais a procuram. “As pessoas gostam de ver empoderamento, quando viram que eu topava mostrar o corpo real. As marcas querem mostrar que tipo ‘olha lá, ela é gorda e ela tá usando meu biquíni. Ela não tem vergonha de mostrar que é possível’”.

Apesar de se sentir confortável para fazer propagandas de biquíni, Agatha conta que ainda não venceu todos os medos e gatilhos e não se sente 100% para empoderar alguém. Mas compartilha sua rotina, interage sobre a pauta e busca adquirir sua própria maturidade no assunto, vencer seus gatilhos. “Meu Instagram não é voltado para à autoajuda, prefiro mostrar para elas que não precisam se importar em ser militante o tempo todo, mas também não dá pra ficar trancada dentro do quarto. Você pode simplesmente só ser normal e aceitar que tá tudo bem com o peso e medida que você tem. Imagina se todo mundo fosse igual que sem graça que seria?”.

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As pessoas gostam de ver empoderamento. As marcas querem mostrar que tipo 'olha la, ela e gorda e ela ta usando meu biquini. Ela nao tem vergonha de mostrar que e possivel'

Meu

plus size – termo em inglês que significa tamanhos maiores; na indústria da moda, entende-se como toda roupa acima da numeração 46

plus – mais; utilizado como redução do termo plus size

New Plus Models – concurso fashion a nível nacional

Instagram – rede social gratuita de compartilhamento de fotos e vídeos

podium – pódio; plataforma sobre a qual ficam o vencedor ou os primeiros colocados numa competição para receber suas respectivas premiações

modus operandi – modo utilizado para desenvolver ou realizar alguma coisa; processo de realização

modelo comercial – atuam em publicidade e propaganda de diferentes tipos de marcas e segmento

modelo fashion – atua no mundo da moda desfilando em passarelas

miss – título atribuído à mulher que venceu um concurso de beleza

fashion – referente a moda; aquilo que se considera elegante, de bom gosto, moderno

MS Fashion Week – evento de moda que acontece no Mato Grosso do Sul

nécessaire – qualquer recipiente, bolsa, estojo, sacola, usado para guardar objetos pessoais ou próprios para uma atividade específica

workaholic – pessoa que é viciada em trabalho; quem tem obsessão pelo trabalho ou trabalha compulsivamente

A rotina de três empregos é puxada, mas tem seus benefícios. Por enquanto, a moda complementa a renda, não dá para viver apenas dela, mas permite que ela conheça bons lugares para consumo. “Talvez eu não conhecesse tantas lojas plus size se eu estivesse apenas andando pela cidade, iria me frustrar muito antes de achar uma que me serviria. Hoje em dia já sei a loja específica que quero ir para achar o que preciso, do meu tamanho e da minha idade, que não pareça com roupas de pessoas velhas, uma roupa jovem.”

Com a categoria de modelos plus size, o cenário da moda aparenta celebrar a inclusão de diferentes corpos em um mercado que, muitas vezes, impõe padrões de magreza. Contudo, a realidade nos bastidores não é sempre às mil maravilhas. Recentemente, Agatha participou da seletiva do evento MS Fashion Week e conta que das centenas de modelos plus que participaram, apenas ela e mais uma foram selecionadas. “Fomos para a seletiva em um grupo de amigas e as meninas não foram selecionadas por serem ruim, muitas vezes elogiaram a passarela, então parece que colocam para cumprir uma cota, sabe? Tipo, vamos colocar uma gordinha para ficar bonita.”

“Estamos livres para mostrar o que queremos, então a gente tem que estar com corpos reais e acreditar, porque ninguém vai fazer pela gente, entendeu. Eles deram oportunidade, agora fazemos nosso nome como modelo”. Apesar do número reduzido de selecionadas, muitas marcas presentes no evento desejavam dar esse destaque e apresentaram várias peças plus sizes. Ela relata que em um desfile entrou três vezes na passarela, assim como sua colega.

O funcionamento da passarela é veloz. Quando os modelos chegam ao local de desfile, as roupas que vão utilizar já estão separadas por araras e grupos. A fila para entrada necessita atenção redobrada. Se o colega entra duas vezes, e uma das vezes vem antes dela, é necessário lembrar ele da posição e, se possível, ajudar na troca rápida de roupa. Agatha conta que quando isso acontece, mais de uma pessoa auxilia na ‘remontagem’. “Usamos tapa sexo ou uma calcinha sem costura. Quando entrei três vezes, a primeira entrava na posição 2 e voltava na 12. Se não tem ninguém você mesmo vai se virando, mas tinha três pessoas me ajudando a se vestir, uma terminava de amarrar o biquíni, outra me ajudava a tirar a parte de baixo da peça anterior e tem mais uma que fica ali conferindo se não tem nada para fora, se está bem amarrado para não cair”.

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Instagram nao e voltado para a autoajuda, prefiro mostrar para elas que nao precisam se importar em ser militante o tempo todo, mas tambem nao da pra ficar trancada dentro do quarto. Voce pode simplesmente so ser normal e aceitar que ta tudo bem com o peso e medida que voce tem. Imagina se todo mundo fosse igual que sem graçca que seria? ,
glossario
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Em contrapartida, nem sempre o interesse da marca é ‘ouvido’ pela produção. Em outro evento que participou, para desfilar exclusivamente para uma marca voltada ao público plus. Quando os modelos da marca chegaram para se arrumar, a produção não tinha maquiadores e cabeleireiros para as produzirem como foi prometido pela produção do evento. “Na hora descobrimos que não tinha profissionais para nos atender e falaram para a gente ‘vamos produzir as modelos e as plus podem se arrumar. Não haviam pedido para levarmos nécessaire, maquiagem, nada. No final das contas começamos a pedir maquiagem emprestada nos estantes dentro da feira para se produzir em respeito e consideração a marca que tinham nos contratado, mas sentimos na pele o que é o preconceito por conta do peso e ficamos chateadas quando vimos as meninas [não plus] toda produzidas.” Ela con ta que nesse evento ela fez o cabelo num galpão, fizeram um penteado simples e a trataram como se ali não fosse seu lugar.

