3 pecados no inverno as quatro estações do amor lisa kleypas

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O Diabo do Inverno Título original THE DEVIL IN WINTER Copyright © 2006 by Lisa Kleypas A presente obra é disponibilizada por Star Books Digital, com o objetivo de oferecer conteúdo para uso parcial em pesquisas e estudos acadêmicos, bem como o simples teste da qualidade da obra, com o fim exclusivo de compra futura. É expressamente proibida e totalmente repudiável a venda, aluguel, ou quaisquer uso comercial do presente conteúdo

Digitalização


Dedicatória Para Chistina, Connie, Liz, Mary e Terri, por sua amizade que faz meu coração cantar Com amor, L.k


Capítulo 1

Londres, 1843 Enquanto observava entrar a jovem que acabava de receber em sua casa de Londres, Sebastian, lorde St. Vincent, lhe ocorreu que talvez se equivocou de herdeira na sua tentativa de rapto na semana anterior. Embora o sequestro figurasse desde fazia pouco em sua larga lista de infâmias, deveria ter sido mais inteligente. Para começar, tendo escolhido uma vítima menos enérgica. Lillian Bowman, uma briosa herdeira americana, resistiu-se com unhas e dentes até que seu prometido, lorde Westcliff, tinha-a resgatado. Vendo-o com perspectiva, escolher a Lillian tinha sido uma estupidez, embora naquele momento lhe tivesse parecido a solução ideal a sua encruzilhada. A família de Lillian era rica, enquanto que ele, em que apesar de seu título nobiliário, só tinha dificuldades financeiras. E, além disso, prometia ser uma amante entretida, com sua beleza morena e seu caráter explosivo. Em troca, a senhorita Evangeline Jenner, aquela moça de aspecto dócil, não podia ser mais distinta. Sebastian repassou rapidamente o que sabia dela. Era a filha única de Ivo Jenner, proprietário do conhecido clube de jogo londrino. Embora a mãe de Evangeline descendia de uma boa família, seu pai era pouco mais que escória. Apesar de sua ignominiosa linhagem, Evangeline poderia haver-se casado bem se não tivesse sido por seu terrível acanhamento, que lhe provocava uma gagueira mortificante. Sebastian tinha ouvido alguns homens assegurar que prefeririam flagelar as costas a manter uma conversação com ela. Sebastian, é obvio, fazia todo o possível pôr evitá-la. Não tinha sido difícil. A tímida senhorita Jenner acostumava esconder-se detrás das colunas nos salões. Nunca tinham cruzado palavra alguma; circunstância que tinha parecido conveniente a ambos por igual. Mas agora não tinha escapatória. Por alguma razão, ela tinha considerado oportuno apresentar-se em sua casa inopinada e escandalosamente tarde. E para que a situação resultasse ainda mais comprometida, não ia acompanhada, quando passar mais de um minuto a sós com o Sebastian bastava para arruinar a reputação de qualquer garota. Era libertino, amoral e perversamente orgulhoso disso. Destacava na ocupação que tinha eleito (a de sedutor incorrigível), e tinha alcançado um nível ao que poucos libertinos podiam aspirar. Sebastian se ajeitou em sua poltrona enquanto observava com uma ociosidade enganosa como Evangeline Jenner se aproximava. A biblioteca estava às escuras salvo por um pequeno fogo na chaminé, cuja luz que piscava acariciava a cara da jovem. Não aparentava mais de vinte anos, e tinha uma cútis viçosa e uns olhos cheios de inocência. Sebastian nunca tinha valorado nem admirado a inocência, antes bem, desdenhava-a. Embora o mais cavalheiresco tivesse sido que se levantasse, não parecia muito importante mostrar bons maneiras dadas às circunstâncias. Assim assinalou a outra poltrona que havia junto à chaminé com um movimento da mão. — Sente- se quiser — disse. — Embora eu em seu lugar não ficaria muito tempo. Aborreço-me rapidamente e você não tem fama de conversadora estimulante.


Sua grosseria não alterou a Evangeline. Sebastian não pôde evitar perguntar-se que classe de educação teria a tornado imune aos insultos, quando qualquer outra garota se teria ruborizado ou se posto a chorar. Ou era tola ou muito valente. Evangeline tirou a capa, deixou-a no braço da poltrona estofada de veludo, e se sentou desgracioso nem artifício. Uma das solteironas pensou Sebastian ao recordar que era amiga não só de Lillian Bowman, mas também de sua irmã menor Daisy e de Annabelle Hunt. As quatro moças tinham permanecido sentadas em numerosos bailes e veladas toda a temporada anterior sem que ninguém as tirasse dançar. Entretanto, parecia que sua má sorte tinha trocado, porque Annabelle tinha encontrado marido por fim, e Lillian acabava de apanhar lorde Westcliff. Sebastian duvidava que a boa sorte se estendesse a essa mocinha tão desajeitada. Embora tentado de lhe perguntar pelo objeto de sua visita, temeu que isso provocasse uma gagueira prolongada que os atormentaria a ambos. Assim, esperou com paciência forçada enquanto Evangeline parecia lhe dar voltas ao que ia dizer. Enquanto o silêncio se prolongava, Sebastian a contemplou ao agitado resplendor do fogo e se precaveu, com certa surpresa, de seu atrativo. Nunca a tinha observado e só tinha a impressão de que era uma ruiva desalinhada com má postura. Mas hei aqui que era uma moça preciosa. Apertou a mandíbula, mas manteve seu aspecto imperturbável, embora fincasse os dedos na suave tapeçaria de veludo. Resultou lhe estranho não haver-se fixado nunca nela, já que havia muito em que fixar-se. Seu cabelo, de um vivo tom avermelhado, parecia alimentar do fogo e brilhava incandescente. Suas magras sobrancelhas e suas densas pestanas eram de um tom mogno, enquanto que sua pele era a de uma autêntica ruiva, branca e com sardas no nariz e as bochechas. Fez lhe graça a alegre dispersão daqueles pontinhos dourados, pulverizadas como se as tivesse orvalhado uma fada bondosa. Tinha lábios carnudos e uns enormes olhos azuis, bonitos, mas impassíveis, como de boneca de cera. — Me... Hão-me dito que minha amiga, a senhorita Bowman, agora lady Westcliff - comentou Evangeline por fim. — O conde e ela foram a Gre... Gretna Gree e depois de que ele... Livrou-se de você. — Seria mais correto dizer depois de que me desse uma surra - indicou Sebastian em tom afável, já que a moça estava olhando os machucados que os justificados murros do Westcliff lhe tinham deixado na mandíbula. — Não pareceu alegrá-lo muito de que tomasse emprestada a sua prometida. — Vo... Você a ra... raptou — replicou Evangeline. — Tomá-la emprestada implicaria que tinha intenção de... Devolvê-la. Sebastian esboçou o primeiro sorriso de verdade desde fazia muito tempo. Ao parecer, a moça não era nenhuma simplória. — Raptei-a, sim, se o preferir. Veio para ver-me para isso, senhorita Jenner? Para me informar sobre o feliz casal? Já estou informado. Mais vale que diga logo algo — Você que... Queria à senhorita Bowman porque herdará uma fortuna - soltou Evangeline. — NE... necessita ca... casar-se com alguém que tenha dinheiro. — Certo - admitiu Sebastian. — Meu pai, o duque, não cumpriu com sua obrigação nesta vida: conservar intacta a fortuna familiar para me deixar isso em herança. Quanto à minha responsabilidade, consiste em me dedicar à ociosidade mais dissoluta e esperar a que ele faleça. Eu cumpri com meu dever às mil maravilhas, mas o duque não. Administrou muito mal as finanças familiares e, hoje em dia, é imperdoavelmente pobre. E,


ainda pior, goza de boa saúde. — Meu pai é rico - assegurou Evangeline sem nenhuma emoção. — E está mo... morrendo. — Felicidades - repôs ele, e arqueou as sobrancelhas. Não duvidava que Ivo Jenner tivesse amassado uma fortuna considerável. O Jenner's era o local onde os cavalheiros de Londres iam para desfrutar do jogo, da boa comida, de bebida a torrentes e de prostitutas. Nele reinava um ambiente de excesso tingido de um agradável decadentismo. Vinte anos atrás era uma alternativa medíocre ao legendário Craven's, o clube de jogo mais elegante e de maior êxito que tivesse conhecido a Inglaterra. Mas quando o Craven's se acendeu por completo e seu proprietário recusou reconstruí-lo, o clube do Jenner tinha herdado uma avalanche de clientes enriquecidos e adquirido uma posição destacada. Não obstante, nunca poderia comparar-se com o Craven's. Um clube refletia, em grande parte, o caráter e o estilo de seu proprietário, e Jenner carecia de ambas as coisas. Derek Craven tinha sido, sem discussão, todo um cavalheiro. Ivo Jenner, em troca, era um caipira bruto, um ex-boxeador que jamais tinha destacado em nada, mas que, por algum capricho do destino, converteu-se num próspero homem de negócios. E aí estava a filha do Jenner, sua única herdeira. Se ia fazer lhe a oferta que Sebastian suspeitava, não poderia permitir-se rejeitá-la. — Não qu... quero que me felicite — disse Evangeline. — O que quer então, jovenzinha? — repôs Sebastian em voz baixa. — Vá ao grão, por favor. Isto começa a resultar aborrecido. — Quero estar com meu p... pai nos últimos dias de sua vida. A família de minha mãe não me permite vê-lo. Tentei escapar para ir a seu clube, mas sempre me pegam, e depois me castigam. Esta vez não Vo... voltarei com eles. Têm planos que quero evitar, embora isso me custe à vida. — Que classe de planos? — Querem me casar com um de meus primos. Eustace Stubbins. N... não sente nada por mim, nem eu por ele... mas p... participa de bom grau na conspiração familiar. — Cujo objeto é controlar a fortuna de seu pai quando este mora, verdade? — Sim. Ao princípio considerei a ideia porque acreditei que o senhor Stubbins e eu poderíamos viver em nossa própria casa... e pensei que... a vida poderia ser suportável se conseguia me afastar do resto deles. Mas ele me disse que não tem nem... nenhuma intenção de transladar-se. Quer seguir sob o teto familiar... e não acredito que eu sobreviva aí muito tempo mais. — Ante o silêncio ao parecer indiferente do Sebastian, acrescentou em voz baixa: — Acredito que querem MA... matar-me uma vez que consigam o dinheiro de meu pai. Sebastian não deixou de observá-la, embora não alterou o tom: — Muito desconsiderado por sua parte. Mas a mim o que me importa? Evangeline não mordeu o anzol. Só lhe dirigiu um olhar intenso que evidenciava uma fortaleza inata que Sebastian nunca tinha visto em nenhuma mulher. — Proponho lhe ca... me casar com você — disse. — Quero seu amparo. Meu pai está muito doente e


débil para me ajudar, e não quero ser uma carga para minhas amigas. Elas me O... ofereceriam refúgio mas, mesmo assim, teria que estar sempre em guarda por medo de que meus parentes o... conseguissem me levar a força e me obrigar a fazer sua vontade. Uma mulher solteira tem poucos recursos, social ou legalmente. Não é ju... justo, mas não posso fazer nada por evitá-lo. Necessito um MA... marido. Você necessita uma esposa rica. E os dois estamos iguais de desesperados. Por isso acredito que aceitará minha pro... proposição. Se for assim, eu gostaria de partir para a Gretna Green esta mesma noite. Estou segura de que meus parentes já me estão procurando. Sebastian a olhou com receio em meio de um silêncio tenso. Não confiava nela. E depois do desastre do rapto frustrado de na semana anterior, não desejava repetir a experiência. Mas a moça tinha razão em algo: estava realmente desesperado. Gostava de vestir bem, comer bem, viver bem; algo do que podiam dar fé inumeráveis credores. A mísera adjudicação mensal que recebia do duque ia interromper se logo, e em sua conta não ficavam recursos suficientes para chegar à final de mês. Para alguém que não tinha inconveniente em procurar a saída fácil, aquela oferta era um presente do céu. Se a moça estava disposta a levá-la a cabo. — A cavalo dado não se olha os dente — soltou com indiferença. — Mas quanto tempo de vida fica a seu pai? Há gente que sobrevive anos no leito de morte. A verdade, sempre considerei que muito má educação ter às pessoas esperando. — Não terá que es... esperar muito — foi crispada resposta. — Quinze dias, possivelmente. — Que garantia tenho de que você não mudará de ideia antes que cheguemos a Gretna Green? Já sabe a classe de homem que sou, senhorita Jenner. Devo lhe recordar que a semana passada tentei raptar e forçar a uma de suas amigas? Evangeline o olhou aos olhos. A diferença dos do Sebastian, de um azul pálido, os dela eram de uma safira escura. — Tentou vi... violar a Lillian? — perguntou com desconfiança. — Ameacei fazendo-o. — Teria completo seu A... ameaça? — Não sei. Não o tenho feito nunca mas, como você há dito, estou desesperado. E já que tocamos o tema... Está-me propondo um matrimônio de conveniência ou vamos dormir juntos de vez em quando? — Haveria-a fo... forçado ou não? — insistiu ela sem emprestar atenção à sua pergunta. — Se lhe disser que não, como saberá que não minto, senhorita Jenner? — repôs ele com sarcasmo. — Não. Não a teria violado. É essa a resposta que deseja ouvir? Acredite, então, se a faz sentir-se mais segura. Quanto à minha pergunta... — Dor... dormirei com você uma vez. Para que o matrimônio seja legal. E nunca mais... depois. — Estupendo. Eu não gosto de me deitar mais de uma vez com a mesma mulher. É uma merda quando passa a novidade. Além disso, nunca seria tão burguês para desejar a minha própria esposa. Isso implica que um não dispõe de meios suficientes para manter a uma querida. — deteve-se à espera de captar alguma emoção no rosto da jovem. — Claro que também está à questão de me dar um herdeiro..., mas sempre e


quando for discreta, não acredito que me importe de quem seja o menino. Evangeline nem sequer piscou. — Quero que se separe uma p... parte da herança para mim num fideicomisso generoso. Os interesses serão só meus, e os gastarei como me parece sem ter que lhe dar explicações. Sebastian compreendeu que não era nada tonta, embora sua gagueira levasse a muitos a pensar o contrário. Estava acostumada a que a menosprezassem, ignorassem-na, a passassem por cima, e ele pressentiu que tirava partido disso sempre que podia. Isso lhe pareceu interessante. — Estaria louco se confiasse em você — disse. — Em qualquer momento poderia tornar-se atrás em nosso acordo. E você ainda o estaria mais se confiasse em mim. Porque quando estivermos casados, poderia lhe fazer a vida mais impossível do que jamais tenha sonhado a família de sua mãe. — Pre... prefiro que me faça isso quem eu escolha — respondeu com gravidade. — Melhor você que Eustace. — Isso não diz muito a favor do Eustace — comentou Sebastian com um sorriso. Ela não a devolveu. Ajeitou-se um pouco mais na poltrona, como se pôr fim se relaxasse, e o observou com uma espécie de resignação obstinada. Seus olhares se encontraram, e Sebastian foi consciente de algo que o estremeceu. Não era estranho que uma mulher o excitasse facilmente. Mais fogoso que a maioria de homens, algumas mulheres o acendiam e despertavam seu desejo até um grau inusitado. Por alguma razão, aquela garota desajeitada e gaga, era uma delas. Ou seja, sentiu um súbito desejo de deitar-se com ela. Em sua imaginação buliram visões de seu corpo, suas pernas, suas curvas e suas arredondadas nádegas. Ansiou que seu aroma íntimo lhe alagasse o olfato, sentir o roce de seu comprido cabelo no pescoço e o peito. Desejou fazer coisas indescritíveis com a boca dessa mulher, e com a sua... — Decidido, então — murmurou. — Aceito sua proposta. Há muitas coisas que discutir, é obvio, mas teremos dois dias para fazê-lo antes de chegar a Gretna Green. — levantou-se da poltrona e se estirou sem poder evitar um sorriso ao ver como a moça o percorria rapidamente com o olhar. — Ordenarei que preparem a carruagem e pedirei à ajudante de quarto que me faça a bagagem. Sairemos em uma hora. Por certo, se durante a viagem decide tornar-se atrás em nosso acordo, estrangularei-a. — Não E... estaria tão nervoso se não o tivesse tentado com uma vítima relutante a semana p...passada— replicou ela com um olhar irônico. — Touché. Posso considerá-la a você, pois, uma vítima disposta? — Ansiosa — precisou Evangeline, que se referia a partir de imediato. — Essas são minhas favoritas — comentou Sebastian com dobro intenção, e lhe fez uma reverência antes de sair da biblioteca.


Capítulo 2

Assim que ficou a sós, Evie soltou um suspiro agitado e fechou os olhos. O lorde não tinha que preocupar-se de que ela trocasse de parecer. Agora que tinha fechado o acordo, estava cem vezes mais impaciente que ele por começar a viagem. Aterrava lhe pensar que era muito provável que o tio Brook e o tio Peregrine a estivessem procurando nesse mesmo instante. A última vez que se escapou de casa, tinham-na apanhado à entrada do clube de seu pai. Na carruagem de volta à casa, o tio Peregrine lhe tinha pego até lhe partir um lábio e lhe deixar um olho arroxeado, além das costas e os braços talheres de cardeais. E logo a tinham encerrado duas semanas em seu quarto virtualmente a pão e água. Ninguém, nem sequer suas amigas Annabelle, Lillian e Daisy, sabiam quanto tinha sofrido. A vida na casa dos Maybrick tinha sido um pesadelo. Toda a família, formada pelos Maybrick e os Stubbins, unia esforços para quebrantar sua vontade. Incomodava lhes e surpreendia que lhes custasse tanto, e Evie estava tão surpreendida como eles. Nunca teria imaginado que poderia suportar os castigos severos, a indiferença e inclusive o ódio, sem derrubar-se. Possivelmente se parecia com seu pai mais do que ninguém suspeitava. Ivo Jenner tinha sido um lutador, e o segredo de seu êxito, tanto no quadrilátero como fora dele, não se devia ao talento a não ser à tenacidade. Ela tinha herdado essa teima. Evie queria ver seu pai. Desejava-o tanto que lhe doía fisicamente. Era a única pessoa no mundo que a queria. Era um amor negligente, sim, mas ninguém lhe tinha dado mais. Compreendia que a tivesse deixado a cargo dos Maybrick fazia tanto tempo, depois de que sua mãe morrera no parto. Um clube de jogo não era lugar para educar a uma menina. E embora os Maybrick não pertenciam à nobreza, eram de boa família. Mas Evie se perguntava se seu pai teria decidido o mesmo de ter sabido como a tratariam, se tivesse imaginado que aquela família descarregaria num bebê indefeso sua ira pela rebelião de sua filha menor. Mas já não tinha sentido preocupar-se por isso. Sua mãe tinha morrido, seu pai estava a ponto de reunir-se com ela e havia coisas que Evie queria lhe perguntar antes que isso ocorresse. A melhor oportunidade de fugir das garras dos Maybrick era o insuportável aristocrata com quem acabava aceitar casar-se. Estava assombrada de ter podido comunicar-se tão bem com o St. Vincent, que intimidava o bastante, com sua beleza loira, seus olhos azuis claro e uma boca feita para beijar e mentir. Parecia um anjo cansado, com aquele perigoso atrativo masculino que só o diabo podia dispensar. Também era um homem egoísta e carente de escrúpulos, como tinha demonstrado ao tentar raptar à prometida de seu melhor amigo. Mas isso mesmo o convertia num adversário capaz de plantar cara aos Maybrick. Ao menos assim acreditava Evie. St. Vincent seria um marido terrível, claro. Mas como ela não se fazia iluda a respeito, isso não seria nenhum problema. Como não o queria absolutamente, poderia fazer a vista gorda ante suas indiscrições e ouvidos surdos a seus insultos. Que diferente seria seu matrimônio do de suas amigas. Ao pensar nelas, sentiu umas repentinas vontades


de chorar. Não havia a menor possibilidade de que Annabelle, Daisy ou Lillian, em especial esta última, seguissem sendo amigas suas depois de que se casasse com o St. Vincent. Piscou para conter as lágrimas e tragou saliva. Chorar não servia de nada. Embora esta não fosse nem muito menos uma solução perfeita a seu dilema, era a melhor que lhe ocorria. Ao imaginar a fúria de seus tios ao inteirar-se de que ela e sua fortuna estavam fora de seu alcance para sempre, sua tristeza remeteu um pouco. Valia a pena fazer algo com tal de não viver dominada por eles o resto de sua vida. E também para não ver-se obrigada a casar-se com o pobre e covarde Eustace, que esquecia suas penas comendo e bebendo em excesso. Ultimamente se tinha alargado tanto que logo que passava pela porta de seu próprio quarto. Embora detestasse os seus pais quase tanto como ela, Eustace nunca se atreveria a desobedecê-los. Ironicamente, tinha sido ele quem a tinha induzido a fugir essa noite. Tinha ido ver a umas horas antes com um anel de compromisso de ouro com um jade encravado. — Toma — lhe havia dito com acanhamento. — Mãe diz que te dê isto. Não poderá comer nada se não o tem posto à mesa. Disse que a semana que vem se lerão as admoestações. Embora não se surpreendeu, Evie se tinha ruborizado de desconcerto e raiva. Eustace riu ao vê-lo. — minha mãe, que pinta tem quando te ruboriza. O cabelo fica mas laranja. Contendo uma resposta mordaz, Evie se esforçou por acalmar-se e concentrar-se nas palavras que se agitavam em seu interior como folhas movidas pelo vento. Recolheu-as com cuidado e conseguiu perguntar sem gaguejar: — Primo Eustace, se aceito me casar contigo, poria-te alguma vez de minha parte ante seus pais? Deixaria-me ir ver meu pai e cuidá-lo? O sorriso do Eustace se desvaneceu. Olhou-a fixamente aos olhos e, depois de desviar o olhar, respondeu: — Não seriam tão duros contigo se não fosse tão teimosa, sabe? Evie perdeu a paciência e a batalha contra a gagueira: — Ou seja que só... só te interessa que... ficar com meu dinheiro sem dá... me dar nada em troca... — Para que quer você dinheiro? — repôs seu primo com desdém. — É uma moça tímida que se esconde pelos cantos. Você não gosta da roupa cara nem as joias. Não te dá bem conversar, é muito feia para te levar a Cama e não tem nenhuma virtude. Deveria estar agradecida de que queira me casar contigo, mas sua estupidez te impede de compreendê-lo. — P... p... mas... — A frustração a deixou impotente. Não conseguia reunir as palavras para replicar, de modo que ficou olhando-o enquanto se esforçava por falar. — Olhe que é idiota! — resmungou Eustace com impaciência, e lançou o anel ao chão num arranque de fúria. A joia ricocheteou e rodou até desaparecer sob o sofá. — Vá, agora se perdeu. E é tua culpa por me tirar de gonzo. Será melhor que o encontre ou morrerá de fome. Vou dizer lhe a mãe que eu cumpri com minha parte. Já te arrumará com ela. A Evie não a tinha surpreendido que os Maybrick tivessem decidido casá-la. Acreditavam que não ficava outra alternativa. Mas, em lugar de procurar o anel perdido, preparou febrilmente uma bolsa de viagem e a


lançou ao jardim. Não era especialmente ágil, mas o pânico lhe deu a força necessária para fugir pela janela do primeiro piso, de onde desceu por uma canaleta. Cruzou correndo o jardim e a grade e, graças à sorte, conseguiu deter um carro de ponto. Agora, enquanto esperava a seu futuro marido, pensou com satisfação taciturna que provavelmente não voltaria a ver nunca ao Eustace. À medida que seu volume aumentava, limitava cada vez mais suas atividades à casa dos Maybrick, e não estava acostumado a deixar-se ver em sociedade. Dava igual como saíssem as coisas, ela jamais ia arrepender-se de ter escapado ao horrível destino de converter-se em sua esposa. Não era seguro que Eustace tivesse tentado deitar-se com ela já que não parecia possuir suficiente espírito carnal, eufemismo com que se designava o instinto sexual. Dedicava toda sua paixão à comida e os licores. Lorde St. Vincent, em troca, tinha seduzido, comprometido e desonrado a inumeráveis mulheres. Embora parecesse que a muitas isso resultava atrativo, Evie não figurava entre elas. Não obstante, depois dos casamentos, ninguém poderia objetar que o matrimônio não se consumou completamente conforme mandava a lei. Ao pensá-lo, lhe fez um nó no estômago. Tinha sonhado que se casaria com um homem sensível, acaso um pouco infantil, que nunca zombaria de sua gagueira e seria carinhoso e tenro. Sebastian, lorde St. Vincent era a antítese de seu amor sonhado. Não tinha nada de amável ou sensível, e muito menos de infantil. Era um depredador ao que, sem dúvida, gostava de brincar com sua presa antes de matá-la. Com o olhar posto na poltrona que o tinha ocupado, pensou no aspecto do St. Vincent à luz da chaminé. Alto e magro, com um corpo que era o cabide perfeito para a roupa elegantemente singela que complementava seu atrativo felino. Cabelo como de um ícone medieval velho e dourado, abundante e um pouco encaracolado, salpicado de mechas âmbar pálido. Olhos que brilhavam como diamantes azuis no colar de uma antiga imperatriz, e que não refletiam nenhuma emoção quando sorria. Entretanto, seu sorriso bastava para deixar a uma mulher sem fôlego. Boca sensual e cínica; dente branco brilhantes... OH, St. Vincent era deslumbrante. E ele sabia. Mas, por estranho que parecesse, Evie não lhe temia. St. Vincent era muito inteligente para usar a violência física quando umas poucas palavras bem escolhidas fulminariam a alguém com um mínimo alvoroço. Evie temia mais a brutalidade simplória do tio Peregrine, por não mencionar as mãos desumanas da tia Florence, a quem gostava de dar bofetadas e beliscões. Nunca mais, jurou-se Evie, enquanto se esfregava distraidamente as manchas do vestido, onde a sujeira da caneleta lhe tinha deixado umas raias negras. Gostava de ficar o vestido limpo que tinha metido na bolsa de viagem. Entretanto, como os rigores da viagem lhe sujariam e enrugariam algo que levasse posta, preferiu não trocar-se. Um ruído na porta. Elevou os olhos e viu uma criada gordinha, que lhe perguntou com acanhamento se queria refrescar-se. Pensou com tristeza que a garota parecia acostumada à presença de mulheres sós na casa, e deixou que a levasse até uma pequena quarto no piso de acima. O quarto, como o resto da casa, estava muito bem mobiliado e arrumado. O encapelado, de cores vivas, tinha um desenho de aves e pagodes chineses. Em um hall anexa havia um lavabo com grifos de água corrente com chaves em forma de golfinhos, e uma porta que dava a uma privada.


Depois de fazer suas necessidades, lavou-se as mãos e o rosto, e bebeu água num copo de prata. Foi à quarto em busca de um pente ou uma escova. Ao não encontrar nenhum, arrumou-se o coque com as mãos. Não ouviu nada que a advertisse da presença de alguém, mas de repente, soube que não estava sozinha. Voltou-se com um pulo nervoso. St. Vincent estava ali de pé, em uma postura relaxada e olhando-a com a cabeça levemente inclinada. Evie sentiu uma sensação estranha: um calor suave, como a luz que atravessa a água, e de repente se sentiu desfalecer. Estava muito cansada e pensar em tudo o que lhe esperava — a viagem a Escócia, as casamentos apressada, a consumação posterior— era exaustivo. Endireitou-se e deu um passo mas, ao fazê-lo, uma chuva de estrelinhas lhe nublou à vista. Deteve-se e se Cambaleou. Sacudiu a cabeça para limpar-se e advertiu que St. Vincent estava ao seu lado, sujeitando-a pelos cotovelos. Era a primeira vez que o tinha tão perto e seu aroma e seu contato lhe impregnaram os sentidos: uma suave fragrância de colônia cara e a pele limpa coberta por objetos de linho e lã fina. Irradiava saúde e virilidade. Sem dúvida, era um homem atrativo e pulcro que sabia cuidar de si mesmo. Evie piscou e se precaveu de que era muito mais alto do que parecia. Surpreendeu lhe ver sua corpulência, algo que de longe não se apreciava. — Quando comeu por última vez? — perguntou ele. — Ontem pela MA... amanhã...., acredito... — Não me diga que sua família também a matava de fome — comentou arqueando as sobrancelhas, antes de soprar quando ela assentiu. — Isto sonha cada vez mais melodramático. Pedirei à cozinheira que prepare uns sanduíches. Agarre-se de meu braço e a ajudarei a baixar. — Não necessito ajuda, gra... obrigado. — Agarre do braço — repetiu ele com uma voz agradável mas firme. — Não quero que caia e se rompa a crisma antes de chegar sequer à carruagem. Não se encontram herdeiras disponíveis de qualquer jeito. Custaria-me muito encontrar uma substituta. Evie devia estar mais enjoada do que acreditava, porque quando se dirigiram para a escada se alegrou de contar com seu apoio. Em algum momento do trajeto, St. Vincent lhe deslizou um braço pelas costas e tomou a mão livre para guiá-la com cuidado degraus abaixo. Tinha uns leves machucados nos nódulos, lembrança da briga com lorde Westcliff. Evie se estremeceu ao pensar no penoso desempenho que teria esse aristocrata mimado em uma briga corpo a corpo com o descomunal tio Peregrine, e desejou estar já em Gretna Green. St. Vincent, que notou seu tremor, segurou-a com mais força ao chegar ao último degrau. — Tem frio? — perguntou. — Ou são nervos? — Qui... quero ir de Londres antes que meus parentes me encontrem. — Têm algum motivo para suspeitar que viesse a minha casa? — OH, não — assegurou ela. — Na... ninguém conceberia que possa estar tão louca. Se a cabeça não lhe desse já voltas, o deslumbrante sorriso do St. Vincent lhe teria provocado esse efeito. — Felizmente tenho uma vaidade muito elevada. Seus sarcasmos não me afetam. — Certamente há muitas mulheres que lhe alimentam vai... vaidade. Não necessita nenhuma mais. — Sempre necessito uma mais. Esse é meu problema.


Levou-a a biblioteca, onde a deixou sentada diante a chaminé uns minutos. Quando se tinha dormitado, St. Vincent retornou preparado para partir. Ainda aturdida, foi com ele para uma reluzente carruagem negra estacionada diante da casa, e St. Vincent a introduziu no veículo. A tapeçaria de veludo nata, muito pouco prática mas magnífica, brilhava a tênue luz de um pequeno abajur no interior do carro. Evie sentiu uma estranha sensação de bem-estar ao recostar-se em uma almofada debruada de seda. A família de sua mãe vivia segundo umas normas estritas que regiam o bom gosto, e não gostavam de nada que cheirasse a excesso. Pensou que para o St. Vincent, em troca, o excesso era habitual, em especial o relativo à comodidade corporal. No estou acostumado a havia uma cesta feita com fitas de pele trancadas. Continha vários sanduíches de pão branco com fatias de embutido e queijo envoltos em guardanapos. O aroma de carne defumada despertou uma fome voraz, e se comeu dois emparedados com tanta rapidez que quase se engasgou. St. Vincent se sentou frente a ela. Esboçou um leve sorriso ao vê-la comer com avidez. — Melhor agora? — Sim, obrigado. O abriu a porta de um compartimento montado habilmente no tabique interior da cabine e extraiu uma taça de cristal e uma garrafa de vinho branco. Encheu a taça e a deu. Depois de um sorvo prudente, Evie a acabou com rapidez. Às jovens não lhes permitia tomar vinho sozinho; estavam acostumados a rebaixar lhe com água. St. Vincent voltou a encher lhe A carruagem avançava agora com um ligeiro balanço, e os dentes de Evie golpearam ligeiramente a borda da taça. Temerosa de derramar o vinho no veludo macio, acabou-se a taça de um gole. St. Vincent soltou uma gargalhada. — Carinho devagar, carinho. Espera-nos uma comprida viajem. — reclinou-se nas almofadas com o aspecto de um pachá ocioso tirado das novelas tórridas que tanto gostavam a Daisy Bowman. — me Diga, o que teria feito se não tivesse aceito sua proposta? Aonde teria ido? — Suponho que teria ido a ca... casa de Annabelle e do senhor Hunt. — Não teria podido recorrer a Lillian e lorde Westcliff, já que estavam de lua de mel. E teria sido inútil dirigir-se aos Bowman. Embora Daisy tivesse atravessado veementemente em seu favor, seus pais não teriam querido ter nada que ver com aquilo. — por que não foi essa sua primeira opção? — Teria sido difícil para os Hunt impedir que meus tios me levassem de volta — explicou Evie, carrancuda. — Estarei mais se... segura sendo sua esposa que como convidada em casa de alguém. — O vinho a tinha enjoado um pouco, e se afundou mais no assento. St. Vincent a olhou pensativamente antes de inclinar-se para lhe tirar os sapatos. — Estará mais cômoda sem eles — assegurou. — Pelo amor de Deus, não tenha medo. Não vou abusar de você na carruagem. — Desabotoou lhe os cordões e acrescentou em tom suave— E se o fizesse, não importaria muito, já que vamos casar-nos. Ela apartou de repente o pé e ele, com um sorriso, alargou a mão para o outro. Enquanto deixava que lhe tirasse o sapato, Evie se obrigou a relaxar, embora o roce daqueles dedos em seu tornozelo através da meia lhe provocava um estranho calafrio.


— Deveria afrouxá-las cintas do espartilho — aconselhou ele. — Assim a viagem lhe resultará mais agradável. — Não levo es... espartilho — respondeu Evie sem olhá-lo. — Não? Olha, olha — comentou St. Vincent de uma vez que lhe repassava o corpo com olhar perito. — Uma fulana muito bem proporcionada! — Eu não gosto dessa palavra. — Fulana? Perdoe... É a força do costume. Sempre trato às damas como fulanas e às fulanas como damas. — E lhe dá bom resultado essa tática? — É claro que sim — respondeu ele com uma arrogância tão alegre que Evie não pôde evitar sorrir. — É você ter... terrível. — Certo. Mas é um fato conhecido que a gente terrível está acostumada a terminar muito melhor do que se merece. Enquanto que a boa, como você... — Fez um gesto dando a entender que sua situação atual era um exemplo perfeito disso. — Pode ser que não seja tão bo... boa como você acredite. — A esperança é o último que se perde. — Entreabriu os olhos, pensativo. Evie observou que tinha as pestanas, larguíssimas para um homem, um pouco mais escuras que o cabelo. Apesar de sua corpulência e sua largura de ombros, tinha um ar felino. Era como um tigre preguiçoso que à primeira podia resultar mortífero. — Que enfermidade padece seu pai? ouvi rumores, mas nada seguro. — Tuberculose — murmurou Evie. — A diagnosticaram faz seis meses e não o vi após. É o ti... tempo mais comprido que estive sem visitá-lo. Os Maybrick me proibiram isso. Querem que faça como que não existe. — Eu gostaria de saber por que — murmurou St. Vincent com ironia, e cruzou as pernas. — Assim não o vê assiduamente. Então por que estas vontades repentinas de revoar sobre seu leito de morte? Para assegurar um lugar privilegiado em seu testamento? Sem ter em conta a maliciosa insinuação, Evie refletiu e respondeu com frieza: — Quando era pequena, deixavam-me vê-lo uma vez ao mês. Então estávamos unidos. Era, e é, o único homem que se preocupou por mim. Quero lhe. E não desejo que morra sozinho. Pode zom... zombar de mim se isso lhe divertir. Dá-me igual. Sua opinião não significa nada para mim. — Tranquila, encanto. — Sua voz refletiu certa diversão. — Detecto indícios de um caráter sem dúvida herdado de seu pai. Vi como lhe brilham os olhos quando perde os estribos por alguma insignificância. — co... conhece meu pai? — perguntou surpreendida. — Claro. Todos os homens amantes do prazer estiveram alguma vez no Jenner’s. Seu pai é um bom tipo, embora tão explosivo como um paiol de pólvora. Por certo, como diabos se casou uma Maybrick com um dom ninguém? — Entre outras coisas, minha mãe deveu considerá-lo um meio para escapar de sua família. — Quão mesmo em nosso caso. Existe certa simetria, não? — Espero que a se... simetria termine aí. Porque me conceberam pouco depois de casar-se e minha mãe


morreu no parto. — Não a deixarei grávida se não querer — comentou ele com desfaçatez. — É bastante fácil evitá-lo: capas, esponjas, irrigações, além desses esplêndidos dispositivos chapeados que... — deteve-se o ver sua expressão e soltou uma gargalhada. — meu Deus, tem aberto uns olhos como pratos. Alarmei-a? Não me diga que suas amigas casadas não lhe falaram que estas coisas. Evie meneou a cabeça. Embora Annabelle Hunt às vezes se mostrasse disposta a explicar alguns dos mistérios da vida conjugal, jamais tinha mencionado dispositivos para evitar a gravidez — Duvido que elas os conheçam — disse, e ele riu de novo. — Estarei encantado de ilustrá-la quando chegarmos à Escócia. — St. Vincent esboçou um sorriso que às irmãs Bowman teria resultado encantador, embora não teriam advertido o brilho calculador dos olhos. — pensou que possivelmente desfrute do suficiente de nossa consumação para desejar repetir, céu? Com que facilidade pronunciava palavras carinhosas. — Não — respondeu Evie. — Isso não acontecerá. — Mmm... — murmurou ele com um som parecido ao ronrono de um gato. — Eu gosto das provocações. — Apodreci... pode ser que eu goste de me deitar com você — esclareceu Evie olhando-o aos olhos, apesar de que lhe sustentar o olhar a fez ruborizar. — Espero que assim seja. Mas não mudei de parecer. Porque sei como é você e do que é capaz. — Ainda não viu o pior, encanto — repôs ele quase com ternura.


