Revista Educar

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que vai dar aula para este aluno. O professor também precisa entender essa nova dimensão do ensino e estar pronto para levá-la para a sala de aula de uma forma diferenciada e não puramente instrumental. O grande problema é que o sistema educacional brasileiro não é inadequado só para os alunos, ele o é também para os professores, que são mal pagos e por isso precisam trabalhar mais. Mal sobra tempo para planejar a aula do dia seguinte, quanto mais para dedicar à própria formação. “Quanto melhor remunerado for o professor, em menos lugares ele vai precisar trabalhar para sobreviver, e aí ele terá mais tempo livre para fazer o planejamento pedagógico, que é algo fundamental para ele ser um sujeito de construção do conhecimento e não um mero replicador do conhecimento que ele teve há cinco, 15 anos atrás, na formação dele”, relata Jorge Teles. Para que isso aconteça, além de uma melhor remuneração, ele acredita que é necessário haver uma formação permanente do educador e que esteja inserida numa política pública específica. A universidade tem papel fundamental neste sentido. Teles afirma que é preciso ter uma visão mais holística do processo educativo, e não extremamente especializada como tem sido disseminado no meio acadêmico. “O professor só vai melhorar o trabalho dele quando ele olhar para o outro, e o outro dele é o estudante. Ele tem que entender o que o aluno quer, entender essa voz sufocada do aluno dizendo que ‘esse tipo de escola não é a que eu quero’.”

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Sérgio Haddad acrescenta outra dimensão do problema da formação universitária. É que grande parte das universidades federais acolhem apenas os alunos que vieram do ensino privado e que depois vão dar aula em escolas particulares. Já os alunos que saem da rede pública dificilmente conseguem ingressar em universidades federais e fazem o curso superior em instituições privadas de má qualidade, pois é o que conseguem pagar. “Para você poder inverter isso, você tem que oferecer condições de trabalho adequadas para esse professor, dignificar a carreira do professor”, relata. O coordenador da Ação Educativa acredita também que há uma culpabilização muito grande do professor por parte do sistema, da mídia, das autoridades e do senso comum, “como se eles fossem a causa de todos os problemas da educação”. “No curto prazo, dobrar o salário dos professores não resolve o problema da qualidade. Mas isso não quer dizer que os salários não estejam ruins. Significa que há todo um processo de desqualificação do sistema, que implica na melhoria da educação do professor, que implica em melhores condições de vida para esses professores, que implica na melhoria da condição social de maneira geral, que implica em melhores infraestruturas para o trabalho da escola e do sistema. Tudo isso impacta a qualidade do ensino”, completa Haddad. JOVENS E ADULTOS | A opção dos jovens e adultos que não conseguem completar a educação básica na idade

Hoje nós temos mais de 3 milhões

de jovens de 15 a 17 anos que estão fora escola e não estão estudando na EJA e nem estão trabalhando Jorge Teles

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própria para cada série que a compõe, é continuar cursando a mesma série até passar ou ir estudar em turmas da EJA. Antes disso alguns alunos têm a opção de tentar corrigir a distorção idade-série participando de programas como o Acelera, Brasil e o Se liga, ambos criados pelo Instituto Ayrton Senna para correção do fluxo no ensino fundamental, o primeiro com foco no combate à repetência e o segundo centrado na alfabetização. Para outros vários, no entanto, a escola acaba deixando de ser uma opção. “Hoje nós temos mais de 3 milhões de jovens de 15 a 17 anos que estão fora escola e não estão estudando na EJA e nem estão trabalhando. Então, não é uma concorrência com o mercado de trabalho, é uma falência daquela versão de escola antiga, disciplinar, certinha, muito bitolada, muito engessada”, aponta Jorge Teles. Esse abandono da escola acaba gerando analfabetismo. No Brasil, 9,7% da população com 15 anos ou mais de idade é analfabeta, o que equivale a mais de 14 milhões de pessoas. O número sofreu redução em comparação com a taxa de 2004, que era de 11,5%. Programas como o Brasil Alfabetizado, criado em 2003 pelo governo federal, contribuíram para o avanço, mas não contemplam outra parte do problema, que é o analfabetismo funcional, índice que chega a 10,7% atualmente. Isso quer dizer que cerca de 20% da população brasileira com 15 anos ou mais de idade têm menos de quatro anos de estudo. POLÍTICA COMPENSATÓRIA | Por muito tempo a EJA foi tratada como política compensatória. Acreditava-se que aos poucos o próprio sistema daria conta de eliminar a distorção idade-série. Tanto é que o ex-presidente da República Fernando Henrique Cardoso vetou a parte do Fundo de Manutenção do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef) destinada à EJA. Já o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica Pública e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) inclui recursos destinados a


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