Início do turno 3. Arruma suas coisas, coloca o uniforme e vai com a mesma maquiagem da sessão de fotos para a pizzaria do seu irmão em que trabalha todos os dias como atendente. Seria esse seu último turno? E a vida social, onde encaixa? Ao ser questionada, Agatha sorriu e disse se considerar um pouco workaholic. A vida social por vezes se mistura com a profissional, seus amigos também são modelos e do meio da moda. Dali dois dias teria um encontro com uma amiga, depois da pizzaria, a pauta ia além de casualidades do dia a dia: também trataram de uma parceria. “O pessoal associa que por estarmos acima do peso somos sedentários, comemos hambúrgueres e ficamos sentados o dia inteiro. Eu como hambúrguer sim, mas no meio da rotina corrida no caminho de um compromisso e outro.” A rotina é puxada e exige muito física e psicologicamente, mas Agatha se sente completa e planeja alçar voos mais altos.

Agatha com a faixa do concurso que participou. Ela representou o MS no concurso nacional e ficou em 2º lugar. agathacamposmodelo

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sentimos na pele o que e o preconceito por conta do peso e ficamos chateadas quando vimos as meninas [nao plus] toda produzidas
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Memórias Têxteis o que e a moda sustentavel para os jovens de hoje ´ ´ 32 cuLTuRa | moda edição especial
Anna Luiza Petermann | Marina Gabriely Alves

Memórias

Memórias Memórias

Usado sim, descartável ! jamais

Na Travessa Wolgrand, número 74, uma casa pequena, antiga e colorida com uma porta roxa ergue-se em frente a um jardim amplo. Já na varanda é possível ver araras cheias de roupas penduradas. Peças que viveram por anos com seus antigos donos e testemunharam eventos únicos na vida de uma pessoa, como o primeiro dia na faculdade, um pedido de casamento, a primeira viagem, uma despedida difícil. A segunda chance que essas peças expostas recebem reforça que roupas não são apenas tecido, e sim memórias que carregam histórias em suas fibras e marcas de uso.

Memórias

A casa em questão é a sede do Modalab, um colaborativo que comporta três brechós de diferentes estilos, além de um ateliê de costura. Um espaço que valoriza a moda sustentável, a criatividade e a personalização de peças antigas. À direita da porta de entrada, banquinhos de madeira servem de apoio para bolsas e sapatos de variados tamanhos e materiais. O que espera o público dentro da pequena casa é uma imensidão de moda para variados gostos. A primeira sala, apesar de pequena, é composta por duas araras compridas cheias de roupas, no centro há uma mesa de vidro e nas paredes pinturas coloridas e alegres que conversam com plantas variadas que dão vida a prateleiras de madeira. À esquerda, outra porta roxa separa o primeiro brechó do Modalab de um ateliê de costura, onde as pessoas que desejam personalizar suas roupas podem transformar suas peças em algo único, com a sua identidade.

Melissa Santos tem 25 anos e é natural de Campo Grande, Mato Grosso do Sul. Aos 22 anos, criou o Repeat Brechó, que na época de sua fundação atendia por outro nome. A mulher de cabelos longos e castanhos presos em um alto rabo de cavalo veste uma regata branca, calça preta larga e um kimono vermelho comprido. Melissa relata que começou a pensar em abrir um brechó ainda jovem, quando ia ao shopping e não conseguia comprar as roupas que a agradavam devido ao preço alto. A acessibilidade das pessoas à moda foi o principal motivo que despertou a vontade em Melissa, ela sabia que não era a única pessoa que passava por esse tipo de situação.

A grande paixão da empreendedora no ramo da moda é a alfaiataria, e é justamente esse tipo de peça que ela busca trazer para as suas clientes. “Alfaiataria em si você só costuma ter em marcas de luxo como Dior e Gucci. Uma calça de linho puro nas lojas custa 700 reais e isso é inacessível para muita gente. Eu acho injusto as pessoas não poderem se vestir como elas querem”. Melissa começou o brechó de maneira online e as vendas eram realizadas através do Instagram, mas seu sonho sempre foi ter um espaço presencial para expor as suas peças e receber as clientes. Em junho de 2022 o Repeat ganhou um espaço físico, que aos poucos tomou forma e hoje é um lugar que reflete a personalidade de sua fundadora e das pessoas que frequentam o espaço.

Melissa acredita em uma moda única e original, peças que representam individualmente os seus donos e donas. Por constatar que Campo Grande não tinha um mercado variado e acessível de peças para o Repeat, o primeiro ‘garimpo’ realizado foi em Campinas (SP), desde então Melissa costuma viajar para São Paulo e Ponta Porã (MS) em busca de peças. A empreendedora relata que o processo de curadoria é muito importante para selecionar peças que estejam em boas condições de uso. Em algumas roupas Melissa, gosta de aplicar personalizações como novos botões, cintos, costura de tecidos e demais elementos que podem deixar a peça mais única, original e atrativa.

O preconceito com roupas de brechó não é novo e para a empreendedora não foi um fator que a paralisou enquanto buscava por uma moda mais acessível e sustentável. Ela não teve o apoio de seus familiares quando decidiu abrir um brechó, tanto por ser arriscado iniciar um negócio do zero, quanto porque eles associavam roupas de brechó à ‘velharias’. Uma peça de roupa já usada nada mais é do que um artigo que já foi muito querido pelo antigo dono, ou talvez até pouco valorizado, e agora uma nova pessoa pode dar outra vida a essa peça, indo contra o incentivo do consumismo desenfreado que culmina na produção em massa de roupas que tem uma durabilidade baixa.

“A questão de desvincular a relação entre roupa usada e roupas que não estão mais em condições de uso é algo cultural. Muitas pessoas ainda têm a ideia equivocada que

Memórias
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roupas de brechó seriam aquelas roupas gastas, que os próprios brechós seriam lugares cheios de poeira”, relata Frantieska Schneid, professora do curso de Design de Moda no Instituto Federal Sul-rio-grandense (IFSUL) e participante do movimento mundial Fashion Revolution no Brasil. Atualmente, o movimento de brechós no Brasil tem agregado cada vez mais valor e crescido exponencialmente. “Valor que eu digo é conceito e desejo de compra dessas peças. Sempre falamos que a roupa mais sustentável é aquela que já existe”.