Capítulo 3

Para Evie, que na semana anterior se cansou na viagem de doze horas do imóvel do Westcliff no Hampshire, o trajeto de quarenta e oito horas a Escócia foi uma tortura. Se tivessem ido a um ritmo moderado, teria sido mais suportável. Mas, a insistência dela mesma, iriam diretamente a Gretna Green e só se parariam para muda de choferes e de tiros. Evie temia que seus parentes tivessem averiguado seu plano e os perseguissem. E, visto o resultado da briga do St. Vincent com lorde Westcliff na semana anterior, tinha poucas esperanças de que pudesse sair gracioso de um enfrentamento a murro limpo com seu tio Peregrine. Embora a carruagem estivesse bem equipada e tinha bom amortecimento, viajar a uma velocidade incessante sacudia sem pausa ao veículo e Evie começou a sentir náuseas. Estava exausta e não encontrava uma postura cômoda para dormir. Cada pouco, a cabeça lhe golpeava contra o tabique. E assim que conseguia dormir, ao parecer só passavam uns minutos antes de que a mudança de cavalos despertasse. St. Vincent não parecia passá-lo tão mal, embora também lhe via desalinhado e cansado. Fazia momento que as tentativas de conversar se acabaram, e viajavam num silêncio estoico. Surpreendentemente, St. Vincent não se queixou deste duro exercício de resistência. Evie se deu conta de que tinha a mesma pressa que ela por chegar a Escócia. Interessava lhe tanto como a ela estar casado legalmente o antes possível. E assim seguiram, enquanto a carruagem dava tombos pelo irregular Caminho, e em ocasiões quase lançava a Evie do assento ao chão. Ela as arrumava para dar alguma que outra cabeçadinha. Cada vez que a porta da carruagem se abria e St. Vincent baixava para comprovar o novo tiro, uma baforada de ar gélido entrava no veículo. Evie, intumescida e dolorida, se acanhou no canto. Depois da noite, amanheceu um dia com temperaturas glaciais e uma chuva geada. St. Vincent a conduziu a uma estalagem, onde em uma sala privada tomou um prato de sopa morna e utilizou o urinol enquanto ele ia fiscalizar a mudança de cavalos e de chofer. A imagem da Cama quase lhe doeu na alma. Mas já dormiria mais tarde, uma vez estivesse em Gretna Green e fora do alcance de sua família para sempre. Ao voltar para carruagem meia hora depois, Evie tratou de tirá-los sapatos molhados sem sujar a tapeçaria de veludo. St. Vincent subiu ao veículo depois que ela e se agachou para ajudá-la. Enquanto lhe retirava os sapatos dos pés tidos cãibras, Evie tirou lhe em silêncio o chapéu empapado e o lançou ao assento em frente. Tinha um cabelo grosso e suave, e seus cachos exibiam todos os tons entre o âmbar e o champanha. St. Vincent se sentou a seu lado e, depois de observar o aspecto tenso de seu rosto, tocou lhe a bochecha geada. — Terá que te reconhecer algo — murmurou. — Qualquer outra mulher se estaria queixando a gritos. — Não... não apodreci... posso me queixar — disse Evie enquanto se estremecia violentamente. — Fui eu quem pediu viajar dava... diretamente a Escócia. — Já estamos a meio Caminho. Outra noite e um dia mais, e amanhã de noite estarão casados — comentou. E acrescentou com um sorriso: — Seguro que nunca houve uma noiva tão ansiosa por chegar à


Cama. Os lábios trementes de Evie esboçaram um sorriso pela ironia: ela ansiava dormir, não fazer o amor. Ao olhá-lo à cara, tão perto da sua, perguntou-se como as olheiras e os sinais de cansaço que mostrava podiam resultar tão atrativos. Possivelmente porque assim parecia humano e não um formoso deus romano sem coração. Tinha perdido grande parte de sua altivez aristocrática, que sem dúvida reapareceria mais tarde, quando tivesse descansado. Mas de momento estava depravado e acessível. Durante essa viagem horrorosa parecia haver-se estabelecido entre eles um frágil vínculo. Uma chamada à porta da carruagem interrompeu suas reflexões. St. Vincent a abriu, e apareceu uma garçonete empapada sob a chuva. — Aqui tem, Milorde — disse, e se tirou dois objetos de debaixo da capa lhe jorrem e os entregou. — Um grog e um lava-pés, como pediu. St. Vincent procurou uma moeda no colete e a deu. A mulher lhe sorriu e voltou correndo a refugiar-se na estalagem. Evie piscou surpreendida quando entregou uma tigela de barro cheio de um líquido fumegante. — O que é? — perguntou. — Algo para te esquentar por dentro. — Sopesou o lava-pés envolto em flanela cinza. — E isto é para os pés. Ponha as pernas no assento. Em outras circunstâncias, Evie teria impedido que lhe tocasse as panturrilhas, mas guardou silêncio enquanto lhe arrumava a saia e lhe punha o lava-pés quente sob os pés. — OH, que delícia! — estremeceu-se de agradar ao notar como o calorzinho lhe reanimava os dedos gelados. — OH! É o me... melhor que hei sentido nunca... — As mulheres revistam me dizer isso — afirmou St. Vincent com um sorriso. — Veem, te apoie em mim. Apreensiva e tremente, Evie vacilou um momento. Logo, obedeceu devagar e se obrigou a relaxar-se entre seus braços. Até então só a tinha abraçado seu pai, e a sensação lhe suscitou lembranças da infância. St. Vincent a estreitou até que se recostou contra ele, e a firmeza de sua sujeição contribuiu a conter os tremores de suas doloridas extremidades. Seu peito era firme e duro, mas lhe servia de apoio perfeito para a parte posterior da cabeça. Evie se aproximou a tigela aos lábios e sorveu vacilante a bebida quente. Era alguma classe de licor, misturado com água e temperada com açúcar e limão. À medida que bebia, o corpo foi entrando em calor. Soltou um comprido suspiro de alívio. A carruagem arrancou de repente, mas St. Vincent se ocupou de mantê-la comodamente apoiada em seu peito. Evie não alcançava a entender como diabos podia sentir-se no sétimo céu tão de repente. Jamais tinha tido essa cercania física com ninguém. E lhe parecia horrível tê-la com um libertino como St. Vincent. Não obstante, aí estava. A natureza tinha esbanjado beleza masculina em alguém que não a merecia. Conteve o impulso de aconchegar mais contra ele. Sua roupa era de um tecido delicioso: uma jaqueta de lã fina, um colete de seda grosa e uma Camisa de linho suave. O aroma de amido e de colônia, misturado com a fragrância de sua pele... Nunca se tinha imaginado que um homem pudesse cheirar tão bem.


Intuindo que a separaria dele quando se terminasse a bebida, tentou que lhe durasse o máximo possível. Para seu pesar, esvaziou por fim as últimas gotas doces da taça. St. Vincent tomou o cachorro das mãos e o deixou no chão. Evie ficou tensa, esperando que a devolvesse a seu assento, mas sentiu um enorme regozijo ao notar que ele voltava a estreitá-la entre seus braços. Seu corpo era firme e quente, e muito cômodo. Ouviu lhe bocejar. — Dorme — murmurou Sebastian. — Tem três horas antes da próxima mudança de tiro. Evie apoiou a planta dos pés com mais força no lava-pés, voltou-se de flanco e se aconchegou mais contra ele para sumir-se no ansiado sonho. O resto da viagem se converteu em uma série imprecisa de movimento, cansaço e despertar bruscos. À medida que o esgotamento de Evie aumentava, dependia cada vez mais do St. Vincent. Em cada posta, trazia lhe uma taça de chá ou caldo, e reaquecia o lava-pés em cada chaminé disponível. Inclusive encontrou uma manta acolchoada em alguma parte. Convencida de que, a essas alturas, teria se gelado de não contar com o St. Vincent, Evie esqueceu todas suas reservas sobre pegar-se a ele cada vez que estava na carruagem. — Não me... estou-me insinuando — lhe disse enquanto se sentava em seu regaço e se recostava em seu peito. — Só é uma fo... fonte de calor. — Estraga — respondeu St. Vincent preguiçosamente enquanto colocava bem a manta sobre ambos. — Mas o quarto último de hora estiveste roçando partes de minha anatomia que ninguém se atreveu a me tocar até agora. — O... duvido. — tampou-se ainda mais com a jaqueta do St. Vincent e acrescentou com voz apagada: — Seguro que lhe manusearam mais que às cestas de comida do Fortnum and Maçom. — E me pode conseguir a um preço mais razoável — assegurou ele antes de fazer uma careta e mover-se para ficar a bem no regaço. — Não ponha o joelho aí, encanto, ou seus planos de consumar o matrimônio correrão perigo. Evie dormitou até a seguinte parada, e justo quando se estava sumindo num sonho profundo, St. Vincent despertou com delicadeza. — Evangeline — murmurou enquanto lhe arrumava o cabelo despenteado. — Abre os olhos. Estamos na seguinte posta. Tem tempo para entrar uns minutos. — Não quero — se queixou ela. — Tem que fazê-lo — insistiu St. Vincent em voz baixa. — Espera-nos um comprido trecho ao sair daqui. Vê o banho agora, já que não poderá fazê-lo num bom momento. Evie ia protestar que não precisava ir ao banho quando, de repente, deu-se conta de que sim. A ideia de levantar-se e sair à chuva gélida de novo quase a fez lacrimejar. Inclinou-se para calçá-los sapatos úmidos e sujos, e brigou com os cordões. St. Vincent lhe apartou as mãos e os atou corretamente. Depois a ajudou a descer da carruagem. Uma vez fora, uma rajada de vento glacial fez que a moça apertasse os dentes. Fazia um frio terrível. St. Vincent lhe cobriu a cara com o capuz da capa e, depois de lhe rodear os ombros com um braço, cruzaram o pátio da estalagem. — Me acredite — disse. — É melhor que vá à privada aqui. Ter que baixar depois junto à estrada seria


terrível. Por isso sei sobre as mulheres e sua anatomia... — Conheço minha anatomia — o interrompeu Evie irritada. — Não faz falta que me explique isso. — É obvio. Perdoa se falar muito; é que tentou me manter acordado. E a ti também. Evie se aferrou a sua cintura e, enquanto avançava pelo barro gelado, pensou no primo Eustace e em quão contente estava de não ter que casar-se com ele. Nunca voltaria a viver sob o teto dos Maybrick. A ideia lhe deu forças. Uma vez casada legalmente, deixariam de ter poder sobre ela. Por Deus, quanto ansiava que tudo terminasse de uma vez para sempre. Depois de tomar um quarto, St. Vincent tomou a Evie pelos ombros e a observou para avaliar seu estado. — Parece a ponto de te deprimir — comentou. — Temos tempo para que descanse um par de horas, carinho. Por que não...? — Nem pensar — replicou ela. — Quero seguir adiante. St. Vincent a observou com cenho, mas repôs com calma: — É sempre tão teimosa? — Levou-a a quarto e lhe recordou que fechasse a porta com chave quando ele saísse. — E tenta não dormir sentada no urinol — brincou. Quando voltaram para carruagem, Evie seguiu o ritual já familiar: tirou-se os sapatos e deixou que St. Vincent lhe pusesse o lava-pés quente nos pés e a situasse depois entre suas pernas separadas, com um pé perto do lava-pés e o outro no chão para manter o equilíbrio. A Evie lhe acelerou o pulso quando tomou uma mão e começou a brincar com seus dedos frios. Tinha a mão quente e os dedos, suaves, com as unhas curtas e bem limadas. Uma mão forte, mas sem dúvida pertencente a um homem ocioso. St. Vincent entrelaçou seus dedos com os dela com suavidade, desenhou lhe um pequeno círculo na palma com o polegar e depois deslizou os dedos para que coincidissem com os dela. Sua pele branca era de um tom quente, da classe que absorve o sol com facilidade. Ao final, St. Vincent deixou de brincar, mas não lhe soltou a mão. Não podia ser ela, a solteirona, Evangeline Jenner... Só em uma carruagem com um libertino irrecuperável viajando para a Gretna Green. Olhe a que ataste, pensou aturdida. Voltou a cabeça e apoiou a bochecha na Camisa de linho do St. Vincent. — Como é sua família? — perguntou com modorra. — Tem irmãos? St. Vincent lhe acariciou os cachos com os lábios um momento antes de responder: — Só ficamos meu pai e eu. Não recordo a minha mãe. Morreu de cólera quando eu ainda era um bebê. Tinha quatro irmãs maiores. Como era o menor e único varão, consentiram-me muitíssimo. Mas três de minhas irmãs morreram de escarlatina. Lembro me que me enviaram a nossa casa de Campo quando adoeceram, e quando voltei já não estavam. Mais adiante, a sobrevivente, minha irmã maior, casou-se mas, como sua mãe, morreu num parto. O bebê tampouco sobreviveu. Evie, que não se moveu enquanto ele contava sua história com naturalidade, sentiu uma enorme tristeza por esse menino. Uma mãe e quatro irmãs que o adoravam tinham desaparecido num período relativamente curto de tempo. Teria sido difícil de compreender para um adulto, muito mais para um menino. — Pergunta-te alguma vez como teria sido sua vida se tivesse tido mãe? — quis saber.


— Pois não. — Eu sim. Frequentemente me pergunto que conselho me teria dado. — Dado que sua mãe se casou com um patife como Ivo Jenner — respondeu ele com ironia— , eu não lhe daria muito valor a seus conselhos. — Fez uma pausa maliciosa. — Por certo, como se conheceram? Uma garota de boa família não está acostumada relacionar-se com homens como Jenner. — conheceram-se num acidente de tráfico. Minha mãe ia em uma carruagem com minha tia. Era um desses dias de inverno em que a névoa de Londres é tão espessa que, a meio-dia, a visibilidade é de apenas uns metros. O veículo fez um giro brusco para evitar o carro de um mascate e atropelo a meu pai, que estava de pé na calçada. Ante a insistência de minha mãe, o chofer se deteve para lhe perguntar se tinha feito mal. Só tinha uns arranhões, nada mais. Mas suponho... suponho que meu pai deveu lhe interessar porque ao dia seguinte lhe enviou uma carta para lhe perguntar por sua saúde. Começaram a escrever-se, embora meu pai devia fazê-lo através de alguém porque era analfabeto. Não conheço mais detalhes, salvo que ao final se fugiram juntos. — Um sorriso de satisfação lhe iluminou a cara ao imaginá-la ira dos Maybrick ao descobrir que sua mãe se escapou com o Ivo Jenner. — Quando ela morreu, tinha dezenove anos — acrescentou pensativa. — E eu tenho vinte e três. Parece-me estranho ter vivido mais que ela — comentou antes de voltar-se parar olhá-lo à cara. — Quantos anos tem, Milorde? Trinta e quatro? Trinta e cinco? — Trinta e dois. Embora neste momento me sinto como se tivesse cento e dois. O que passou a sua gagueira, céu? Desapareceu em algum lugar entre Tessdale e aqui. — Sério? — perguntou Evie, um pouco surpreendida. — Suponho que contigo me sinto cômoda. Estou acostumado a gaguejar menos com algumas pessoas. — Era estranho, porque não estava acostumado a deixar de gaguejar por completo salvo que falasse com um menino. Notou como o peito do St. Vincent dava uma espécie de pulo de diversão. — Ninguém me havia dito que lhe fizesse sentir cômodo. E eu não gosto nada. Terei que fazer algo diabólico para que troque de opinião. — Estou segura de que o fará. — Fechou os olhos e se apertou mais contra ele. — Acredito que estou muito cansada para gaguejar. St. Vincent começou a lhe acariciar o cabelo e a cara para terminar lhe massageando a têmpora com a ponta dos dedos. — Dorme — sussurrou. — Já estamos chegando. Como nos encontramos no quinto inferno, encanto, logo deveria sentir mais calor. Mas não foi assim. quanto mais viajavam ao norte, mais frio fazia, e Evie chegou a pensar que não lhe viria mal um pouco de fogo eterno. O povo da Gretna Green se encontrava no condado do Dumfriesshire, ao norte da fronteira de Escócia. Centenas de casais viajavam pela estrada de Londres a Gretna Green, passando por Carlisle, para evitar a estrita legislação matrimonial da Inglaterra. Foram a pé, em carruagem ou a cavalo e, uma vez conseguiam pronunciar seus votos matrimoniais, voltavam para a Inglaterra convertidos em marido e mulher.


Quando um casal cruzava a ponte sobre o rio Sark e entrava em Escócia, podia casar-se em qualquer ponto do país. Bastava com uma declaração feita diante de testemunhas. Entretanto, em Gretna Green tinha um surto de próspero negócio casamenteiro, e muitos de seus habitantes competiam por celebrar casamentos em lares particulares, posadas ou, inclusive, ao ar livre. O lugar mais conhecida era a ferraria, onde se tinham efetuado tantas cerimônias rápidas que a todos os matrimônios celebrados em Gretna Green os conhecia como casamentos na bigorna. A carruagem chegou pôr fim a seu destino: uma estalagem situada ao lado da ferraria. St. Vincent conduziu a Evie rodeando-a com um braço como se fora a desabar-se de cansaço. O hospedeiro, um tal senhor Findley, sorriu encantado ao saber que se fugiram para casar-se, e lhes assegurou com piscadas exageradas que sempre tinha um quarto preparado para situações assim. — Não é legal até que tenham consumado os casamentos, sabem? — informou lhes com um acento quase ininteligível. — Em uma ocasião tivemos que tirar às escondidas a uns noivos pela porta de atrás enquanto seus perseguidores esmurravam a de diante. Em outra, entraram na estalagem e encontraram aos dois amantes na Cama; o noivo ainda levava postas as botas, mas não havia dúvida de que o ato se consumou. — Soltou uma gargalhada ao recordá-lo. — O que há dito? — murmurou Evie, recostada no ombro do St. Vincent. — Não tenho nem ideia — lhe sussurrou este ao ouvido. Levantou a cabeça e se dirigiu ao hospedeiro: — Eu gostaria de dispor de um banho quente no quarto quando retornarmos da ferraria. — Muito bem, Milorde — confirmou o hospedeiro, e recebeu com entusiasmo as moedas que St. Vincent lhe entregou em troca de uma chave antiquada. — Deseja também que lhes subamos o jantar, Milorde? Sebastian dirigiu um olhar inquisidor a Evie, que sacudiu a cabeça. — Não — respondeu St. Vincent— , mas espero que possamos tomar um café da manhã copioso pela manhã. — Sim, Milorde. Vão casar se na ferraria, verdade? Ai, caramba. Não há melhor casamenteiro em Gretna que Paisley MacPhee. É um homem culto. Fará às vezes de clérigo e lhes emitirá um certificado. — Obrigado — disse St. Vincent. Saíram da estalagem e se dirigiram à ferraria, na porta do lado. Um olhar rápido rua abaixo lhes permitiu ver fileiras de casas e lojas bem cuidadas, com luzes acesas para mitigar a crescente escuridão do entardecer. Ao aproximar-se da fachada do edifício caiado, ele murmurou: — Aguenta um pouco mais, carinho. Já quase estamos. Evie esperou apoiada nele com a cabeça meio afundada em sua jaqueta enquanto ele batia na porta. Abriu-a um homem corpulento, corado, com um atrativo bigode que se unia a suas entupidas costeletas. Seu acento escocês não era tão marcado como o do hospedeiro, e Evie pôde compreender o que dizia. — É você MacPhee? — perguntou St. Vincent. — O mesmo. Rapidamente, St. Vincent fez as apresentações e explicou sua intenção. O ferreiro sorriu de brinca a orelha.


— Assim querem casar-se. Passem, por favor — disse, e chamou a suas duas filhas, um par de moças coradas e morenas às que apresentou como Florag e Gavenia. Logo os conduziu à ferraria, situada no mesmo edifício. Os MacPhee mostraram a mesma alegria constante que o hospedeiro, o que desmentia o que Evie tinha ouvido sempre sobre o famoso caráter sério dos escoceses. — Parece lhes bem que minhas duas filhas sejam testemunhas? — sugeriu MacPhee. — Sim — respondeu St. Vincent de uma vez que jogava uma olhada ao redor; o local estava cheio de ferraduras, equipe para carruagens e ferramentas de lavoura. — Como pode ver, mi... — deteve-se um momento como se duvidasse sobre como referir-se a Evie. — Minha noiva e eu estamos bastante cansados. Viajamos de Londres a um ritmo endiabrado, de modo que nós gostaríamos de acelerar o trâmite. — De Londres? — repetiu o ferreiro, e sorriu a Evie. — por que veio a Gretna, senhorita? Não lhe deram seus pais consentimento para casar-se? — Me lhe... temo que não é tão singelo. — Evie lhe devolveu o sorriso languidamente. — Quase nunca o é — concedeu MacPhee enquanto meneava a cabeça sabiamente. — Mas tenho que lhe advertir algo, senhorita. Se for casar-se precipitadamente, o matrimônio escocês é um vínculo irrevogável e indissolúvel. Assegure-se de que seu amor é verdadeiro para... St. Vincent interrompeu o que prometia ser uma retalia de conselhos paternais. — Não é um matrimônio por amor — esclareceu. — É um matrimônio de conveniência, e a calides que existe entre nós não chega nem a de uma vela de aniversário. Proceda, por favor. Nenhum dos dois dormiu como é devido em dois dias. Fez-se o silêncio, e a brutalidade do comentário pareceu horrorizar ao MacPhee e suas duas filhas. — Não me cai você bem — anunciou com cenho. — A minha futura esposa tampouco — replicou St. Vincent, exasperado. — Mas como isso não vai impedir que se case comigo, tampouco deveria detê-lo você. Adiante. MacPhee dirigiu um olhar de compaixão a Evie. — A noiva não tem flores — advertiu, de repente decidido a que a cerimônia tivesse um ar romântico. — Florag, vá procurar um ramo de urze branco. — Não necessita flores — soltou St. Vincent, mas a jovem partiu de todos os modos. — Que a noiva leve urze branco é um velho costume escocês — explicou MacPhee a Evie. — Quer que lhe conte por quê? Ela assentiu e conteve um risinho afogada. Apesar de seu cansaço, ou possivelmente devido a ele, começava a sentir um prazer perverso ao ver como St. Vincent se esforçava por controlar sua irritação. Naquele momento, o homem mal barbeado e mal-humorado que tinha a seu lado não guardava nenhum parecido com o aristocrata petulante que tinha assistido à festa em casa de lorde Westcliff. — Faz muito, muito tempo... — começou MacPhee, sem emprestar atenção ao grunhido do St. Vincent— , havia uma formosa jovem chamada Malvina. Estava prometida a Osear, um valente guerreiro que tinha conquistado seu coração. Osear pediu a sua amada que o esperasse enquanto ia procurar fortuna. Mas um dia desgraçado, Malvina recebeu a notícia de que seu noivo tinha morrido em combate. Descansaria para sempre


em umas colinas longínquas... sumido num sonho eterno... — meu deus, como o invejo — afirmou St. Vincent, de uma vez que se esfregava os olhos. — Quando as lágrimas de dor da Malvina empaparam a erva como o rocio — prosseguiu MacPhee— , a urze púrpura que havia a seus pés se voltou branco. Por isso todas as noivas escocesas levam urze branco no dia de seu casamento. — Essa é a história? — perguntou St. Vincent com incredulidade. — O urze procede das lágrimas que derramou uma moça pela morte de seu prometido? — Assim é. — Como diabos pode considerar-se então sinal de boa sorte? MacPhee abriu a boca para responder mas, nesse momento, Florag voltou e entregou a Evie um raminho de urze branco seco. Depois de lhe murmurar as obrigado, Evie deixou que o ferreiro a conduzisse para a bigorna, no centro do local. — Tem um anel para a senhorita? — perguntou MacPhee ao St. Vincent, que sacudiu a cabeça. Imaginava-me — disse com frieza o ferreiro. — Gavenia, traz o estojo dos anéis. — E aproximando-se de Evie, explicou: — Trabalho metais preciosos além de ferro. É um trabalho fino, feito com o melhor ouro de Escócia. — Não necessita nenhum... — St. Vincent se deteve o ver que Evie elevava os olhos para ele. Soltou um suspiro. — De acordo. Escolhe um. MacPhee retirou uma parte de lã do estojo, estendeu-o sobre a bigorna e colocou sobre ele com delicadeza uma seleção de seis anéis. Evie se inclinou parar olhá-los. Os anéis, todos eles alianças de ouro de diversos tamanhos e motivos, eram tão intricados e delicados que parecia impossível que os tivesse criado um ferreiro. — Este mostra cardos e nós — disse MacPhee, e o levantou para que o visse melhor. — Este tem um desenho de chaves, e este, uma rosa do Shetland. Evie escolheu o menor e o provou no dedo anelar esquerdo. Ia perfeito. O aproximou para examinar o desenho. Era o mais singelo; uma aliança de ouro gentil que tinha gravadas as palavras: Tha Gad Agam Ort. — O que significa? — perguntou ao MacPhee. — Meu amor é teu. St. Vincent permaneceu imaculável e se produziu um silêncio incômodo. Evie se tirou a aliança lamentando haver-se interessado pelos anéis. O sentimento daquela frase estava tão desconjurada nessa cerimônia imposta que realçava a farsa das casamentos. — Acredito que não quero anel depois de tudo — resmungou, e voltou a deixá-lo no tecido. — Nós ficamos — disse então St. Vincent. Aniquilada, Evie o viu agarrar a aliança de ouro e, quando o olhou com os olhos exagerados, ele acrescentou com secura: — São só palavras. Não significa nada. Ela assentiu e agachou a cabeça. MacPhee os observou com cenho e alisou a barba incipiente. — Meninas, cantem uma canção — pediu a suas filhas com resolvida alegria. — Uma canção... — protestou St. Vincent, mas Evie lhe puxou da manga.


— Deixa-os — murmurou. — quanto mais discuta, mais demoraremos. St. Vincent amaldiçoou entre dentes e fixou a vista na bigorna, enquanto as irmãs entoavam em perfeita harmonia. OH, meu amor é como uma rosa vermelha, vermelha, recém brotada em junho. OH, meu amor é como uma melodia que se entoa docemente. Meu amor por ti é tão imenso como sua beleza. E te seguirei amando, meu amor, até que os mares se sequem... O ferreiro escutou a suas filhas com orgulho até que acabou a última nota e então as elogiou generosamente. Voltou-se para o casal que estava ante a bigorna e indicou, dando-se importância: — E agora lhes farei umas perguntas. São os dois solteiros? — Sim — respondeu St. Vincent. — Tem um anel para a noiva? — Acaba de... — Vincent se deteve com uma imprecação entre dentes ao ver que MacPhee arqueava as sobrancelhas, impaciente. Era evidente que se queria que a cerimônia concluísse, devia lhe seguir a corrente. Assim grunhiu: — Sim, tenho-o. — Coloque o da sua prometida no dedo e tome a mão. Evie se sentiu estranha e enjoada quando olhou ao St. Vincent. Assim que lhe deslizou a aliança no dedo, o coração começou a lhe pulsar depressa, e lhe percorreu o corpo algo que não era nem entusiasmo nem temor, a não ser uma emoção nova que aguçava os sentidos. Não tinha palavras para definir esse sentimento. A tensão a atendeu enquanto seu pulso recusava acalmar-se. Sua mão descansava sobre a do St. Vincent, cujos dedos eram mais largos e sua palma suave e cálida. Ele inclinou um pouco a cabeça para lhe ver a cara. Embora estivesse inexpressiva, uma nota de cor lhe cobria as maçãs do rosto e a ponte do nariz. E respirava mais rápido do habitual. Ela desviou o olhar, surpreendida de que já conhecesse algo tão íntimo como sua respiração normal. O ferreiro tomou uma fita branca e a entregou a uma de suas filhas. Evie se estremeceu um pouco quando a garota rodeou com ela no pulso dos noivos. Notou que St. Vincent tinha aproximado a mão livre a seu pescoço e o acariciava como se fora um animal nervoso. O suave contato de seus dedos fez que se relaxasse. MacPhee terminou de lhes rodear os pulsos com mais fita. — E agora o nó — disse enquanto o fazia com um floreio. — Repita depois de mim, senhorita: Eu te tomo por marido. — Eu te tomo por marido — sussurrou Evie. — Milorde? — animou-o o ferreiro. St. Vincent a olhou com uns olhos frios e brilhantes que não revelavam nada. Mesmo assim, ela sentiu de algum modo que ele também sentia aquela tensão estranha, tão forte como a de um relâmpago. — Eu tomo por esposa — disse em voz baixa. — Ante Deus e estas testemunhas, eu lhes declaro marido e mulher — disse MacPhee com tom de


satisfação. — Que o que Deus uniu, não o separe o homem. São oitenta e duas libras, três coroas e um xelim. St. Vincent apartou com dificuldade o olhar de Evie e a dirigiu para o ferreiro com uma sobrancelha arqueada. — O anel vale cinquenta libras — explicou MacPhee em resposta à sua pergunta implícita. — Cinquenta libras por um anel sem pedra? — replicou St. Vincent acidamente. — É ouro escocês — disse MacPhee, a quem parecia lhe indignar que questionasse o preço. — É dos arroios das colinas do Lowther. — E o resto? — Trinta libras pela cerimônia, uma libra pelo uso do local, uma guinéu pelo certificado de matrimônio, que lhes terei amanhã preparado, uma coroa por cada testemunha... — Fez uma pausa para assinalar a suas filhas, que riram e fizeram uma reverência. — Outra coroa pelas flores... — Uma coroa por um punhado de ervas secas? — soltou St. Vincent, indignado. — A canção é cortesia da casa — concedeu MacPhee gentilmente. — OH, e um xelim pela fita, que não devem desatar até que o matrimônio se consumou ou a má sorte lhes perseguirá. St. Vincent abriu a boca para replicar, mas depois de um olhar à esgotada Evie, colocou a mão no bolso da jaqueta em busca do dinheiro. Movia-se com estupidez, já que era destro e agora só podia usar a mão esquerda. Tirou um maço de bilhetes e umas moedas e os lançou sobre a bigorna. — Tenha — disse com brutalidade. — Fique com a mudança. Dê lhe a suas filhas. — Sua voz adquiriu uma nota irônica. — junto com minha gratidão pela canção. MacPhee e suas filhas deram as graças a coro e os seguiram até a porta enquanto as moças repetiam uma estrofe: E te seguirei amando, meu amor, até que os mares se sequem...


Capítulo 4

Quando saíram da ferraria, a chuva aumentava como uma densa cortina chapeada. Evie reuniu as forças que ficavam para acelerar o passo em sua volta à estalagem. Sentia-se como se Caminhasse em sonhos. Tudo parecia desproporcionado, custava lhe concentrar o olhar e o estou acostumado a enlameado parecia mover-se caprichosamente sob seus pés. Para seu desgosto, seu flamejante marido a deteve junto ao edifício, a talher sob um beiral lhe jorrem. — O que acontece? — perguntou aturdida. Ele alargou a mão para seus pulsos atadas e começou a desfazer o nó da fita. — vou tirar-nos isto. — Não. Espera. — O capuz da capa lhe escorregou para trás ao tentar impedir lhe Cobriu lhe a mão com a sua e ele a olhou. — Por quê? — perguntou St. Vincent com impaciência. Inclinou a cabeça para olhá-la aos olhos, e a água começou a lhe escorregar pela aba do chapéu. Tinha escurecido e a única iluminação que havia era o brilho tênue das luzes. Embora a luz fosse pouca, parecia prender em seus olhos, que mostravam como se possuíssem uma luz interior. — Já ouviste o senhor MacPhee: traz má sorte desatar a fita. — É supersticiosa? — disse St. Vincent em tom incrédulo. Evie assentiu como se desculpando. Não custava muito dar-se conta de que a fúria do St. Vincent poderia desatar-se muito antes que seus pulsos. Aí de pé, juntos, em meio da escuridão e o frio, com os braços estendidos num ângulo estranho, Evie sentia sua mão sobre a dele. Era a única parte de seu corpo que experimentava calor. O falou com uma paciência exagerada que teria impulsionado a Evie, em circunstâncias normais, a retirar imediatamente suas objeções. — De verdade quer entrar assim na estalagem? Era irracional, mas Evie estava muito exausta para pensar com sensatez. Só sabia que já tinha tido toda a má sorte do mundo, e não queria buscar-se mais. — Estamos em Gretna Green. Ninguém lhe dará nenhuma importância. E acreditava que não lhe importavam as aparências. — Nunca me importou parecer depravado ou vil. Mas me nego a parecer idiota. — Não, por favor — insistiu ela quando St. Vincent voltou a atacar o nó. Lutou com ele e seus dedos se entrelaçaram. De repente, St. Vincent tomou a boca com a sua e a empurrou contra o edifício, onde a segurou com seu corpo. Com a mão livre, tomou a nuca por debaixo do cabelo molhado. A pressão de seus lábios a aturdiu. Não sabia beijar e não tinha ideia do que fazer com a boca. Perplexa e tremente, ofereceu lhe os lábios fechados enquanto o coração lhe pulsava com força e as pernas lhe fraquejavam.


St. Vincent queria coisas que ela não sabia lhe dar. Ao notar sua confusão, ele cedeu um pouco e começou a lhe dar beijos breves e insistentes enquanto lhe roçava com suavidade a cara. Começou a lhe acariciar a mandíbula, o queixo, e, com o polegar, incitou lhe a separar os lábios. Assim que o conseguiu os cobriu com a boca. Evie podia saboreá-lo: uma essência sutil e sedutora que a afetou como se tratasse de um elixir exótico. Notou como lhe introduzia a língua, como lhe explorava brandamente a boca, como a deslizava mais e mais dentro sem que ela opusesse resistência. Depois deste beijo exuberante, St. Vincent reduziu a pressão até que suas bocas apenas se tocavam e seu fôlego, que o frio da noite convertia em bafo, mesclava-se de modo visível. Beijou-a com suavidade uma, duas vezes. Percorreu lhe a bochecha com os lábios até o oco da orelha. Então, ao sentir como a acariciava com a língua e como tomava o lóbulo entre os dentes, Evie soltou um gritinho afogado. Estremeceu-se e uma cálida sensação lhe invadiu os peitos até suas partes íntimas. Procurou às cegas sua boca, a carícia delicada de sua língua. E ele as ofereceu com um beijo tenro mas firme. Evie lhe rodeou o pescoço com o braço livre para não cair, enquanto ele mantinha a outra boneca contra a parede, o que provocava que seus pulsos pulsassem juntos sob a fita branca. Outro beijo apaixonado, rude e doce de uma vez, com o que lhe devorou a boca e lhe saboreou e lambeu o paladar. Ela sentiu um prazer tão intenso que quase se deprimiu. Não é estranho..., pensou atordoada. Não, não era estranho que tantas mulheres tivessem sucumbido a aquele homem, estragado sua reputação e sua honra por ele. Haviam inclusive, se terei que dar crédito aos rumores, ameaçado com suicidar-se quando as abandonou. Sebastian era a sensualidade personificada. Quando se separou dela, surpreendeu lhe não desabar-se. Ele ofegava tanto como ela, mais inclusive, e seu tórax se movia com força. Ambos guardaram silêncio enquanto ele alargava a mão para desatar a fita com os olhos totalmente fixos nisso. Tremiam lhe as mãos. Não a olhou, embora não soube se era para evitar lhe ver a expressão ou para lhe impedir de ver a sua. Uma vez retirada a cinta branca, Evie se sentiu como se seguissem atados. Sua boneca conservava a sensação de está-lo. Ele, que pôr fim se atreveu a olhá-la, desafiou-a em silêncio a que protestasse. Assim que ela se conteve e tomou o braço para percorrer a curta distância que os separava da estalagem. A cabeça lhe dava voltas e logo que ouviu as felicitações joviais do senhor Findley quando entraram. Ao subir a escada, escura e estreita, pesavam lhe as pernas. A viagem concluía finalmente num esforço titânico por pôr um pé diante do outro. Chegaram a uma porta no corredor de acima. Apoiada contra a parede, viu como St. Vincent introduzia a chave na fechadura. Quando teve aberto, Cambaleou-se para a soleira. — Espera — disse ele, e se agachou para carregá-la. — Não tem que... — soltou ela. — Por deferência a sua natureza supersticiosa, acredito que será melhor que sigamos uma última tradição. — E a levantou com a mesma facilidade que se fosse uma menina e cruzou de lado a porta com ela em braços. — Traz má sorte que a noiva tropece na soleira. E vi homens Caminhar melhor que você depois de


uma bacanal de três dias. — Obrigado — murmurou Evie quando a deixou no chão. — Será meia coroa — replicou St. Vincent, e o aviso irônico das tarifas do ferreiro a fez sorrir. Mas seu sorriso se desvaneceu ao jogar uma olhada à quarto. A Cama de matrimônio se via amaciada e poda, e a colcha, puída de incontáveis lavagens. A armação era de metal, com arremates em forma de bola. Um brilho rosado emanava de um abajur de azeite com tulipa de cristal vermelho que havia na mesinha de noite. Manchada de barro, geada e intumescida, Evie observou em silêncio a banheira de cobre colocada diante da chaminé. St. Vincent fechou a porta, aproximou-se dela e lhe desabotoou a capa. Seu rosto refletiu um pouco parecido à lástima quando se precaveu de que tremia de cansaço. — Deixa que te ajude — disse em voz baixa de uma vez que lhe tirava a capa dos ombros, e aproximou uma cadeira ao fogo. Evie tragou saliva e tratou de esticar os joelhos, que pareciam querer dobrar-se. Ao olhar a Cama, um pavor frio lhe golpeou o estômago. — Vamos A...? — começou com uma voz que lhe voltou áspera. — Vamos A...? — repetiu St. Vincent de uma vez que começava a lhe desabotoar a parte dianteira do vestido. Seus dedos se moveram com rapidez pela abotoadura do corpete. — Não, Por Deus. Apesar da deliciosa que é, meu amor, estou muito cansado. Jamais havia dito isto em toda minha vida mas, neste momento, prefiro mais dormir a fuder. Evie suspirou aliviada. Teve que agarrar-se a ele para não perder o equilíbrio quando lhe passou o vestido pelos quadris para tirar lhe. — Eu não gosto dessa palavra — disse em voz baixa. — Pois mais vale que acostume a ela — respondeu ele com mordacidade. — É uma palavra que se usa com frequência no clube de seu pai. Não entendo como não está acostumada para ouvi-la. — Ouvi-a — replicou indignada enquanto dava um passo para sair do círculo que formava o vestido no chão. — Só que, até agora, não sabia o que significava. St. Vincent se agachou para lhe desabotoar os sapatos. Um ruído estranho, como de sufoco, lhe escapou dos lábios. Evie acreditou, angustiada, que lhe tinha dado um ataque, mas logo compreendeu que se estava rendo. Era a primeira gargalhada autêntica que lhe ouvia, embora não sabia o que lhe resultava tão gracioso. De pé ante ele, em regata e culote, cruzou-se de braços e franziu o cenho. Sem deixar de desfrutar-se, St. Vincent lhe tirou os sapatos e os deixou no chão. Baixou lhe as médias com rápida eficiência. — Toma um banho, céu — conseguiu dizer por fim. — Esta noite não corre perigo comigo. Poderei olhar, mas não tocar. Adiante. Como nunca se despiu diante de um homem, Evie se ruborizou de pés à cabeça enquanto se soltava os laços da regata. St. Vincent, com tato, voltou-se e se dirigiu para o lavabo com um aguamanil cheio de água quente que havia na chaminé. Enquanto tirava os úteis para barbear-se, Evie se tirou com estupidez a roupa interior e se meteu na banheira. A água estava deliciosamente quente e, ao inundar-se, sentiu um aperto nas


pernas, como se lhe cravassem milhares de agulhas. Em um tamborete junto à banheira havia um pote com um sabão gelatinoso de cor marrom e aroma acre. Verteu-se um pouco nos dedos e o estendeu pelo peito e os braços. Tinha as mãos muito torpes e os dedos se negavam a obedecer suas ordens. Depois de afundar a cabeça na água, alargou a mão para tomar um pouco mais de sabão e quase derrubou o pote. Lavou-se o cabelo, resmungou quando começaram a lhe arder os olhos e com as mãos se verteu água na cara. St. Vincent se aproximou da banheira com o aguamanil. Evie lhe ouviu falar através da água. — Joga a cabeça para trás — ordenou antes de lhe verter o resto de água limpa sobre o cabelo ensaboado. Com destreza, secou lhe o rosto com uma toalha limpa mas áspera, e lhe disse que se levantasse. Evie tomou a mão que lhe oferecia e o fez. Deveria haver-se morto de vergonha de estar nua ante ele, mas tinha chegado a tal limite de esgotamento que era incapaz de sentir pudor. Tremente e curvada, deixou que a ajudasse a sair da banheira. Inclusive permitiu que a secasse, sem fazer outra coisa que não fora esperar languidamente a que terminasse, sem lhe importar nem dar-se conta de se a estava olhando. St. Vincent era mais eficiente que qualquer donzela, e lhe pôs com rapidez a Camisola de flanela branca que tinha encontrado em sua bolsa de viagem. Com a toalha lhe escorreu a água do cabelo e depois a conduziu até o lavabo. Evie observou, indiferente, que tinha encontrado sua escova de dentes na bolsa e lhe tinha jogado pós dentifrícios. Escovou-se os dentes, os esclareceu com movimentos enérgicos e cuspiu na bacia de cerâmica. A escova lhe escorreu entre os dedos intumescidos e repicou no chão. — Onde está a Cama? — sussurrou com os olhos fechados. — Aqui, carinho. Tome a mão — respondeu ele, e a guiou. Assim que chegou, Evie se tombou como um animal ferido. O colchão era fofo, e o peso dos lençóis e as mantas de lã, secas e quentes, delicioso para suas extremidades doloridas. Afundou a cabeça no travesseiro e gemeu lhe suspire. Sentiu um ligeiro puxão no cabelo e compreendeu que St. Vincent lhe estava penteando as mechas molhadas. Aceitou passivamente seus cuidados e deixou que lhe desse a volta para fazer o mesmo com o outro lado. Quando teve terminado, ele foi tomar seu banho. Evie conseguiu manter-se acordada o suficiente para ver seu corpo esbelto e dourado à luz do fogo. Fechou os olhos quando se metia na banheira e, quando ele se sentou, ela já estava dormida. Nenhum sonho a perturbou de noite. Não existia nada salvo a escuridão doce e densa, a Cama amaciada e a tranquilidade de um povo escocês em uma noite fria de finais de outono. Só se moveu à alvorada, quando os ruídos do exterior penetraram no quarto: os gritos alegres do vendedor de pão-doces e de um Camelô, os sons de animais e carros que passavam pela rua. Entreabriu os olhos, e na luz tênue que entrava através das ásperas cortinas beges, viu com surpresa que havia outra pessoa na Cama. St. Vincent. Seu marido. Estava nu, ao menos de cintura para acima. Dormia de barriga para baixo, e rodeava com seus musculosos braços o travesseiro em que apoiava a cabeça. As linhas de seus ombros e costas eram tão perfeitas que pareciam gravadas em âmbar pálido do Báltico e lixadas até obter um acabamento brilhante. Seu rosto parecia muito mais suave que quando estava acordado. Tinha fechados seus calculadores olhos, e a boca, relaxada, via-se sensual.


