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8 • Brasília, domingo, 6 de março de 2016 • CORREIO BRAZILIENSE

O DIÁLOGO NÃO PRESSUPÕE APENAS A DISPOSIÇÃO PARA OUVIR ATENTAMENTE OPINIÕES DIVERGENTES: É NECESSÁRIO ESTAR ABERTO A POSSÍVEIS MUDANÇAS NA MANEIRA DE VER O TEMA EM DEBATE

EM BUSCA DE UMA VIRTUDE PERDIDA Fotos: Breno Fortes/CB/D.A.Press

esmo depois de passar por séculos de transformações desde a conceituação dos filósofos gregos, o diálogo segue como elemento fundamental para uma sociedade harmônica e democrática. No entanto, em diversassituações,eletemsidosubstituído por embates em que as opiniões divergentes não são aceitas. Foi desse ponto que partiu o seminário Dialogar para Liderar, de maneira a definir o que é o diálogo. “É preciso que nós, se queremos nos dirigir ao diálogo, saibamos incorporar a razão do outro. Não basta aceitar que o outro fale. O diálogo exige modificação dos nossos pontos de vistas, exige que nós reconsideremos as nossas premissas”, resumiu o professor Eugênio Bucci, da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (USP), ao participar da mesa de abertura do seminário Dialogar para Liderar, e foi além: “Ele exige mais, exige que sejamos mais fiéis ao patamar do diálogo do que ao nosso interesse inicial. Quem entra no diálogo entra disposto a sair dele diferente do que entrou” (leia Para saber mais). Quem proferiu a palestra motivadora da mesa de abertura, sobre a genealogia do diálogo, foi o também professor da USP Adriano Machado Ribeiro, do Departamento de Letras Clássicas eVernáculas da Faculdade de Filosofia,Letras e Ciências Humanas (FFLCH). Ele apresentou um histórico do debate, passando pelas citações de Sócrates, as obras de Platão, o pensamento do filósofo romano Cícero, e chegando à era da internet (leia artigo na página 11).

PARA SABER MAIS

M

Características do diálogo Despersonalizar os debatedores » O diálogo é discutir despersonalizando as figuras que discutem, que precisam se abrir ao universo da racionalidade argumentativa Considerar os objetivos » O diálogo visa a construção de novas ideias, o que exige pluralidade de opiniões durante o processo Saber ouvir » É preciso conhecer o outro, saber conversar, debater e explicar o próprio ponto de vista Não ser irredutível » Uma das possibilidades do debate é, inclusive, trocar de opinião e também não querer impor a própria vontade Respeitar o raciocínio do outro » O diálogo exige reconhecer a força e a pertinência do argumento do adversário Fontes: Patricia Blanco, Eugênio Bucci e Adriano Ribeiro

Adriano Ribeiro (E), da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, falou sobre a genealogia do diálogo: da Grécia Antiga à atualidade

Tema oportuno É preciso que nós, se queremos nos dirigir ao diálogo, saibamos incorporar a razão do outro. Não basta aceitar que o outro fale. O diálogo exige modificação dos nossos pontos de vistas”

Alteridade Já o debatedor Daniel Mangabeira, diretor de Políticas Públicas da Uber, trouxe à discussão a perspectiva de uma empresa nascida na internet: para que a comunicação entre duas ou mais partes seja efetiva, é necessário que haja reconhecimento mútuo. “Esse é um fundamento necessário para que tenhamos outro elemento dessa questão estratégica, que é a racionalidade”, explicou. “Ou seja, que sejamos capazes, ao reconhecer um ao outro, de poder promover essa alteridade de diálogo. Que sejamos capazes de conduzir esse debate de maneira racional, para que, ao fim e ao cabo, consigamos chegar a um consenso.”

objetivo da Uber enquanto empresa: que os outros acabem vendo que é muito mais atraente a opção de acessar o artigo em vez de possuí-lo”, finalizou.

Eugênio Bucci, jornalista e professor da USP

✓ Eugênio Bucci é jornalista, doutor pela Escola de Comunicações e Artes da USP, onde é professor associado (livre-docente) na graduação e na pós-graduação. Foi presidente da Radiobras de 2003 a 2007. É articulista de O Estado de S. Paulo e da revista Época. Recebeu o Prêmio Esso 2013 na categoria “Melhor Contribuição à Imprensa” pela Revista de Jornalismo ESPM, da qual é diretor de Redação.

Mangabeira aplicou o raciocínio aos negócios da empresa que representa, mostrando que os ambientes corporativos

LINHA DO TEMPO

também são influenciados internamente pela reflexão. “Conceitualmente, os outros são cada um de vocês, que saem de suas

casas de manhã, com seu carro particular. Enquanto empresa, a Uber tenta entender o nosso ambiente humano como um

ambiente congestionado. A cidade que queremos ver amanhã, temos que começar a construíla hoje”, defendeu. “Esse é um

O EXERCÍCIO DO DIÁLOGO AO LONGO DA HISTÓRIA MUNDIAL Mandel Ngan/AFP - 29/9/15

Ed Alves/CB/D.A Press - 27/7/13

2015 — Reaproximação entre EUA e Cuba

2015 — O papa da reconciliação

» Depois de anunciar a reaproximação com Cuba, o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, visitará a ilha em 21 e 22 de março. A reunião entre Obama e Raul Castro, líder cubano, simbolizará a retomada do diálogo entre os dois países, encerrando décadas de tensão política e disputa ideológica.

» O papa Francisco, eleito em 2013, trouxe novos ares à Igreja Católica, ao promover uma reaproximação entre a instituição e a sociedade por meio da comunicação. Com estilo mais simples e espontâneo, rejeitando luxos a que os pontífices têm direito, Francisco prega um discurso de harmonia entre as religiões, mudanças sociais e reconciliação entre nações.

“Penso que não é segredo que continuarão existindo diferenças entre nossos países, mas acredito que se conseguirmos seguir esse movimento adiante, serão criadas novas oportunidades. (...) Eu acredito firmemente que podemos aproveitar o momento para abrir uma nova era nas relações bilaterais e hemisféricas” Barack Obama, em declaração feita na Cúpula das Américas, na Cidade do Panamá

“A multiplicidade e complexidade dos problemas exigem servir-se de instrumentos técnicos de medição. Isto, porém, esconde um duplo perigo: limitar-se ao exercício burocrático de redigir longas enumerações de bons propósitos (...) ou julgar que uma solução teórica única e apriorística dará resposta a todos os desafios” Discurso na sede da Organização das Nações Unidas (ONU)

A presidente executiva do Instituto Palavra Aberta, Patricia Blanco, acredita que é necessário reafirmar a cultura do diálogo como fundamental para que o país evolua. Na avaliação dela, o debate político tem se transformado numa briga de torcidas, em que as pessoas chegam a perder amigos por não aceitar uma posição divergente. “A liberdade de expressão exige que você aprenda a dialogar, a debater ideias e a aceitar ideias e posicionamentos que não são exatamente os seus”, afirma, em entrevista ao Correio. Essa atitude, segundo ela, garante que ocorram avanços mesmo que não haja um consenso entre todos os envolvidos. “Temos que parar um pouco, analisar o quanto estamos sendo intransigentes nesse poder de dialogar, e achar essa solução comum”, resume.

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