Frantieska Schneid é uma mulher de cabelos claros, belo sorriso e cheia de vida. Carrega em seu tom de voz paixão pelo que faz e por todo universo da moda. Foi por se identificar com causas políticas que envolve a indústria textil e a sustentabilidade que decidiu fazer parte da coordenação do Fashion Revolution no Brasil. O movimento global valoriza pessoas acima do lucro e foi criado após o desabamento do edifício de confecções de moda Rana Plaza, em Bangladesh, e tem como objetivo trabalhar para que a moda conserve e restaure o meio ambiente.

“Associar roupas usadas a roupas de gente morta é muito contraditório porque a maioria das lojas de fast fashion usam mão de obra escrava para fazer as peças, e essas pessoas podem morrer fazendo elas”, fala Melissa com revolta nos olhos. A empreendedora conta que a falta de apoio que mais a magoou foi a de sua família, especificamente do seu pai que tinha muito preconceito com peças de roupa usadas. Em busca de conscientizar os seus pais e de

desmistificar a visão que eles tinham, Melissa começou a presenteá-los com roupas de brechó, como ternos e vestido, principalmente de marcas famosas, e não contava que eram peças de brechó. Aos poucos o preconceito deu espaço a admiração pelo propósito dos brechós e bazares que dão novas chances a roupas antigas.

No início, Melissa via os brechós como uma alternativa de pagar mais barato em peças de roupa, mas ao longo do processo percebeu que é algo muito maior, que envolve consumo consciente e sustentabilidade. “A indústria da moda é o segundo maior impacto ambiental que existe, e poucas pessoas sabem disso”. Hoje, Melissa tem um novo olhar sobre toda peça de roupa, e lembra do seu primeiro ‘garimpo’ com carinho. A sensação de tocar as peças de linho puro, a euforia ao encontrar roupas de marcas que admirava, como blazers da Dior, e a emoção de estar começando algo novo que ajudaria as pessoas e a longo prazo o mundo são memórias que viverão enquanto Melissa viver.

Mas além dos brechós físicos, a modalidade online também vem ganhando mais espaços. Em meio às redes sociais e com o desejo de passar suas próprias roupas “para frente”, a jovem campo-grandense de 23 anos, Bruna Falco, decidiu inaugurar um brechó online que carrega seu sobrenome, o Falco Brechó. A variedade de tecidos, peças de roupas, combinações, estampas e texturas encantam Bruna desde criança. Ir ao shopping e passar horas viajando pelo mundo da moda ao adentrar cada loja era um dos passatempos favoritos da jovem, mas à medida que foi crescendo e

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Foto: Victória Amorim

tomando consciência do preço de tudo que comprava, Bruna decidiu reeducar seus hábitos de consumo.

Em meio a tantas peças de roupas e sapatos, Bruna Falco criou seu próprio brechó com apenas um celular e a ideia de ser menos consumista e rever seu estilo. A jovem criou um perfil no Instagram que hoje soma mais de sete mil seguidores. Mas um tapete vermelho não foi estendido para Bruna trilhar esse caminho desde o início, ao contrário, enfrentou diversos olhares de reprovação e discussões enquanto seguia criando o seu próprio negócio. O brechó foi idealizado durante a pandemia de Covid-19, enquanto a jovem cursava a faculdade de Direito e decidiu desapegar de algumas roupas. Inicialmente, o propósito era apenas esvaziar o armário e vender algumas peças de roupas para suas amigas. Depois de analisar seu guarda-roupa, Bruna refletiu sobre o consumo desnecessário de algumas peças. “Chegou um ponto em que minhas amigas falavam que era muita roupa e que elas iam falir se continuassem comprando”, a jovem conta nostalgica ao lembrar do início do que seria o seu futuro trabalho.

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so?”, conta entusiasmada ao lembrar de uma cliente que enviou uma fotografia usando um sobretudo que comprou na Falco, na imagem, a moça estava feliz e agasalhada em frente à torre Eifèl. Agasalhada com uma roupa de brechó. Feliz com uma roupa de brechó.

Bruna relata que a escolha do curso de Direito foi uma decisão mais prática e menos emocional, não era algo que se identificava e sim algo que as pessoas comentavam que poderia combinar com ela. Mas chegou uma hora em que apenas as escolhas racionais podem esgotar uma pessoa. As escolhas racionais esgotaram Bruna. A jovem pediu demissão do escritório onde trabalhava e decidiu focar-se apenas no brechó. Algo que revirava seu estômago, mas o medo de dar errado foi embora e aquele espaço ficou repleto de borboletas. Para Bruna, dedicar-se apenas ao brechó era apaixonante. Dedicar-se apenas ao brechó dava ‘borboletas no estômago’.

A casa dos Falco, antes apenas o lar de Bruna e seus pais, agora é também a sede da Falco Brechó. “Não existe mais quarto de hóspedes, agora é o quarto da Falco e minha mãe está sempre comigo me ajudando com toda a organização dos produtos e entregas”. O quarto pequeno recebeu decorações no estilo boho, com algumas plantas para dar vida ao ambiente e com um grande espelho de bordas brancas encostado na parede, para Bruna vestir e fotografar as roupas e sapatos que vende; além de araras de madeira para pendurar algumas peças; prateleiras para organizar as sacolas de papel pardo que, em algum momento, vão embora para novas casas.

Em 2023, o brechó completa três anos e Bruna não se arrepende de ter escolhido esse caminho, a jovem acredita que todo o conhecimento adquirido durante a sua graduação não foi desperdiçado e os amigos que ela fez ao longo do curso a acompanham até os dias atuais. “Eu era muito tímida e a faculdade teve um propósito importante na minha vida que foi o de me ajudar a superar isso”. Bruna faz diversos vídeos para postar no perfil do Instagram do brechó, além de lives todas as terça-feiras a noite para anunciar peças inéditas; atividades que seriam difíceis de serem realizadas caso ela fosse introvertida.