Evie fechou os olhos e pensou que era uma mulher casada, e que poderia ver seu pai e ficar com ele todo o tempo que quisesse. E, como era provável que ao St. Vincent não importasse muito o que fizesse ou aonde fora, gozaria de certa liberdade. Apesar de que seguia preocupada, sentiu um pouco parecido à felicidade e, com um suspiro, voltou a dormir. Esta vez sonhou que avançava por um Caminho banhado pelo sol e bordejado de áster e espigas douradas. Era um Caminho do Hampshire que tinha percorrido muitas vezes e que atravessava Campos úmidos cheios de reina dos prados e ervas largas de finais do verão. Andava sozinha até aproximar-se do poço dos desejos onde ela e suas amigas tinham arrojado uma vez moedas à água e formulada seus desejos. Como conhecia a superstição local sobre o espírito do poço que vivia clandestinamente, Evie não tinha querido aproximar-se muito ao bordo. Segundo a lenda, o espírito esperava capturar a alguma donzela inocente para que vivesse com ele no poço. Em seu sonho, entretanto, não tinha medo e se atrevia inclusive a tirá-los sapatos e a colocar os pés na água. Para sua surpresa, não estava fria, a não ser deliciosamente quente. Sentava-se no bordo do poço, inundava as pernas na água e levantava a cara para o sol. Sentia que algo lhe roçava os tornozelos. Ficava muito quieta, sem sentir nenhum medo apesar de notar que algo se movia sob a superfície da água. Outro roce... uma mão... uns dedos largos lhe acariciavam os pés e lhe massageavam com ternura os doloridos arcos até que ela suspirava de prazer. Umas grandes mãos masculinas foram subindo pelas panturrilhas e os joelhos enquanto um corpo corpulento e bem formado emergia das profundidades do poço. O espírito tinha adotado a forma de um homem para cortejá-la. Rodeava-a com seus braços e seu contato era estranho, mas tão agradável que seguia com os olhos fechados, temerosa de que, se tentava olhá-lo, pudesse desaparecer. Tinha a pele cálida e sedosa, e os músculos das costas lhe esticavam sob seus dedos. Seu amante sonhado lhe sussurrava palavras carinhosas ao abraçá-la e lhe acariciava o pescoço com a boca. Notava uma sensação agradável em qualquer lugar que a tocasse. — Faço-te minha? — murmurou enquanto lhe tirava com cuidado a roupa e deixava sua pele exposta à luz, ao ar e à água. — Não tenha medo, meu amor... E quando ela se estremecia e o abraçava às cegas, lhe beijava o pescoço e os peitos, e lhe roçava os mamilos com a língua. Deslizava lhe as mãos pescoço abaixo para lhe acariciar os peitos enquanto com os lábios meio separados lhe tocava os mamilos. Incitava-a com a língua uma e outra vez até que a ela lhe escapava um gemido de prazer e lhe afundava os dedos no cabelo. O espírito do poço lhe cobria com a boca um mamilo e atirava com suavidade. Acariciava-o depois com a língua e voltava a atirar dele para lambê-lo e chupá-lo. Evie arqueava as costas, gemia e não podia evitar separar as coxas quando ele se situava entre eles, e então... Abriu os olhos de repente. Despertou confundida e ofegante, cheia de desejo. O sonho se desvaneceu e compreendeu, aturdida, que não estava no Hampshire a não ser no quarto da estalagem de Gretna, e que o ruído de água não procedia de nenhum poço dos desejos mas sim da chuva que caía nesse momento. Tampouco havia luz do sol, a não ser o brilho de um fogo recém aceso na chaminé. E o corpo que a cobria não era nenhum espírito do poço, a não ser um homem que tinha a cabeça em seu ventre e lhe percorria a


pele com a boca. Evie ficou tensa e choramingou surpreendida ao dar-se conta de que estava nua, que St. Vincent lhe estava fazendo o amor e que levava nisso vários minutos. O elevou os olhos para ela. Com o ligeiro rubor que lhe cobria as bochechas, seus olhos pareciam mais claros e impressionantes do habitual. Seus lábios esboçaram um sorriso relaxado mas picasse. — É difícil despertar — murmurou com voz rouca antes de voltar a agachar a cabeça enquanto lhe percorria furtivamente uma coxa com a mão. Evie, escandalizada, protestou e se moveu sob seu corpo, mas ele a tranquilizou lhe acariciando as pernas e os quadris e voltou a colocá-la na posição adequada. — Te esteja aquieta. Não tem que fazer nada, meu amor. Deixa que eu me encarregue. Sim. Pode me tocar se lhe... Mmm... Sim... — sussurrou ao notar os dedos trementes de Evie em seu cabelo, em sua nuca, na curva de seus ombros. Descendeu, e Evie sentiu como suas pernas nuas se deslizavam entre as dela até que se precaveu de que ele tinha o rosto justo em seu pêlo íntimo. Envergonhada, alargou uma mão para tampar-se. A erótica boca do St. Vincent se deslizou para seu quadril, e notou que sorria contra sua pele suave. — Não deveria fazer isso — lhe sussurrou. — Se me esconde algo, desejo-o mais. Temo-me que me está enchendo a cabeça de ideias lascivas, assim será melhor que aparte a mão, carinho, ou poderia te fazer algo realmente depravado. Quando Evie apartou a mão tremente, St. Vincent passeou a ponta de um dedo pelo pêlo encaracolado para procurar com delicadeza sua cavidade. — Assim eu gosto, que obedeça a seu marido — prosseguiu com picardia em voz baixa enquanto a acariciava até lhe separar os cachos do pêlo. — Especialmente na Cama. Que bonita é. Separa as pernas, carinho. Vou tocar-te por dentro. Não, não tenha medo. Irá melhor se antes te beijar aqui. Não te mova... Evie soluçou ao notar como a boca de seu marido lhe explorava o púbis de pêlo ruivo. Sua língua, cálida e paciente, encontrou o pequeno montículo meio oculto sob o vulnerável capuz. Sitiou um dedo, comprido e ágil, na entrada da vagina, mas ela o deslocou ao mover-se de repente, surpreendida. St Vincent lhe sussurrou palavras tranquilizadoras e voltou a lhe deslizar o dedo no interior de seu corpo, mais profundamente esta vez. — Minha menina inocente — murmurou em voz baixa enquanto lhe excitava com a língua aquele ponto tão sensível. Evie se estremeceu e gemeu. De uma vez, o dedo lhe acariciava o interior da vagina seguindo um ritmo lânguido. Ela apertava os dentes para não fazer ruído, mas não podia evitar gemer de prazer. — O que acredite que aconteceria seguisse fazendo isto sem parar? — perguntou St. Vincent. Seus olhares se cruzaram e a Evie lhe nublou à vista. Sabia que tinha a cara contraída e ruborizada. Abrasava lhe até o último centímetro de pele. St. Vincent parecia esperar uma resposta, e com muita dificuldade obteve que as palavras lhe saíssem da garganta. — Não sei — disse fracamente. — Vamos provar o, parece-te? Não pôde responder, não pôde fazer nada salvo observar assombrada como lhe pressionava o pêlo


encaracolado com a boca e a acariciava com destreza. Evie jogou a cabeça atrás e seu coração se acelerou. Notou um ligeiro ardor quando lhe deslizou um segundo dedo e os moveu com ternura de uma vez que lhe chupava a vulva, lambendo lhe devagar ao princípio e aumentando o ritmo enquanto ela se retorcia. Seguiu assim, efetuando movimentos controlados com os dedos e tocando a de modo imperioso com a boca até que o prazer a invadiu em feitas ondas cada vez mais rápidas e, de repente, ficou paralisada. Arqueou o corpo em tensão, gritou, gemeu e voltou a gritar. St. Vincent suavizou o contato com a língua, mas seguiu seu jogo com destreza para alimentar seu clímax e lhe acariciar o sexo enquanto ela tremia violentamente. De repente a invadiu um enorme cansaço e, com ele, uma euforia física, como se estivesse bêbada. Incapaz de controlar suas extremidades, retorceu-se tremente sob seu corpo e não ofereceu nenhuma resistência quando St. Vincent a voltou de barriga para baixo. Continuando, deslizou lhe uma mão entre as coxas e voltou a lhe introduzir os dedos no sexo. Tinha suas partes íntimas sensíveis e, para sua vergonha, empapadas. Isso, entretanto, parecia excitar ao St. Vincent, que lhe ofegava na nuca. Sem lhe retirar os dedos, beijou-a e a mordiscou costas abaixo. Evie sentiu o roce de seu sexo entre as pernas, duro, inchado e ardente. Não lhe surpreendeu a mudança, já que Annabelle lhe tinha contado bastante sobre o que lhe passava ao corpo de um homem durante o ato amoroso. Mas Annabelle não lhe havia dito nada sobre as demais intimidades que faziam que a experiência não fora meramente física, mas sim de uma classe que podia te transformar a alma. St. Vincent, agachado sobre ela, provocou-a e a acariciou até que elevou tentativamente os quadris. — Quero te penetrar — sussurrou, e lhe beijou o lado do pescoço. — Quero estar muito dentro de ti. Serei muito tenro, meu amor. Deixa que te dê a volta e... meu deus, é tão formosa... — situou-se entre suas coxas abertas e lhe disse com voz tensa: — Toque-Me, carinho... Ponha a mão aqui. Inspirou com força quando Evie lhe rodeou o turgente membro com os dedos e o acariciou vacilante, reconhecendo pela aceleração de sua respiração que gostava. St. Vincent fechou os olhos com as pestanas trementes e os lábios um pouco separados devido a seus ofegos. Evie se colocou com estupidez o membro entre as coxas. Mas a ponta lhe deslizou pelo sexo úmido e St. Vincent gemeu como se lhe doesse. Evie voltou a tentá-lo, insegura. Uma vez no lugar adequado, St. Vincent o introduziu com força. Doeu lhe muito mais que quando a havia meio doido com os dedos e ficou subitamente tensa. Ele a rodeou com os braços e empurrou com força uma e outra vez até que a penetrou totalmente. Evie se retorceu para evitar a dolorosa invasão mas parecia que cada movimento seu só servia para aumentar a profundidade da penetração. Assim que se obrigou a permanecer quieta entre seus braços. Fincou lhe os dedos nos ombros e, obstinada a ele, deixou que a acalmasse com a boca e as mãos. St. Vincent a beijou com os olhos fechados e, ao notar a calidez de sua língua, ela quis introduzir lhe mais com uma sucção ansiosa. O soltou um som de surpresa e se estremeceu com uma série de espasmos rítmicos de seu membro de uma vez que um gemido lhe vibrava no peito e soltava o fôlego entre dentes. Evie lhe deslizou as mãos pelo peito coberto de pêlo dourado. Com os corpos ainda unidos, lhe tocou o flanco, o contorno das costelas e as costas suave. St. Vincent deixou que lhe explorasse o corpo sem


mover-se até que pôr fim lhe exageraram os olhos e deixou cair a cabeça no travesseiro junto a ela com um grunhido enquanto a investia com força e se estremecia como extasiado. Beijou-a com um anseia primária. Evie separou mais as pernas e lhe pressionou as costas para apressá-lo e tentar, a pesar da dor, que a penetrasse mais profundamente e com mais força. Apoiado nos cotovelos para não esmagá-la, St. Vincent lhe pôs a cabeça no peito e Evie sentiu seu fôlego quente e suave sobre o mamilo. Sua barba incipiente lhe arranhava um pouco e a sensação lhe contraiu os mamilos. O seguia dentro dela, embora seu sexo se suavizou. Estava acordado, mas imóvel. Evie também permaneceu quieta enquanto lhe rodeava a cabeça com os braços e lhe acariciava o cabelo. Notou que ele movia a cabeça e procurava o mamilo até rodeá-lo com os lábios e seguir devagar com a língua o contorno da auréola, uma e outra vez até que ela se moveu impaciente sob seu corpo. Lambeu lhe o mamilo brandamente e sem descanso, e o desejo lhe abrasou os peitos, o ventre e a virilha até que a dor desapareceu sob uma nova quebra de onda de desejo. St. Vincent passou ao outro peito e o mordiscou e jogou com ele, gozando, ao parecer, com seu prazer. Levantou um pouco o corpo para deslizar uma mão entre ambos e lhe acariciar seu púbis úmido e incitá-la com destreza. Provocou lhe um novo clímax, e com seu corpo esfregou voluptuosamente a virilha de Evie. Logo, ofegante, levantou a cabeça para olhá-la como se fora uma variedade de ser vivo desconhecida. — Meu deus — sussurrou com uma expressão que não era de satisfação mas sim de um pouco parecido ao alarme.


Capítulo 5

Sebastian se levantou e se dirigiu ao lavabo com pernas trementes. Sentia-se aturdido, inseguro, como se fora ele quem acabava de perder a virgindade. Depois de tantas aventuras amorosas, acreditava que já não ficava nada por experimentar. Estava equivocado. Para um homem para quem fazer o amor era uma mescla perita de técnica e coreografia, tinha sido toda uma surpresa encontrar-se à mercê de sua própria paixão. Tinha intenção de retirar-se no último momento, mas o desejo o tinha cegado tanto que se esqueceu. Merda. Isso não lhe tinha passado nunca. Tomou com estupidez uma toalha de linho para molhá-la na água fria da bacia. Para então, sua respiração tinha recuperado a normalidade, mas não estava nada tranquilo. Depois do que acabava de passar, deveria esquecer-se do sexo por umas horas. Mas não tinha tido suficiente. Tinha tido o orgasmo mais largo, persistente e espetacular de sua vida, e mesmo assim não tinha repleto sua necessidade de possuí-la, de penetrá-la. Era uma loucura. Mas por quê? por que com ela? Ela tinha a aula de figura que sempre lhe tinha gostado, voluptuosa e firme, com umas coxas bem torneadas que o rodeassem. E sua pele era tão suave como o veludo, com sardas douradas pulverizadas como faíscas festivas. O pêlo púbico tão vermelho e encaracolado como o cabelo... Sim, isso também era irresistível. Mas as bondades físicas de Evangeline Jenner não explicavam do todo o extraordinário efeito que exercia nele. Excitado de novo, Sebastian se esfregou bem com a toalha fria e tomou outra para levar lhe a Evangeline, que jazia meio recolhida de costas. Para seu alívio, parecia que não ia haver lágrimas nem queixa virginais. Parecia mais pensativa que afetada. Olhava-o intensamente, como se tentasse resolver um mistério. O lhe murmurou que se voltasse de barriga para cima e lhe lavou o sangue e os fluidos entre as pernas. Não lhe resultava fácil estar nua diante dele. Sebastian viu o rubor que subiu às bochechas em uma rápida quebra de onda. Tinha conhecido muito poucas mulheres que se ruborizassem por esse motivo. Sempre tinha eleito mulheres peritas, já que não gostava muito das ingênuas. Não por uma questão de moralidade, é obvio, mas sim porque as virgens eram, por norma, bastante insípidas na Cama. Aquela era uma notável exceção. Deixou a toalha e apoiou as mãos a cada lado dos ombros do Evangeline. Estudaram-se com curiosidade. Precaveu-se de que não lhe incomodava o silêncio; não tentava enchê-lo como a maioria de mulheres. Um ponto mais a seu favor. Inclinou-se para ela sem deixar de olhá-la aos olhos, mas ao agachar a cabeça, uma espécie de grunhido interrompeu o silêncio. Era o estômago de seu flamejante esposa, que protestava de fome. Mais rosada ainda, se isso era possível, ela se cobriu o ventre com as mãos para sossegar o teimoso ruído. Um sorriso iluminou o rosto do Sebastian, que lhe beijou o umbigo e anunciou: — Pedirei o café da manhã, carinho. — Evie — murmurou Evangeline de uma vez que se tampava com os lençóis até as axilas. — Assim é


como me chama meu pai. — Me chame Sebastian — repôs ele com um sorriso. Evie alargou a mão devagar, como se ele fora um animal selvagem que fora a pôr-se a correr se assustava, e o tocou os cachos do peito com suavidade. — Agora somos realmente marido e mulher. — Sim. Que Deus te ajude — disse Sebastian, baixando um pouco a cabeça, encantado com suas carícias. — Saímos hoje para Londres? Ela assentiu. — Quero ver meu pai. — Será melhor que escolha as palavras com tato quando lhe explicar que sou seu genro — disse. — Se não, a notícia poderia acabar com ele. — Nós temos pressa — insistiu Evie de uma vez que lhe apartava a mão do cabelo. — Se o tempo melhorar, possivelmente possamos ir mais rápido. Quero ir diretamente ao clube de meu pai e... — Chegaremos logo — disse Sebastian com calma— , mas não viajaremos à velocidade endemoninhada com que o fizemos ao vir. Passaremos pelo menos uma noite em uma estalagem de posta. — Evie foi protestar, mas ele acrescentou: — A seu pai não servirá de nada que chegue a seu clube meio morta de cansaço. Era o início do exercício da autoridade do marido, e da obrigação de obedecer da esposa. Era evidente que Evie ansiava discutir, mas se limitou a olhá-lo com cenho. — Esperam lhe tempos difíceis, carinho — murmurou Sebastian. — Ter-Me por marido já será bastante árduo. Mas cuidar de um tuberculoso na última fase de sua enfermidade... Necessitasse todas suas forças. Não tem sentido que as esbanje antes de chegar. Ela o observou com uma intensidade renovada que lhe fez sentir incômodo. Que olhos tinha! Era como se alguém tivesse reunido capas de cristal azul para fazer passar por elas um raio de sol. — Ti preocupa meu bem-estar? — perguntou. — Claro que sim, princesa. Convém-me te conservar viva e sã até que possa cobrar seu dote. Evie averiguou logo que Sebastian se sentia tão cômodo nu como vestido. Tentou atuar com naturalidade ante um homem que se movia pelo quarto sem nada de roupa. Mas, sempre que pôde, dirigiu lhe olhadas discretas até que tirou um traje do baú. Tinha pernas largas e esbeltas, e amplas zonas do corpo tonificadas mediante a prática de exercícios de cavalheiros como a equitação, o pugilismo e a esgrima. Tinha as costas e os ombros muito desenvolvidos, com músculos que se flexionavam sob a pele tensa. Por diante era mais fascinante ainda, e incluía um peito não imberbe como o das estátuas de mármore ou bronze, a não ser ligeiramente talher de pêlo. O pêlo peitoral, e o de outros lugares, tinha-a surpreso. Era outro dos muitos mistérios do sexo oposto que lhe tinham revelado, em sentido literal. Incapaz de andar pelo quarto nua, envolveu-se com um lençol antes de dirigir-se a sua bolsa de viagem. Extraiu dela um vestido de lã marrom, uma muda e, o melhor de tudo, um par de sapatos secos e limpos. O outro par estava tão sujo e úmido que se estremecia de só pensar em ficar o Enquanto se vestia, notou o


olhar do Sebastian fixa nela. Baixou-se com rapidez a regata para ocultar seu torso. — É preciosa, Evie — comentou ele em voz baixa. Como tinha crescido rodeada de parentes que se lamentavam da cor estridente de seu cabelo e da proliferação de sardas em sua pele, dirigiu lhe um sorriso cético. — A tia Florence sempre me dava uma loção descolorante para eliminar as sardas. Mas não há forma de livrar-se delas. Sebastian se aproximou dela com um sorriso. Tomou os ombros e lhe percorreu o corpo meio nu com um olhar apreciativo. — Não te tire nenhuma só sarda, carinho. Encontrei algumas em lugares do mais encantadores. Já tenho minhas favoritas. Quer saber onde estão? Evie, desconcertada, sacudiu a cabeça e fez um movimento para liberar-se de sua sujeição. Mas ele não o permitiu. Aproximou-a mais para ele, agachou a cabeça e lhe beijou o lado do pescoço. — Desmancha-prazeres — sussurrou sorridente. — Vou lhe dizer isso de todos os modos. — Subiu lhe a regata devagar. Ela conteve o fôlego ao notar como lhe acariciava as pernas nuas enquanto lhe dizia com os lábios no pescoço: — Como descobri antes, tem umas quantas na parte interna da coxa direita que conduzem para... Interrompeu-os uma chamada à porta. Sebastian levantou a cabeça com uma exclamação de irritação. — O café da manhã — resmungou. — E não me atreveria a te dar a escolher entre minhas artes amorosas ou uma comida quente, já que o mais provável é que a resposta fora pouco aduladora para mim. Ponha o vestido. Uma vez ela o teve feito o mais rápido que pôde, Sebastian abriu a porta a duas garçonetes com um par de bandejas cheias de pratos tampados. Ao ver o atrativo hóspede de rosto angelical e cabelos cor trigo, soltaram uma exclamação afogada e risinhos pícaros. Não melhorou as coisas que vissem que ia só parcialmente vestido, com os pés descalços, o pescoço da Camisa branca desabotoado e um lenço de seda pendurando a ambos os lados do pescoço. Alteradas moças quase derrubaram duas vezes as bandejas antes de conseguir deixar os pratos na mesa. Observaram a Cama revolta e lhes custou conter chiados de regozijo ao especular sobre o ocorrido ali durante a noite. Evie, zangada, despachou-as sem cortesias e fechou a porta. Olhou a Sebastian para comprovar sua reação ante a admiração das garçonetes, mas parecia não haver-se dado conta. Era evidente que o comportamento daquelas moças lhe resultava tão habitual que lhe acontecia inadvertido. As mulheres deviam contemplar e perseguir um homem de seu atrativo e posição. Evie não tinha nenhuma dúvida de que seria terrível para uma esposa que o amasse. Ela, entretanto, não ia permitir se nunca ter ciúmes nem temer uma traição. Sebastian a fez sentar à mesa e serve a ela primeiro. Havia batatas amassadas com sal e manteiga, já que para os escoceses era um sacrilégio as adoçar com melaço. Também havia pãozinhos, fatias de bacon cozido frio, presunto defumado e uma terrina com ostras defumadas, assim como fatias de pão torrado cobertas de geleia e chá forte. Evie comeu com avidez. Era um café da manhã singelo, dificilmente comparável aos opíparos cafés da manhã ingleses do imóvel de lorde Westcliff no Hampshire, mas estava quente e era abundante, e ela tinha muita fome para criticar nada.


Seguiu tomando o café da manhã um pouco mais enquanto Sebastian se barbeava e terminava de vestir-se. Depois de colocar um estojo de pele com os úteis de barbear no baú, fechou a tampa e disse: — Faz a bagagem, céu. Vou abaixo a pedir que nos preparem a carruagem. — O certificado de matrimônio do senhor MacPhee... — Também me encarregarei disso. Fecha a porta com chave quando sair. Em aproximadamente uma hora voltou para recolher Evie. Um moço musculoso transportou o baú e a bolsa de viagem até a carruagem. Sebastian esboçou um leve sorriso ao ver que sua mulher tinha pegado um de seus lenços de seda para recolher o cabelo na nuca. Evie tinha perdido a maioria de forquilhas durante a viagem da Inglaterra, e não levava outras de recambio na bolsa. — Parece muito jovem para te casar — murmurou. — Isso acrescenta uma nota de libertinagem à situação. Eu gosto. Como começava a acostumar-se a seus comentários indecentes, lhe dirigiu um olhar resignado. Desceram ao andar inferior e se despediram do senhor Findley. Quando se dirigiam para a entrada, o hospedeiro soltou com alegria: — Que tenha boa viagem, lady St. Vincent! Surpreendida ao dar-se conta de que se converteu em viscondessa, Evie lhe deu as obrigado gaguejando. Sebastian a ajudou a subir à carruagem, enquanto os cavalos davam coices e soltavam bafo pelos olhares alargados. — Sim-comentou ironicamente. — Apesar de quão manchado está, o título também é teu agora. — Ajudou-a a pôr um pé no degrau ao entrar no veículo. Uma vez sentado a seu lado, acrescentou: — Além disso, algum dia nos elevaremos ainda mais, já que sou o primeiro na linha de sucessão do ducado. Embora haja de ter paciência. Os homens de minha família são infelizmente idosos, o que significa que não herdarei nada até que ambos estejamos muito decrépitos para desfrutá-lo. — Se você... — começou Evie, e se deteve surpreendida ao ver um vulto no chão. Era um recipiente grande de cerâmica, com uma abertura em um lado. Era arredondado, mas plano por debaixo. Olhou desconcertada a Sebastian enquanto tocava timidamente o objeto com a sola do sapato e era recompensada com uma rajada de calor que lhe subiu pelas pernas. — Um esquenta-pé! — exclamou. O calor da água fervendo que continha o recipiente de cerâmica duraria muito mais que o lava-pés quente. — Onde o conseguiu? — O comprei do MacPhee quando o vi em sua casa — respondeu Sebastian, a quem parecia lhe divertir sua mescla de agitação e desconcerto. — Como é lógico, esteve encantado de poder me cobrar o dobro de seu valor. Impulsivamente, Evie meio se levantou do assento para lhe beijar a bochecha. — Obrigado. É todo um detalhe. Sebastian lhe sujeitou a cintura para impedir que se separasse dele, até que tiveram as caras tão juntas que quase se tocavam. Ela notou seu fôlego quando lhe murmurou: — Parece-me que me mereço um agradecimento melhor.


— É só um esquenta-pé — protestou Evie. — Devo te recordar, carinho, que este traste acabará esfriando-se — comentou ele com um sorriso. — E então voltarei a ser sua única fonte de calor disponível. E eu não compartilho meu calor corporal indiscriminadamente. — Conforme dizem, sim o faz. — Evie estava descobrindo um prazer desconhecido naquele intercâmbio. Jamais tinha brincado assim com um homem, nem se tinha divertido lhe negando algo que desejava, provocando-o com isso. Pelo brilho de seus olhos, viu que também gostava. Parecia querer despi-la ali mesmo. — Esperarei — assegurou Sebastian. — O maldito esquenta-pé não pode durar toda a vida. Deixou que se sentasse bem de novo e a olhou enquanto distribuía o vestido sobre o esquenta-pé. Quando a carruagem arrancou, Evie se recostou feliz no assento enquanto a deliciosa sensação de calor lhe subia pelas pernas das calças do culote lhe penetravam através das meias. — Milorde... Quero dizer, Sebastian... — Sim, céu? — Se seu pai for duque, como é que é visconde? Não deveria ser marquês, ou conde pelo menos? — Não por força. É uma prática relativamente moderna conceder vários títulos menores quando se cria um novo. Por norma, quanto mais antigo é o ducado, menos provável é que o filho maior seja marquês. Meu pai o converte em uma virtude, claro. Não te ocorra lhe tirar o tema, em especial quando estiver bêbado, ou receberá um discurso insuportável sobre quão feia é a palavra marquês, e como o título em si é somente um penoso degrau inferior ao ducado. — É arrogante seu pai? — Antes pensava que era arrogância — comentou com um sorriso amargo. — Mas bem é que se mantém alheio a tudo o que não pertença a seu mundo. Até onde sei, nunca se pôs ele mesmo as meias três-quartos, nem os pós na escova de dentes. Duvido muito que pudesse sobreviver a uma vida sem privilégios. De fato, acredito que morreria de fome em um quarto cheia de comida se não houvesse um criado que a levasse a mesa. Para ele não tem importância usar um vaso valioso como branco para fazer práticas de tiro nem apagar o fogo da chaminé cobrindo-o com um casaco de pele de raposa. E sempre tem tochas e abajures acesos nos bosques que rodeiam o imóvel se por acaso gosta de dar um passeio noturno. — Não sente saudades que tenha dívidas — soltou Evie, horrorizada portanto esbanjo. — Espero que não seja igual de esbanjador. — Nunca me acusaram que gastar em excesso. Rara vez jogo, e não mantenho nenhuma amante. Mesmo assim, tenho vários credores me pisando os calcanhares. — Pensaste alguma vez em te dedicar a alguma profissão? — Para que? — repôs com um olhar perplexo. — Para ganhar dinheiro. — Por Deus! Como te ocorre! Trabalhar seria uma distração inoportuna em minha vida privada. Poucas vezes estou em disposição de me levantar antes do meio-dia.


— Isso não gostará a meu pai. — Se minha ambição na vida fora gostar a outros, preocuparia me. Por sorte, não o é. À medida que a viagem prosseguia, Evie foi consciente de uma mescla contraditória de sentimentos para seu marido. Embora possuísse um notável encanto, não encontrava nele muitas coisas dignas de respeito. Era evidente que tinha uma mente muito acordada, mas não a usava para nada útil. Além disso, o fato de que tivesse traído a seu melhor amigo fugindo-se com o Lillian, sua prometida, deixava claro que não era de confiar. Mesmo assim, de vez em quando era capaz de mostrar uma amabilidade que ela valorava. Em cada posta, Sebastian se ocupava de suas necessidades e, apesar de suas ameaças de deixar esfriar o esquenta-pé, tinha-o feito preencher com água fervendo. Quando Evie se cansou, permitiu lhe jogar um cochilo apoiada em seu peito para sujeitá-la cada vez que as rodas da carruagem encontravam um buraco. Enquanto dormitava entre seus braços, lhe ocorreu que aquilo lhe permitia forjá-la ilusão de algo que não tinha tido nunca. Refúgio. Passava lhe uma e outra vez a mão pelo cabelo com ternura e ouviu como lhe murmurava: — Descansa, meu amor. Eu velarei por ti.


Capítulo 6

Embora Sebastian tivesse vontades de chegar a Londres e adaptar-se a suas novas circunstâncias, não lamentou sua decisão de viajar mais devagar no Caminho de volta. Evie estava pálida e pouco comunicativa, com as reservas de energia esgotadas. Precisava descansar. Depois de encontrar uma estalagem de posta apropriada onde pernoitar, Sebastian tomou o melhor quarto disponível e pediu que lhes subissem comida e um banho quente. Assim, Evie pôde meter-se em uma reduzida mas reparadora tina de água quente, enquanto Sebastian dispunha a mudança de cavalos pela manhã e se encarregava de hospedar ao chofer. Quando voltou para o quarto, que era pequena, mas poda, com umas puídas cortinas azuis nas janelas, sua mulher tinha terminado de banhar-se e tinha posto a Camisola. Aproximou-se da mesa, levantou o guardanapo que tampava seu prato e deixou ao descoberto uma ração de frango assado, umas quantas verduras murchas e um pequeno pudim. Ao ver que o prato de Evie estava vazio, olhou-a com um sorriso irônico. — Como estava? — Melhor que ficar sem jantar. — A verdade, começo a ver com outros olhos o talento de meu cozinheiro de Londres. — sentou-se à mesa e se colocou o guardanapo no regaço. — Acredito que você gostará de suas criações. — Não espero comer muitas vezes em sua casa — replicou Evie com cautela. Sebastian se deteve com o garfo a meio Caminho da boca. — vou estar no clube de meu pai. Como já te disse, quero cuidar dele. — De dia, sim. Mas não dormirá aí. De noite voltará para mi... a nossa casa. Ela o olhou sem pestanejar. — Sua enfermidade não desaparecerá ao anoitecer para reaparecer à alvorada. Precisará cuidados constantes. — Para isso estão os criados — soltou Sebastian, irritado, antes de tomar o primeiro bocado. — Pode contratar a uma mulher para que o atenda. Evie sacudiu a cabeça com uma obstinação que o zangou ainda mais. — Não é igual à que te cuide um familiar que te quer. — Por que deveria te importar a qualidade de seu cuidado? Apenas o conhece. Esse bode tem feito muito pouco por ti. — Eu não gosto dessa palavra. — É uma lástima — repôs ele. — Porque é uma de minhas favoritas, e tenho intenção de seguir usando-a sempre que for aplicável. — Pois é uma sorte que vamos ver-nos tão pouco uma vez estejamos em Londres. Sebastian ficou olhando a sua mulher, cujo doce rosto escondia um caráter inesperadamente teimoso, e compreendeu que estava disposta a tomar medidas drásticas para obter seus propósitos. Ou seja o que faria se


a pressionava muito. Obrigou-se a sujeitar o garfo e a faca com suavidade e seguiu comendo. Dava igual ao frango estivesse insípido. Se tivesse estado banhado em um delicioso molho francês, tampouco o tivesse notado. Sua mente ardilosa estava ocupada procurando alguma estratégia para tratar com ela. — Não posso permitir que fique em um lugar cheio de patifes, jogadores e bêbados — murmurou por fim com expressão preocupada. — Seguro que compreende os perigos inerentes a semelhante situação. — Assegurarei me de que recebe meu dote o antes possível. E então já não terá que preocupar-se por mim. — Maldita seja! Não estou preocupado por ti — explorou Sebastian, incapaz de conter-se. — É só que... não está bem, Evie. A viscondessa do St. Vincent não pode viver em um clube de jogo e mulheres da vida, nem sequer uns dias. — Não sabia que fosse tão convencional — repôs ela e, por alguma razão, vê-lo franzir o cenho furioso lhe provocou um ligeiro sorriso. Apesar do sutil que foi o gesto, Sebastian o viu, e passou imediatamente do aborrecimento ao desconcerto. Que o pendurassem se ia pô-lo em um apuro uma moça de vinte e três anos virgem... quase virgem... que era tão ingênua para acreditar que podia lhe plantar cara. — E enquanto você faz de anjo da bondade, quem imagina que te protegerá nesse antro, céu? — repôs com um olhar gélido e desdenhoso que deveria havê-la intimidado. — Dormir sozinha no Jenner's é um convite a ser violada. E não penso ficar aí contigo. Tenho melhores coisas que fazer que estar em um clube de jogo de segunda esperando a que o velho Jenner a palme. — Não te pedi que velasse por mim — respondeu Evie com calma. — Posso-Me arrumar isso sozinha. — Claro que sim — resmungou Sebastian com ironia. De repente, tinha perdido o interesse no jantar frio que tinha diante, assim deixou o guardanapo sobre o prato meio terminado, levantou-se e se tirou a jaqueta e o colete. Estava cansado e sujo da viagem, e queria dar um banho. Com um pouco de sorte, a água ainda estaria quente. Enquanto se despia e lançava os objetos a uma cadeira, não pôde evitar pensar em todas as mulheres que tinham pretendido casar-se com ele ao longo dos anos. Mulheres formosas, bem dotadas física e economicamente. Mulheres que até teriam matado por agradá-lo. Mas ele tinha preferido seguir com suas atividades libertinas, sem sequer fazer uma proposta de matrimônio a alguma delas. E agora, devido a uma combinação de circunstâncias no momento mais inoportuno, tinha terminado casado com uma mulher de escassas aptidões sociais, péssima linhagem e caráter obstinado. Ao ver que Evie evitava olhar seu corpo nu, Sebastian esboçou um sorriso desdenhoso. Dirigiu-se para a pequena banheira e colocou-se dentro com as panturrilhas pendurando para fora. Ensaboou-se a fundo e logo se enxaguou o peito e os braços com a água morna sem deixar de observar a sua mulher com os olhos entreabertos. Adorou vê-la perder um pouco de compostura enquanto ele se banhava. Estava ruborizada e mostrava um interesse excessivo no estampado da colcha da Cama. Enquanto ela erguia uma o indicador, Sebastian se fixou no brilho do anel de ouro escocês. Então sentiu um súbito impulso de lançar a sua mulher sobre a Cama e possuí-la sem preliminares. De dominá-la e


obrigá-la a admitir que lhe pertencia. Esse desejo tão primário era mais que alarmante para alguém que sempre se considerou um ser civilizado. Preocupado e excitado, terminou de lavar-se, agarrou a toalha úmida que ela tinha usado e se secou rapidamente. A prova de sua excitação não passou inadvertida a Evie, já que o ouviu respirar com brutalidade. Envolveu-se o corpo com a toalha e se dirigiu ao baú. Agarrou um pente e foi ao lavabo para pentear o cabelo molhado. A esquina do espelho que havia sobre a bacia lhe oferecia uma vista parcial da Cama, e viu que Evie o estava olhando. — Esta noite me toca fazer de cão do açougueiro? — murmurou sem voltar-se. — De cão do açougueiro? — repetiu Evie, confundida. — O cão que está no canto da loja e não lhe permite tocar a carne. — A comparação não é muito aduladora para nem... nenhum dê os dois. Sebastian fez uma pausa ao detectar que voltava a gaguejar. Estupendo, pensou com crueldade. Não estava tão tranquila como aparentava. — Não vai responder? — insistiu. — Sinto muito, mas pre... preferiria não voltar para... ter relações íntimas contigo. Atônito, Sebastian deixou o pente e se voltou para olhá-la. As mulheres jamais o rechaçavam. E o fato de que Evie o fizesse depois dos prazeres dessa manhã lhe tocou o amor próprio. — Disse-me que você não gostava de te deitar com uma mulher mais de uma vez — lhe recordou ela meio desculpando-se. — Disse que seria muito aborrecido. — Pareço-te aborrecido? — repôs ele sem que a toalha fizesse grande coisa por dissimular o contorno de sua ereção. — Suponho que isso depende da parte de seu corpo que alguém olhe — balbuciou Evie, e baixou os olhos para a colcha. — Le ré... lembra que temos um acordo. — Isso sempre pode modificar-se. — Mas não o farei. — Temo-me que seu rechaço cheira a hipocrisia, céu. Já te hei possuído uma vez. Repetir não afetaria em nada a sua virtude. — Não te estou rechaçando por uma questão de virtude. — Sua gagueira desapareceu ao recuperar a compostura. — O motivo é outro. — Morro de curiosidade. — Autoproteção — disse Evie, e se esforçou para olhá-lo aos olhos. — Não tenho nenhum inconveniente em que tenha amantes. É só que não quero ser uma delas. O ato sexual não significa nada para ti, mas sim para mim. Não quero que me machuque, e acredito que isso seria inevitável se aceitasse me deitar contigo. Sebastian fervia por dentro. — Não vou desculpar-me por meu passado. Supõe-se que um homem deve ter experiência. — Segundo seu histórico, adquiriste a de dez homens. — Por que deveria te importar isso?


— Porque você... sua história romântica, por dizê-lo educadamente, é como a do cão que vai à porta traseira das casas para que lhe deem sobras de comida. E eu não quero ser uma porta mais. É incapaz de ser fiel a uma mulher, já o demonstraste. — Que nunca o tenha tentado não implica que não possa fazê-lo, cadela suscetível. Só significa que não quis fazê-lo. Evie ficou tensa. — Agradeceria te que não dissesse grosserias. — Pareceu-me oportuno, dada a proliferação de analogias com caninos — espetou Sebastian. — E, por certo, esse não é exatamente meu caso, porque as mulheres me suplicam e não ao contrário. — Pois vai com elas. — Fardei-o — disse com crueldade. — Quando voltar a Londres, vou montar uma orgia que não terminará até que detenham alguém. Mas enquanto isso, de verdade espera que durmamos juntos esta noite, e amanhã de noite, e sejamos tão castos como umas freiras? — Não me suporá nenhum problema — disse Evie com cautela, consciente de que o ofendia gravemente. O olhar incrédulo do Sebastian poderia ter perfurado os lençóis. Resmungou uma retalia de palavras que ampliaram grandemente a lista de blasfêmias que sua esposa conhecia, deixou cair a toalha e se voltou para apagar o abajur. — Não o prestes atenção — disse ao meter-se na Cama em referência à sua ereção, consciente de que Evie a olhava intranquila. — A partir de agora, te ter perto afetará a minhas partes íntimas tanto como nadar um bom momento em um lago siberiano.


Capítulo 7

O tempo melhorou bastante durante a viagem de volta a Londres, já que deixou de chover e a temperatura glacial remeteu. Entretanto, essa melhora exterior se via rebatida pela frieza surta entre os recém casados. Embora Sebastian fosse preenchendo a contra gosto o esquenta-pé, já não voltou a convidar a Evie a aconchegar entre seus braços ou a dormir apoiada em seu peito. Ela sabia que era para bem. Quanto mais o conhecia, mais se convencia de que qualquer intimidade entre eles acabaria em desastre. Sebastian era perigoso de formas que ele nem sequer sabia. Tranquilizou-se pensando que, quando chegassem à cidade, separariam-se. Ela ficaria no clube e ele se iria à sua casa e seguiria com suas atividades habituais até que tivesse notícia da morte de seu sogro. Então, era provável que vendesse o clube e usasse o dinheiro obtido para encher as arcas vazias de sua família. A ideia de vender o Jenner's, que tinha sido o centro da vida de seu pai, entristeceu a Evie. Entretanto, seria o mais sensato. Poucos homens sabiam dirigir bem um clube de jogo. Seu proprietário devia ter carisma para atrair clientela e habilidade para fazê-la gastar muito dinheiro. E também, é obvio, visão empresarial para investir as lucros. Ivo Jenner tinha tido uma quantidade moderada das duas primeiras qualidades, mas nada da terceira. Nos últimos tempos tinha perdido uma fortuna no Newmarket, já que na velhice lhe tinha entrado debilidade por quão enganadores povoavam o mundo das carreiras. Por sorte, o clube ganhava tanto dinheiro que pôde absorver as quantas perdas. O sarcasmo do Sebastian sobre que o Jenner's era um clube de segunda não era do todo falsa. De conversações com seu pai, que não estava acostumado a andar-se pelos ramos, Evie sabia que, embora seu clube tivesse êxito, nunca tinha alcançado o nível desejado. Tinha querido igualar ao Craven's, o clube rival que se incendiou muitos anos atrás. Mas Ivo Jenner jamais tinha alcançado o estilo e a astúcia do Derek Craven. Dizia-se que Craven tinha ganho o dinheiro de toda uma geração de ingleses. O fato de que o Craven's tivesse desaparecido em pleno apogeu o tinha consolidado como lenda na lembrança coletiva da sociedade britânica. Se o Jenner's não se aproximou da glória do Craven's não foi por não tentá-lo. Ivo Jenner tinha transladado seu clube do Covent Garden ao King Street, no passado uma mera passagem para a popular zona residencial e comercial do St. James mas por então uma rua normal. Depois de comprar uma grande parte da rua e de derrubar quatro edifícios, Jenner construiu um clube amplo e elegante, e anunciou que dispunha dos bancos de jogo maior de Londres. Quando os cavalheiros desejavam jogar forte, foram ao Jenner’s. Evie recordava o clube das vezes em que, de menina, tinham lhe permitido acontecer o dia com seu pai. Tratava-se de um local bem equipado, embora um pouco recarregado, e adorava estar com ele no balcão interior do primeiro piso observando o que ocorria na planta baixa. Com um sorriso indulgente, Jenner acompanhava a sua filha ao St. James Street, onde entravam em qualquer loja que ela quisesse. Foram à


perfumaria, a chapelaria, a livraria e a padaria, onde sempre davam de presente a Evie um pão-doce recém assado. Com o passo dos anos, as visitas de Evie ao King Street se foram restringindo. Embora sempre tivesse culpado aos Maybrick disso, agora se dava conta de que seu pai também tinha tido parte de culpa. Tinha lhe sido mais fácil querê-la quando era uma menina e podia fazê-la feliz lançando-a ao ar e apanhando-a com seus braços musculosos. Quando podia lhe despentear o cabelo ruivo, do mesmo tom que o seu, e lhe aliviar as lágrimas lhe dando um doce ou um xelim. Mas quando se converteu em uma jovem e já não pôde tratá-la como a uma menina, sua relação se tornou incômoda e distante. — Este clube não é lugar para ti, bonita — lhe havia dito com um carinho brusco. — Tem que te manter afastada de um tipo ordinário como eu e encontrar um bom frango para te casar com ele. — Papai — tinha suplicado, gaguejando desesperadamente— , não me MA... mande aí de novo. Me deixe que... ficar contigo, por favor. — Minha pequena gaguinha, seu lugar está com os Maybrick. E não te ocorra escapar e voltar aqui porque te enviarei com eles de novo. Suas lágrimas não tinham servido de nada. Os anos seguintes, as visitas de Evie a seu pai se reduziram a uma cada seis meses. Tanto se era por seu próprio bem como se não, a sensação de não ser querida lhe tinha impregnado fundo. Sentia-se tão incômoda quando estava perto de algum homem, tão segura de que ia aborrecer o que era o que acabava ocorrendo. Sua gagueira piorou; quanto mais se esforçava por pronunciar as palavras, mais incoerentes eram, até que lhe resultou mais fácil guardar silêncio e confundir-se com a parede. Converteu-se em uma das solteironas do baile. Jamais a tinham tirado dançar, jamais a tinham beijado, jamais a tinham cortejado. A única oferta de matrimônio que tinha recebido era a de seu primo Eustace, feita a contra gosto. Maravilhada pôr como lhe tinha trocado a sorte, Evie observou a seu marido, que tinha estado calado as duas horas anteriores. Com sua expressão fria e sua boca cínica, não se parecia absolutamente ao desavergonhado sedutor que tinha compartilhado a Cama com ela fazia dois dias. Voltou-se para o guichê para contemplar a paisagem londrino. Logo estariam no clube. Fazia seis meses que não via seu pai, e Evie se preparou para encontrá-lo muito trocado. A tuberculose era uma enfermidade frequente, e todo mundo conhecia seus estragos. Provocava uma morte lenta da malha pulmonar, acompanhada de febre, tosse, perda de peso e fortes suores de noite. O mal avançava até que o paciente começava a expectorar mucosidade e sangue. Quando chegava à morte, o doente e todos seus seres queridos estavam acostumados a agradecê-la porque supunha o final de um sofrimento terrível. Evie não podia imaginar-se a um homem corpulento como seu pai reduzido a tal estado. Temia vê-lo tanto como ansiava cuidá-lo. Entretanto, ante a suspeita de que Sebastian zombaria dela, guardou-se seus pensamentos e sentimentos. Quando a carruagem percorreu St. James e tomou King Street, lhe acelerou o pulso. Por fim pôde ver a fachada alta de lava-pés e mármore do Jenner's, recortada contra os amarelos e vermelhos de um pôr-do-sol esplêndido que brilhava através da eterna neblina que cobria Londres. Sem deixar de olhar pelo guichê, Evie


soltou um suspiro tenso quando o veículo passou por um dos muitos becos que levavam da rua principal às quadras e os pátios situados depois da fileira de edifícios. A carruagem se deteve na entrada traseira, o que era preferível a entrar pela fachada dianteira. O Jenner's não era um lugar que frequentassem as mulheres de bem. Um cavalheiro podia levar a seu amante ou a uma prostituta, mas jamais lhe ocorreria ir com uma dama respeitável. Evie era consciente de que seu marido a observava com o interesse de um entomólogo que estuda uma nova espécie de escaravelho. Sem dúvida viu sua palidez repentina e seu visível tremor, mas não lhe ofereceu nenhuma palavra nem um gesto de consolo. Sebastian baixou o primeiro e ajudou a Evie a apear-se. O beco de atrás ainda conservava o mesmo aroma de quando Evie era uma menina: esterco, lixo, álcool e fumaça de carvão. Sem dúvida, era a única jovem de boa educação de Londres que considerava que cheirava como em casa. Pelo menos, resultava lhe mais agradável que o ambiente da casa dos Maybrick, com sua fragrância de tapetes puídos e colônia troca. Evie se dirigiu à porta sentindo os músculos intumescidos depois do comprido tramo final. A entrada da cozinha e demais habitações do serviço se encontravam mais adiante, mas esta dava a uma escada que conduzia aos aposentos de seu pai. O chofer tinha chamado já várias vezes à porta com o punho. Apareceu um homem jovem, e Evie se sentiu aliviada ao reconhecê-lo. Era Joss Bullard, uma figura muito conhecida no clube, onde tinha trabalhado como cobrador de morosos e encarregado da segurança. Era corpulento, fornido, moreno e de mandíbula quadrada. Dado seu caráter áspero, Bullard sempre a tinha tratado com a mínima cortesia. Entretanto, Evie tinha ouvido seu pai elogiá-lo por sua lealdade, e o apreciava por isso. — Senhor Bullard — disse. — vim a vê... ver meu pai. Deixe-me p... passar, por favor. — O não a mandou chamar — respondeu com brutalidade o homem, sem mover-se. E, depois de jogar uma olhada a Sebastian e ver sua roupa cara, disse lhe: — Vá pela porta principal se for membro do clube, senhor. — Idiota — resmungou Sebastian, mas ela o interrompeu: — Correio... poderia falar com o senhor Egan? — perguntou. Egan era sócio do clube desde fazia dez anos. Era um homem jactancioso e fanfarrão que não lhe caía muito bem, mas não se atreveria a lhe negar a entrada ao clube de seu pai. — Não. — Pois com o senhor Rohan então. Por favor, lhe diga que a se... senhorita Jenner está aqui. — Já lhe disse que... — Vá procurar ao Rohan — soltou Sebastian de uma vez que punha o pé contra a porta para impedir que a fechasse. — Esperaremos dentro. Ou quer deixar a minha esposa esperando na rua? Aquilo pareceu sobressaltar ao empregado, que balbuciou algo e desapareceu rapidamente. Sebastian fez cruzar a soleira a Evie e jogou uma olhada à escada. — Subimos? — perguntou. Evie sacudiu a cabeça. — Preferiria falar antes com o senhor Rohan — disse. — Ele poderá me dizer algo sobre o estado de minha p... pai.


Ao notar sua ligeira gagueira, Sebastian lhe deslizou uma mão sob o cabelo e lhe apertou a nuca com suavidade. Embora sua expressão seguia fria, sua mão era cálida e tranquilizadora, e Evie se relaxou sem querer. — Quem é Rohan? — quis saber Sebastian. — O chefe de crupiers. Trabalha aqui desde que era um moço. Meu pai o iniciou na supervisão das mesas. Se o viu alguma vez, seguro que te lembra. Não é fácil esquecê-lo. — É o cigano? — perguntou Sebastian detrás pensar um instante. — Meio cigano, acredito, por parte de mãe. — E a outra metade? — Ninguém sabe. — Dirigiu lhe um olhar cauteloso e acrescentou em voz baixa: — Sempre me perguntei se poderia ser meu meio-irmão. — O perguntaste a seu pai? — Os olhos claros do Sebastian brilhavam de interesse. — Sim, e o negou. — Mas não a tinha convencido de tudo. Seu pai sempre tinha mostrado uma atitude vagamente paternal com o Cam. E não era tão ingênua para acreditar que não tinha tido filhos ilegítimos. Era um homem conhecido por seus apetites carnais e, além disso, jamais lhe tinham preocupado as consequências de seus atos. perguntou-se poderia dizê-lo mesmo de seu marido. — Sebastian, alguma vez há...? — perguntou com cautela. — Não que eu saiba — respondeu sem necessitar mais palavras para entendê-la. — Sempre usei borrachas, não só para evitar a concepção mas também para acautelar as doenças exóticas que sofrem os despreparados. — Borrachas? — repetiu Evie, perplexa. — Como? E o que quer dizer com doenças? Quer dizer que fazer... isso... pode te adoecer? Mas como... — Por Deus — resmungou Sebastian, e lhe pôs um dedo sobre os lábios para sossegar suas perguntas. — Já lhe explicarei isso depois. Não é a classe de coisas que revistam comentar-se na soleira de uma casa. A chegada do Cam Rohan distraiu a Evie. Assim que a viu, Cam esboçou um sorriso e fez uma graciosa reverência. Em que apesar a que sua atitude e movimentos eram comedidos, projetavam um carisma físico invisível. Era com muito o melhor crupier do Jenner's, embora seu aspecto de pirata pudesse despistar ao princípio. Tinha uns trinta anos e o corpo esbelto da juventude. Sua pele morena e seu comprido cabelo negro delatavam sua origem, por não falar de seu nome de pilha, que era corrente entre os romaníes. Evie sempre tinha gostado daquele jovem de voz suave que, ao longo dos anos, tinha demonstrado uma grande lealdade a seu pai. Cam ia bem vestido, com roupa escura e sapatos limpos, mas, como de costume, necessitava um corte de cabelo e seus espessos cachos lhe caíam sobre o engomado pescoço branco. Vários anéis de ouro lhe adornavam os dedos largos e magros. Evie viu o brilho de um diamante em uma orelha: um toque exótico que lhe favorecia. Cam a observou com seus extraordinários olhos cor avelã, que estavam acostumados a fazer esquecer às pessoas a mente ágil que havia atrás deles. Às vezes seu olhar era tão penetrante que parecia te atravessar, como se olhasse um pouco situado detrás de ti.


— Gaji — disse Cam em voz baixa, o modo cordial dos romanis de referir-se a uma mulher não cigana. Tinha um acento estranho, culto mas com matizes de classe baixa, e uma espécie de cadência estrangeira. — Bem-vinda — acrescentou com um breve sorriso deslumbrante. — Seu pai estará encantado de vê-la. — Obrigado, Cam. Tinha mi... medo de que já houvesse... — Não — murmurou Cam. — Segue vivo. — Vacilou antes de acrescentar: — A maioria do tempo dorme. Come muito pouco. Não acredito que dure muito. perguntou por você. Tentei avisá-la semana passada, mas... — Os Maybrick não me permitiam vir — sussurrou Evie com a boca tensa de irritação. Não se tinham incomodado em lhe comentar que seu pai a tinha mandado chamar. — Bu... bom, já me afastei que eles para sempre, Cam. Casei-me. E ficar aqui até que meu pai... já não me NE... necessite. O olhar do Cam se desviou para o Sebastian. — Lorde St. Vincent... — murmurou ao reconhecê-lo. Se se formou alguma opinião sobre o enlace de Evie com aquele nobre, não a revelou. — Está acordado meu pai? — perguntou Evie. — Posso subir a vê-lo? — É obvio. — O cigano tomou as mãos com suavidade. — Me assegurarei de que ninguém os incomode. — Obrigado. De repente, Sebastian tomou uma mão de Evie e a apoiou com decisão em seu braço. Embora o fizesse com indiferença, a pressão que exerceu com os dedos impediu que ela se soltasse. Evie franziu o cenho, perplexa ante essa demonstração de posse. — Conheço o Cam desde que era uma menina — comentou arqueando as sobrancelhas. — Sempre foi amável comigo. — A um marido gosta que sejam amáveis com sua esposa — respondeu Sebastian com frieza. — dentro de certos limites, claro. — Claro — corroborou Cam em voz baixa. E a Evie : — A acompanho acima, milady? — Não; conheço o Caminho — respondeu Evie de uma vez que sacudia a cabeça. — Se... segue com o que estava fazendo, por favor. Cam fez outra reverência e intercambiou um olhar rápido com o Evie, com a que ambos expressaram tacitamente que já encontrariam uma ocasião para falar depois. — Cai-te mal porque é romani? — perguntou Evie a seu marido enquanto subiam a escada. — Não está acostumado a cair mal a gente por coisas que não pode mudar — respondeu ironicamente Sebastian. — Normalmente me dão motivos suficientes para cair mal por outras causas. Evie separou a mão de seu braço para recolhê-la saia. — Eu gostaria de saber onde está o factótum — acrescentou Sebastian, e lhe pôs uma mão na cintura enquanto subiam a escada. — É primeira hora da noite. A sala de jogos e o sala de jantar estão abertos. Deveria estar ocupado. — É um bebedor — comentou Evie. — Isso explica muitas coisas sobre a forma em que está dirigido o clube.


Suscetível a qualquer insulto ao clube de seu pai, e consciente da pressão suave da mão de seu marido nas costas, Evie teve que mordê-la língua para conter uma resposta mordaz. Que fácil era para um nobre mimada criticar a forma como os profissionais faziam as coisas. Se ela tivesse que dirigir um local como esse, Deus não o quisesse, respeitaria muito mais o que seu pai tinha conseguido. No primeiro piso percorreram uma galeria que rodeava toda a planta. Bastava aparecendo à balaustrada para ver toda a planta baixa. Esta, a área maior do clube, estava dedicada por completo ao jogo de azar. Três mesas ovais cobertas com toalhas de mesa verdes com marcas amarelas estavam rodeadas por dezenas de homens. Os sons que se elevavam delas (o ruído dos jogo de dados, as exclamações baixas mas intensas dos atiradores e os crupiers, o deslizamento suave das raquetes quando aproximavam o dinheiro da mesa ao crupier figuravam entre as primeiras lembranças de infância de Evie. A jovem dirigiu um olhar ao magnífico escritório esculpido do canto, onde seu pai estava acostumado a sentar-se para conceder créditos, aceitar membros temporários e elevar os bancos se as apostas aumentavam muito. Nesse momento, ocupava-o um homem ao que não conhecia, com bastante má pinta. Os olhos de Evie se dirigiram para o canto oposto, onde outro desconhecido fazia as vezes de supervisor geral, regulando os pagamentos e controlando o jogo. Sebastian apareceu à balaustrada para contemplar a planta baixa. Como tinha pressa por ver seu pai, Evie lhe puxou com impaciência do braço. Mas ele não se moveu. De fato, logo que pareceu dar-se conta, tão absorto estava em sua contemplação. — O que acontece? — perguntou Evie. — Viu algo estranho? Sebastian meneou a cabeça e deixou de emprestar atenção à planta baixa. Jogou uma olhada ao redor e viu os painéis descoloridos da parede, as molduras desprendidas, os tapetes puídos. Tempo atrás o Jenner's tinha estado decorado magnificamente, mas com os anos tinha perdido grande parte de seu esplendor. — Quantos membros tem o clube? — perguntou. — Sem contar os temporais. — Estava acostumado a ter uns dois mil. Não sei as cifras atuais. — Voltou a lhe atirar do braço. — Quero ver meu pai. Se tiver que ir sozinha... — Você não vai sozinha a nenhuma parte — replicou Sebastian, e a olhou com uma penetração que a sobressaltou. — Algum bêbado, ou inclusive algum empregado, poderia te colocar em uma das habitações para casais e te violar antes de que ninguém reparasse em sua ausência. — Não corro nenhum perigo — replicou irritada. — Conheço muitos dos empregados, e sei me mover pelo clube muito melhor que você. — Não por muito tempo — murmurou Sebastian, e seu olhar voltou de uma forma quase compulsiva à planta baixa. — Penso percorrer até o último centímetro deste lugar e conhecer todos seus segredos. Evie o olhou perplexa. Seu marido tinha experiente uma mudança sutil desde que tinham entrado no clube. Sua frouxidão habitual se transformou em uma atitude de alerta, como se estivesse absorvendo a energia inquieta do ambiente. — Miras o clube como se nunca o tivesse visto — murmurou. Sebastian passou um dedo pelo corrimão, olhou o pó que ficou aderido e o sacudiu. Respondeu com expressão pensativa:


— Vê-se diferente agora que é meu. — Ainda não o é — replicou Evie, ao dar-se conta de que estava valorando o local para sua venda futura. Era muito próprio dele pensar no dinheiro enquanto seu sogro jazia em seu leito de morte. — Pensa alguma vez em alguém além de ti? A pergunta pareceu atingir seu interior, e sua cara se voltou inescrutável. — Estranha vez, meu amor. Ficaram olhando-se. Os olhos dela eram acusadores; os dele, impenetráveis. Evie compreendeu que não podia esperar nada decente daquele homem sou pena de experimentar uma decepção atrás de outra. Com amabilidade e compreensão não corrigiria sua alma perdida. Sebastian nunca seria um dos libertinos reformados que apareciam nas escandalosas novelas de Daisy Bowman. — Espero que obtenha logo o que quer — disse com frieza. — Enquanto isso, vou à quarto de meu pai. Avançou pela galeria sem ele, mas aos poucos passos o tinha a seu lado. Quando chegaram aos aposentos do Ivo Jenner, Evie sentiu um enorme desassossego. Sentia tanto medo e desejo de uma vez que lhe suavam as mãos e notava uma estranha sensação no estômago. Ao sujeitar o pomo para abrir a porta, a palma lhe escorregou pelo metal deslustrado. — Permite — disse Sebastian com brutalidade de uma vez que lhe apartava a mão do pomo. Abriu a porta, segurou-a para que passasse e entrou atrás dela em uma escura sala. A única luz procedia da porta aberta do dormitório, onde um abajur pequeno emitia um brilho regular. Evie cruzo a seguinte soleira e se deteve, piscando até que seus olhos se adaptaram à penumbra. Aproximou-se da Cama, apenas consciente da presença do homem que tinha a seu lado. Seu pai dormia com a boca meio aberta. Tinha a pele pálida e com um brilho estranho, como se fora uma figura de cera. Umas rugas marcadas lhe sulcavam o rosto. Parecia haver-se encolhido na metade, com os braços incrivelmente magros. Evie se esforçou por conciliar aquela silhueta desconhecida, com o pai corpulento e fornido que tinha conhecido sempre. Ao ver como seu cabelo, antes ruivo, estava salpicado de cãs que recordavam a plumagem arrepiadas de um frango, assaltou-a uma infinita ternura. A quarto cheirava a fechamento, enfermidade, velas queimadas e remédios. Cheirava a uma morte próxima. Viu um montão de lençóis sujos no canto e lenços manchados de sangre no chão. A mesinha de noite estava cheia de colheres sujas e frascos de medicamento. Evie se agachou para recolher um lenço do chão, mas Sebastian a agarrou pelo braço. — Não tem que fazer isso — resmungou. — Pode encarregar uma criada. — Sim — sussurrou Evie com amargura. — Já vejo quão bem o fazem. — soltou-se dele, recolheu os lenços sujos e os deixou cair sobre o montão de lençóis desprezados. Sebastian se aproximou da mesinha de noite e contemplou o corpo consumido do Jenner. Tomou um frasco de medicamento e o passou pelo nariz. — Morfina — murmurou. Por alguma razão, vê-lo junto a seu pai necessitado e examinando seus remédios irritou a Evie. — Tenho-o tudo controlado — disse em voz baixa. — Te agradeceria que fosse.


— O que pensa fazer? — vou arrumar a quarto e muda os lençóis. E depois sentarei a seu lado. — Deixa dormir a este pobre diabo — disse ele com os olhos entreabertos. — Têm que comer e te muda de roupa. Do que acredite que lhe servirá que se sente na penumbra e...? — deteve-se e resmungou uma maldição ao ver sua expressão teimosa. — Muito bem. Darei-te uma hora, depois comerá comigo. — Penso ficar com meu pai — replicou ela com propriedade. — Evie. — Sua voz baixa continha uma advertência inflexível. Aproximou-se dela, fez lhe dá-la volta e a sacudiu brandamente para que o olhasse aos olhos. — Mandarei chamar e virá. Entendeste-o? Ela tremeu de raiva. Dava lhe ordens como se fora propriedade dele. Por Deus, passou-se toda a vida obedecendo as ordens de seus tios, e agora teria que submeter-se a um marido insofrível. Entretanto, reconheceu que Sebastian ainda tinha longo caminho que percorrer para igualar o empenho dou os Maybrick e os Stubbins em lhe amargurar a vida. E não cabia considerá-lo irracionável ou cruel por lhe pedir que comesse com ele. Assim que se tragou a raiva e assentiu. Quando Sebastian lhe repassou os rasgos tensos com o olhar, seus olhos possuíam um brilho estranho, como as faíscas que saltam do martelo do ferreiro ao golpear uma lâmina de metal candente. — Assim que eu gosto — murmurou com um sorriso zombador, e se foi.


Capítulo 8

Sebastian esteve tentado de deixar a Evie no clube com seu pai e ir-se a sua casa, situada a pouca distância do St. James. Era difícil resistir ao estímulo de sua tranquila e confortável residência. Queria comer em sua própria mesa, e relaxar-se diante da chaminé com uma de suas batas de seda forradas de veludo. Ao corno com a teimosa de sua esposa; que tomasse suas próprias decisões e aprendesse a viver com as consequências. Entretanto, enquanto perambulava pela galeria do primeiro piso, com cuidado de que não o vissem da planta baixa, sentiu uma curiosidade molesta, como quando se tem uma pedra no sapato. Situou-se junto a uma coluna para observar o trabalho dos crupiers e o do supervisor geral para, desde seu canto, controlar o jogo e obter que tudo seguisse o ritmo adequado. A atividade nas três mesas de jogo parecia um pouco lenta. Faltava alguém que animasse as coisas e criasse um ambiente que incitasse aos clientes a jogar mais e mais depressa. Desalinhadas prostitutas da casa se passeavam devagar pela sala e se detinham aqui e lá para enrolar aos clientes. Ao igual às comidas do aparador lateral e o bar, as mulheres eram uma opção gratuita para os sócios. Se um homem necessitava uma mulher para consolar-se ou para celebrar, subia com uma prostituta a uma das habitações do piso de cima. Sebastian observou com atenção as mesas de jogo e o bar. Havia indícios de que era um negócio em decadência. Sebastian supôs que, ao cair doente, Jenner não tinha renomado a um substituto digno de confiança, salvo seu factótum Clive Egan, que era inepto, desonesto ou ambas as coisas de uma vez. Sebastian queria ver os livros contáveis, os ganhos e gastos, os dados financeiros dos sócios, as listas de pagamentos, as dívidas, os empréstimos, os créditos..., tudo o que contribuíra a completar um retrato da situação econômica do clube. Ao voltar-se para a escada, viu o cigano Rohan na penumbra de um canto. Sebastian ficou calado para obrigá-lo a falar primeiro. Rohan o fez com educação e sem desviar o olhar. — Posso ajudá-lo, Milorde? — Pode começar por me dizer onde está Egan. — Em sua quarto. — Em que estado? — Indisposto. — Sei. Indispõe-se frequentemente? O cigano não disse nada, mas seus olhos azeviche se encheram de receio. — Quero a chave de seu escritório — pediu Sebastian. — Darei uma olhada aos livros contáveis. — Só há uma chave, Milorde — repôs Rohan, escrutinando-o com curiosidade. — E a tem o senhor Egan. — consiga-me isso


O outro arqueou as sobrancelhas. — Quer que roube a um homem que está bêbado? — Será mais fácil que se estivesse sóbrio — comentou Sebastian com ironia. — E não é nenhum roubo, já que a chave, a todos os efeitos, é minha. — Eu sou leal ao senhor Jenner. E a sua filha. — Sua expressão se endureceu. — Eu também. — Não era certo, é obvio. Sebastian era leal basicamente a si mesmo. Evie e seu pai figuravam num longínquo segundo e terceiro lugar da lista. — Traga-me a chave, ou prepare-se a seguir os passos do Egan quando se for amanhã. O ar estava carregado de desafio masculino. Entretanto, passado um instante, Rohan lhe dirigiu um olhar de aversão e curiosidade. Quando se dirigiu para a escada a pernadas rápidas, não foi por obediência, mas sim mas bem pelo desejo de averiguar o que se propunha Sebastian. Quando Sebastian mandou ao Cam Rohan para que acompanhasse a sua esposa à planta baixa, Evie já tinha arrumado a quarto de seu pai e chamado a uma criada para que a ajudasse a muda os lençóis. Os que havia estavam úmidas de suor. Embora seu pai se moveu e resmungou quando o giraram com cuidado a um e outro lado, não despertou do torpor induzido pela morfina. Assustou-a comprovar o pouco que pesava seu ossudo corpo, talher por uma Camisa de dormir. Quando o tampou com os lençóis e mantas podas até o peito sentiu uma grande compaixão por ele. Molhou um pano frio e o pôs na fronte. Seu pai suspirou e, por fim, abriu uns olhos que pareciam frestas entre os sulcos da cara. Olhou-a sem reconhecê-la um comprido instante até que seus lábios secos esboçaram um sorriso que deixou ao descoberto uns dentes amarelados pelo tabaco. — Evie — disse com voz rouca. Ela se agachou sorridente embora com muita dificuldade conseguiu conter as lágrimas. — Estou aqui, papai — sussurrou por fim as palavras que tinha desejado pronunciar toda sua vida. — Estou aqui para ficar contigo. Seu pai emitiu um som de satisfação e fechou os olhos. — Onde quer que vamos primeiro, princesa? — soltou justo quando Evie acreditava que se dormiu. — Suponho que à padaria, verdade? — Claro — respondeu ela e, depois de secá-las lágrimas dos olhos, acrescentou: — quero um sonho, e um pacote de bolachas, e depois quero jogar ao jogo de dados contigo. Seu pai riu entre dentes e tossiu um pouco. — Deixa que papai dê uma cabeçadinha antes de sair. Seja uma menina boa. — Sim, dorme — murmurou Evie de uma vez que lhe dava a volta ao pano da fronte. — Posso esperar, papai. Enquanto observava como voltava a dormir, tragou saliva e se relaxou na cadeira, situada junto à Cama. Não desejaria estar em nenhum outro lugar. Se ajeitou no assento e baixou os ombros como se fora uma boneco ao que tivessem solto os fios. Era a primeira vez que se sentia necessitada, que sua presença parecia lhe importar a alguém. E, embora o estado de seu pai a afligia, dava obrigado por poder acompanhá-lo em


suas últimas horas de vida. Não disporia de tempo para conhecê-lo, de modo que sempre seriam uns desconhecidos, mas estar ali a compensava de sobra. Um golpezinho na porta interrompeu seus pensamentos. Elevou os olhos e viu o Cam na soleira, cruzado de braços e em postura relaxada. Evie lhe dirigiu a imitação de um sorriso. — Seu... suponho que te envia para me buscar. — Não fazia falta dizer a quem se referia, claro. — Quer que coma com ele num das sala de jantar privadas. Evie sacudiu a cabeça e seu sorriso se voltou irônica. — Seus desejos são ordens para mim. — Parodiou a uma esposa obediente. Levantou-se e alisou as mantas sobre os ombros de seu pai. Cam não se moveu da soleira quando ela se aproximou. Era um homem alto, embora não tanto como Sebastian. — Como terminou casada com lorde St. Vincent? — quis saber. — Sei que tem problemas financeiros porque estivemos a ponto de lhe negar crédito a última vez que esteve aqui. Propôs um matrimônio de conveniência? — Como sabe que não estamos casados por amor? — replicou Evie. — St. Vincent só se quer a ele mesmo — disse Cam com um olhar irônico. Evie teve que esforçar-se por conter um sorriso. — Em realidade fui ver o eu. Foi o único mo... modo que me ocorreu para escapar dos Maybrick. — Seu sorriso se desvaneceu ao pensar em seus familiares. — Vieram aqui em minha busca? — Seus dois tios — assentiu Cam. — Tivemos que lhes deixar registrar o clube para que se convencessem de que não te escondia aqui. — Pombas! — exclamou Evie, tomando emprestada o palavrão favorito de Daisy Bowman. — Seguro que depois foram à casa dos Hunt e os Bowman. A notícia de meu desaparecimento terá preocupado as minhas amigas. Entretanto, saber o que tinha feito ia preocupar as muito mais. Teria que avisar a Annabelle e Daisy de que se encontrava bem. Lillian estava de viaje pelo continente, assim não se teria informado de seu desaparecimento. Amanhã, pensou. Sim, amanhã plantaria cara às repercussões de sua infame fuga. Expôs-se enviar a alguém a casa dos Maybrick a recolher o resto de sua roupa, mas certamente não lhe permitiriam ficar a Uma coisa mais para a larga lista de coisas por fazer: encarregar em seguida alguns vestidos e sapatos. — Quando meus familiares descubram que estou aqui — disse— , vê... virão a me buscar. Pode que tentem anular meu matrimônio. Me... — uma breve pausa para controlar a voz— me dá muito medo o que possa me passar se me obrigarem a voltar com eles. — Não o impedirá St. Vincent? — perguntou Cam, e lhe pôs uma mão no ombro para tranquilizá-la. Foi um contato leve, com a palma apoiada na frágil curva do ombro, mas a acalmou. — Se estiver aqui. Se estiver sóbrio. Se pode — respondeu com um sorriso forçado. — Se, se, se... — Eu estarei aqui— murmurou Cam. — Estarei sóbrio e poderei impedi-lo. por que acredite que St.