“Você estudou cinco anos para jogar o diploma fora?”, Bruna ouvia de um lado. “Como advogada você teria mais estabilidade”, outra pessoa comentava. Mas mesmo diante da reprovação, Bruna encontrou algo que o curso de Direito não proporcionou a ela. Amor. Amar o seu trabalho e o propósito dele. A jovem esboça o sorriso mais sincero quando encontra uma cliente na rua, ou quando recebe uma foto pelo celular de alguém utilizando uma peça que comprou em seu brechó. “A Falco foi para Paris, você acredita nis-

Em meio a tantas pecças de roupas e sapatos, Bruna Falco criou seu proóprio brechoó com apenas um celular e a ideia de ser menos consumista e rever seu estilo
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A jovem, assim como muitas pessoas, já teve uma visão equivocada sobre o conceito de brechó. É comum acreditar que roupas vendidas nesses estabelecimentos devem ser extremamente baratas, em alguns casos cheias de poeira e até mesmo inúmeras avarias na peça. Mas os brechós são justamente a oportunidade de dar segundas chances a peças que ainda têm a oportunidade de ter novos donos. Hoje, com consciência sobre a moda sustentável, Bruna ainda encontra clientes que possuem o mesmo pensamento que ela tinha, mas tem paciência para conversar com essas pessoas e tem noção de que seu trabalho tem um valor agregado. Antes de expor as peças à venda, um processo de curadoria extenso é realizado, além da lavagem das roupas e de cuidados ´ ´

diferenciados com cada peça, como passar, usar removedor de manchas ou até mesmo alguma personalização para deixar a peça mais especial.

Quando criança, Bruna frequentava alguns bazares realizados por igrejas junto a sua família. Em uma das visitas a bazares, a pequena Bruna encontrou uma regata preta com um decote V repleto de franjas pretas. Essa foi sua peça de roupa favorita durante anos. Atualmente a regata não serve mais na jovem, mas ela a guarda com carinho e consideração por ser a primeira peça usada que comprou em sua vida. Os pais de Bruna falam para ela que essa roupa deve ser emoldurada e deixada no quarto que hoje é o Falco Brechó. Bruna se emociona ao segurar a regata e pensar em todo o significado que ela carrega; não é apenas uma roupa, é um pedaço de memória da sua infância e o primeiro contato que ela teve com o “garimpo de roupas”.

“Quando a gente fala da relação da moda e da sustentabilidade, abordamos a expressão ‘fazer uma moda mais sustentável’”, diz Frantieska com orgulho. Em seu conceito puro, moda é um fenômeno passageiro, de curta duração, e, em contrapartida, a sustentabilidade é justamente o contrário. É algo que permanece, que é auto suficiente. “A expressão moda sustentável não existe, na verdade se trata da ação. Devemos pensar mecanismos, ferramentas, movimentos para torná-la algo mais sustentável”, completa. Apesar disso, o movimento é conhecido dessa forma para boa parte da população, e usaremos do termo para referenciar uma moda que se auto sustenta e busca conservar o meio ambiente

A moda sustentável é uma alternativa de preservar os recursos naturais que são escassos, mas que as indústrias tratam como infinitos. Ter o olhar sensível às diferentes formas de fornecer e aderir meios sustentáveis de se vestir não ajuda a pessoa apenas a economizar dinheiro, mas a contribuir para um planeta mais consciente sobre o próprio estilo e o próprio planeta. As fundadoras do Moda Lab procuram sediar rodas de conversa sobre moda sustentável em seu vasto jardim, e encontrando nesses encontros uma forma de difundir os seus conhecimentos sobre moda e sustentabilidade.

E comum acreditar que roupas vendidas nesses estabelecimentos devem ser extremamente baratas, em alguns casos cheias de poeira e ter atée mesmo inúumeras avarias na peçca. Mas os brechóos sao justamente a oportunidade de dar segundas chances a peçcas que ainda têm a oportunidade de ter novos donos ,

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Foto: Luísa Oliveira

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Maria Amélia Rangel e Luiz Antônio Venâncio se conheceram na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) na década de 90, ele trabalhava com datilografia na editora da Instituição e ela estudava pedagogia. Foi em um almoço despretensioso no Restaurante Universitário que os dois se esbarraram e começaram a conversar, o que veio depois disso foi história, muita história. Juntos eles criaram três filhos, João, Tiago e Mateus.

As despesas na criação de três crianças com idades próximas é alta. Contas médicas, materiais escolares e aulas extracurriculares faziam parte das contas do casal agora, mas um fator preocupava Maria e Luís, as roupas e calçados. Os três filhos cresceram depressa e logo as roupas de João estavam pequenas, mas foi nesse momento que um hábito foi instaurado na família, a rotatividade de roupas e calçados. Tanto a família de Maria Amélia quanto a de Luís Antônio nutriam o hábito de passar peças que não serviam mais ‘para frente’, mas como ambos estavam sozinhos em Campo Grande, sem parentes próximos, decidiram criar essa prática em sua nova família em formação.

Mateus Venâncio, hoje com 21 anos, conta que inicialmente recebia roupas de Tiago, que era apenas dois anos mais velho que ele, e Tiago recebia roupas de João, que era cinco anos mais velho. Esse ciclo não teve fim na infância, porque mesmo a rotatividade de roupas sendo maior enquanto uma criança está em fase de crescimento, sempre que algum irmão mais velho enjoava de algo, era hábito perguntar a Mateus se aquela peça o interessava. O jovem afirma que, como foi criado com essa prática, nunca a viu como algum problema nem se importou por receber roupas usadas, o que o incomoda é receber peças com muitas marcas de uso ou avarias. “Não é uma coisa que eu vejo nos brechós, por exemplo, lá eu percebo que tudo é muito bem conservado”, pontua Mateus.