Vincent não? — É um matrimônio de conveniência. Não lhe importo absolutamente. Não espero vê-lo muito uma vez receba meu dote. Disse-me que tem coisas melhores que fazer que sentar-se num clube de jogo de segunda a esperar a que... a que... — Titubeou e voltou a cabeça para olhar a seu pai na Cama. — Pode que tenha trocado de parecer com o respeito — comentou Cam com ironia. — Quando lhe dava a chave do escritório, tirou todos os livros e começou a revisá-los página por página. Daqui a que termine, terá examinado todo o clube com lupa. Evie sentiu saudades. — O que pode estar procurando? — perguntou. Sebastian estava atuando de uma forma estranha. Não havia razão para que revisasse os livros do clube com tanta urgência depois de uma viagem extenuante. Nada teria trocado entre esse dia e o seguinte. Pensou no olhar compulsivo de seu marido quando observava a atividade da planta baixa, e em suas palavras: Penso percorrer até o último centímetro deste lugar e conhecer todos seus segredos. Como se fora algo mais que um edifício cheio de tapetes puídos e mesas de jogo. Desconcertada, Evie seguiu ao Cam pela série de corredores e Caminhos que constituíam a rota mais direta a sala de jantar da planta inferior. Como a maioria de clubes de jogo, o Jenner's tinha lugares secretos onde esconder-se, onde observar, onde passar desapercebida pessoas e objetos. Cam a conduziu até um pequeno salão privado, sustentou lhe a porta e fez uma reverência quando ela se voltou para lhe dar as obrigado. Ao entrar no quarto, Evie ouviu a porta fechar-se brandamente atrás dela. Sebastian, ajeitado em uma cadeira com a confiança relaxada de Lúcifer em seu trono, estava fazendo notas a lápis na margem de um livro contável. Estava sentado ante uma mesa meio cheia de fontes e pratos para o sala de jantar principal. Apartou o olhar do livro, deixou-o a um lado e se levantou para apartar uma cadeira da mesa. — Como está seu pai? — despertou um momento — respondeu Evie com cautela enquanto se sentava. — Pareceu acreditar que eu era pequena de novo. Viu uma fonte com cortes de ave assada e outra com pêssegos e uvas de estufa, e começou a servir-se. A fome imperiosa, unida à fadiga, fazia que lhe tremessem as mãos. Sebastian observou suas dificuldades e, sem dizer nada, serve lhe aprimoramentos num prato: ovos de codorna fervidos, nata de verduras, fatias de queijo, cortes de carne fria, pescado e pão. Logo lhe encheu uma taça de vinho. — Obrigado — disse Evie, tão cansada que logo que sabia o que estava comendo. Levou o garfo à boca e fechou os olhos enquanto mastigava e tragava o bocado. Quando voltou a abri-los, viu que Sebastian a olhava. Parecia tão cansado como ela, com umas ligeiras olheiras. Tinha as maçãs do rosto tensas e estava pálido. A barba, que tendia a lhe crescer depressa, estava dourada nas bochechas. De algum modo, o endurecimento de seus rasgos acrescentava seu atrativo ao conferir uma graça irregular ao que, de outro modo, poderia ter


sido a perfeição estéril de uma obra professora de mármore. — Segue pensando ficar aqui? — perguntou enquanto cortava com habilidade um pêssego e lhe tirava o osso. Passou lhe uma metade limpa. — Claro que sim. — Evie agarrou o pêssego e, ao mordê-lo, notou como lhe deslizava o suco pela língua. — Me temia — respondeu isso ele com secura. — É um engano, sabe? Não tem ideia do que te espera, as obscenidades e comentários lascivos, olhadas luxuriosas, roce-os e beliscões... — Me arrumarei — disse isso Evie, e o olhou sem saber se franzir o cenho ou sorrir. — Estou seguro disso, carinho. — O que há nesse livro? — perguntou ela detrás observá-lo enquanto bebia um sorvo de vinho. — Um exemplo de contabilidade criativa. Egan esteve desfalcando dinheiro. Retoca um pouco as cifras aqui e lá para que não se note. Mas, com o passar do tempo, a soma sobe a uma importância considerável. Vai ou seja quantos anos leva fazendo-o. até agora, todos os livros contáveis que revisei contêm enganos deliberados. — Como pode estar seguro de que são deliberados? — Seguem um patrão evidente. — Abriu um livro e o empurrou brandamente por volta dela. — O clube obteve uns benefícios de vinte mil libras o ano passado. Se comparar as cifras com o registro de empréstimos, ganhos bancários e saídas de caixa, verá as discrepâncias. Evie leu as notas que ele tinha feito na margem segundo ia assinalando com o dedo. — Vê? — murmurou. — Estas são as quantidades que deveriam aparecer. Inflou muito os gastos. O custo dos jogos de dados de marfim, por exemplo. Inclusive se admitirmos que os jogos de dados só se usassem uma noite, o cargo anual não deveria superar as duas mil libras, segundo Rohan. — Mas aqui põe que se gastaram quase três mil libras em jogo de dados. — Exato. — Sebastian se recostou na cadeira e sorriu devagar. — Enganava a meu pai do mesmo modo quando era jovem e eu necessitava mais dinheiro do que ele me dava. — Para que o necessitava? — Temo-me que, para lhe explicar isso teria que usar palavras que lhe ofenderiam muito — assegurou ainda sorridente. Evie cravou um ovo de codorna com o garfo e o levou a boca. — O que vamos fazer com o senhor Egan? — Despedi-lo assim que esteja o bastante sóbrio para andar — disse Sebastian de uma vez que se encolhia de ombros. Evie se apartou uma mecha que lhe caía sobre a bochecha. — Mas não tem substituto. — Sim que o tem. Até que não se encontre o diretor adequado, eu dirigirei o clube. O ovo de codorna pareceu atravessar-se o no pescoço e Evie se engasgou. Agarrou a taça de vinho, bebeu um sorvo, respirou fundo e logo o olhou com olhos exagerados. Como podia dizer algo tão absurdo? — Não pode fazer isso. — Não o farei pior que Egan. Não dirigiu nada há meses. Em pouco tempo o clube se virá abaixo.


— Disse que detestava trabalhar! — É certo. Mas me parece que deveria tentá-lo ao menos uma vez, para me assegurar. — Fará as vezes de dava... diretor uns dias e lhe... cansará-te. — Gaguejava de ansiedade. — Não posso me permitir o cansaço, meu amor. Embora o clube segue sendo rentável, seu valor vai à baixa. Seu pai tem uma importante dívida pendente de cancelar. Se seus devedores não podem pagar em dinheiro, teremos que ficar propriedades, joias, obras de arte, o que seja. Como conheço o valor das coisas, posso negociar umas liquidações aceitáveis. E há outros problemas que ainda não mencionei. Seu pai possui uns desafortunados pura sangue que lhe têm feito perder uma fortuna no Newmarket. E tem feito algumas investimentos insensatos, como as dez mil libras que pôs em uma suposta mina de ouro do Flintshire, um fraude que até um menino teria detectado. — meu deus — murmurou Evie e se esfregou a fronte. — Estava doente e a gente se aproveitou dele. — Assim é. E agora, embora queríamos vender o clube, não poderíamos fazê-lo sem pô-lo antes em ordem. Se houvesse uma alternativa, a encontraria, me acredite. Mas o clube é uma peneira, e ninguém pode ou quer lhe tampar os buracos. Salvo eu. — O que saberá você de tampar buracos! — exclamou ela, horrorizada por sua arrogância. Sebastian sorriu com uma sobrancelha arqueada, mas antes de que respondesse com mordacidade, ela se tampou os ouvidos com as mãos e acrescentou: — OH, não diga! — Ele conteve sua réplica, embora seus olhos seguiam despedindo um brilho diabólico, e ela baixou as mãos com cautela. — Se dirigir o clube, onde dormirá? — Aqui, é obvio — disse ele. — Mas eu me instalei no único quarto de hóspedes disponível. Outros estão ocupados. E não penso compartilhar a Cama contigo. — Amanhã haverá muitas habitações livres. Vou me desfazer das prostitutas da casa. As coisas estavam trocando muito depressa para que Evie pudesse as assimilar. O encargo de autoridade do Sebastian sobre o negócio de seu pai se produziu a uma velocidade alarmante. Tinha a sensação de ter levado um gato manso ao clube para vê-lo transformar-se num tigre selvagem. E ela só poderia observar impotente como fazia uma matança indiscriminada. Desesperada-se, pensou que se o agradava uns dias possivelmente se aborreceria. Enquanto isso, devia tentar reduzir ao máximo os danos. — Jogará as prostitutas da ca... casa à rua? — perguntou com uma calma forçada. — Irão-se com uma liquidação generosa, como recompensa por sua lealdade ao clube. — Quer contratar outras? — Não é que tenha nada contra a prostituição. De fato, estou totalmente a favor dela. Mas que me crucifiquem se me converto num cafetão. — No que? — Em um cafetão. Um patrocinador. Um alcoviteiro. Caramba, levava algodão nas orelhas quando foi pequena? Alguma vez ouviu nada, nem te perguntou por que umas mulheres de roupas coloridas subiam e desciam pela escada do clube a todas as horas?


— Sempre vinha de dia — esclareceu Evie, muito digna. — Estranha vez as via trabalhar. E depois, quando era o bastante maior para entendê-lo, minhas visitas se espaçaram bastante por desejo de meu pai. — Pode que fora uma das poucas coisas boas que fez por ti. — Sebastian moveu a mão com impaciência para descartar o tema. — Bem, respeito ao assunto que nos ocupa, não só não quero ter prostitutas medíocres, mas também tampouco temos espaço para as alojar. Às vezes, quando todas as Camas estão ocupadas, os membros do clube se veem obrigados a gozar de seus favores nas quadras. — Seriamente? Diz-o a sério? — E as quadras são muito incômodas, há muita corrente. Asseguro lhe isso. — Você...? — Mas há um bordel excelente duas ruas mais abaixo. Espero que possamos chegar a um acordo com sua proprietária, madame Bradshaw. Quando um membro de nosso clube deseje companhia feminina, poderá ir ao local do Bradshaw, receber seus serviços com um desconto no preço e voltar uma vez aliviado. — Parecia esperar que sua esposa elogiasse a ideia. — O que te parece? — Parece-me que tem alma de alcoviteiro. Só que às escondidas. — A moralidade é só para a classe média, encanto. A classe baixa não pode permitir lhe e a classe alta tem muito tempo livre para preencher. Evie sacudiu devagar a cabeça. Observava-o com os olhos exagerados, e nem sequer se moveu quando se inclinou para ela para lhe pôr uma uva entre os lábios. — Não faz falta que diga nada — murmurou com um sorriso. — É evidente que emudeceste que gratidão diante da perspectiva de me ter aqui para te cuidar. Evie franziu o cenho e ele sorriu malicioso. — Se o que se preocupa é que num momento de debilidade, presa de ardor viril, possa me equilibrar sobre ti... é possível. Evie segurou a uva entre os dentes e lhe tirou as sementes com os dentes e a língua. O sorriso do Sebastian se desvaneceu um pouco. — Mas tranquila, de momento é muito novata para valer a pena— acrescentou detrás recostar-se na cadeira. — Possivelmente te seduza no futuro, depois de que alguns homens se encarregaram de te educar. — Duvido-o — replicou Evie com rudeza. — Nunca seria tão burguesa para me deitar com meu marido. Sebastian soltou uma gargalhada. — meu deus! Certamente morria por dizê-lo. Felicidades. Não temos casados nenhuma semana e já aprendeste a mostrar as unhas.


Capítulo 9

Evie nunca soube onde tinha dormido seu marido a primeira noite, mas suspeitava que em algum lugar cômodo. Seu próprio descanso tinha distado muito de ser aprazível, já que a preocupação a tinha despertado com uma regularidade metódica. Tinha ido várias vezes a ver como estava seu pai, tinha lhe dado sorvos de água, arrumado os lençóis, administrado medicina quando a tosse lhe piorava. Cada vez que despertava, Jenner olhava a sua filha com renovada surpresa. Estou sonhando, bonita? perguntava lhe, e lhe respondia com palavras carinhosas e lhe acariciava a cabeça. Com os primeiros raios de sol, Evie se lavou, vestiu-se e se fez uma trança que se recolheu num coque na nuca. Chamou uma criada e lhe pediu ovos escaldados, caldo, chá e toda a comida especial para um doente que pudesse tentar o apetite de seu pai. As manhãs eram tranquilas e silenciosas no clube, já que a maioria de empregados dormia depois de ter trabalhado até altas horas da madrugada. Entretanto, sempre havia um pessoal mínimo para as tarefas ligeiras. Quando não estava o cozinheiro, ficava um crave na cozinha para preparar comidas singelas a quem as solicitasse, Ouviu a tosse áspera de seu pai. Correu até sua quarto e o encontrou tossindo espasmodicamente num lenço. As convulsões angustiosas de seu peito lhe doeram como se fossem próprias. Rebuscou entre os frascos da mesinha de noite o xarope de morfina e o verteu em uma colher. Ao passar um braço pela nuca suada de seu pai para incorporá-lo, voltou a surpreendê-la o pouco que pesava, e notou como o corpo lhe esticava para tentar conter outro acesso de tosse. Os estremecimentos posteriores lhe sacudiram a colher e a medicina caiu sobre os lençóis. — Desculpa — murmurou Evie, e secou o xarope pegajoso antes de voltar a encher a colher. — Vamos, papai, pouco a pouco. O pescoço venoso de seu pai se moveu ao tragar a medicina, Depois, arrumou lhe os travesseiros enquanto ele tossia um pouco mais. Evie o recostou e lhe pôs um lenço limpo na mão. Contemplou sua cara descarnada e sua barba grisalha em busca de algum signo de seu pai naquela figura irreconhecível. Sempre tinha sido robusto e corado, incapaz de manter uma conversação sem o uso expressivo das mãos com gestos próprios de um ex-boxeador. Agora era a sombra pálida desse homem, com a cútis cinzenta e fofa devido à perda rápida de peso. Entretanto, os olhos azuis eram os mesmos: redondos e escuros, do tom do mar da Irlanda. A familiaridade desses olhos a tranquilizou. — pedi o café da manhã — murmurou sorrindo. — Em seguida o trarão. Jenner meneou a cabeça para indicar que não tinha fome. — OH, sim— insistiu sua filha, meio sentada na Cama. — Tem que comer algo, papai. Secou lhe uma gota de sangue da comissura dos lábios com um lenço. Seu pai franziu o cenho. — Os Maybrick — disse com voz áspera. — Virão a te buscar, Evie? — Deixei-os para sempre — respondeu ela com satisfação. — Faz uns dias me fugi para a ca... me casar


em Gretna Green. Já não têm nenhum poder sobre mim. — Com quem? — Com lorde St. Vincent. Bateram na porta e entrou a criada com uma bandeja carregada de pratos. Evie se levantou para ajudá-la e retirou algumas coisas da mesinha de noite. Viu como seu pai fugia o aroma da comida, apesar do insípida que era, e o compadeceu. — Sinto muito, papai, mas tem que tomar um pouco de caldo. Pô lhe um guardanapo sobre o peito e lhe aproximou a tigela quente aos lábios. Depois de tomar uns sorvos, seu pai se recostou nos travesseiros e a observou enquanto lhe secava a boca, à espera de uma explicação. Evie sorriu com tristeza. Tinha-o pensado: não havia nenhuma necessidade de fingir um romance. Seu pai era um homem prático, e é provável que nunca tivesse esperado que sua filha se casasse por amor. Desde seu ponto de vista, tinha que tomar a vida como vinha e fazer o que fora necessário para sobreviver. Se encontrava algo de agradar pelo Caminho, devia aproveitá-lo, e não te queixar depois quando tivesse que pagar o preço por havê-lo feito. — Quase ninguém sabe ainda — começou. — De fato, não é umas más casamentos. Levamo-nos bastante bem e não me faço ilusões respeito a ele. Jenner abriu a boca para que sua filha lhe desse uma colherada de ovos escaldados. Ponderou a informação, tragou a comida e aventurou: — Seu pai, o duque, é um bobo de pedra que não sabe fazer nadica de nada. — Lorde St. Vincent, em troca, é bastante inteligente. — Um tipo frio — observou Jenner. — Sim, mas não sempre. Quer dizer... — deteve-se de repente, ruborizada ao recordar a Sebastian na Cama lhe fazendo o amor. — É um mulherengo — comentou Jenner com simplicidade. — Isso não me importa — respondeu sua filha com igual franqueza. — Jamais esperaria que me fora fiel. Consegui o que queria do matrimônio. Quanto ao que ele quer... — Sim, terá seu dote — disse seu pai, antecipando-se. — Onde está agora? — Seguro que ainda dormindo. — Deu lhe outra colherada de ovos escaldados. A criada a corrigiu: — Perdoe, mas não está dormindo, senhorita... quero dizer, milady. Lorde St. Vincent despertou ao senhor Rohan à alvorada e o está levando acima e abaixo lhe fazendo perguntas e lhe dando listas. O senhor Rohan está furioso. — Lorde St. Vincent está acostumado a transtornar assim às pessoas — comentou Evie com secura. — Listas do que? — quis saber Jenner. Evie não se atreveu a lhe dizer que Sebastian pretendia misturar-se na direção do clube. Era muito provável que isso alterasse a seu pai. Podia encaixar com naturalidade o matrimônio sem amor de sua filha, mas algo que afetasse a seu negócio o preocuparia muito. — OH, acredito que quer muda algumas cortinas — comentou vagamente. — E lhe ocorreu melhorar o


menu do aparador. Essa classe de coisas. — Mmm... — Jenner franziu o cenho. — Diga que não toque nada sem que Egan lhe dê permissão. — Sim, papai — disse enquanto lhe aproximava a tigela de caldo à boca. Evie dirigiu um olhar dissimulado à criada e entreabriu os olhos para lhe advertir que fechasse o pico. A moça assentiu com a cabeça. — Ao falar não te entope tanto como antes — observou Jenner. — Como é isso, princesa? Evie era consciente de que sua gagueira tinha melhorado a última semana. — Não estou segura. Possivelmente me haver afastado dos Maybrick me permitiu me sentir mais tranquila. Dava-me conta pouco depois de que deixássemos Londres... E lhe ofereceu uma versão expurgada da viagem de ida e volta a Gretna Green, que lhe provocou algumas risadas e tosses. Enquanto falavam, observou como lhe relaxava a cara, efeito da morfina. Comeu-se uma parte de uma torrada intacta de seu pai, bebeu uma taça de chá e deixou a bandeja do café da manhã junto à porta. — Papai — disse— , antes de que durma, ajudarei-te a lavar e barbear. — Não faz falta — respondeu ele com os olhos frágeis devido à morfina. — me deixe te cuidar — insistiu Evie, e se dirigiu para ao lavabo, onde a criada tinha deixado uma bacia com água Quente. — Depois dormirá melhor, já o verá. O parecia muito apático para discutir. Limitou-se a suspirar e tossir enquanto contemplava como sua filha aproximava a bacia de porcelana e os úteis de barbear a mesinha de noite. Pô lhe uma toalha sobre o peito e a ajustou ao redor do pescoço. Como nunca tinha barbeado a um homem, tomou a broxa, afundou-a na água e logo na saboneteira. — Uma toalha quente primeiro, bonita — murmurou Jenner -suaviza a barba. Evie seguiu suas instruções. Passado um minuto, tirou lhe a toalha e com a broxa lhe ensaboou um lado da cara. Decidida a barbeá-lo por partes, abriu a navalha, olhou-a receosa e se inclinou para seu pai. Antes de que a navalha lhe tocasse a bochecha, chegou lhe uma voz irônica da porta. — Pelos pregos de Cristo, Jenner. — Evie voltou a cabeça e viu o Sebastian. Não falava com ela, a não ser com seu pai. — Não sei se elogiar sua valentia ou lhe perguntar se tiver perdido o julgamento. — aproximou-se da Cama com passo pausado. — Dê-me isso, carinho. A próxima vez que seu pai tussa, lhe vais fatiar o nariz. Evie lhe entregou a navalha sem duvidá-lo. Essa manhã seu marido parecia mais fresco. Ia impecavelmente barbeado, com o cabelo lavado e penteado com esmero. Levava um traje esplêndido, com uma jaqueta cinza grafite escuro que lhe realçava a compleição. O contraste entre os dois homens, um tão velho e doente, e o outro tão corpulento e saudável, era notável. Quando Sebastian se aproximou mais a seu pai, Evie sentiu o impulso de situar-se entre ambos. Seu marido parecia um depredador a ponto de acabar com uma presa indefesa. — Traz o suavizador, carinho — pediu com um ligeiro sorriso. Ela foi até o lavabo e, quando voltou com o suavizador, ele tinha ocupado seu lugar junto à Cama.


— Terá que afiá-la antes e depois de um barbeado — explicou de uma vez que passava a navalha pelo suavizador. — Parece bastante afiada — comentou Evie. — Nunca o está muito. Ensaboa toda a cara antes de começar. Dessa maneira se suaviza a barba. — apartou-se para que ela o fizesse e depois a fez a um lado. Com a navalha na mão, perguntou ao Jenner: — Posso? Para seu assombro, seu pai assentiu sem vacilar. Evie se situou ao outro lado da Cama para vê-lo melhor. — Deve deixar que a navalha faça o trabalho em lugar de fazer pressão com a mão — seguiu explicando Sebastian. — Barbeia na direção do cabelo, assim. E nunca passe a folha perpendicular à pele. Começa pelos lados da cara, segue pelas bochechas e depois pelos lados do pescoço, assim. — Enquanto falava, Sebastian barbeava a barba grisalha com movimentos limpos. — E esclarece folha frequentemente. Tratava a cara de seu pai com suavidade, variando o ângulo, estirando zonas de pele para barbeá-la mais eficazmente. Seus movimentos eram destros e ligeiros. Evie sacudiu a cabeça, incapaz de assimilar que estava vendo o Sebastian, lorde St. Vincent, barbear a seu pai com a perícia de um ajuda de câmara perito. Depois de terminar o ritual, Sebastian limpou os restos de sabão da cara reluzente do Jenner. Só havia um pequeno corte no bordo da mandíbula. — O sabão necessita mais glicerina — murmurou Sebastian, e pressionou o corte com a toalha. — O que prepara meu ajuda de câmara é melhor que este. Depois lhe pedirei que me traga um pouco. — Obrigado — respondeu Evie, e sentiu um quente aperto no peito. Sebastian a olhou e o que viu em sua expressão pareceu fasciná-lo. — Terá que lhe muda os lençóis — comentou. — Te ajudarei. Evie negou com a cabeça. Não queria que visse seu pai tão consumido. Isso faria que seu pai se sentisse em uma clara situação de desvantagem com respeito a seu genro. — Obrigado, mas não — disse. — Chamarei à criada. — Muito bem. — Olhou o Jenner e acrescentou: — Com sua permissão, senhor, virei a vê-lo mais tarde, quando tiver descansado. — tudo bem— concordou seu pai com o olhar perdido. Fechou os olhos e suspirou. Evie arrumou rapidamente a quarto enquanto Sebastian limpava a navalha, afiava-a outra vez e a deixava em seu estojo de pele. A seguir levou a seu marido para a porta da quarto e se deteve para olhá-lo com as costas apoiada contra a ombreira. — Despediste já ao Egan? — perguntou lhe com preocupação. Sebastian assentiu, pôs uma mão na ombreira, por cima de sua cabeça, e se inclinou para ela. Embora era uma postura relaxada e natural, Evie teve a sensação de ser sutilmente dominada. Desconcertou-a precaver-se de que não era uma sensação desagradável de tudo. — Ao princípio se mostrou hostil — explicou Sebastian— , até que lhe disse que tinha repassado alguns livros. Isso o amansou como um cordeiro, porque sabe a sorte que tem de que não o denunciemos. Rohan lhe está ajudando a fazer a bagagem para assegurar-se de que se vai imediatamente.


— Por que não quer denunciá-lo? — Seria publicidade negativa. Qualquer insinuação de problemas financeiros põe nervosa à clientela de um clube como este. É melhor assumir as perdas e começar daí. — Observou seus rasgos tensos e a deixou aniquilada ao dizer em voz baixa: — te Gire. — O que? Por que? — perguntou com os olhos como pratos. — Te gire — repetiu Sebastian, e esperou até que ela obedeceu devagar. O coração lhe deu um tombo quando seu marido lhe levantou as mãos para as apoiar na ombreira. — Segure se aí, carinho. Esperou, desconcertada e nervosa, sem saber o que se propunha Sebastian. Fechou os olhos e se esticou ao notar suas mãos nos ombros. Lhe acariciou as costas, como se procurasse algo, e depois começou a massageá-la com movimentos suaves e seguros para lhe aliviar os músculos doloridos. Buscou lhe pontos tensos, o que a fez inspirar com força. A pressão das mãos aumentou, deslizando as Palmas pelas costas de uma vez que afundava os polegares a cada lado da coluna. Para seu rubor, Evie se encontrou arqueando as costas como um gato. Sebastian foi subindo devagar até lhe alcançar os duros ombros e pescoço, e concentrou neles até que ela emitiu um suave gemido. Uma mulher podia converter-se em pulseira dessas mãos peritas. Tocava-a com uma sensualidade perfeita, lhe produzindo um enorme prazer. Apoiada contra a ombreira, Evie sentiu que sua respiração se voltava lenta e profunda. A massagem lhe relaxou todas as costas e ela desejou que não terminasse nunca. Quando Sebastian apartou por fim as mãos, ela se surpreendeu de não desmoronar-se. Voltou-se para olhá-lo, convencida de que receberia um sorriso zombador ou um comentário irônico. Em troca, ele se tinha ruborizado e mantinha uma expressão impassível. — Tenho que te dizer algo — resmungou. — Em privado. Tirou-a do braço, tirou-a o corredor e a meteu na primeira quarto disponível, que resultou ser a que Evie tinha ocupado a noite anterior. Sebastian fechou a porta e se inclinou para ela com rosto imperturbável. — Rohan tinha razão — lhe disse sem rodeios. — A seu pai não fica muito tempo. Será um milagre se chegar à manhã. — Sim. Qualquer pode vê-lo. — Hoje falei com o Rohan comprido e tendido sobre o estado de seu pai, e me mostrou um folheto que deixou o médico ao fazer o diagnóstico. — Sebastian se tirou da jaqueta um papel dobrado e o deu. Evie leu Uma nova teoria sobre a tuberculose no cabeçalho. Como a única luz da quarto procedia da janela e tinha os olhos cansados, sacudiu a cabeça. — Posso lê-lo depois? — perguntou. — Sim. Mas te farei um resumo: a tuberculose é causada por uns minúsculos organismos vivos invisíveis a simples vista. Encontram-se nos pulmões afetados. E a enfermidade se transmite quando uma pessoa sã respira o ar que uma pessoa doente exala. — Seres pequeninhos nos pulmões? — disse Evie sem compreender. — Isso é absurdo. A tuberculose se deve a uma predisposição natural à doença, ou por estar muito tempo exposto ao frio e a umidade... — Como nenhum dos dois é médico ou científico, não tem sentido discutir. Entretanto, por precaução


terei que limitar o tempo que passa com seu pai. O papel lhe caiu da mão. Depois de tudo o que tinha passado para estar com seu pai, aquele desalmado tratava de lhe negar os últimos dias que poderia estar com ele. E tudo por uma teoria médica ainda não demonstrada que tinha lido num simples folheto? — Nem pensar! — exclamou com um nó na garganta— , Nem... nem o sonhe. P.. passarei todo o tempo que queira com ele. Eu te importo um co... cominho, e ele menos. Só quer ser cruel para de... me demonstrar que apodreci... pode... — Vi os lençóis — replicou Sebastian com brutalidade. — Está tossindo sangue, mucosidade e sabe o que mais. Quanto mais tempo passe com ele, mais probabilidades tem que inale o que seja que o está matando. — Não acredito nessa sua estúpida teoria. Poderia encontrar dezenas de mé... Médicos que a desvirtuariam num mi... minuto. — Não pode correr o risco. Maldita seja, quer jazer nessa mesma Cama com os pulmões apodrecendo-se dentro de seis meses? — Se isso ac... acontece, não é assunto seu. Houve um tenso silêncio, e Evie teve a sensação de que suas amargas palavras tinham causado mais danifico do procurado. — Tem razão — replicou Sebastian com rudeza. — Se quer ser uma tuberculose, adiante. Mas não sinta saudades se recuso me sentar junto a sua Cama me retorcendo as mãos. Não farei nada por te ajudar. E quando estiver expulsando os pulmões pela boca, agradarei-me em te recordar que é tua culpa por ser tão idiota e teimosa — concluiu com um movimento irritado das mãos. Evie, muito condicionada por suas muitas topadas, com o tio Peregrine para distinguir entre um gesto zangado e o início de uma agressão física, estremeceu-se instintivamente e levantou os braços para cobri-la cabeça. Mas como o golpe esperado não chegou, soltou o ar, baixou hesitante os braços e viu que Sebastian a observava com assombro. A expressão de seu marido se escureceu. — Evie..., acreditava que ia te b...? meu deus. Alguém te pegou no passado. Quem foi o mal nascido? — Alargou a mão para ela muito depressa, e Evie recuou bruscamente, chocando-se contra a parede. Sebastian se deteve. — Maldita seja— resmungou, e a olhou com intensidade. Depois de um comprido instante, disse em voz baixa— Jamais bateria em uma mulher. Jamais te machucaria. Sabe, verdade? Paralisada por aqueles olhos claros e brilhantes que a observavam, Evie não podia mover-se nem dizer nada. sobressaltou-se quando ele se aproximou devagar. — Tranquila— murmurou Sebastian. — Deixa que me aproxime. Não acontece nada. Tranquila. — Rodeou-a com um braço e com a mão livre lhe acariciou o cabelo. Ela suspirou de alívio. Sebastian a aproximou mais a ele e lhe roçou a têmpora com os lábios. — Quem te machucou? — quis saber. — Me... meu tio — conseguiu responder. A mão do Sebastian em suas costas se deteve. — Stubbins? — perguntou.


— Não, o outro. — Maybrick. — Sim. — Evie fechou os olhos ao notar como ele a estreitava entre seus braços. Aconchegada contra o firme peito de seu marido, com a bochecha em seu ombro, inalou sua poda fragrância e o sutil aroma de colônia de sândalo. — Com que frequência? — perguntou lhe. — mais de uma vez? — Isso já não impo... conta. — Com que frequência, Evie? — se obstinou Sebastian. — Não muito a fre... frequentemente. Mas, às vezes, quando desgostava a ele ou à tia Flo... Florence, perdia os estribos. A última vez que tentei escapar, apodreci-me... pôs um olho ma... arroxeado e me partiu o lábio. — Ah, sim? — Sebastian fez uma larga pausa e depois disse com arrepiante suavidade: — vou despedaça-lo vivo. — Não! — exclamou Evie. — Só quero estar a salvo dele De to... todos eles. Sebastian apartou a cabeça para lhe olhar as facções acesas. — Está a salvo — assegurou em voz baixa, e lhe acaricio o maçã do rosto antes de seguir a fileira de sardas douradas com a ponta de um dedo até o nariz. Quando ela fechou os olhos, percorreu lhe com suavidade as sobrancelhas com o dedo e lhe esfregou a bochecha com a palma. — Evie... — murmurou— , juro-te por minha vida que nunca te causaria uma dor assim. Posso ser um marido terrível em qualquer outro sentido, mas não te machucaria desse modo vil. Acredite em mim. A delicada pele de Evie absorveu as sensações com avidez. Seu contato, seu sensual fôlego nos lábios. Temia abrir os olhos ou fazer algo que interrompesse aquele momento mágico. — Sim, acredito em você — conseguiu sussurrar. — Sim. Eu... Então recebeu um suave beijo nos lábios, e outro. Entregou-se a ele com a respiração entrecortada. A boca do Sebastian era apaixonada e tenra, e lhe invadia a sua com uma pressão comedida. Quando Sebastian notou que ela se balançava e que podia perder o equilíbrio, tomou uma mão e a pôs com cuidado na nuca. Evie levantou também a outra e se aferrou a ele sem deixar de corresponder a seus doces beijos. Sebastian respirava depressa e seu tórax lhe roçava o peito ao mover-se. De repente seus beijos se voltaram mais intensos, e imprimiu à paixão uma urgência que a levou a esfregar-se contra ele, ardente de excitação. Sebastian gemeu, e apartou os lábios. — Não... — sussurrou. — Espera, carinho. Não queria começar isto. Só queria... Maldita seja— soprou. Evie lhe aferrou a jaqueta e ocultou a cara contra sua gravata de seda cinza. Lhe sustentou a parte posterior da cabeça com a mão, ambos os corpos trementes. — Não mudei de ideia — lhe disse contra o cabelo. — Se quer cuidar de seu pai, terá que seguir minhas normas. Mantém a quarto ventilada; a porta e a janela têm que estar sempre abertas. E não se sente muito perto dele. Além disso, quando estiver com o te atará um lenço sobre o nariz e a boca


— Que diz! — soltou-se dele e lhe dirigiu um olhar incrédulo. — Para que não me entrem uns pequenos seres invisíveis nos pulmões? — Não me ponha a prova, Evie. Estou muito perto de te proibir totalmente que o veja. — Sentiria ridícula com um lenço na cara — protesto ela. — E ofenderia a meu pai. — Importa-me um nada. Tenha claro que se não me obedecer, não o verá. Evie se separou dele zangada. — É igual aos Maybrick — soltou com amargura. — Me casei contigo para obter minha liberdade. E em lugar disso, solo mudei que carcereiro. — Ninguém goza de total liberdade, céu. Nem sequer eu. Evie o olhou carrancuda. — Você pelo menos tem direito a decidir por ti mesmo. — E por ti — zombou ele, que parecia desfrutar com a raiva que lhe tinha despertado. — Caramba, miúda demonstração. Tanta rebeldia apaixonada me excita exageradamente. — Não volte a me tocar — espetou Evie. — Nunca! De modo desesperador, Sebastian soltou um risinho e saiu ao corredor.


Capítulo 10

Quando Evie voltou para a quarto de seu pai de noite, soube que lhe tinha chegado a hora. Estava pálido como a cera, tinha os lábios azulados e seus atormentados pulmões já não podiam inspirar ar suficiente. Quem dera pudesse respirar por ele. Agarrou lhe uma mão geada e lhe esfregou os dedos para fazê-los entrar em calor. — Papai — murmurou olhando-o com um triste sorriso e lhe acariciando o cabelo condensado. — me Diga o que fazer. Me diga o que quer. O lhe dirigiu um olhar tenro e carinhoso, enquanto seus lábios, apenas visíveis em sua enrugada cara, esboçavam um sorriso. — Cam... — sussurrou. — Sim, o chamarei. — E acrescentou em voz baixa: — Papai, Cam é meu irmão? Ele suspirou, fazendo que lhe marcassem as rugas ao redor dos olhos. — Não, céu. Embora me teria gostado. É um bom menino... Evie se agachou para lhe beijar uma mão e logo se incorporou. Aproximou-se depressa ao atirador e chamou várias vezes. — Sim, milady? — disse a criada que apareceu com incomum prontidão. — Chame o senhor Rohan — ordenou Evie, e pensou em avisar também a Sebastian, mas seu pai não tinha perguntado por ele. E a ideia da presença fria e cerebral do Sebastian, tão discordante com as emoções que ela sentia... Não. Havia algumas coisas para as que podia apoiar-se nele, mas essa não era uma delas. — Depressa — murmurou à criada, e retornou junto ao leito do moribundo. Apesar de seus esforços por oferecer uma aparência tranquila, seu medo devia transparecer, porque seu pai tomou a mão e puxou fracamente para que se aproximasse mais. — Evie — sussurrou. — vou reunir me com sua mãe, sabe? vai deixar me aberta a porta de atrás para que possa penetrar no céu. Evie riu apesar das lágrimas que lhe enchiam os olhos. Cam entrou no quarto. Ia despenteado e, coisa estranha nele, desalinhado, como se tivesse vestido depressa. Embora parecia tranquilo e sereno, tinha os olhos úmidos quando olhou a Evie. Esta se levantou e se afastou da Cama. — Tem que te inclinar para ouvi-lo — disse com voz rouca depois de tragar saliva para poder falar. Cam o fez e tomou as mãos, como Evie fazia. — Pai de meu coração — disse em voz baixa— , fica em paz com todas as almas que deixa atrás. E sabe que Deus te receberá em sua nova vida. Jenner lhe sussurrou algo e o moço agachou a cabeça, esfregando as mãos do ancião para tranquilizá-lo. — Sim— respondeu Cam, embora pela tensão que Evie captou em seus ombros, não lhe tinha gostado do


que seu pai lhe tinha pedido. — Me ocuparei de que se faça. Jenner se relaxou e fechou os olhos. Cam se separou da Cama e se aproximou de Evie. — Tranquila — murmurou o jovem cigano ao notar que ela tremia. — Minha avó sempre dizia que não deve te negar a iniciar um novo Caminho, já que não sabe que venturas lhe esperam nele. Evie tentou consolar-se com estas palavras, mas lhe empanaram os olhos e lhe fez um nó na garganta. Sentou-se junto a seu pai, rodeou-o com um braço e lhe pôs uma mão no peito. Sua respiração agitada se acalmou e emitiu um som tênue, como se agradecesse seu contato. Quando Evie notou como a vida ia escapando a seu progenitor, sentiu a confortante emano do Cam no braço. Na quarto reinava um doloroso silêncio. Evie quase podia ouvir os batimentos do coração de seu coração. Nunca tinha visto a morte de perto e ter que perder à única pessoa que a tinha querido de verdade, provocava lhe espanto. Dirigiu os olhos chorosos para a porta e viu Sebastian, com expressão impenetrável, e de repente foi consciente de que, em que apesar de tudo, necessitava que estivesse aí. Observava-a fixamente, e algo em seu olhar a tranquilizou. Um suave suspiro saiu dos lábios do Ivo Jenner, e já não houve nada mais. Evie compreendeu que tudo tinha terminado. Apertou uma bochecha contra sua cabeça e lhe fechou os olhos. — Adeus — sussurrou enquanto suas lágrimas caíam sobre o cabelo de seu pai. Passado um momento, Cam a ajudou a incorporar-se. — Evie — murmurou o jovem. — Agora tenho que... tenho que arrumar o cadáver. Vê com seu marido. Evie assentiu e tentou mover-se, mas tinha as pernas paralisadas. Cam lhe apartou o cabelo da cara e lhe deu um beijo doce e casto na fronte. Afastou-se dele e avançou a tropicões para seu marido, que se adiantou e lhe tendeu um lenço. Evie o aceitou agradecida. Muito consternada para ver ou lhe importar onde foram, secou-se os olhos e se soou o nariz enquanto Sebastian a tirava o corredor. Rodeou-a com um braço e a segurou pela cintura com a outra mão. — Não deixava de sofrer — lhe sussurrou com naturalidade. — foi o melhor para ele. — Sim— conseguiu responder ela, aturdida. — Sim, claro. — Disse-te algo? — Mencionou a minha mãe. — A ideia lhe fez aflorar novas lágrimas, mas seus lábios esboçaram um sorriso torcido. — Disse que ela ia ajudar lhe a penetrar pela porta de atrás do céu. Sebastian a levou a sua quarto. Evie se deixou cair na Cama e, depois de soar-se com o lenço, se aconchegou de costas. Não tinha chorado nunca assim, sem soluçar. A tristeza lhe saía pela garganta e a pressão da pena no peito não se reduzia. Foi vagamente consciente de que alguém corria as cortinas e de que Sebastian pedia a uma criada que levasse uma jarra de vinho e outra de água fria à quarto. Embora Sebastian permaneceu no quarto, não se aproximou dela, mas sim se passeou de um lado para outro, até que ao final se sentou em uma cadeira junto à Cama. Era evidente que não queria embalar a Evie enquanto chorava, que fugia essa intimidade emocional. Podia compartilhar com ele sua paixão, mas não sua dor. Mesmo assim, não tinha nenhuma intenção de ir-se.


Depois de que a criada levasse o vinho e a água, Sebastian apoiou a Evie nos travesseiros e lhe deu uma taça enche. Enquanto ela bebia, tomou um pano molhado em água fria e o pôs com cuidado sobre os olhos inchados. Sua atitude era carinhosa e deliciosamente solícita, como se atendesse a um menino pequeno. — Os empregados — balbuciou Evie ao cabo. — O clube. O enterro... — Eu me encarregarei de tudo — disse Sebastian com calma. — Fecharemos o clube e disporei os preparativos do enterro. Quer que avise a alguma amiga tua? Evie sacudiu a cabeça. — Poria-as num compromisso. E não gosta de falar com ninguém. — Compreendo. Sebastian ficou com ela até que teve tomado uma segunda taça de vinho. Ao compreender que estava esperando que lhe desse pé para ir-se, deixou a taça vazia na mesinha de noite e disse com voz rouca: — Agora descansarei um pouco. Não faz falta que fique comigo, quando há tantas coisas que fazer. Depois de avaliá-la com o olhar, Sebastian se levantou da cadeira. — me chame quando despertar — pediu. Tombada na Cama, meio bêbado e dormitada, perguntou-se por que a gente dizia sempre que a morte de um ser querido era mais fácil quando tinha tempo para te preparar. Não lhe parecia nada fácil. E essas mesmas pessoas podiam ter acrescentado que sua dor deveria ser menor já que logo que tinha conhecido a seu pai. Mas isso o aumentava. Tinha tão poucas lembranças para consolar-se, tão pouco tempo passado juntos. Junto com a tristeza, tinha uma lúgubre sensação de privação, e debaixo de todo isso, inclusive uma leve raiva. Era tão pouco digna de amor que por isso tinha tido tão pouco na vida? Carecia de algum dom essencial para atrair a outros? Consciente de que seus pensamentos estavam derivando para a autocompaixão, fechou os olhos e soltou um suspiro tremente. Quando Cam saiu da quarto do Ivo Jenner, encontrou-se com o St. Vincent no corredor. — Se a minha esposa consola os descerebrados sermões ciganos, não tenho inconveniente em que os recite — lhe soltou este, carrancudo e com uma nota de arrogância na voz. — Agora bem, se voltar a beijá-la outra vez, por muito platônica que seja a maneira em que o faça, te converterei num eunuco. O fato de que St. Vincent pudesse mostrar um ciúmes ridículos quando o cadáver do Ivo Jenner ainda estava quente poderia ter indignado a muitas pessoas. Cam, entretanto, observou ao autocrático visconde com um interesse especulativo. — Se a tivesse querido desse modo — disse Cam, medindo deliberadamente sua resposta para pô-lo a prova— , já a teria tido. Um brilho de advertência nos olhos azuis do St. Vincent revelou fugazmente um escuro sentimento que não admitiria jamais. Cam nunca tinha visto nada parecido ao desejo que St. Vincent sentia por sua mulher. Ante ela, St. Vincent virtualmente vibrava como um diapasão. — É possível querer a uma mulher sem desejar deitar-se com ela — assinalou Cam para tranquilizá-lo. — Mas parece que você não acredite assim. Ou acaso está tão obcecado com ela que não entende que possa


haver alguém que não sinta quão mesmo você? — Não estou obcecado com ela— lhe espetou St. Vincent. Cam apoiou um ombro contra a parede e o olhou aos olhos. — Claro que o está. Qualquer um o vê. — Outra palavra e seguirá os passos do Egan— grunhiu St. Vincent enrugando o cenho. Cam levantou as mãos em gesto de desculpa. — Entendido. Por certo, as últimas palavras do Jenner foram sobre Bullard. Existe um legado econômico para ele no testamento e Jenner queria que o recebesse. — por que deixaria dinheiro ao Bullard? — perguntou St. Vincent entreabrindo os olhos. Cam se encolheu de ombros. — Não sei. Mas eu, de você, cumpriria a última vontade do Jenner. — Se não o fizesse, nem ele nem ninguém poderia fazer nada a respeito. — Mas correria o risco de que seu fantasma atormentado rondasse o clube para sempre. — Fantasma? — St. Vincent lhe lançou um olhar incrédulo. — Não fala a sério, verdade? — Sou cigano — respondeu Cam com naturalidade. — Claro que falo a sério. — Só meio cigano. O que me leva a supor que a outra metade terá um pingo de prudência e sensatez. — A outra metade é irlandesa — indicou Cam. — Deus nos ampare — soprou St. Vincent, e partiu sacudindo a cabeça. Com os preparativos do funeral, a confusão no clube e a necessidade de restaurar o edifício, Sebastian deveria ter estado muito ocupado para interessar-se por sua mulher. Entretanto, Evie logo soube que perguntava com frequência às criadas quanto tinha dormido, se tinha comido, e por suas atividades em geral. Ao inteirar-se de que não tinha tomado o café da manhã nem almoçado, ordenou que lhe levassem uma bandeja a sua quarto com uma direta nota anexa. Milady: Daqui a uma hora devolverão esta bandeja para que a examine. Se houver algo que não tenha comido, eu mesmo me encarregarei de lhe administrar isso pela força. Que aproveite, S. Para satisfação do Sebastian, Evie acatou a ordem. Entretanto, perguntou-se a nota estava motivada pela preocupação ou por simples ganha de intimidá-la. Não obstante, pouco depois Sebastian não pôs reparos em pagar a uma costureira o dobro do normal para que lhe confeccionasse três vestidos de luto a uma velocidade elogiável. Por desgraça, a seleção de tecidos foi de tudo inadequada. No primeiro ano de luto, as mulheres estavam obrigadas a levar só braçadeira de luto, um tecido apagado, rígido e de linho retorcida. A ninguém gostava, porque o braçadeira de luto era, por uma parte, perigosamente inflamável e, pela outra, tendia a enrugar-se e desfiar-se com a chuva. Sebastian, entretanto, tinha encarregado um vestido de veludo, outro de Cambraia e um terceiro de caxemira. — Não posso pôr me disse isso uma carrancuda Evie enquanto alisava os vestidos com as mãos. Tinha-os estendido sobre a Cama.


Sebastian lhe tinha subido os vestidos em pessoa logo que foram entregues no clube. Agora estava em uma esquina da Cama, apoiado com indiferença contra o pilar esculpido. Salvo a Camisa branca, vestia completamente de negro. Naturalmente, via-se muito bonito, já que a escuridão dos objetos proporcionava um contraste exótico com o brilho dourado de sua pele e seus cabelos. Não pela primeira vez, Evie pensou com ironia se seria possível que um homem tão atrativo tivesse um caráter decente; sem dúvida o tinham mimado da infância. — O que têm de mau os vestidos? — perguntou Sebastian olhando-os. — São negros, não? — Pois sim, mas não são de braçadeira de luto. — Quer levar braçadeira de luto? — É obvio que não. Ninguém quer. Mas se a gente me vê levar qualquer outra coisa, haverá muitos falatórios. — Evie — replicou Sebastian com uma sobrancelha arqueada— , fugiu de sua casa para te casar com um conhecido libertino e está vivendo num clube de jogo. A quantas falatórios mais acredite que pode dar pé? Evie dirigiu um olhar duvidoso ao vestido que usava, um dos três que tinha levado consigo a noite que fugiu de casa dos Maybrick. Embora as criadas e ela se esmeraram por limpá-lo, a lã marrom estava manchada e se encolheu naqueles pontos em que se molhou e enlodado. E arranhava. Queria ficar algo limpo e suave. Alargou a mão para o veludo negro e o acariciou com os dedos, de modo que deixou nele um rastro brilhante. — Deve aprender a ignorar o que disser a gente — murmuro Sebastian, e se aproximou. Situado atrás dela, pô lhe as mãos nos ombros, o que a sobressaltou um pouco. — Assim será mais feliz. Os falatórios sobre outros revistam ser certas, mas nunca o são se referem a gente mesmo — acrescentou divertido. Quando notou que Sebastian lhe percorria a fileira de colchetes das costas do vestido, Evie ficou tensa. — O que está fazendo? — Te ajudando a muda de vestido. — Não quero. Agora não. Eu... OH, não, por favor! Mas lhe pôs uma mão no ventre para que não se movesse enquanto a seguia desabotoando com a outra. Em lugar de apresentar uma batalha pouco digna, Evie se ruborizou e ficou quieta. — De... desejaria que não me tratasse de maneira tão displicente — comentou, e notou que lhe arrepiavam as zonas que foram ficando ao descoberto. — Displicente implica indiferença — replicou Sebastian, e lhe passou o vestido pelos quadris até deixá-lo no chão. — E não é esse meu caso, carinho. Evie se estremeceu ao ficar em roupa interior. — Não estaria de mais certo respeito — disse. — Sobretudo depois de... depois de... — Não necessita respeito. Necessita consolo e apoio, e pode que um bom tempo na Cama comigo. Mas como nega a isso, darei-te uma massagem nos ombros e alguns conselhos. Dito isto, pô lhe as mãos nos ombros, nus salvo pelos suspensórios da regata, e começou a lhe massagear os tensos músculos com amplos arcos descritos com os polegares na parte superior das costas. Evie gemeu e


tentou soltar-se, mas seu marido a fez calar e seguiu massageando-a com perícia. — Não é a mesma de faz uns dias — murmurou. — Já não é a solteirona do baile, uma virgem, e tampouco a menina indefesa que vivia sob o jugo dos Maybrick. É uma viscondessa com uma fortuna considerável e um marido descarado. Não te basta? Evie sacudiu a cabeça, cansada e confundida. À medida que Sebastian lhe aliviava a tensão das costas, o controle de suas emoções parecia desvanecer-se. Temia romper a chorar, assim guardou silêncio, fechou os olhos e se concentrou em manter uma respiração regular. — até agora te aconteceste a vida tentando agradar a outros — prosseguiu Sebastian. — Com muito pouco êxito, por certo. Por que não tenta te agradar a ti mesma, para variar? por que não vive segundo suas próprias normas? Onde te levou seguir as convenções sociais? Evie se expôs as perguntas, e vaiou de prazer quando Sebastian encontrou um ponto particularmente dolorido. — Eu gosto das convenções — disse ao cabo. — Não tem nada de mau ser uma pessoa normal. — Não. Mas você não é corrente, ou nunca teria recorrido a mim em lugar de te casar com seu primo Eustace. — Estava desesperada. — Essa não foi a única razão — objetou Sebastian com apenas um sussurro. — Também gostava de fazer uma maldade. — Não é verdade! — Desfrutou encurralando a um libertino infame em sua própria casa com uma oferta irrecusável. Não trate de negá-lo; agora te conheço o suficiente para sabê-lo. Apesar de sua dor e preocupação, Evie não pôde evitar sorrir. — Pode que o desfrutasse por um momento — admitiu. — E certamente desfrutei pensando no furiosa que ficaria minha família quando se inteirasse. — Seu sorriso se desvaneceu quando acrescentou com ar taciturno: — Como detestava viver com eles! Quem dera meu pai me tivesse tido aqui, com ele. Podia ter pago a alguém para que me cuidasse... — Pelas barbas de Netuno! — exclamou Sebastian. — por que ia querer seu pai a uma menina em seu mundo amoral? — Porque era família dele. Porque era quão único tinha! Sebastian negou com a cabeça. — Os homens não pensam assim, carinho. Seu pai supôs corretamente que seria melhor para ti viver longe dele. Sabia que não te casaria nunca se não te criava de um modo respeitável. — Mas se tivesse sabido como me tratariam os Maybrick, quanto me maltratavam... — por que supõe que seu pai não teria feito o mesmo? — repôs Sebastian. — Era boxeador, caramba. Não é que fora famoso por seu domínio de si mesmo. Poderia ter conhecido com todo detalhe o mapa de sua palma se o tivesse visto mais frequentemente. — Equivoca-te completamente! — exclamou Evie com veemência. — Te acalme — murmurou Sebastian, e agarrou o vestido de veludo. — Como te disse, eu jamais


aprovaria bater em uma mulher por nenhum motivo. Mas o mundo está cheio de homens que não têm este escrúpulo concreto, e é provável que seu pai fora um deles. Discute-o, se quiser, mas não seja tão ingênua para pôr ao Jenner num pedestal, carinho. No contexto deste mundinho (jogadores, patifes, trapaceiros, delinquentes e vigaristas) era um homem bastante decente. Estou seguro de que esse lhe teria parecido um panegírico adequado. Levanta os braços. Passou lhe com habilidade o vestido pela cabeça e puxou o objeto até que lhe caiu elegantemente sobre os quadris. Depois a ajudou a passar os braços pelas mangas. — Esta vida não é para ti — prosseguiu. — Deveria estar em alguma imóvel de Campo, sentada em uma manta tendida na grama e comendo morangos com nata. Dando passeios em carruagem. Visitando amizades. Algum dia deveria me deixar que te desse um filho. Seria algo no que te ocupar. E assim teria algo em comum com suas amigas, quem sem dúvida já haveria começado a procriar. Surpreendida pela tranquilidade com que o fazia a sugestão, Evie dirigiu o olhar para seu atrativo rosto, tão próximo ao dela. Era como se acabasse de lhe propor comprar uma boneca. Era realmente tão insensível como parecia? — Interessaria-te por seu filho? — conseguiu lhe perguntar depois lhe tragar saliva várias vezes. — Não, encanto. Estou tão pouco feito para ter uma esposa e uma família como seu pai. Mas me encarregaria de que tivessem de tudo. — Um brilho pícaro apareceu nos olhos. — Isso sim, dedicaria-me com entusiasmo a engendrar filhos, embora não a criá-los — comentou enquanto lhe grampeava o vestido. E acrescentou: — Pensa o que quer. Há poucas coisas que não possa ter, sempre e quando te atrever às alcançar.


Capítulo 11

Se Evie sentia algo agradável por seu marido, desapareceu rapidamente à manhã seguinte, quando Sebastian saiu do clube antes do meio-dia em direção ao local de madame Bradshaw. Uma vez terminados os preparativos do funeral do Ivo Jenner, que se celebraria ao dia seguinte, Sebastian tinha concentrado sua atenção nas questões profissionais relativas ao clube. O Jenner's estaria fechado quinze dias, durante os quais um batalhão de carpinteiros, pedreiros e pintores se ocupariam de reformar o edifício. Já tinha começado a fazer mudanças importantes nos procedimentos do clube, incluído a ascensão do Cam ao posto de factótum. Em vista da linhagem mista do jovem, era seguro que a decisão seria polêmica. Todo mundo acreditava que os ciganos eram umas pessoas enganosas e de mãos largas. Que Cam fora o responsável por cobrar e pagar grandes somas de dinheiro, e de arbitrar sobre a legalidade de uma jogada, seria considerado como lhe pedir a um gato que vigiasse um ninho de pintinhos. O poder do cargo era tal que ninguém, nem sequer Sebastian, poderia questionar suas falhas sobre o jogo. Entretanto, Cam era uma figura conhecida e querida, e Sebastian estava disposto a apostar que sua popularidade induziria aos membros do clube a aceitá-lo em sua nova posição. Além disso, nenhum dos outros trinta empregados estava remotamente qualificado para dirigir a sala de jogos. Agora que as prostitutas da casa se foram, era imprescindível fazer algo para que, quando o clube voltasse a abrir, os membros tivessem acesso a companhia feminina. Para desgosto de Evie, Cam tinha coincidido com o Sebastian em que um acordo com madame Bradshaw seria uma solução excelente. Naturalmente, Sebastian seria o encarregado de fazer uma oferta à famosa madame. Conhecendo o infame apetite sexual de seu marido, Evie temia que sua visita a madame Bradshaw incluiria muito mais que uma mera negociação empresarial. Sebastian não tinha jazido com ninguém desde sua breve estadia em Gretna Green. Sem dúvida, estaria ansioso de satisfazer seus desejos com uma mulher serviçal. Evie se disse repetidas vezes que lhe dava igual. Sebastian podia jazer com dez mulheres, com cem, com mil, e lhe daria igual. Em caso contrário, seria uma idiota. Sebastian era tão fiel como um gato de ruas que vaga por aí e se cruza com todas as gatas que lhe cruzam. Furiosa mas sob uma aparência estoica, escovou-se e recolheu o cabelo trancado num intrincado coque ante o espelinho que havia sobre o penteadeira. Ao deixar a escova, sua aliança de ouro cintilou e a lenda gravada em gaélico pareceu zombar dela. — Meu amor é teu — sussurrou com amargura, e se tirou o anel. Não tinha sentido levar aliança nessa farsa de matrimônio. Ia deixar o no penteadeira mas o pensou melhor e o meteu no bolso, decidida a lhe pedir ao Cam que o guardasse na caixa forte do clube. Quando ia sair da quarto, alguém bateu na porta. Não podia tratar-se do Sebastian, porque este nunca se tomava a moléstia de chamar. Ao abrir a porta, encontrou-se com os rasgos fortes do Joss Bullard. Embora não podia dizer-se que Bullard caísse mal entre outros empregados, não gozava nem muito


menos da popularidade do Cam. Era uma lástima para o Bullard, já que, como ele e Cam Rohan tinham idades parecidas, estavam acostumados a compará-los. E era injusto comparar à maioria de homens com o atrativo Cam, cujo encanto pícaro e humor mordaz lhe valiam o favor dos empregados e os clientes do clube. Para piorar as coisas, Bullard era um homem arisco, insatisfeito com sua vida e invejoso de todos os que tinham mais que ele. Como lhe custava ser cortês inclusive com ela, Evie o tratava com uma mescla de educação e cautela. Os olhos duros e inexpressivos do Bullard se cravaram nos seus. — Uma visita pergunta por você na entrada de atrás, milady. — Uma visita? — Evie franziu o cenho e lhe fez um nó no estômago. Seus tios teriam averiguado por fim seu paradeiro? A notícia da morte do Jenner, o fechamento temporário do clube v sua presença aí deviam ter deslocado depressa por Londres. — Quem? Que nome lhe deu? — Senhora Hunt, milady. Annabelle. Ouvir o nome de sua querida amiga fez que o coração lhe acelerasse de alívio e ilusão, embora logo que dava crédito a que Annabelle se atreveu a ir a um clube de jogo. — Muito bem — disse. — Por favor, leve a à sala de visitas de meu pai. — Pediu que você baixasse à porta de atrás, milady. — OH. Que estranho. Uma garota com a educação entre algodões de Annabelle não podia querer reunir-se com ela na parte traseira do clube. Preocupada, dirigiu-se depressa ao encontro de Annabelle. Com Bullard lhe pisando os talões, baixou os dois largos lances de escada a toda velocidade sujeitando o corrimão a intervalos. Quando chegou abaixo, o coração lhe palpitava devido à agitação. Abriu a pesada porta... ... e retrocedeu sobressaltada quando, em lugar da figura esbelta de Annabelle Hunt, encontrou-se com a fornida de tio Peregrine. Evie ficou em branco. Dirigiu lhe um olhar assombrado que durou uma fração de segundo e deu um passo atrás, presa do terror. Peregrine tinha estado sempre mais que disposto a usar os punhos para fazê-la obedecer. Não importava que agora fora lady St. Vincent e, portanto, estivesse legalmente fora de seu alcance. Seu tio se vingaria de todas formas, começando por lhe dar uma surra. Evie se voltou para fugir, mas, para seu assombro, Bullard se moveu para lhe impedir o passo. — Paga-me um soberano — se justificou. — É o que ganho num mês. — Não! — exclamou Evie, de uma vez que o empurrava. — Lhe pagarei o que queira, mas não deixe que me apanhe. — Jenner quis que vivesse com seus tios — soltou com desdém o matreiro jovem. — Não a queria aqui. Ninguém a quer. Evie protestou a gritos, mas Bullard a empurrou para seu tio que sorria triunfalmente. — Já está. Tal como me pediram— disse com brutalidade Bullard ao homem que estava detrás de Peregrine e que Evie reconheceu como seu tio Brook. — E agora, me paguem o combinado. Algo incômodo e envergonhado pelo vil transação, Brook lhe entregou o soberano.


Peregrine segurou a Evie com tanta força que a deixou indefesa como um coelho pego pelo cangote. Seu rosto corado mostrava uma enorme raiva. — Não vale nada, sou estúpida! — espetou lhe de uma vez que a sacudia. — Se não fora porque ainda nos serve de algo, desfaria-me de ti como o lixo que é. Quanto tempo acreditava que poderia te esconder de nós? Custará-te muito cara sua rebeldia, prometo lhe isso. — Bullard, detenha-o, por favor — gemeu Evie, que lutava e se retorcia enquanto Peregrine a arrastava para uma carruagem que esperava no meio-fio. — Não! Mas Bullard não moveu um dedo. Limitou-se a observá-lo tudo da soleira com olhar ressentido. Evie não entendia o que tinha feito para que a desprezasse tanto. Por que não havia ninguém que a ajudasse? por que não acudia ninguém a seus gritos? Defendia sua vida a arranhões e cotoveladas, embora o vestido lhe limitava a luta. Estava perdida. — te renda, maldito demônio! — exclamou Peregrine, furioso por sua resistência. Com a extremidade do olho, Evie viu chegar a um menino das quadras e deter-se vacilante. — vá procurar ao Cam! — gritou lhe Evie. Peregrine lhe cobriu a boca e o nariz com a mão mas ela a mordeu com tanta força que a retirou com um alarido enfurecido. — Cam! — chiou de novo, antes de que a silenciassem com um violento bofetão na orelha. Peregrine a empurrou para o Brook, cuja cara magra dava voltas ante seus olhos. — Coloca-a na carruagem — ordenou que Peregrine enquanto se envolvia a mão ensanguentada com um lenço. Evie se revolvia contra Brook, que a empurrava sem olhares para o veículo. Conseguiu lhe dar um golpe de soslaio na noz do Adão, fazendo que se Cambaleasse e a soltasse. Peregrine a segurou rapidamente e a lançou contra o flanco da carruagem. Evie se golpeou a cabeça contra os painéis laqueados e viu um estalo de estrelinhas e uma dor aguda lhe atravessou o crânio. Aturdida, logo que pôde lutar fracamente enquanto a metiam no veículo. Para seu assombro, seu primo Eustace estava esperando dentro, como um filhote de baleia ao que tivessem depositado no assento. Reteve-a contra seu gordurento corpo e lhe rodeou o pescoço com um roliço e forte antebraço. — Já te tenho, maldita bruxa — ofegou. — Rompeu sua promessa de te casar comigo. Mas meus pais me disseram que vou ter sua fortuna, e vão conseguir, não duvide. — Já estou casada — resfolegou Evie, asfixiada na montanha de carne humana que parecia envolvê-la como se um exótico animal marinho a estivesse engolindo. — Isso não importa. Seu matrimônio se anulará. Assim, já vê, seu plano para me chatear não funcionou — assegurou Eustace com tom de menino caprichoso. — Não teria que haver me contrariado desta maneira, sabe? Meu pai disse que poderei fazer o que quiser contigo depois de casados. O que te pareceria uma semana encerrada num armário? Evie não pôde reunir ar suficiente para responder. Eustace a oprimia com seus pesados braços contra seu peito e sua fofa barriga. Enquanto se debatia, os olhos lhe encheram de lágrimas de dor e desespero.


O zumbido que lhe alagava os ouvidos lhe impediu de escutar os gritos e maldições procedentes do exterior. De repente, a porta da carruagem se abriu e alguém apareceu dentro. Evie se retorceu para ver quem era. O pouco ar que ficava abandonou o corpo num tênue soluço ao perceber o conhecido brilho de uma cabeleira dourada. Era Sebastian, mas esta vez nada indiferente nem sereno, a não ser feito uma fúria. Fixou uns olhos coléricos no Eustace, a quem a respiração começou a lhe estralar sob a papada. — Solta-a — ordenou Sebastian com voz rouca de raiva. — Agora mesmo, rato de esgoto, se não querer que te fatie o pescoço. Eustace pareceu advertir que Sebastian morria de vontades de cumprir a ameaça e soltou a Evie, que se arrastou para seu marido enquanto tomava fôlego desesperadamente. — Se... Sebastian — balbuciou. — A.. me ajude, não p... permita que M... levem-me. — Não o farei — lhe assegurou enquanto a rodeava com um braço e lhe aproximava brevemente os lábios ao cabelo para acrescentar: — Tranquila, carinho. Já está a salvo. — A pesar do tom suave, Evie sentiu os tremores de raiva que lhe percorriam o corpo. Sebastian dirigiu um olhar assassino ao Eustace, que tentava deslocar seu corpo de cetáceo para o outro extremo do assento. — A próxima vez que te veja — lhe advertiu com uma serenidade arrepiante— , sejam quais sejam as circunstâncias, matarei-te. Não haverá lei, nem arma, nem o mesmo Deus, que possa impedi-lo. Assim se valorar sua vida, não volte a te cruzar em meu Caminho. Enquanto Eustace se estremecia de medo, Sebastian tirou o Evie do veículo. A moça, que seguia esforçando-se por respirar, aferrou-se a ele e jogou uma olhada ao redor. Ao parecer, Cam tinha sido advertido da briga, pois mantinha a seus dois tios a raia. Brook estava no chão e Peregrine se Cambaleava para trás com uma expressão de surpresa. Evie, Cambaleante uma vez no chão, ocultou a cara no ombro de seu marido. Sebastian estava que jogava fumaça literalmente, já que o ar frio se convertia em vapor ao tocar sua pele acalorada. Submeteu-a a uma inspeção breve mas minuciosa lhe passando as mãos com suavidade pelos braços e lhe escrutinando a cara. — Está bem, Evie? me olhe, carinho. Machucaram lhe? — Não. — Olhou-o aturdida. — Meu tio P... Peregrine é muito forte — sussurrou. — Eu me encarregarei de — lhe assegurou e, ato seguido, chamou o Cam. — Rohan! Veem e te ocupe de minha mulher. O jovem se aproximou de Evie com passos largos e rápidos. Evie dirigiu um olhar inquieto a Sebastian. — Não passa nada — a tranquilizou seu marido sem olhá-la, já que tinha os olhos postos no corpachón de Peregrine. — Vê com o Rohan. Evie se mordeu o lábio, tomou o braço do jovem e permitiu que este a levasse a um lado. — Muito amável de sua parte que nos visite, tio — ironizou Sebastian. — Suponho que veio a nos felicitar, verdade? — Vim para procurar a minha sobrinha — grunhiu Peregrine. — É a prometida de meu filho. Seu


matrimônio ilícito é papel molhado! — É minha esposa — espetou Sebastian. — Farei que anulem o matrimônio — replicou Peregrine. — Isso só seria possível se o matrimônio não se consumou. E lhe asseguro que... — Contamos com um médico que certificará que segue sendo virgem. — Já — exclamou Sebastian com perigosa afabilidade. — Sabe que imagem daria isso de mim? Esforcei-me por cultivar minha fama de sedutor. Que me crucifiquem se permitir que uma falsa declaração de impotência a estrague. — tirou-se a jaqueta e a lançou ao Cam, que a apanhou ao voo. O olhar mortífero do Sebastian não se desviou em nenhum momento dos rasgos lívidos de Peregrine. — Lhe ocorreu que agora mesmo sua sobrinha poderia estar grávida? — Isso teria fácil remédio. Sem compreender de tudo a que se referia seu tio, Evie se aconchegou mais entre os braços protetores do Cam e sentiu como estes se esticavam. — Não se preocupe — lhe sussurrou o jovem enquanto olhava carrancudo a Peregrine. Sebastian se instigou ainda mais para ouvir as palavras de Peregrine, mas se conteve. — Que bonito — disse, e seus olhos pareciam cristal fragmentado. — A mataria antes de deixá-la ir com vocês. Peregrine pareceu perder todo vestígio de autocontrole e arremeteu contra ele com um rugido. — Acabarei contigo se for necessário, filho de puta jactancioso! Evie inspirou fundo quando no último instante Sebastian se aparto agilmente e seu tio passou como um touro enfurecido. — Estúpido — murmurou Cam. — Tinha que lhe haver posto a rasteira. A seguir Sebastian obteve com muita dificuldade bloquear o punho imenso de Peregrine e lhe lançar um violento muito direito à mandíbula. Apesar do forte que foi o golpe, não pareceu afetar muito ao corpulento homem. Horrorizada, Evie presenciou como ambos intercambiavam uma série de murros e golpes rápidos. Embora Sebastian era muito mais ágil, Peregrine conseguiu lhe atirar uns golpes fortíssimos que o fizeram Cambalear para trás. Os empregados do clube começaram a sair e a respirar a Sebastian, enquanto os transeuntes corriam para o inusitado espetáculo. Ao redor dos opositores se formou um círculo de gente que animava e animava. Evie apertou o braço do Rohan. — Cam, faz algo — suplicou. — Não posso. — Sabe brigar. Meu pai sempre disse que... — Não — repôs Cam com gravidade. — Esta briga é dele. Se interviesse agora, pareceria que seu marido não é capaz de tombar a seu tio. — É que não o é! — Evie se estremeceu ao ver como Sebastian se Cambaleava detrás encaixar outra combinação brutal de Peregrine. — Subestima-o — assegurou Cam enquanto Sebastian se recuperava. — Assim, isso. Excelente gancho de


direita. E bom jogo de pés, também. Os homens de seu tamanho não revistam mover-se tão rápido. Deveria tentar... — De repente Sebastian tombou a Peregrine com um súbito muito esquerdo direto à mandíbula. — Bravo! — exclamou Cam. — Tem potência e precisão, só lhe falta um pouco de instrução. Reduzido a uma figura que gemia no chão, Peregrine já não teve forças para levantar-se. Os empregados do clube compreenderam que a briga tinha terminado e se aproximaram do Sebastian para felicitá-lo e lhe aplaudir as costas, surpreendidos da gordura de seu novo patrão. Sebastian recebeu os duvidosos elogios com uma expressão irônica enquanto fiscalizava como carregavam a seu oponente na carruagem. Cam fez que Evie se voltasse para ele. — me diga como começou todo — lhe pediu com urgência. — Agora, antes de que venha seu marido. Evie lhe explicou rapidamente como Bullard a tinha enganado e entregue a seus tios em troca de um soberano. Contou-o tudo misturado, gaguejando, mas Cam o entendeu. — Muito bem — murmurou inexpressivamente. — Eu me ocuparei do Bullard. Você cuida do St. Vincent. Necessitará-te. Os homens ficam do mais bobo depois de uma boa briga. Evie, confundida, sacudiu a cabeça. — Tolo? Como? Não entendo. — Já o entenderá — assegurou o cigano com um brilho divertido nos olhos. Nesse momento Sebastian chegou a seu lado, nada contente de ver o Evie em braços do Cam. — Quero saber que diabos passou — soltou furioso de uma vez que recuperava a sua mulher com mãos possessivas. — Vou duas horas uma tranquila manhã de domingo e, quando volto, encontro-me o maldito clube patas acima... — Ela o explicará — disse Cam, já que alguém tinha captado sua atenção no pátio da quadra. — me Desculpem, tenho que atender um assunto. E sem mais, afastou-se com presteza.


Capítulo 12

Cam encontrou a Joss Bullard junto à quadra. Bullard respirava com dificuldade e tinha os olhos exagerados. Jamais tinham sido amigos. Sua relação tinha sido a de irmãos enfrentados que viviam sob o mesmo teto, com o Jenner como figura paternal. De meninos, tinham jogado e se brigaram juntos. De adultos, tinham trabalhado o um ao lado do outro. Depois das muitas amostras de afeto que Jenner lhe tinha dispensado ao Bullard, Cam não teria esperado uma traição tão baixa. Sentia uma mescla de confusão e raiva, e sacudiu devagar a cabeça enquanto o olhava fixamente. — Não sei por que o fez — começou. — O que acreditava que foste ganhar com isso? — Ganhei um soberano — replicou Bullard. — E valia a pena para livrar-se dessa idiota gaga. — Está louco? — repôs Cam com raiva. — O que te passa? trata-se da filha do Jenner. Não deveria havê-lo feito nem em troca de mil libras! — Ela nunca fez nada pelo Jenner — replicou Bullard com dureza. — E tampouco pelo clube. Mas vem ao final para ver como morre e fica tudo. Maldita seja essa cadela e também o bode de seu marido! Cam o escutou, mas não conseguiu entender o motivo de seu ciúmes. A um cigano custava compreender que alguém sentisse ressentimento por questões materiais. O dinheiro só dava o prazer passageiro de gastá-lo. Na tribo nômade a que Cam tinha pertencido até os doze anos, a ninguém lhe ocorria sequer desejar mais do que necessitava. Um homem só podia levar um traje ou montar um cavalo cada vez. — É a única filha do Jenner — disse. — O que lhe tenha dado ou não, não é nosso assunto. Mas não há nada pior que trair a confiança de alguém que depende de seu amparo. Ajudar a que alguém a leve contra sua vontade... — Voltaria a fazê-lo! — assegurou Bullard, e cuspiu no chão entre ambos. Cam o observou e se precaveu de seu mau aspecto. Estava pálido e tinha os olhos apagados. — Está doente? — perguntou lhe. — Se for assim, diga-me isso Falarei com o St. Vincent por ti. Possivelmente consiga que... — Maldito seja! Estarei melhor sem ti, lixo cigana. Estarei melhor sem nenhum de vós. Aquele ódio violento não deixava lugar a dúvidas. Não tinha acerto. A única dúvida era se levá-lo a clube ou deixar que fugisse. Ao recordar o brilho desumano nos olhos do St. Vincent, Cam pensou que o visconde poderia matar ao Bullard, o que suportaria sofrimento a todo mundo, sobretudo a Evie. Não; seria melhor deixá-lo ir. Com os olhos cravados na cara chupada daquele homem ao que conhecia desde fazia tantos anos, Cam sacudiu a cabeça, perplexo e zangado. Sua gente o chamava perda da alma: a essência de um homem roucava apanhada em algum reino sombrio de outro mundo. Mas como lhe tinha passado ao Bullard? E quando? — Será melhor que te mantenha afastado do clube — murmurou. — Se St. Vincent te vê... — St. Vincent pode apodrecer-se no inferno — grunhiu Bullard, e lhe lançou um golpe rápido.


Cam esquivou o punho e saltou para um lado. Entreabriu os olhos ao ver como o outro se voltava e fugia. O relincho nervoso de um cavalo baio pacote a um pau próximo o distraiu. Pensativo, aproximou-se e acariciou o suave pescoço do animal. Seus anéis de ouro brilharam à luz da tarde. — Era um insensato — disse ao cavalo em voz baixa para tranquilizá-lo. Lhe escapou um suspiro ao pensar em algo mais: Jenner lhe deixou um legado, e eu prometi me certificar de que o recebesse. O que devo fazer agora? Sebastian levou a Evie ao clube, cujo silêncio ressaltava depois do incidente do beco. Evie custou seguir as largas pernadas de seu marido e, para quando chegaram à sala de leitura da planta baixa, ofegava. As prateleiras embutidas de mogno estavam cheios de tomos encadernados em pele. Também havia jornais e revistas dispostos em suportes especiais. Sebastian a fez entrar e fechou a porta atrás deles. — Machucaram lhe? — perguntou com brutalidade. — Não. — Evie tentou conter-se, mas as palavras lhe saíram num arranque de ressentimento: — por que esteve tanto momento fora? Necessitava-te e não estava aqui! — Havia trinta empregados para te proteger. Por que baixou? Deveria haver ficado acima até comprovar quem te chamava. — Bullard me disse que era Annabelle Hunt. E então, quando vi que eram meus tios, Bullard não me deixou voltar a entrar no clube. Empurrou-me para eles. — meu deus — soltou Sebastian com os olhos exagerados. — vou despedaçar a esse verme. — E enquanto tudo isto passava — prosseguiu Evie, colérica— , você estava na Cama com uma prostituta. — Assim que o disse, precaveu-se de que, para ela, este era a essência da questão, mais importante ainda que a traição do Bullard ou a tentativa de seus tios. O que em realidade a indignava era que Sebastian a tivesse enganado tão logo. — Não é assim — replicou ele. — Não me minta — lhe espetou Evie, e a raiva mútua carregava o ar. — Sei que sim. — por que está tão segura? — Porque esteve no local de madame Bradshaw mais de duas horas! — Estava falando de negócios. Falando, Evie! Se não o acredite, dane-se você. Se me tivesse deitado com alguém, garanto-te que estaria muito mais depravado do que estou. Ao ver os olhos do Sebastian, tão duros como um lago gelado, Evie começou a serenar-se. Não ficava mais remedeio que acreditá-lo: era evidente que sua acusação o tinha ofendido. — Tá — murmurou. — Tá? É o único que vais dizer? — Suponho que não deveria ter tirado conclusões precipitadas. Mas conhecendo seu passado, pensei que... Suas más desculpas pareceram acabar com o escasso domínio que conservava Sebastian. — Pois te equivocou! Se por acaso não te deu conta, estou tão ocupado que não tenho um só minuto de descanso em todo o dia. Não tenho tempo para nenhum sexo. E se o tivesse... — deteve-se de repente.