Quando adolescente, Tiago começou a fazer academia e praticar triathlon, o que fez com que suas roupas rapidamente não servissem mais e Mateus não demorou a pegá-las para si. Atualmente, os três irmãos praticam exercícios físicos e não costumam “perder” tanta roupa quanto antigamente, por ter corpos semelhantes, mas não se importam de dividir alguma peça vez ou outra. “O Tiago usou uma camisa minha no início do ano para a formatura dele da faculdade, não me importo muito com isso, somos acostumados, meu único pedido é sempre devolver a roupa limpa e me pedir antes de usar”, afirma Mateus. A rotatividade de peças deu lugar ao empréstimo delas, e na família é tra-

37 Foto: Luísa Oliveira Foto: Victória Amorim
Victória Amorim ~ ,
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dição fazer alguma piada quando um dos irmãos está usando alguma roupa emprestada, como “fica mais bonita em mim”, “não sabia que meu armário virou loja”, dentre outros comentários sempre sarcásticos e seguidos de risadas. Com o passar dos anos Mateus começou a mudar seus hábitos de consumo e viu a necessidade de separar parte do seu dinheiro para roupas e sapatos, algo que não precisava se preocupar quando mais novo. “Antes eu mal precisava comprar, mas agora percebi que só esse ano já comprei mais roupas do que comprei durante um ano inteiro da minha adolescência”. Mateus afirma que nos últimos dois anos presenciou um considerável aumento nos preços das peças de roupas, mas a qualidade não acompanhou a evolução desse valor. O jovem mora com seus pais e atualmente cursa Engenharia Civil, sua única renda é a bolsa que recebe do estágio, que utiliza para custear despesas fixas e algumas necessidades. “Quando comecei a comprar minhas próprias roupas entendi muito bem o quanto é um investimento, então procuro ser bem consciente e busco peças que sei que vão combinar com muitas roupas que já tenho”.

O estudante relata que é muito centrado e só compra roupas e sapatos quando vê necessidade ou encontra alguma oferta que considera proveitosa. Atualmente, o jovem costuma comprar pela internet, devido aos preços mais baixos em comparação às lojas físicas, e quando perguntado sobre brechós, Mateus afirma que não vê problema e sim benefícios e que a própria calça que estava usando era de uma feira de brechós da cidade. Uma calça jeans de lavagem clara que na loja oficial da marca custava 300 reais, mas que ele pagou 30. O jovem termina a conversa sorrindo ao lembrar de um casaco de lã preto que era de seu irmão João, passou para Tiago, chegou nele e agora está com sua namorada. “Foi um casaco que passou por três gerações nossas e agora dei para a minha namorada. Ela fica linda com ele e se um dia tivermos um filho ou filha, com certeza vai passar para mais uma geração, até quando ele durar”. Peças de roupa guardam memórias.

Já em Brasília, Distrito Federal, Giovanna Alves, no auge de seus 19 anos, passou pela mesma situação que Mateus, filha caçula com o ‘bônus’ de ser a prima caçula também. A diferença de idade de Giovanna para a sua irmã mais velha é de apenas quatro anos, então até o mesmo enxoval de berço as suas usaram. Todas as meninas da família eram acostumadas com a rotatividade de roupas, algo herdado dos avós que criaram muitos filhos que, consequentemente, tinham o esquema de divisão de roupas e reaproveitamento das peças.

Receber roupas usadas nunca foi um problema para Giovanna, mas não poder ter o seu próprio estilo era uma questão que a incomodava. A jovem relata que passou sua infância e adolescência sem conseguir se expressar por meio da moda, já que a maioria das peças que vestia não eram uma escolha dela e sim o que chegava até ela. Giovanna sempre admirou o movimento da moda, a maneira

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como cada pessoa desenvolve seu estilo. Mas a estudante de odontologia não tinha essa forma de expressão. Em alguns casos, algumas roupas que chegavam para ela eram de um estilo próximo ao que gostaria de seguir, e quando isso acontecia a jovem utilizava a peça o máximo de tempo possível antes de crescer. “Eu não podia me vestir do jeito que eu queria”, desabafou Giovanna, com o semblante frustrado ao lembrar dos sentimentos que vinham à tona na época.

Roupas masculinas tendem a seguir um modelo. Na atualidade, a diversificação do armário masculino é uma preocupação da indústria da moda, mas por muitos anos os homens eram limitados a calças, bermudas, camisas, camisetas, moletons, jaquetas e blazer. Já as mulheres têm uma diversidade de modelos de saias, shorts, vestidos, camisas, camisetas, tops, sobretudos; dentre outras peças que compõem um guarda roupa feminino. Mateus Venâncio acredita que por esse motivo não se incomodava com as peças de roupa usadas que recebia, e Giovanna acredita que é pelo mesmo motivo que se sentia reprimida em se expressar por meio da moda e do seu próprio estilo. A jovem tinha o costume de personalizar algumas das peças doadas para condizer mais com o estilo que buscava, para isso aprendeu a costurar e lembra que ‘perdeu’ algumas peças pelo caminho enquanto ainda estava aprendendo.

Giovanna é grata por todas as peças que a vestiram desde criança e vê a importância de reutilizar as roupas que estão em condições de uso, para diminuir o consumo desenfreado estimulado pela indústria têxtil e para ajudar nas finanças. Mas houve um efeito contrário quando Giovanna começou a se vestir da maneira como desejava. Depois dos dezoito anos, quando sua irmã mais velha e primas não ‘perdiam’ mais tantas roupas, ela mesma começou a comprar as peças que desejava, e nesse processo a jovem ficou tão deslumbrada com o poder de escolha que tornou-se consumista com roupas, sapatos e acessórios.