Qualquer parecido com o elegante visconde que ela tinha visto de longe no salão de lorde Westcliff tinha desaparecido. Estava despenteado, machucado e furioso. Respirava com dificuldade. — Se o tivesse... — interrompeu-se de novo, o rosto aceso. Ela viu o instante exato em que perdia o controle. Alarmada, tentou dirigir-se para a porta, mas à ponto ele a segurou e imobilizou contra a parede. O aroma de linho úmido de suor e a homem excitado alagou as fossas nasais de Evie. Sebastian lhe apoiou os lábios na têmpora. O coração de sua mulher se saltou um batimento do coração. Outro instante de quietude. Evie sentiu o excitante roce de sua língua em uma sobrancelha. E a respiração sobre esse ponto molhado lhe provocou calafrios. Sebastian lhe aproximou a boca à orelha e seguiu seus intrincados contornos. Os sussurros do Sebastian pareceram lhe chegar dos cantos mais escuros de sua própria mente. — Se o tivesse, Evie, já teria arrancado a roupa com as mãos e os dentes. Já teria te deitado no tapete, teria pego seus peitos para lambê-los e beijá-los até te deixar os mamilos eretos, e então os morderia com suavidade... Evie se sentiu desvanecer enquanto ele seguia murmurando Com voz rouca. — Beijaria-te o corpo até as coxas, centímetro a centímetro. E quando chegasse ao pêlo avermelhado, lamberia-te cada vez mais fundo, até encontrar a pérola de seus clitóris, onde deixaria a língua até que o sentisse palpitar. Rodearia-o, acariciaria-o, lamberia-o até te ouvir suplicar. E então te chuparia, tão suave e meigamente que começaria a gritar de desejo. Introduziria a língua em sua vagina e te saborearia, comeria-te. Não me deteria até que todo seu corpo estivesse empapado e tremente. E quando te tivesse torturado o bastante, separaria-te as pernas, penetraria-te e te amaria... amaria-te... Sebastian se deteve e ambos permaneceram imóveis, excitados e ofegantes. — Está molhada, verdade? — perguntou por fim com voz quase inaudível. Se tivesse sido fisicamente possível ruborizar-se mais, Evie o teria feito. O pudor vulnerado lhe abrasou a pele. Moveu a cabeça levemente para assentir. — Desejo-te mais que a nada neste mundo — murmurou Sebastian antes de inspirar entrecortadamente. — me Diga o que devo fazer para te ter. me diga como posso conseguir que durma comigo. Evie o empurrou em vão, incapaz de escapar daquele corpo estimulante. — Não o conseguirá — sussurrou. — Porque o que queria é quão único não poderia me dar: que fosse fiel. — Poderia — respondeu ele com muita rapidez. Cheirava a falsidade. — Não acredito — sussurrou Evie. O lhe agarrou a cara entre as mãos e lhe acariciou as bochechas com os polegares, as bocas quase tocando-se. — Evie, não poderei cumprir nosso acordo. Não posso viver contigo, verte todos os dias, e não te ter. Não posso... Notou que sua esposa tremia e agachou a cabeça para lhe beijar o pescoço. Ela reagiu ao calor persuasivo


de seus lábios, e ao contato de seus dedos, que lhe acariciavam os peitos. Para ouvir seu gemido apagado, ele a beijou apaixonadamente. Ela voltou a cabeça quase por inércia, com um formigamento de prazer nos lábios. — Não, Sebastian... Lhe passou a bochecha pelos cabelos, e de repente soltou uma gargalhada suave e irônica. — Terá que pensar em uma forma de solucionar isto, Evie. Pensa em algo depressa porque se não... — deteve-se para lhe mordiscar a orelha. — Se não, vou a fuderte até te deixar sem sentido. — Essa palavra não... — indignou-se ela com os olhos exagerados, mas ele a sossegou com um beijo. Sebastian retrocedeu e a observou com uma exasperação divertida. — Você não gosta da palavra em si, ou o sentimento que expressa? Evie se escorreu entre seu corpo e a parede. — Eu não gosto que só me deseje porque não pode me ter — lhe disse. — Não quero ser uma novidade... — Essa não é a única razão — repôs ele com rapidez. Lhe lançou um olhar cético. — Além disso, nunca serei p... parte de um harém de mulheres às que visitas ao azar. De repente, Sebastian desviou o olhar, como meio doido num ponto vital. Evie esperou a que ele aceitasse a verdade de suas palavras. Seu marido elevou devagar os olhos e os fixou nos seus. — Tudo bem— disse com voz rouca. — Aceito suas condições. Serei... monógamo. — Custou lhe pronunciar esta palavra, como se pertencesse a outro idioma. — Não acredito. — Porra, Evie! Sabe quantas mulheres tentaram me arrancar esta promessa? E agora, a primeira vez que estou disposto a fazê-la, não me acredite. Admito que tenho um histórico agitado... — Promíscuo — o corrigiu ela. — Ok, promíscuo, libertino, como prefere — soltou ele com um bufo de impaciência. — Me passei isso muito bem, e não vou pedir perdão por isso. Jamais me deitei com uma mulher que não o desejasse. Nem, que eu saiba, deixei a nenhuma insatisfeita. — Não é isso — comentou Evie, carrancuda. — Não te culpo por seu passado nem tentou te castigar por ele. — Não fez caso de seu bufo cético e prosseguiu: — Mas tem que admitir que não te faz especialmente idôneo para a fidelidade, não acredite? — O que quer de mim? O que me desculpe por ser homem? Um voto de celibato até que tenha decidido que mereço seus favores? Pergunta-a surpreendeu a Evie. As mulheres estavam acostumadas entregar-se com facilidade a Sebastian. Se o fazia esperar, perderia o interesse por ela? Ou possivelmente poderiam chegar a conhecer-se e compreender-se de um modo distinto? Poderia chegar ele a valorá-la por aspectos além dos carnais? Queria ser para ele algo mais que alguém com quem compartilhar a Cama. — Sebastian — perguntou com prudência— , alguma vez tem feito algum sacrifício por uma mulher? O apoiou um ombro contra a parede com aspecto de anjo triste. — Que classe de sacrifício?


— Qualquer. — Pois... não. — Qual é o período mais comprido que estiveste sem... sem... — procurou uma expressão aceitável— sem fazer o amor? — Eu não o chamo assim— soltou Sebastian. — O amor não tem nada que ver nisso. — Quanto tempo? — insistiu. — Um mês, possivelmente. — Muito bem — disse Evie detrás refletir um instante— , a não ser tem relações com nenhuma mulher em seis meses, deitarei-me contigo. — Seis meses? — exclamou Sebastian abrindo uns olhos como pratos. — carinho, o que te faz pensar que vale meio ano de celibato? — Talvez não o valha. Você tem a resposta. A Sebastian teria encantado lhe informar de que não o valia. Entretanto, enquanto a repassava com o olhar, Evie viu o inconfundível brilho da luxúria em seus olhos. Desejava-a com loucura. — Impossível — sentenciou. — Porquê? — Porque sou Sebastian, lorde St. Vincent. Não posso ser celibatário. Todo mundo sabe. Era tão arrogante e estava tão indignado, que Evie teve que morder o lábio para evitar rir. Finalmente, conseguiu falar com calma. — Seguro que não te passaria nada se o provasse. — É claro que sim. — a contradisse, e tratou de explicar -É muito inexperiente para entendê-lo, mas alguns homens possuem um apetite sexual maior que outros. Resulta que eu sou um deles. Não posso passar largos períodos de tempo sem... — interrompeu-se com impaciência ao ver sua expressão. — Maldita seja, Evie, não é são que um homem não libere regularmente sua semente. — Três meses — cedeu ela. — E é minha última oferta. — Não! — Pois vai buscar outra mulher — repôs Evie com tom inexpressivo. — Desejo a ti. Somente a ti. Vai saber por que. — Sebastian a fulminou com o olhar, com os olhos como fendas brilhantes. — Deveria te forçar. Não tem direito legal a me rechaçar. Evie deu um tombo o coração e empalideceu. Mas não ia ceder. Algo em seu interior a compelia a lhe fazer frente como a um igual. — Adiante, pois — o desafiou com serenidade. — me force. Viu a piscada de surpresa de seu marido, o movimento de sua garganta ao tragar saliva, e então soube. — Não pode. Jamais teria violado a Lillian. Era só uma isca. É incapaz de forçar a uma mulher — sentenciou com um sorriso, assombrada de seu descobrimento. — Lillian não correu o menor perigo, verdade? Não é o patife que finge ser, Sebastian St. Vincent. — Sim que o sou! — Segurou-a e a beijou com raiva.


Mas Evie não resistiu. Fechou os olhos e o deixou fazer. Pouco depois, Sebastian gemia e a beijava com uma excitante paixão cheia de ternura. Quando Sebastian por fim apartou a cabeça, ambos estavam tremendo. — Evie... — grasnou. — Não me peça isto. — Três meses — insistiu ela. — Se o conseguir, vou deitar-me co... contigo sempre que o deseje. — Durante quanto tempo? — Todo o tempo de vida que nos conceda o Senhor. Mas se não o obtém... — deteve-se para pensar a pior consequência possível, algo que o revoltasse profundamente. — Se não o obtiver, vai ver seu antigo amigo lorde Westcliff para te desculpar por raptar a Lillian Bowman. — Merda! — Esse é meu preço. — Muito alto. Eu jamais me desculpo. — Pois então rechaça meu desafio. Ou se o aceita, te esmere por consegui-lo. — Como saberá que não faço armadilha? — Saberei. Houve um comprido momento de silêncio. — Onde está sua aliança? — perguntou de repente Sebastian. O sorriso de Evie se desvaneceu. — Me tirei — resmungou isso sem mais explicações, já que lhe dava vergonha admitir que o tinha feito por despeito. — O que fez com ela? — Eu... Está aqui— disse, e rebuscou desajeitadamente no bolso. — Voltarei a me pôr isso se quiser. — Me dê isso — Aceito a aposta — disse com gravidade. — vou ganha-la. E daqui a três meses, voltarei a te pôr esta aliança no dedo, levarei-te a Cama e te farei coisas proibidas no mundo civilizado. Evie supôs que queria tirar lhe para sempre e fechou com força a mão. De repente, descobriu que lhe tinha tomado muito apego ao maldito anel. Mesmo assim, o orgulho lhe impediu de lhe pedir que a deixasse conservá-lo. A contra gosto, tirou-se a aliança de ouro do bolso e tocou com a ponta do dedo por última vez aquelas palavras gravadas: Tha Gad Agam Ort... Sebastian tomou o anel e tentou colocá-lo, mas como tinha as mãos muito maiores, só lhe cabia na ponta do dedo mindinho. Então lhe segurou o queixo e a olhou com dureza. — Aceito a aposta — disse com gravidade. — vou ganhá-la. E daqui a três meses, voltarei a te pôr esta aliança no dedo, levarei-te a Cama e te farei coisas proibidas no mundo civilizado. A determinação de Evie não a protegeu do alarme que qualquer mulher tivesse sentido ante uma afirmação tão inquietante. E tampouco impediu que os joelhos lhe falhassem quando ele a atraiu bruscamente para beijá-la. Levou as mãos para a cabeça de seu marido com um movimento tremente. Era impossível resistir a textura de seu cabelo, os cachos tão frescos e densos na superfície, e tão quentes e úmidos na raiz. Deslizou os dedos entre aqueles reluzentes cabelos dourados e o atraiu mais para ela, gozando com a pressão ardorosa de seus lábios.


Suas línguas se encontraram, deslizaram-se, roçaram-se, e com cada carícia Evie notou uma quebra de onda de calor na virilha. Não, num lugar mais profundo ainda: em sua vagina tensa e úmida. Assombrou-a precaver-se do muito que desejava voltar ao ter aí. Quando se separaram, a frustração se apoderou de ambos. — Não disse que não pudesse te beijar — comentou Sebastian com olhos ardorosos. — vou beijar te tudo o que queira e tão frequentemente como quero, e você não pigarreará. É a concessão que fará em troca de meu celibato. Maldita seja. Sem lhe dar tempo a aceitar ou negar-se, soltou-a e se dirigiu rapidamente para a porta. — E agora, se me desculpa — acrescentou da soleira— , tenho que ir matar ao Joss Bullard.


Capítulo 13

Sebastian se encontrou com o Cam no corredor, diante da sala de leitura. — Onde está? — perguntou. — foi-se — respondeu o romani com cara inexpressiva. — Não consegui apanhá-lo. — por que não o perseguiu? — Uma fúria devastadora cintilou nos olhos do Sebastian. Cam, que tinha estado exposto ao caráter explosivo do Ivo Jenner durante anos, não se alterou. — Era desnecessário, no meu entender. Não voltará. — Não te pago para que atue segundo seu julgamento. Pago-te para que atue segundo o meu. Deveria havê-lo miserável até aqui pelo pescoço e deixar que eu decidisse o que fazer com esse bode. Cam permaneceu calado e dirigiu um olhar rápido e sutil a Evie, que se sentiu aliviada pelo giro que tinham dado as coisas. Ambos eram conscientes de que se Cam tivesse levado ao Bullard de volta ao clube, Sebastian o teria estrangulado, e o último que queria Evie era que seu marido fosse acusado de assassinato. — Quero encontrá-lo — disse Sebastian enquanto se passeava como uma fera enjaulada. — Empreitada a dois homens para que o busquem dia e noite. Juro que servirá de exemplo para qualquer que pense sequer em lhe levantar um dedo a minha esposa. Me traga uma lista de nomes antes de uma hora. Os melhores detetives privados disponíveis. Não quero a nenhum idiota desse novo corpo de polícia que o danifique tudo como sempre. Venha, te mova. Embora sem dúvida Cam tênia sua opinião sobre o assunto, a guardou para o. — Muito bem, Milorde. — disse, e parto. — Não tem por que desafogar sua raiva no Cam — disse Evie para acalmar a seu furioso marido enquanto retornavam à sala de leitura. — O… — Não te ocorra tentar defendê-lo-a interrompeu Sebastian. — Você e eu sabemos que teria apanhado a esse rato de esgoto se tivesse querido. E que me crucifiquem se tolerar que lhe chame por seu nome de pilha; não é seu irmão, e tampouco um amigo. É um empregado, e a partir de agora referirá ao como senhor Rohan. — É meu amigo — replico Evie, indignada. — Faz anos que o é! — As mulheres casadas não têm amizade com jovens solteiros. — Como te atreve a insultar minha honra insinuando que…? — A multidão de protestos que se amontoaram em seu interior a confundiram. — Não tenho feito na… nada para merecer semelhante falta de confiança. — Confio em ti. De quem suspeito é de todos outros. Evie franziu o cenho, já que imaginou que se estava zombando dela. — Falas como se me perseguisse uma matilha de homens. Mas no Stony Cross Park os homens se desviavam de seu Caminho para evitar encontrar-se comigo, e você foi um deles. A acusação, embora certa, pareceu surpreender ao Sebastian. Lhe esticou o rosto e a olhou com um


silêncio glacial. — Não o punha nada fácil para que alguém te aproximasse— soltou acontecido um instante. — A vaidade de um homem é mais frágil do que imagina. Confundimos com facilidade o acanhamento com a frieza, e o silêncio com a indiferença. Poderia te haver esforçado um pouco, sabe? Um breve encontro, um sorriso teu… Era todo o estímulo que teria necessitado para me equilibrar sobre ti como um urogallo sobre o louro. Evie jamais o tinha te planejado este modo. A caso ela era em parte responsável por seu escasso êxito com os homens? — Suponho que poderia me esforçar um pouco por superar o acanhamento— admitiu. — Faz o que queira. Mas quando estiver com o Rohan ou qualquer outro homem, será melhor que tenha presente que me pertence por completo. — Mas bom…— se surpreendeu Evie detrás interpretar o comentário. — será possível que esteja ciumento? Os rasgos do Sebastian refletiram raiva mesclada com perplexidade. — Sim— admitiu com Isso brutalidade parece. E depois de um olhar de advertência, saiu da quarto. O funeral se celebrou a manhã seguinte. Sebastian tinha acertado nos preparativos, conseguindo equilibrar uma austera dignidade com uma ligeira pompa. Era a classe de cortejo que tinha encantado ao Ivo Jenner, tão numerosos que ocupou toda a largura do St. James. Havia uma limusine fúnebre negra e dourada, tirada por quatro cavalos, e duas carruagens para a comitiva, tirados também por quatro cavalos, com as bridas adornadas com penugens de avestruz tintas. O bonito ataúde de carvalho, adornado com pregos de latão e uma placa reluzente com uma inscrição, estava forrado de chumbo e soldado para frustrar aos profanadores de tumbas, uma marca habitual nos cemitérios londrinos. Antes de que fechassem a tampa, Evie tinha visto um dos anéis de ouro do Cam no dedo de seu pai; um presente de despedida que a tinha emocionado. Quão mesmo quando tinha visto o Sebastian lhe arrumar o cabelo ao finado com um pente quando pensou que ninguém o olhava. Fazia muito frio e o vento transpassava a grosa capa de lã de Evie em seu percurso a lombos de um cavalo cujas rédeas sujeitava Sebastian, que Caminhava a seu lado. Duas dúzias de homens que faziam as vezes de pajens e choferes fechavam o cortejo principal, e seu fôlego formava baforadas de bafo. Foram seguidos de uma grande quantidade de enfermos, uma curiosa mescla de pessoas enriquecidas, comerciantes, cavalheiros ostentosos e patifes declarados. Havia tanto amigos como inimigos. Mas dava igual a ocupação ou a disposição de alguém, terei que respeitar a tradição do duelo. Esperava-se que Evie não assistisse ao funeral, já que se considerava que a natureza de uma dama era muito delicada para suportar uma realidade tão dura. Mas ela tinha insistido em participar. Encontrava consolo no ritual. Sebastian se havia oposto até que Cam tinha intervindo. — Terá que liberar o Jenner das cadeias da dor de sua filha — havia dito a Sebastian quando a discussão subia de tom. — Os romanis acreditam que se alguém chorar muito a morte de um ser querido, o defunto se vê obrigado a voltar para consolar ao aflito. Se assistir ao funeral lhe permite deixá-lo partir... — E se encolheu de ombros prosaicamente.


Sebastian o fulminou com o olhar. — Fantasmas outra vez — resmungou com aborrecimento, mas não voltou a mencionar o tema. Como tinha chorado até ficar sem lágrimas, Evie conseguiu seguir estoicamente o funeral, inclusive quando começaram a jogar terra sobre o ataúde já depositado na fossa. Entretanto, umas lágrimas lhe escorregaram pelas bochechas quando esteve totalmente abafado. Nesse momento Cam se adiantou com uma cigarreira chapeada e, segundo a tradição romani, verteu solenemente um pouquinho de brandy sobre a tumba. O gesto zangou ao ancião pastor, que repreendeu ao Cam. — Detenha-se! Não queremos nenhuma de seus costumes pagãos! Manchar um lugar santo com álcool barato... — Pai — o interrompeu Sebastian lhe pondo uma mão no ombro— , não acredito que a nosso amigo Jenner tivesse importado. — Deixou que um sorriso conspirador lhe ilumina-a o rosto antes de acrescentar: — É conhaque francês, e de uma colheita excelente. Possivelmente poderia lhe enviar umas garrafas a sua residência para degustá-lo.... O encanto do visconde acalmou ao pastor, que lhe devolveu o sorriso. — Muito amável, Milorde. Obrigado — disse. Embora a maioria de enfermos já se foi, ainda ficavam umas quantas pessoas pulverizadas pelo cemitério. Enquanto Sebastian falava com o pastor e Cam terminava o ritual do brandy, Evie percorreu com o olhar as fachadas das lojas, as casas e a fábrica que rodeavam a praça. A cara de um homem de pé junto a uma luz ao outro lado da praça captou sua atenção. Ia vestido com uma jaqueta escura e uma boina cinza, e não o reconheceu até que esboçou um sorriso. Era Joss Bullard. Ao parecer, tinha querido apresentar seus respeitos ao Ivo Jenner, embora de longe. Entretanto, não parecia um homem triste, mas sim tinha um aspecto malévolo, com uma careta de maldade. Sem deixar de olhá-la, passou-se um dedo pelo pescoço num gesto que a Evie fez dar um involuntário passo atrás. Sebastian o advertiu e se voltou para sujeitá-la pelos ombros com as mãos enluvadas. — Evie — murmurou, olhando-a com preocupação. — Está bem? Ela assentiu com a cabeça e dirigiu de novo o olhar para a luz. Bullard já não estava. — Só tenho algo de frio — respondeu, e os dentes lhe tocaram castanholas quando um golpe de vento lhe tirou o capuz da cabeça. Sebastian voltou a colocar lhe e lhe rodeou mais a capa. — Levarei-te a clube — disse. — Darei umas moedas aos pajens e choferes e vamos. Tirou uma bolsinha de pele do sobretudo e se dirigiu para o grupo de homens que esperava respeitosamente perto da tumba. Ao captar o olhar de ansiedade de Evie, Cam se aproximou. — Acabo de ver Bullard — informou ela em voz baixa. — Aí, junto à luz. O jovem romani pareceu surpreender-se, e assentiu em silêncio.


Não tiveram ocasião de falar mais, pois Sebastian retornou e rodeou os ombros de Evie. — A carruagem está esperando — anunciou. — Não era necessário que ordenasse uma carruagem — protestou ela. — Poderia ter ido andando. — pedi que preparem o esquenta-pé — repôs ele. E ao Cam: — Veem na carruagem conosco. — Obrigado, mas prefiro Caminhar. — Veremo-nos no clube então. — Muito bem, Milorde. Enquanto se dirigiam para o carro, Evie se obrigou a não voltar-se para olhar ao Cam. Conseguiria encontrar ao Bullard, e o que passaria se o fazia? Pisou no degrau para subir ao veículo e, uma vez em seu interior, apressou-se a arrumar o vestido sobre o esquenta-pé e se estremeceu de agrado quando o calor lhe subiu para os joelhos. Sebastian se sentou a seu lado e lhe sorriu levemente. Recordou sua disparatada viagem a Gretna Green e lhe pareceu que tinha passado uma eternidade. Se aconchegou contra seu marido, que não tentou apartá-la. — aguentaste bastante bem — comentou ele quando a carruagem arrancou. — foi o cortejo fúnebre mais elaborado que vi. A papai teria encantado. Sebastian soprou, divertido. — Decidi pecar por excesso, com a esperança de que lhe teria gostado de — explicou, e acrescentou: — amanhã farei que esvaziem os aposentos de seu pai. Do contrário, nunca nos liberaremos do aroma de enfermidade. — Boa ideia. — O clube reabrirá suas portas a semana que vem. Para então deveria estar comodamente instalada em minha casa da cidade. — Como? — Surpreendida, Evie se incorporou para olhá-lo. — a do Mayfair? — Está bem equipada e dotada de pessoal eficiente. Se você não gostar, encontraremos outra coisa. Mas até então terá que ficar aí. — Pensa viver comigo? — Não. Seguirei no clube. Assim me será mais cômodo dirigi-lo tudo. Evie se esforçou por desentranhar sua aparente indiferença. Qual era a razão dessa repentina frieza? Não lhe tinha causado nenhum problema, tinha lhe pedido poucas coisas, inclusive em sua dor. Desconcertada e zangada, olhou-se as mãos e entrelaçou os dedos enluvados. — Quero ficar — afirmou em voz baixa. — Não há nenhuma razão para isso — replicou Sebastian de uma vez que sacudia a cabeça. — Não é necessária. Será melhor para todos que viva num lar como Deus manda, onde possa receber a suas amigas e de noite não despertem as atividades da planta baixa. — Durmo profundamente. Isso não me incomoda. E posso receber a minhas amigas no clube. — Não abertamente. Dava igual a tivesse razão. Evie guardou silêncio enquanto as palavras não é necessária lhe retumbavam desagradavelmente na cabeça.


— Quero que viva num entorno seguro e respeitável — prosseguiu Sebastian. — O clube não é lugar para uma dama. — Não sou nenhuma dama — objetou Evie, e tentou adotar um tom irônico. — Sou a filha de um jogador e a mulher de um libertino. — Razão de mais para te afastar de minha influência. — De todos os modos, não irei. Talvez poderíamos discuti-lo ao chegar à primavera, mas até então... — Evie — disse Sebastian em voz baixa. — Não te estou dando a escolher. Ficou rígida e se separou dele. Nenhuma quarto inteira cheia de esquenta-pé teria acabado frio que lhe percorria as veias. Procurou ansiosamente argumentos para dissuadi-lo, mas ele tinha razão, não havia nenhum motivo para que ficasse no clube. Lhe fez um nó na garganta e pensou que já deveria estar acostumada a que não a quisessem, a estar sozinha. Por que lhe seguia doendo? OH, como gostaria de ser como Sebastian e ter uma capa de gelo protetor ao redor do coração! — E nosso trato? — perguntou cabisbaixa. — vais ignorar o O...? — Disso nada. Vou levar uma vida de monge até que chegue o momento de cobrar meu prêmio. Inclusive me resultará mais fácil resistir à tentação se não te tiver perto. — Talvez sou eu quem não resiste à tentação — murmurou Evie. — Possivelmente encontre um cavalheiro complacente que me faça companhia. Não te importaria, verdade? Até que as palavras lhe saíram dos lábios, jamais se teria acreditado capaz de dizer algo assim. Entretanto, em meio de seu desespero sentia um impulso irresistível de machucá-lo e fazê-lo raiva r. Mas não o obteve. Depois de um breve silêncio, ouviu sua resposta aveludada. — Absolutamente, encanto. Seria egoísta por minha parte te negar semelhante diversão em suas horas de ócio. Faz o que queira, sempre e quando estiver disponível quando eu te necessite. Detrás das ruas de moda e dos lugares respeitáveis das zonas enriquecidas de Londres, havia um mundo oculto de becos e edifícios ruinosos, onde a gente vivia em uma miséria atroz. O crime e a prostituição eram as únicas formas de sobrevivência nessas zonas. O ar estava carregado de aroma de desperdícios e águas residuais, e os edifícios estavam tão apertados que em alguns pontos um homem só podia passar entre eles andando de lado. Cam se aventurou nesse complexo labirinto de ruas, consciente dos múltiplos perigos e armadilhas que esperavam ao visitante despreparado. Entrou num pátio através de um Caminho arvoredo de uns trinta metros de comprimento e três de largura. Estava talher de estruturas altas de madeira, cujos contrafortes superiores tampavam o céu invernal. Os edifícios eram albergues ou casas de beneficência onde os indigentes, amontoados, dormiam amontoados como os cadáveres de uma fossa comum. Uns retalhos de tecido pútrido pendiam dos contrafortes. Os ratos percorriam as paredes e desapareciam nas gretas dos alicerces. O pátio estava vazio salvo por um par de garotas sentadas em uma soleira, e vários meninos esquálidos que procuravam trastes, ossos ou farrapos. Depois de dirigir um olhar receoso ao Cam, os meninos desapareceram pelo fundo do pátio. Uma das jovens prostitutas de cabelo encaracolado sorriu, deixando ao descoberto uma dentadura


irregular. — O que faz um moço tão atrativo como você no Angman's Court? — Estou procurando um homem moreno, assim de alto. — Cam fez um gesto para indicar um metro setenta. — Passou por aqui faz um momento? As garotas riram. — Olhe o que quer — exclamou uma delas com regozijo. — É um estranho — disse a outra. — Vamos, carinho, não necessita a nenhum homem quando poderia estar com o Lushing Lou. — Se baixou a blusa para mostrar um tórax esquelético e uns peitos escassos e cansados. — Veem mover a Cama comigo. Seguro que o faz muito bem, verdade? Cam se tirou uma moeda de prata do bolso. — me diga por onde se foi — pediu enquanto as moças olhavam a moeda com avidez. — Direi lhe isso por outra moeda — disse uma. — Tem uns olhos preciosos. Nunca estive com um menino que... Uma gargalhada áspera retumbou no pátio e se ouviu a voz zombadora do Joss Bullard. — Não me encontrará, cigano asqueroso! Cam se voltou e escrutinou os edifícios, onde apareciam várias caras manchadas de fuligem pelas portas e janelas, e por cima dos telhados sem telhas. Nenhuma delas era reconhecível. — Bullard — disse com cautela, girando o corpo à medida que percorria a cena com o olhar. — O que quer da filha do Jenner?-ouviu-se outra gargalhada desagradável, ao parecer de outra direção esta vez. Cam avançou pelo pátio, incapaz de discernir onde estava Bullard. — quero das conta disso. — Que o diabo leve essa putinha! — Por quê? — Porque essa sanguessuga me tirou isso tudo. Quero vê-la morta. Lançarei-a aos ratos para que só deixem os ossos. — Por quê? — insistiu Cam, atônito. — Me pediu que te ajude, Joss, em que apesar a sua traição. Quer te entregar o legado que te deixou seu pai para que tenha dinheiro e... — Que o diabo se leve a essa putinha! Cam sacudiu a cabeça, incapaz de entender de onde saía tanto ressentimento. Para ouvir um roce detrás dele, agachou-se justo para que um pau arrojado violentamente passasse pelo lugar que tinha ocupado sua cabeça. O agressor não era Bullard, a não ser um homem que rebuscava nos lixos e que tinha decidido provar sorte como ladrão de becos. Tinha o característico aspecto jovem e velho de uma vez de alguém que viveu na rua sempre. Cam o derrubou com um par de murros que deram com ele por terra. Uns quantos homens mais apareceram no outro lado do pátio, ao parecer decididos a atacar em grupo. Em clara desvantagem numérica, Cam retrocedeu para a passagem arvorejado, seguido pela voz do Bullard. — Acabarei com ela! Farei-o! — Jamais a tocará! — replicou Cam com cólera impotente enquanto dirigia um último olhar ao Hangman's Court. — Te mandarei ao inferno antes de que consiga lhe pôr um dedo em cima!


— Pois você me acompanhará! — desfrutou-se Bullard, e voltou a rir quando Cam já se afastava. Mais tarde, Cam procurou o Evie. Sebastian estava atarefado com os carpinteiros encarregados de reparar as colunas da sala de jantar principal. Encontrou-a na sala de jogo vazia, revisando fichas e as separando em montões. Aproximou-se dela sem fazer ruído. Evie se sobressaltou levemente quando lhe tocou o ombro, e sorriu aliviada ao ver que era ele. Era estranho que Cam parecesse preocupado, pois não era nada dado à angústia ou a ansiedade. Entretanto, os acontecimentos do dia tinham deixado seu rastro e lhe tinham irradiado uma visível tensão. — Não consegui apanhá-lo-se lamentou em voz baixa. — Se ocultou num edifício dos bairros baixos e me falou das sombras. Nada do que disse tinha sentido. Guarda-te muito rancor, gadji, embora não entendo por que. Nunca foi um homem afável, mas isto é distinto. É uma espécie de loucura. Tenho que contar lhe ao St. Vincent. — Não o faça, por favor. Só serviria para pô-lo furioso. Já tem muitos coisas entre mãos neste momento. — Mas se Bullard tratar de te machucar... — Aqui estou segura, não? Não se atreverá a vir ao clube. — Há Caminhos secretos para entrar no edifício. — Pois fecha-os. Pode, não? Cam enrugou o sobrecenho. — A maioria. Mas não é questão de ir acima e abaixo com meu jogo de chaves... — Compreendo. Faz o que possa. — Passou os dedos por um montão de fichas desprezadas e acrescentou com ar taciturno: — Em realidade não importa, porque irei logo. Meu marido quer que me instale em sua casa daqui a quinze dias. Acredita que não devo viver no clube agora que meu pai... — A voz lhe apagou com desconsolo. — Pode que tenha razão — disse Cam num tom habilmente desprovido de pena. — Não é o lugar mais seguro para ti. — Não o faz por minha segurança. — Fez girar uma ficha negra como uma peonza no toalha de mesa verde. — O faz para que guardemos as distâncias. O leve sorriso que apareceu nos lábios do Cam a frustrou e a animou de uma vez. — Paciência — lhe aconselhou Cam. E a deixou observando como a ficha girava até que lhe acabava o impulso.


Capítulo 14

Evie se alegrou da atividade constante que houve no clube os seguintes quinze dias, já que lhe permitiu distrair-se de sua dor. Quando disse ao Sebastian que queria ser útil, ele a enviou ao escritório a organizar e classificar a correspondência e os documentos de contabilidade. Também teve que fiscalizar aos pintores, decoradores, carpinteiros e pedreiros em suas distintas tarefas, uma responsabilidade que a teria apavorado pouco tempo atrás. Falar com tantos desconhecidos lhe supôs um esforço lhe angustiem ao princípio, e se passou uns dias tentando controlar sua gagueira. Entretanto, quanto mais frequentemente o fazia, mais fácil lhe resultava. Ajudou-a que os trabalhadores a escutassem com um respeito que ninguém antes lhe tinha mostrado. O primeiro que fez Sebastian depois do funeral do Ivo Jenner foi consertar uma reunião com o chefe de polícia para comentar o recente endurecimento da legislação sobre o jogo. Com encanto e persuasão, argumentou que o Jenner's era um clube social e não unicamente um clube de jogo. Portanto, devia ficar isento das jogadas a rede policiais, já que seus membros eram, como Sebastian afirmou com solenidade, homens de notável integridade. Convencido por sua engenhosa lógica, o chefe de polícia prometeu que não teria jogadas a rede no Jenner's sempre e quando mantivera uma aparência de respeitabilidade. — Estou começando a acreditar em sua capacidade de persuadir a qualquer de fazer quase algo — lhe comentou Cam Rohan com admiração ao inteirar-se de seu êxito. — Parece-me que lady St. Vincent é prova disso — comentou Sebastian sorrindo lhe a Evie, sentada perto dele. Sebastian e Cam pareciam ter estabelecido uma aliança provisória a efeitos de recuperar o bom funcionamento do clube. Suas relações não eram o que se diz amistosas, mas tampouco hostis. Cam tinha tomado nota da capacidade de liderança do Sebastian, que resultou providencial os dias posteriores ao falecimento do Ivo Jenner. Sebastian, por sua parte, tinha abandonado seu ar de indolência aristocrática e assumido a dava rección do clube com determinação e autoridade. Como cabia esperar, Sebastian era a classe de homem que os empregados do clube desprezavam e, ao princípio, consideraram-no um mais dos pardais ou frangos que foram ao clube. Acreditavam que era um aristocrata mimado e autocomplacente que não tinha ideia de trabalhar. Era provável que todos supor, como Evie fazia, que Sebastian se cansaria logo da responsabilidade de dirigir o local. Entretanto, ninguém se atreveu a desafiá-lo quando foi evidente que me despediria de qualquer que não obedecesse suas ordens. Mostra-a mais efetiva de sua autoridade foi a forma em que tinha jogado sumariamente ao Clive Egan. Além disso, não podia negá-la entrega sincera do Sebastian. Interessava-se por tudo, da cozinha até os custos recortados da sala de jogos. Como ainda tinha muito que aprender de seu funcionamento, propôs-se compreender as matemática do jogo. Evie se aproximou uma noite à sala de jogos e encontrou ali a Sebastian e Cam na mesa central enquanto este último lhe explicava como efetuar o cálculo de probabilidades.


— Só há trinta e seis combinações possíveis de dois jogo de dados, e cada dado tem seis caras. Quando se lançam dois jogo de dados de uma vez, a combinação resultante recebe o nome de probabilidade acumulada, e as probabilidades de que saia são de trinta e cinco a um. — deteve-se e dirigiu um olhar inquisitivo a Sebastian. — Continua — pediu este. — Como qualquer jogador sabe, a soma das duas caras de barriga para cima se chama ponto. Dois uns somam um ponto de dois. Dois e seis somam um ponto de doze. Mas as probabilidades de tirar um número concreto variam, já que só há uma forma de obter um dois, mas há seis formas de obter um ponto de sete. — Sete é um número natural — murmurou Sebastian com cenho de concentração. — E como o maior número de combinações dará um natural, a probabilidade de tirar um sete em uma tiragem é de... — De dezesseis por cento — apontou Cam de uma vez que recolhia os jogo de dados. Seus anéis de ouro captaram a luz quando fez a tiragem para o outro lado da mesa. Depois de ricochetear no bordo negro, os jogo de dados de marfim se detiveram no toalha de mesa verde. As duas caras mostravam um seis. — Por outro lado, a probabilidade de tirar um doze é só do duas vírgula sete por cento. E, é obvio, quantas mais vezes lanças os jogo de dados, mais aumenta a probabilidade. Assim para quando os atiraste cento e sessenta e seis vezes, a probabilidade de tirar um ponto de doze é do noventa e nove por cento. Nesse caso, a probabilidade será distinta para outros pontos, claro. Posso acostumar lhe sobre um papel; desse modo é mais fácil de entender. Dispõe-se de uma grande vantagem quando se sabe calcular as probabilidades. Poucos jogadores o fazem, e isso é o que distingue aos trapaceiros dos pardais. O jogo de azar não é equitativo, nem sequer quando se joga honestamente, e a vantagem está acostumada ser dos bancos em... — interrompeu-se ao ver chegar a Evie. Um sorriso lhe brilhou nos olhos. — boa noite, milady. Sebastian torceu o gesto ao ver o ar de familiaridade que havia entre ambos. — boa noite — murmurou Evie, e se sentou junto a Sebastian. Olhou-o sorridente. — Lhe dão bem os números? — Sempre tinha acreditado que sim— respondeu ele. — até agora. Rohan, outros crupiers são peritos no cálculo de probabilidades? — O suficiente, Milorde. Todos eles sabem como induzir a um jogador a apostar de forma vantajosa para a casa, como distinguir a um bom jogador de um mau... — Quem lhes ensinou? — perguntou Evie. O sorriso do Cam mostrou um surpreendente brilho branco em seu rosto de tez morena. — Eu, é obvio. Ninguém conhece o jogo tão bem como eu. — Ao menino só lhe falta confiança em si mesmo — observou Evie a seu marido com um sorriso. Mas Sebastian não reagiu à brincadeira. Em lugar disso, disse com brutalidade ao Cam: — Quero uma lista, em ordem descendente, de todos os empréstimos pendentes de pago com suas datas de vencimento. O livro contável está na prateleira de acima do escritório. Começa agora mesmo. — Sim, Milorde. E, com uma pequena reverência a Evie, partiu com sua graça e agilidade habituais.