Giovanna também analisou seu guarda roupa e percebeu o acúmulo desnecessário de peças que não faziam seu estilo e ela mesma não usava, mas estavam lá guardadas porque ela estava acostumada a receber as peças sem fazer uma filtragem do que iria realmente usar e do que poderia doar. “Eu estava sempre com as mesmas roupas repetidas porque eram as que eu mais me identificava”, relembra. Foi um processo de autodescoberta para a jovem entender o seu próprio estilo e como gostaria de se apresentar diante ao mundo. Hoje, Giovanna ainda recebe algumas peças usadas, principalmente de suas primas, mas antes de pegar as roupas, faz uma seleção do que combina com o seu estilo e do que colocará para a doação. Giovanna se emociona ao pensar em peças de roupas e acessórios doados que para ela que têm valor sentimental. Algumas das peças dadas por suas primas participaram de momentos importantes na vida da família e a jovem afirma que a história por trás das roupas, sapatos e acessórios que recebe é o que mais a agrada. No final da conversa, Gio-

vana busca em sua bolsa um estojo de couro preto e tira de dentro dele um óculos de sol, a peça em questão era de sua avó. A jovem pegou acessórios de cabelo e alguns óculos de sua avó para si quando ela faleceu, a peça que hoje a acompanha para todos os lugares é de 1979 e originalmente era um óculos de grau, mas Giovanna foi a uma ótica a trocou as lentes. “Gosto do fato dele ser mais velho que eu, é uma forma de ter a minha avó sempre comigo e acho muito interessante que hoje o modelo voltou a estar na moda”, comenta.

Giovanna pegou acessoórios de cabelo e alguns oculos de sua avóo para si quando ela faleceu, a peçca que hoje a acompanha para todos os lugares e de 1979 e originalmente era um oculos de grau, mas ela foi a uma oótica e trocou as lentes. “Gosto do fato dele ser mais velho que eu, uma forma de ter a minha avóo sempre comigo e acho muito interessante que hoje o modelo voltou a estar na moda" , comenta

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“Eu gosto de saber que as peças de roupas têm uma história, pensar por tudo que ela já passou até chegar em mim”. Este é o principal motivo que desperta em Giovana Brandão a vontade de comprar roupas e acessórios em brechós e feiras de roupas usadas. A jovem de 20 anos estuda psicologia e foi reapresentada a essa alternativa de consumo em 2019, quando sua irmã mais velha a levou em um brechó da capital sul-mato-grossense. Giovana, que é apaixonada por peças vintage, encontrou nos brechós uma maneira de expressar sua personalidade por meio da moda de uma forma ainda mais vibrante.

Inicialmente, a jovem nem sequer pensou que estava ajudando causas como a sustentabilidade e a reciclagem de produtos da indústria têxtil, mas aos poucos a vontade de comprar em brechós só aumentou depois de perceber que esses estabelecimentos defendem causas que ela mesma acredita. Com o início de 2020 e a pandemia de Covid-19, a quarentena não possibilitava a compra de roupas em brechós presenciais, mas depois de realizar uma pesquisa no Instagram, Giovana percebeu que esse é um mercado em desenvolvimento e além de comprar peças de roupa, também criou um brechó online junto a uma amiga para desapegar de algumas roupas antigas que não combinavam mais com os seus gostos, mas que poderiam agradar, e muito, outras mulheres. A escolha do nome foi difícil, mas ao final ambas concordaram com Ophelia Brechó, em homenagem a uma música que as duas gostam, Ophelia da banda The Lumineers.

Ao longo de 2020 a estudante comprou algumas peças em brechós online com o objetivo de customizá-las, foi uma maneira de se expressar e também de distrair a sua mente de toda a incerteza que afrontava o mundo naquele momento. As peças que Giovana e sua amiga vendiam eram exclusivamente delas ou no máximo de alguma parente próxima, então não havia a necessidade de fazer um grande processo de curadoria, foi apenas uma maneira de rever o consumo de roupa e também de guardar dinheiro, visto que nenhuma das amigas trabalhava ou estagiava na época.

Giovana, que é natural de Campo Grande, afirma que procura comprar mais em brechós online devido a praticidade, mas em algumas ocasiões sente falta de ir até um lugar presencialmente para procurar peças específicas. Para a jovem, a divulgação de brechós físicos da capital deixa a desejar. Comumente ela encontra esse brechós quando vai ao centro, e logo anota o nome e endereço do lugar para não esquecer. “Eu acredito que, pela maioria dos brechós físicos serem de pessoas mais velhas, elas não

vêem a necessidade de divulgar nas redes sociais porque não estão familiarizadas com esse meio, então encontrar ele é um pouco mais difícil quando não tem um perfil no instagram, por exemplo”, explica.

Giovana relembra que a primeira vez que foi a um brechó físico ela tinha 14 anos e estava passeando com sua mãe no centro da cidade. As duas entraram sem pretenção de comprar algo, mas a jovem saiu com uma peça que se tornaria a sua favorita por anos. A estudante lembra que o dono do estabelecimento era um senhor baixo de cabelos grisalhos, recorda a variedade de relógios à mostra em um balcão e a quantidade de casacos e jaquetas pendurados nas araras. Giovana encontrou uma jaqueta de couro azul com ‘pelinhos’ da mesma cor na parte interna. Foi amor à primeira vista. Era uma peça nitidamente antiga, mas bem conservada e os olhos da jovem brilharam apenas em pensar em ter aquela peça vintage em seu guarda roupa. Quando mostrou para a sua mãe, as duas tinham certeza que a peça seria cara, visto que estavam acostumadas aos preços das lojas de departamento, mas a surpresa positiva de que aquela peça custava 100 reais foi o que faltava para a jaqueta ter uma nova dona.

“Foi muito difícil me desfazer da jaqueta, usei ela o máximo que deu, ia para todos os lugares com ela e só parei de usar porque cresci e não cabia mais nos meus braços”, relembra Giovana em meio a nostálgicas risadas. A jaqueta azul foi dada para um prima da jovem e hoje Giovana não sabe mais sobre o paradeiro da peça. Atualmente, a estudante afirma que ainda compra em fast fashions, por não encontrar tantas peças que se adequem ao seu estilo em brechós, mas acredita que é algo variável de acordo com a cidade onde a pessoa está. “Campo Grande ainda pode ter uma mente mais aberta em relação aos brechós, já é algo que mudou mas tem muito a evoluir”, afirma a jovem. A indústria têxtil do Mato Grosso do Sul também não é tão desenvolvida quanto a de estados como São Paulo e Santa Catarina, então muitos donos e donas de brechós têm que procurar roupas em outros estados a fim de trazer para o seu brechó.

Segundo Giovana, as pessoas estão parando de ver o “comprar em brechó” como algo pejorativo e estão associando a algo legal, vintage e estiloso. Mas, relata que já presenciou situações desagradáveis sobre contrários de roupas de brechó enquanto ela mesma estava vestida totalmente com peças compradas em brechós. “Eu estava como meu pai visitando um apartamento decorado e a corretora de imóveis falou ‘você prefere ir a uma loja

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comprar uma roupa ou em um brechó? É claro que na loja né’, e eu estava vestida totalmente com roupas de brechó. Por um momento até senti vergonha, mas logo vi que não tem motivo para isso”. Atualmente, Giovana e sua amiga não atualizam mais o Ophélia com frequência, visto que as peças colocadas à venda são delas mesmas e para isso, é preciso que haja vontade de desapegar, o que não tem acontecido. Giovana é muito feliz com seu estilo marcante, peças vintages e “garimpos” baratos.

“Para mim, roupa é roupa, não tem essa de onde veio e sim como você se sente vestindo ela”. Esse é o pensamento de Ana Beatriz Leal, de 20 anos, que começou a comprar em brechós durante a sua adolescência, além de possuir diversas peças antigas de sua mãe, avó, tias e até seu avô no guarda-roupas. O principal fator que levou a jovem a procurar por roupas antigas é a originalidade das peças. Ana tem um estilo marcante, gosta de peças coloridas, acessórios chamativos e sobreposições. Para ela, a moda é uma maneira forte de se expressar.

Por gostar de peças vintages, além das peças usadas que ganha de seus parentes, os brechós são uma fonte de peças “novas” e muita criatividade para Ana Beatriz. A jovem prioriza comprar roupas diferenciadas e usadas a roupas produzidas em grande escala e novas. Além disso, menciona que tem apego sentimental com diversas peças de roupa dos seus avós e que as usa diariamente, também

sempre está com os brincos de argolas pratas que eram de sua mãe quando ela tinha a idade de Ana.

Mas depois da pandemia de Covid-19, Ana Beatriz sentiu uma diferença no bolso quanto ao preço das roupas de brechó, o que consequentemente diminuiu a sua compra. A jovem acredita que com a popularização de brechós online, houve uma valorização desses negócios e segundo a mesma uma “gourmetização” do que seria um brechó. Ana afirma que desde nova é acostumada a frequentar bazares de igrejas e a média de preços era semelhante à antiga média de preços dos brechós. Hoje, a jovem faz compras pontuais em brechós, quando encontra peças diferenciadas e que ela julga estar “valendo a pena”. Mas o hábito de usar as roupas de pessoas queridas da família nunca mudou e segundo ela mesma, é algo que vai continuar enquanto receber as peças antigas de seus entes queridos.

A moda sustentável é como uma colcha de retalhos, pequenas peças da indústria têxtil que juntas formam algo de grande utilidade. Preservar os recursos naturais e instigar a slow fashion no lugar da fast fashion é uma maneira de lembrar que a moda não é sobre tendências e sim sobre estilos, expressão e personalidades. Os brechós, bazares e a doação dentro de roupas nas famílias são algumas das diferentes maneiras de dar ressignificados a peças que já não eram mais lembradas, mas que ainda têm muita vida útil pela frente.

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Fotos: Victória Amorim

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“Para mim, moda é uma forma de expressão com roupas. Uma forma bem complexa e íntima. Encaro como uma forma que eu quero ser vista pela sociedade e como quero comunicar”. É assim que Beatriz Brites, estudante de Comunicação, entende o universo da moda. Para ela, não é um simples tirar e colocar uma peça de roupa, é uma maneira de se expressar e se mostrar ao mundo. Acredita que, no geral, o estilo que veste é uma forma de se portar e expressar sua personalidade e até mesmo o estado de humor, uma forma de se comunicar sem falar nenhuma palavra. A roupa sempre foi um divisor, não atoa alguns eventos ou locais costumam exigir determinados tipos de trajes. A combinação de cores, corte, tecido, sapato faz parte do primeiro contato visual que temos ao conhecer uma nova pessoa e transparece desde seriedade até a infantilidade. Roupas passam uma mensagem.

Beatriz está se formando em Jornalismo, pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, e compreende que se vestir bem é uma forma de se portar e ser bem quista no mercado, além de ser uma forma de ser vista. “Quero brincar um pouco com o meu estilo, como eu me sinto bem, como eu gosto de me comunicar, enfim, meus objetivos pessoais, como também o mercado de trabalho que eu estou me inserindo. A gente quer ser escutada, queremos ser credibilizadas também. Pra mim é isso, é impactar visualmente alguma pessoa, um grupo de pessoas.”

Sua baixa estatura, cerca de um metro e cinquenta, é um empecilho permanente na compra de roupas, seja em brechós, seja em lojas de fast fashion físicas e virtuais. Por vezes, já precisou vasculhar o setor infantil atrás de uma peça, o que incomoda por conta de estampas e estilos. “Eu amo comprar em brechós, eu amo ir em festivais de brechós, feiras de brechós. Só que eu tenho uma grande dificuldade de encontrar roupas justamente por ser muito pequena, muito magrinha. Muitas vezes acabo encontrando [peças], mas não do meu tamanho. Aí até comprar essa roupa e levar pra costureira, acabo sabe gastando o dobro”.

Pela dificuldade em encontrar roupas, muitas vezes ela recorre a fast fashions, como a Shein. Compreende as problemáticas em torno dessas lojas e as pautas em torno de trabalho escravo, mas ressalta a importância de não culpabilizar o consumidor. “A gente tem que entrar em outras discussões e não culpar apenas o usuário que tá comprando essas roupas, porque muitas vezes uma pessoa gorda só consegue encontrar roupas do estilo que ela quer nessas lojas de departamento. Lá, elas conseguem encontrar roupas de números maiores, não dá pra culpabilizar os consumidores por um problema estrutural do capitalismo”.

Frantieska ressalta que a democratização da moda é uma discussão muito profunda. “Acho que a questão da democratização é muito mais em relação à formação, conhecimento de qualidade. Para então as pessoas fazerem as escolhas corretas. Escolher que caminho seguir. Acredito que é mais uma questão de informação antes da sustentabilidade em si”.

Quanto ao lado sentimental da transição de roupas, isso não pega tanto João Mendes, de 23 anos, e consumidor assíduo de brechós desde 2019. “Eu acho isso interessante, de uma certa forma perpetuar um estilo, meio atemporal das ideias. Mas eu não levo tanto para o coração, pra ser sincero, isso de geração sendo passada”. Desde básicos aos mais alternativos, homens e mulheres, o consumo em brechós abrange todos os públicos. Com roupas predominantes pretas, trajes de alfaiataria, estilo considerado ‘gótico’, João destaca nos ambientes e grupos em que participa por mostrar, através das peças de roupa que se sente confortável, sua personalidade e identidade.

Natural de Campo Grande, região em que o agro e o sertanejo dominam todos os espaços, inclusive as roupas e as lojas, em geral, reproduzem em massa o estilo desses grupos ou do que está em alta em todo Brasil, ele vai de encontro com esse padrão, por se encontrar em um estilo ‘mais alternativo’. Incomodado com essa reprodução e com a dificuldade de encontrar roupas que se enquadram no seu estilo em lojas fast fashion, recorreu a brechós para criar o seu próprio estilo. “De maneira geral, eu acho que o fast fashion, como Renner e Riachuello, me entendiam um pouco. Quando tive meu primeiro contato com brechó, vi que era um universo que teria um estilo mais alternativo.” Ao ser perguntado sobre o hábito, ele sorri e conta que, na roupa que estava utilizando, pelo menos três peças foram compradas em brechós.

Para criar seu estilo próprio, João procurou referências na internet antes de se encontrar em brechós. Ele se identificava com o que consumia na web, mas tinha limitações para reproduzir, além disso, considera que o garimpo permitiu que conhecesse e se interessasse por novos estilos, assim como combinar eles com o que já gostava. “Aqui eu não via nada do estilo que eu queria, a princípio. Aquela parada mais ‘soft góticozinho’ que geralmente estou vestido. Só que o brechó também me deu outro norte para conhecer outros estilos, me deu essa oportunidade de me introduzir”.

Para ele, o mercado de moda sustentável está em ascensão em Campo Grande. Acredita que, nos últimos tempos, as redes sociais têm tido influência para esse aumento tanto nele quanto na comunidade. Conta que

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de uns tempos pra cá, alguns amigos passaram a usá-lo como e pedem recomendações. Além de pedir, realmente começam a frequentar as lojas e consumir. João gosta de ir em dois brechós localizados na Ernesto Geisel, mas acredita que os virtuais também são uma alternativa, apesar de ter uns nem todos serem acessíveis. “Peca muito em preço, né? Tem coisas que realmente estão muito fora da curva”, relata.

Apesar de preferir comprar em brechós, por se tratar de peças limitadas existe uma complicação no encontro de determinadas peças. “Eventualmente, algumas peças são mais difíceis de achar em brechó, tipo peça lisa mesmo. Às vezes, uma camiseta básica, branca, completamente sem estampa, eu corro para o fast fashion”.

João tem vontade, mas ainda não teve tempo de personalizar nenhuma de suas roupas. Reutiliza as peças através de combinações, assim como Beatriz e Giovanna Alves também. Eles utilizam as roupas com o mesmo intuito, de trazer mais personalidade e autenticidade para seu estilo. Gostam de comunicar quem são por meio do uso de peças que tenham sua cara.

O Upcycling, também conhecido como reutilização criativa, é o processo de ressignificar peças que não teriam mais utilidade sem desintegrá-lo ou de maneira que de uma função diferente da inicial. Em outras palavras, se trata da customização das roupas em algo criativo e novo. De uma certa forma, por conta da sua altura, a maioria das roupas de Beatriz passa pelo processo de corte de barra e manga, assim como de customizações. Porém, por não se considerar tão habilidosa, aplicou poucas vezes uma personalização criativa em suas roupas, apesar de se interessar. “A primeira vez que customizei uma roupa, foi

quando tinha um brechó e comprei uma peça naqueles bazar de igreja que têm várias peças por tipo dois reais, cinco reais, um real. Lembro de ter comprado uma blusinha, cortei essa camisa e ela ficou super estilosa”.

Giovanna se aventura nessa arte a sua maneira. Por herdar peças de sua família, já chegou a receber até tênis de primos que não serviam mais. Para deixar tudo mais a sua cara, aprendeu a costurar e possui várias tintas em casa. Um tênis em especial, que utilizava no momento em que nos encontramos, estava todo colorido. Era da marca Nike, que ela havia herdado de um primo. Ela não se incomoda em ser um tênis masculino, mas trouxe personalidade para ele através das tintas e ornou ele com o look completo. O importante é trazer um pouco de si.

Frantieska conta que o upcycling está bastante associado ao processo de customização, porém vai muito além disso, é dar um up no ciclo de vida ou estender a vida útil de uma peça. Então, todo o movimento da moda sustentável pode se incluir aqui. “A questão do conceito em si é estender a vida útil, então no momento em que eu vou descartar essa peça, de que maneira que eu posso fazer algo, transformá-la em outra coisa que ela dure mais vários anos? Isso é o upcycling”.

A moda é um fenômeno, uma situação cíclica. Reaproveitar, reutilizar, reviver tendências, passar para frente. Para além de criar identidade, criamos conhecimento e nos comunicamos com o próximo. Entender o que está por trás e tomar decisões sustentáveis, assim como um consumo consciente, valem muito e contribui com o fim da cadeia gigantesca que gera o lixo têxtil. Se recrie, se expresse, a melhor roupa, de fato, é a que já existe.

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O Upcycling, tambéem conhecido como reutilizaçcao criativa, e o processo de ressignificar peçcas que nao teriam mais utilidade sem desintegraá-la ou de maneira que de uma funçcao diferente da inicial. Em outras palavras, se trata da customizaçcao das roupas em algo criativo e novo.

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