Ao ficar com seu marido na sala de jogo meio às escuras, Evie sentiu um aperto no ventre. Os dias anteriores, seus encontros tinham sido frequentes mas impessoais, e estranha vez tinham estado a sós. Inclinou-se para a mesa e recolheu os jogo de dados para guardá-los num estojo de pele. Ao endireitar-se, a mão do Sebastian lhe acariciou as costas. Seu contato lhe arrepiou o pêlo da nuca. — É tarde — murmurou ele. — Deveria descansar. Tem que estar exausta depois de tudo o que tem feito hoje. — Tampouco tenho feito tanto. — encolheu-se de ombros, inquieta, e Sebastian voltou a lhe passar a mão devagar pelas costas. — É claro que sim. Está-te excedendo, carinho. Evie sacudiu a cabeça. — Alegra-me ter a oportunidade de trabalhar — conseguiu dizer face ao difícil que lhe resultava pensar com claridade quando seu marido a tocava. — Me impede de pensar muito em... em... — Sim, sei. Por isso o permiti. — Rodeou lhe a nuca com os dedos e a Evie faltou o fôlego. — Precisa te deitar — acrescentou ele, e a aproximou para ele. Dirigiu lhe devagar o olhar para os peitos, voltou a subi-la para a cara e soltou um risinho amarga— E eu preciso me deitar contigo, maldita seja. Mas como não posso... Veem aqui. — Para que? — perguntou Evie enquanto ele a sujeitava contra a borda da mesa e encaixava as pernas entre as dobras do vestido. — Quero te torturar um pouco. Evie deu um pulo. — Me... — esclareceu-se garganta— imagino que diz tortura em sentido figurado. — Literal, temo-me. — Como? — Meu amor — disse ele com doçura. — Suponho que não esperará que durante estes três meses o sofrimento seja só meu. Te apoie em mim. — Onde? — Onde queira. — Esperou até que, indecisa, lhe pôs as mãos na jaqueta de lã fina. Então a olhou fixamente aos olhos. — vou avivar em ti o mesmo fogo que me consome, Evie. — Sebastian... — Tentou escapar, mas ele a imobilizou com mais força contra a mesa. — Tenho direito a lhe beijar — lhe recordou. — Tudo o que queira e tão frequentemente como quero. Esse foi nosso trato. Ela dirigiu um olhar nervoso ao redor. — Importa-me um cominho que alguém nos veja — lhe disse ele. — É minha esposa. — E se inclinou para lhe acariciar a bochecha. — Meu prêmio. Meu prazer e minha dor. Meu desejo infinito. Nunca conheci a alguém como você, Evie. — Roçou lhe a ponte do nariz com os lábios. — Te atreve a me exigir coisas que nenhuma outra mulher ousaria. De momento pagarei esse preço, carinho. Mas depois você pagará o meu, multiplicado por mil. Tomou os trementes lábios com os seus enquanto lhe sujeitava a nuca com uma mão. Era um homem ao que gostava de beijar quase tanto como o próprio ato sexual. O beijo começou sendo o roce suave e seco de uns lábios fechados e foi aumentando de pressão até lhe abrir devagar a boca. Evie notou a invasão sutil de


sua língua. Jogou atrás a cabeça para apoiá-la, impotente, na palma de sua mão enquanto a repentina batida de seu coração lhe bombeava o sangue a toda velocidade. Sebastian a beijou com ardor. Acariciou lhe brandamente os peitos enquanto com o polegar lhe buscava o mamilo através do grosso espartilho. Ansioso, separou os lábios de sua boca e os deslizou pelo pescoço até lhe encontrar o pulso. Evie lhe esticaram as pernas e o aferrou pelos ombros para não perder o equilíbrio. Sebastian suspirou e a atraiu com mais força para seu corpo. Quando voltou a beijá-la, ela já não pôde conter os gemidos de súplica enquanto se excitava mais e mais. Para ouvir um pigarro incômodo, Evie interrompeu o beijo e soltou um gritinho afogado. Sebastian, compreendendo que tinha entrado alguém na sala, recostou lhe a cabeça em seu peito e lhe acariciou a bochecha ruborizada com um dedo. Falou com frieza enquanto Evie ouvia como o coração lhe pulsava com força. — O que ocorre, Gully? — Perdoe, Milorde — respondeu sem fôlego Jim Gully, um dos membros do pessoal da sala de jogo— , temos problemas. Os carpinteiros encontraram uma garrafa de rum e estão os três como cubas. Começaram a brigar na cafeteria. Dois deles se ataram a murros e o outro está rompendo os pratos do aparador. — lhe diga ao Rohan que se ocupe disso — ordenou Sebastian. — O senhor Rohan diz que está ocupado. — Há uma briga de bêbados e está muito ocupado para tomar cartas no assunto? — perguntou Sebastian incrédulo. — Sim, Milorde. — Pois você encarregue-se. — Não posso, Milorde. — Levantou um dedo enfaixado. — Ontem pela tarde me rompi o nódulo em uma briga no beco. — Onde está Hayes? — Não sei, Milorde. — Está-me dizendo que, de trinta empregados que trabalham aqui, não há nenhum disponível para impedir que os carpinteiros destrocem a cafeteria quando deveriam estar reformando-a? — exclamou Sebastian. — Sim, Milorde. Na pausa furiosa que seguiu à resposta do Gully, os ruídos de porcelana rompendo-se e de móveis estrelados contra as paredes fizeram tilintar levemente as aranhas do teto. Uns gritos incompreensíveis acompanhavam o estrondo à medida que a rixa se intensificava. Sebastian apertou os dentes. — Que diabos lhe estão fazendo a meu clube? — disse Evie. Confundida, sacudiu a cabeça e olhou o rosto colérico de seu marido e logo o cuidadosamente inexpressivo do Gully. — Chama-o rito de iniciação— disse Sebastian, e partiu a passo rápido. Evie se recolheu o vestido e correu atrás dele. Rito de iniciação? A que se referia? E por que não intervinha Cam? Seguiu Sebastian procurando não tropeçar com o vestido. O ruído ressonou mais forte


quando se aproximava do reduzido grupo de homens reunidos na cafeteria, cujos gritos e exclamações enchiam o ar. Sebastian se tirou a jaqueta e a deu a alguém antes de abrir acontecer com empurrões para a briga. No centro da carriola, três homens se davam murros e se empurravam enquanto os espectadores os animavam entusiasmados. Sebastian se aproximou estrategicamente ao opositor que tinha mais dificuldades para manter-se de pé, fez-o girar e lhe atirou um par golpes que o tombaram sobre o tapete. O par restante se voltou contra Sebastian. Um deles tentou lhe sujeitar os braços enquanto o outro o ameaçava com os punhos. Evie soltou um grito de alarme, que, de algum modo, chegou para ouvidos do Sebastian por cima do estrépito geral. Dirigiu a vista para ela e nesse instante um dos carpinteiros o segurou brutalmente pelo pescoço. Desta guisa, o outro começou a lhe atiçar na cabeça. — Não! — gritou Evie, e tentou avançar para seu marido, mas um braço férreo a reteve pela cintura. — Espera — lhe disse uma voz conhecida ouvido. — lhe Dê uma oportunidade. — Cam! — voltou-se como uma possessa e o olhou com olhos cheios de pânico. — Lhe farão mal — disse com desespero. — vá ajudá-lo, Cam. Tem que fazê-lo... — Já se soltou — observou o jovem romani brandamente. Olhe, não o está fazendo mal. Um dos opositores lhe lançou um potente muito direito, mas Sebastian se agachou e lhe respondeu com um murro rápido. — Cam, por que diabos não vai ao A... lhe ajudar? — Não posso. — Sim que pode! Você está acostumado a brigar, muito mais qu... que ele. — Tem que fazê-lo ele — explicou Cam com calma. — Em caso contrário, não terá nenhuma autoridade. Os empregados do clube têm uma ideia da liderança que exige ação além de palavras. St. Vincent não pode lhes pedir que façam algo que não esteja disposto a fazer ele mesmo. E ele sabe. Do contrário, não estaria encetado com esses tipos. Evie se tampou os olhos quando um carpinteiro se aproximou de seu marido por detrás enquanto o outro lhe soltava uma série de golpes ao peito e a cara. — Só lhe serão leais se sabe usar os punhos em uma ridícula exibição de força bruta? — Basicamente, sim. Querem ver de que massa parece. Tranquila, tudo irá bem — comentou com voz divertida. Ela não o suportava. Estremecia-se e se retorcia com cada impacto, com cada grunhido de dor. — Isto é insuportável — gemeu. — Cam, por favor... — Ninguém o obrigou a se despedir do Egan e dirigir o clube ele mesmo — assinalou. — Forma parte do trabalho, céu. Ela o entendia. Seu pai tinha participado de numerosas brigas a maior parte de sua vida. Mas Sebastian não tinha nascido para isso; não possuía a brutalidade necessária nem o gosto pela violência que distinguiam ao Ivo Jenner. Entretanto, quando teve deitado a outro carpinteiro e se encarou com cautela ao último adversário em pé,


foi evidente que, tanto se formava parte de seu caráter como se não, estava disposto a demonstrar sua valia. O bêbado se precipitou para ele, e Sebastian o derrubou com uma combinação rápida: dois gancho de esquerda e um de direito. O tipo caiu no chão com um gemido, e o público celebrou a vitória de seu chefe com gritos de aprovação e aplausos. Sebastian, que recebeu a aclamação com um gesto sério da cabeça, viu que o braço protetor do Cam rodeava a Evie e seu semblante se escureceu. Alguns dos entusiastas espectadores ajudaram a sair aos aturdidos carpinteiros. Outros foram procurar vassouras e cubos para limpar o lugar. Todos dirigiam olhadas muito mais simpáticas que antes a Sebastian. Enquanto se secava um hilillo de sangue da comissura dos lábios com a manga da Camisa, este se agachou para recolher uma cadeira queda. Cam se aproximou de felicitá-lo. — Briga como um cavalheiro, Milorde. — Devo tomá-lo como um completo? — ironizou Sebastian. — Faz-o bastante bem contra um par de bêbados — observou Cam, imaculável. — Havia três ao começar — grunhiu Sebastian. — Três bêbados, então. Mas pode que a próxima vez não tenha tanta sorte. — A próxima vez? Se acredite que vou tomar me isto por costume... — Jenner o fazia — replicou Cam. — Egan também. Quase cada noite há alguma confusão no beco, na quadra ou nas salas de jogo. É normal, já que os clientes dedicam horas ao jogo, o álcool e as mulheres. Encarregamo-nos disso por turnos. Se não querer que lhe deixem maltratado uma vez à semana, terá que aprender alguns truques para acabar rapidamente com uma briga. Saem menos machucados você e os clientes, e mantém afastada à polícia. — Se referir às artimanhas que se usam nas brigas do subúrbio e nas rixas de becos... — Pensa praticar meia hora diária num clube pugilíssimo? — repôs Cam, mordaz. Sebastian foi replicar, mas ao ver que Evie se aproximava ansiosa, algo lhe trocou na cara. Por alguma razão, a preocupação de sua mulher o sossegou. — Machucaram lhe? — perguntou ela, nervosa. Sebastian estava desalinhado e irritado, mas não parecia ferido. Ele negou com a cabeça e deixou que lhe apartasse umas mechas suadas que quase lhe tampavam os olhos. — Estou bem — murmurou. — Em comparação com a surra que me deu Westcliff, isto não foi nada. — Esperam lhe mais surras se não aceitar algumas sugestões sobre como brigar — atravessou Cam. E sem mais se dirigiu para a porta e chamou: — Dawson! Veem aqui um momento. Não, não para trabalhar. Necessitamos que lhe dê uns quantos golpes ao St. Vincent. — voltou-se para o Sebastian e comentou com inocência. — Vá, não se tem feito de rogar. Vem correndo. Evie conteve um sorriso e se retirou para o canto, já que compreendeu que a intenção do Cam era ajudar a seu marido. Se Sebastian insistia em brigar cavalheirescamente, não teria nada que fazer no clube. Dawson, um empregado jovem e fornido, entrou na cafeteria. — Dawson é nosso melhor lutador — observou Cam. — Lhe ensinará algumas manobra básicas para


tombar a um homem. Dawson, lhe faça um cruzado especial. Mas suave, não vás romper lhe as costas. Dawson, que parecia encantadíssimo de ter aquela oportunidade, atacou-o com decisão, segurou lhe o pescoço com um braço roliço, tomou o braço livre e o passou por cima do ombro, o que fez que Sebastian se girasse violentamente e aterrissasse de costas com um grunhido de dor. Dawson ia saltar lhe sobre o abdômen, mas Cam intercedeu para refrear seu ímpeto. — Já está bem, Dawson. É suficiente por agora. Obrigado por sua colaboração. Evie o observou tudo com um punho fechado sobre a boca. Cam se inclinou para ajudar Sebastian a levantar-se, mas este rechaçou a mão que lhe tendia e ficou de pé por seus próprios meios. Logo olhou ao Cam com uma expressão tão séria que teria intimidado a qualquer homem. Cam, entretanto, falou com naturalidade: — É um movimento bastante simples. Quando estiverem de lado, rodeie o pescoço do outro com o braço, lhe sujeite o braço, mova o corpo assim e seu oponente cairá sem jeito. Segundo a força com que o golpeie contra o chão, não poderá mover-se durante vários segundos. Vamos, prove comigo. Ao praticar a manobra no Cam, Sebastian se conteve cavalheirescamente. Aprendeu depressa, e tombou ao jovem cigano com uma estranha mescla de eficiência e relutância. — Não posso lutar desta forma — resmungou. — Se o sujeitarem por detrás — disse Cam, que ignorou seu comentário— , normalmente poderá soltar-se com um cabaçada para trás. Comece com a cabeça agachada, com o queixo para o peito. Aperte os dentes, mantenha a boca fechada e lance a cabeça para trás com força, para a cara de seu adversário. Não faz falta que apontamento. E para o cabaçada para diante... Tem-no feito alguma vez? Não? Bom, o truque consiste em olhar fixamente aos olhos do competidor ao fazê-lo. Aponte a uma parte branda da cara; não o dirija nunca contra a fronte ou o crânio. Use o peso de seu corpo e procure golpear com a parte baixa da fronte. Sebastian suportou a lição a contra gosto, enquanto os dois homens mais jovens lhe ensinavam golpes no pescoço, patadas e outras técnicas para atacar os pontos vulneráveis da anatomia humana. Participou quando o pediram e mostrou umas aptidões físicas que pareceram agradar ao Cam. Entretanto, quando o romani começou a lhe explicar diversas maneiras de dar chutes na virilha, Sebastian já não aguento mais. — Basta — grunhiu. — Se acabou, Rohan. — Mas ainda há algumas coisas... — Não importa. Cam intercambiou um olhar com o Evie, que se encolheu de ombros e sacudiu ligeiramente a cabeça. Nenhum dos dois entendia o que tinha provocado sua irritação. Passado um momento, Cam despediu de Dawson com umas palavras de elogio. Voltou-se depois para o Sebastian, que se alisava a jaqueta com raiva logo que contida. — Qual é o problema, Milorde? — perguntou com calma. — Nunca pretendi ser um modelo de virtudes — respondeu Sebastian detrás soprar. — E no passado tenho feito coisas que ruborizariam ao muito mesmo diabo. Mas há certas coisas às que nem sequer eu poderia me rebaixar. Os homens de minha posição não dão patadas, joelhadas na virilha nem cabaçadas


quando brigam. E tampouco golpeiam o pescoço, fazem a rasteira ou, Deus me libere, atiram do cabelo. Embora Evie teria acreditado impossível que os olhos do Cam tivessem um aspecto frio, de repente pareceram de âmbar. — Qual é exatamente sua posição, se não lhe incomodar que o pergunte? — soltou o jovem cigano com certa mordacidade. — É nobre? Não vive como tal. Dorme num clube de jogo, em um quarto que recentemente ocupavam um par de prostitutas. É um homem delicado? Acaba de brigar com um par de idiotas bêbados. É um pouco tarde para ficar exigente, não acredite? — Critica-me porque tenho princípios? — replicou Sebastian com frieza. — Absolutamente. Critico-o pelos ter dobre. Os romanis têm um dito: Não pode montar dois cavalos com um só traseiro. Se quer sobreviver aqui, terá que muda. Não pode fazer-se passar por um aristocrata diletante que está por cima destas coisas. Está tentando assumir um cargo que nem sequer eu poderia ocupar, caramba. Terá que tratar com jogadores, bêbados, ladrões, mentirosos, chefes de turmas, advogados, policiais, e mais de trinta empregados que estão convencidos de que vai cavar a asa num mês. Agora que Jenner está morto, ocupou seu lugar como um dos grandes de Londres. Todo mundo lhe pedirá favores ou tentará aproveitar-se de você, ou quererá demonstrar que é superior a você. E ninguém lhe dirá toda a verdade. Sobre nada. Terá que aguçar seus instintos e obter que a gente tema contrariá-lo. Se não, suas probabilidades de êxito serão tão poucas que... — Era evidente que lhe teria gostado de prosseguir, mas a expressão do Sebastian pareceu lhe indicar que era melhor calar-se. Passou-se a mão pelo despenteado cabelo azeviche e partiu. Passou comprido momento antes que Evie se atrevesse a aproximar-se de seu marido, que estava olhando fixamente a parede, absorto em seus pensamentos. Ela advertiu que, embora a maioria de gente estava acostumada parecer maior quando estava cansada e tensa, Sebastian tendia a parecer mais jovem. — Por que te obstinas? — murmurou olhando-o. — Não é só pelo dinheiro. Que esperas encontrar neste lugar? As perguntas de Evie acenderam um brilho irônico nos olhos de seu marido. — Quando o souber, lhe comunicarei — resmungou isso.


Capítulo 15

A tarde seguinte, Sebastian entrou no escritório para ver o Evie, que estava somando recibos e anotando quantidades num livro contável. — Tem uma visita — lhe disse sem preâmbulo algum. Seus olhares se cruzaram por cima do montão de papéis. — A senhora Hunt. Evie o observou assombrada enquanto o coração lhe dava um tombo. Tinha estado pensando se deveria escrever ou não a Annabelle. Desejava ver suas amigas, mas tinha medo de que a tivessem condenado por haver-se fugido com o St. Vincent. Levantou-se devagar da cadeira. — Está seguro de que não se trata de outro engano? — Estou seguro — respondeu Sebastian com ironia. — Ainda me ressonam nos ouvidos suas acusações e impropérios. Nem a senhora Hunt nem a senhorita Bowman concebem que não te raptasse, violasse-te e te obrigasse a te casar comigo a ponta de navalha. — A senhorita Bowman? — repetiu Evie, e pensou que não podia tratar-se de Lillian, já que seguia de viagem de noivos com lorde Wescliff. — Também está aqui Daisy? — E está que remói. Deveria lhes assegurar que atuou por vontade própria, porque ao parecer querem me denunciar à polícia. — Não posso me acreditar que tenham ousado vir aqui — comentou Evie, emocionada. — Estou segura de que o senhor Hunt não sabe que Annabelle está aqui. — Certamente — disse Sebastian. — Hunt não permitiria que sua esposa me aproximasse de menos de dez quilômetros. E os Bowman não aprovariam que sua filha menor pusesse um pé num clube de jogo. Entretanto, conhecendo suas amigas, não me cabe dúvida de que terão planejado um pérfido estratagema para ocultar seus atos. — Onde estão? Não me diga que as deixaste na entrada de atrás. — Estão na sala de leitura. Evie tinha tantas vontades de ver suas amigas que teve que conter-se para não pôr-se a correr assim que saiu do escritório. Dirigiu-se a passo rápido para a sala de leitura seguida do Sebastian. Cruzou a soleira e se deteve, insegura. Aí estava Annabelle, com seu cabelo dourado penteado em saca-rolhas e uma tez tão fresca como a das leiteiras idealizadas que apareciam nas latas de doces. Quando a conheceu, a típica beleza inglesa de Annabelle a tinha intimidado tanto que não se atreveu a falar com ela, convencida de que a desprezaria. Mas mais adiante tinha descoberto que Annabelle era carinhosa e amável, com um senso de humor que lhe permitia rir até de si mesmo. Daisy Bowman, a irmã menor de Lillian, possuía um caráter decidido que contrastava com sua frágil e miúda figura. Idealista e fantasiosa, devorava novelas românticas povoadas de patifes e vadios. Mas a


aparência delicada de Daisy ocultava uma inteligência perspicaz que a maioria de gente estava acostumada passar por cima. De pele leitosa, tinha cabelo escuro e olhos cor gengibre... Uns olhos lhes picar de pestanas largas e grosas. Ao ver o Evie, suas amigas se precipitaram para ela com chiados impróprios de umas damas. Evie soltou uma gargalhada enquanto se abraçavam e se beijavam as bochechas, exultantes. As três jovens seguiram exclamando e chiando emocionadas até que alguém irrompeu no quarto. Era Cam, com os olhos exagerados e a respiração rápida, como se o perseguissem. Percorreu toda a quarto com olhar alerta e logo se relaxou um pouco. — Maldita seja — resmungou. — Acreditei que passava algo. — Não passa nada, Cam — disse Evie, a quem Annabelle seguia rodeando os ombros com um braço. — São minhas amigas que vieram para ver-me. — ouvi fazer menos ruído aos porcos no matadouro— observou Cam acidamente a Sebastian. A mandíbula de este mostrou uma súbita tensão, como se esforçasse por conter a risada. — Senhora Hunt, senhorita Bowman, apresento lhes ao senhor Rohan. Rogo lhes desculpem sua falta de tato, mas é que é... — Um rufião? — sugeriu Daisy com inocência. Esta vez Sebastian não pôde evitar sorrir. — ia dizer que é estranho que nos visitem damas. — É isso o que são? — Cam dirigiu um olhar de dúvida e fixou sua atenção no pequeno rosto de Daisy. — Tinha ouvido que os ciganos eram famosos por seu encanto — comentou Daisy a Annabelle, ignorando deliberadamente ao Cam. — Ao parecer, é uma crença infundada. — Também somos famosos por nos levar donzelas gaji— replico Cam com os olhos entreabertos. Evie interveio antes de que o intercâmbio subisse de tom. — Se não ter inconveniente — disse a seu marido— , eu gostaria de falar em privado com minhas amigas. — É obvio — acessou ele com impecável cortesia. — Peço que lhes tragam chá, carinho? — Sim, por favor. Uma vez a sós, Daisy explorou: — Como pode falar cordialmente com o St. Vincent depois do que fez? — Daisy — repôs Evie com tom contrito— , lamento tanto o que o p... passou ao Lillian, mas é... — Não refiro a isso — a interrompeu acaloradamente Daisy. — Refiro ao que te tem feito a ti. Aproveitar-se de ti, te obrigar a te casar com ele e depois... — Não me obrigou. — Evie dirigiu o olhar da cara indignada de Daisy à preocupada de Annabelle. — Lhes juro isso! Fui eu quem fui a ele. Nos sentemos e lhes contarei isso tudo. Como conseguistes vê... vir ao clube? — Meu marido está de viagem de negócios — explicou Annabelle com um sorriso picasse. — E aos Bowman os pingente que levava a Daisy comigo de compras ao St. James' Street. Sou seu acompanhante, sabe? — E fomos às compras — acrescentou Daisy com picardia. — Só que depois demos este rodeio.


Annabelle e Evie se sentaram no sofá, e Daisy em uma poltrona. Com alguns gagueiras, Evie lhes contou o ocorrido desde que tinha abandonado o lar dos Maybrick. Para seu alívio, suas amigas não a condenaram por seus atos. Em lugar disso, mostraram-se solícitas e pormenorizadas, inclusive apesar de que era evidente que não estavam tudo bem com seu proceder. — Sinto-o — disse Evie num momento dado, ao ver como Annabelle franzia o cenho. — Sei que não aprova meu matrimônio com lorde St. Vincent. — Dá igual se o aprovar ou não — comentou Annabelle com doçura. — Seguirei sendo sua amiga faça o que faça. Não me importaria embora te tivesse casado com o muito mesmo diabo. — por que falas em condicional? — perguntou Daisy. — A questão é que agora já parece e queremos te ajudar — prosseguiu Annabelle detrás dirigir um rápido olhar de advertência a Daisy. — Só necessito sua amizade — sorriu Evie agradecida. — Me dava muito medo perdê-la. — Isso nunca. — Annabelle alargou a mão para lhe acariciar os cachos ruivos. — Espero não ser impertinente, mas como deixou a casa de sua família de um modo tão apressado, estou segura de que não terá podido te levar muitos vestidos. Assim que te trouxe algumas coisas. Sei que está de luto, e só incluí objetos marrons, negras e cinzas. E é obvio Camisolas, luvas e coisas assim. Pedirei que os entrem da carruagem. Temos quase a mesma estatura, e acredito que com uns poucos retoques... — OH, Annabelle — exclamou Evie de uma vez que rodeava a sua amiga com os braços. — Que amável é! Mas não quero que seja... sacrifique parte de seu enxoval de noiva por mim. — Não é nenhum sacrifício — disse Annabelle com um sorriso. — Em pouco tempo já não poderei levá-los. Evie recordou que no mês anterior Annabelle lhe tinha crédulo suas suspeitas de que podia estar grávida. — Entendo... OH, Annabelle, estive tão pre... preocupada com meus problemas que nem sequer te perguntei como está. É certo, pois? Confirmou-o o médico? — Sim— interveio Daisy, e se levantou para executar uma pequena dança da vitória, como se lhe resultasse impossível seguir quieta um segundo mais. — As solteironas vão ser tias! Evie também ficou de pé e ambas se menearam com regozijo infantil, enquanto Annabelle as olhava divertida. — Mas as olhe, Meu deus — disse. — Quem dera Lillian estivesse aqui. Seguro que faria algum comentário sobre sua amalucada celebração. A menção de Lillian bastou para empanar a euforia de Evie. Deixou-se cair de novo no sofá e olhou a Annabelle com preocupação. — Perdoará-me por me haver casado com o St. Vincent depois do que lhe fez? — É obvio — respondeu Annabelle com doçura. — Já sabe quão leal é. Perdoaria-te algo, menos um assassinato. Pode que inclusive isso. Mas me temo que perdoar ao St. Vincent é outra coisa. Daisy franziu o cenho e se puxou do vestido para alisá-lo. — St. Vincent se inimizou com lorde Westcliff. O que nos complica as coisas.


A conversação se interrompeu enquanto uma criada servia o chá. Evie serve duas taças para o Annabelle e para ela. Daisy declinou tomar chá e preferiu passear-se pela quarto para jogar uma olhada aos livros das prateleiras. Leu com atenção os títulos gravados nos lombos. — A maioria destes livros tem uma capa de pó em cima — exclamou. — Se diria que faz anos que ninguém os lê. Annabelle elevou os olhos com um sorriso gracioso. — Apostaria-me algo a que ninguém os tem lido. Não é provável que os cavalheiros que frequentam este clube se dediquem à leitura quando dispõem de tantas outras atividades mais estimulantes. — Mas por que ter uma sala de leitura, se ninguém ler alguma vez? — disse Daisy. — Não me ocorre nenhuma atividade mais estimulante que a leitura. Mas se às vezes, com alguma história particularmente interessante, inclusive noto que o coração me acelera. — Pois sim há uma... — murmurou Annabelle com um sorriso malicioso. Mas Daisy, que seguia repassando as fileiras de livros, não entendeu o significado de suas palavras. Com um olhar a Evie, Annabelle acrescentou em voz baixa: — E agora que tratamos o tema, Evie, preocupa-me que não pudesse falar com ninguém antes da noite da lua-de-mel. Foi St. Vincent considerado contigo? Evie se ruborizou e assentiu com rapidez. — Como era de esperar, é muito perito — disse. — Mas foi atento? — Sim, acredito que sim. — É um tema incômodo, verdade? — perguntou Annabelle, sorridente, em voz baixa. — Mas se tiver alguma pergunta a respeito, aqui me tem. Sinto-me como se fora sua irmã maior, sabe? — Eu sinto o mesmo — assegurou Evie, e lhe apertou a mão. — Suponho que há um par de coisas que eu gostaria de perguntar, mas são tão... — Nossa! — exclamou Daisy do outro lado da quarto. Ambas elevaram os olhos e a viram atirando de uma seção de estantes de mogno. — Quando me apoiei nesta prateleira, ouvi uma espécie de clique e começou a abrir-se. — É uma porta secreta — explicou Evie. — No clube há várias portas que dão a Caminhos secretos, para esconder coisas se houver uma jogada a rede policial, ou se alguém tem que ir-se apressadamente... — Aonde leva este? — OH, a nenhum sitio ao que queira ir— disse vagamente Evie ante o temor de que explicar algo mais animaria a audaz Daisy. — É provável que a um armário da limpeza. Será melhor que o feche. — Mmm... Enquanto Daisy seguia examinando as prateleiras, Evie e Annabelle reataram seu bate-papo sussurrado. — O certo é que lorde St. Vincent aceitou p... passar um período de celibato por mim — anunciou Evie. — Se o conseguir, então reiniciaremos nossas relações conjugais. — Como diz? — sussurrou Annabelle com os olhos exagerados. — meu Deus. Não me acredito que St. Vincent e celibato tenham sido mencionados antes na mesma frase. Como diabos conseguiu convencê-lo? — Disse... que me deseja o suficiente para tentá-lo. Annabelle sacudiu a cabeça, desconcertada.


— Não é próprio dele. Absolutamente. Trapaceará, é obvio. — Sim. Mas acredito que suas intenções são sinceras. — St. Vincent nunca é sincero — assegurou Annabelle ironicamente. Evie não pôde evitar recordar a urgência se desesperada para o abraço do St. Vincent nessa mesma quarto. A forma em que seu fôlego lhe tinha acariciado o pescoço. A ternura apaixonada de seus beijos. E sua voz ao murmurar: Desejo-te mais que a nada neste mundo... Como podia explicar lhe a Annabelle? Como podiam as palavras justificar que seu instinto lhe dizia que acreditasse? Era ridículo pensar que ela, a desajeitada Evie Jenner, converteu-se de repente no objeto mais desejado de um homem como Sebastian, que tinha estado com as mulheres mais formosas da Inglaterra. Entretanto, Sebastian não era exatamente o mesmo homem que se passeou com tanta arrogância pela mansão do Westcliff no Hampshire. Algo nele tinha trocado, e seguia trocando. Devia-se ao rapto fracassado de Lillian? Ou tinha começado depois, durante a deprimente viagem a Gretna Green? Possivelmente o clube tinha algo que ver nisso. Comportava-se de um modo estranho do momento em que tinham posto os pés nele. Procurava algo que não parecia poder explicar-se nem sequer a si mesmo. — OH, não — disse Annabelle com tristeza, olhando além de Evie. — O que acontece? — Evie se voltou. No quarto só estavam elas duas, e uma seção da estante estava aberta. Daisy, de maneira previsível, tinha seguido os impulsos de sua curiosidade insaciável e tinha cruzado a porta secreta. — Aonde conduz? — perguntou Annabelle com um suspiro, reacia a deixar o chá ao meio terminar. — Depende da direção em que tenha ido — respondeu Evie com cenho. — É uma espécie de Caminho labiríntico que se bifurca, e há escadas secretas que conduzem ao primeiro piso. Graças a Deus o clube está fechado; isso reduz os problemas em que poderia meter-se. — Recorda que se trata de Daisy Bowman — disse Annabelle com secura. — Se existir a menor possibilidade de meter-se em problemas, encontrará-a. Ao percorrer o escuro Caminho, Daisy sentia a mesma emoção que de menina, quando Lillian e ela jogavam a piratas em sua mansão da Quinta Avenida do Manhattanville. Uma vez concluídas suas lições diárias, saíam ao jardim: um par de fantasias de diabo com tranças largas e vestidos rasgados que jogavam com aros e cavavam buracos nos canteiros de flores. Um dia lhes ocorreu criar uma cova pirata secreta, e se passaram todo o verão abrindo um túnel no sebe que bordeava a fachada e os lados da casa. Tinham-no talhado e podado diligentemente até que tiveram um comprido canal, onde entravam e saíam como um par de ratinhos. Tinham celebrado reuniões secretas em sua cova pirata, e tinham guardado uma caixa de madeira cheia de tesouros num buraco cavado junto à casa. Quando o irado jardineiro descobriu sua maldade, horrorizado pela profanação de seu sebe, Daisy e Lillian estiveram castigadas umas quantas semanas. Com um sorriso nostálgico ao recordar a sua querida irmã maior, Daisy sentiu uma quebra de onda de solidão. Lillian e ela sempre tinham estado juntas, brigando, rendo, se metendo em confusões e resgatando uma a outra. Naturalmente, alegrava-se de que Lillian tivesse encontrado a sua meia laranja no teimoso Westcliff, mas isso não impedia que jogasse muitíssimo de menos. E agora que as demais solteironas, incluída


Evie, casaram-se, formavam parte do misterioso mundo conjugal do que ela seguia excluída. Logo encontraria um marido. Algum cavalheiro bom e sincero que compartilhasse sua paixão pelos livros. Um homem que levasse óculos, e a quem gostasse dos cães e os meninos. Avançava a provas pelo Caminho até que quase caiu por um pequeno lance de escadas que se encontrou de repente. Um tênue brilho ao pé dos degraus a impulsionou a baixar. À medida que se aproximava da luz, viu que saía de uma porta entreaberta. Perguntando-se o que haveria ao outro lado, deteve-se e ouviu uns golpezinhos repetidos. Uma pausa, e mais golpezinho s. A curiosidade pôde mais que ela. Empurrou a porta com decisão e esta cedeu. A luz encheu o Caminho enquanto ela entrava em um quarto que continha várias mesas e cadeiras, e um aparador com duas grandes bules de prata. Depois de rodear a porta viu a origem dos golpezinhos. Um homem em cócoras estava reparando uma moldura da parede e cravava pregos na madeira com marteladas peritas. Ergueu-se de um salto e trocou a forma de sujeitar o martelo, para utilizá-lo como arma. Era o cigano, o jovem com olhos de pantera faminta. Tirou-se a jaqueta, o colete e a gravata, de modo que, de cintura para acima, só levava uma fina e folgada Camisa branca, remetida em umas calças ajustadas. Vê-lo provocou no Daisy a mesma reação que acima: uma pontada no peito seguida de uma aceleração do coração. Paralisada ao dar-se conta de que estava sozinha no quarto com ele, observou sem pestanejar como lhe aproximava devagar. Nunca tinha visto um homem de uma beleza tão exótica. Tinha a pele da cor do mel, uns olhos avelã claro emoldurados por espessas pestanas negras, e um cabelo que lhe cobria parte da frente. Era muito magro, quase ossudo, mas sua compleição larga e de ombros largos anunciava uma esplêndida maturidade física quando alcançasse a idade adulta. — O que faz aqui? — quis saber Rohan, que não se deteve até estar tão perto que a fez retroceder instintivamente até a parede. Na limitada experiência de Daisy, nenhum homem se dirigiu a ela com tanta confiança. Era evidente que não sabia nada sobre maneiras de salão. — Só estou dando um passeio — balbuciou. — Ensinou lhe alguém o Caminho? Daisy viu como Rohan apoiava as mãos na parede, uma a cada lado dela, Era um pouco mais alto que a média, mas não em excesso, de modo que seu pescoço moreno ficava à altura dos olhos dela. — Não; encontrei-o eu sozinha — explicou detrás inspirar para ocultar seu nervosismo. — Tem um acento estranho. — E você também. É americana? Assentiu com a cabeça, já que se tinha ficado sem fala com ver o brilho de um diamante no lóbulo da orelha do moço. Notou uma espécie de nó no estômago, quase como se sentisse repulsão, e se precaveu, consternada, de que se estava ruborizando. Ele estava tão perto que ela notava seu limpo aroma a sabão misturado com aroma de quadra e couro. Era um aroma agradável, uma fragrância masculina muito distinta da de seu pai, que sempre cheirava a colônia e betume, e a bilhetes de banco novos. Seu olhar inquieto percorreu os braços do Rohan, que a Camisa arregaçada deixava ao descoberto, e se


deteve fascinada na figura que tinha desenhada com tinta no antebraço direito: um cavalinho alado de cor negra. Ao precaver-se, Rohan baixou o braço para que o visse melhor. — Um símbolo irlandês — explicou. — Um cavalo de pesadelo chamado Pooka. O som absurdo da palavra fez sorrir a Daisy. — dilui-se ao lavá-lo? — perguntou com vacilação. Rohan negou com a cabeça. — É parecido ao Pegasos dos mitos gregos? — quis saber Daisy, e se pegou ainda mais à parede. Rohan lhe olhou o corpo em uma espécie de repasse lento que nenhum homem lhe tinha feito antes. — Não. É mais perigoso. Tem os olhos amarelos como o fogo, dá uns saltos que lhe permitem salvar montanhas e fala com uma voz humana profunda como uma gruta. A meia-noite, pode parar-se diante de sua casa e te chamar por seu nome se quer te levar a passear. Se for com ele, levará-te voando pela terra e pelo mar, e se alguma vez retorna, sua vida já não voltará a ser igual. Daisy lhe pôs carne de galinha em todo o corpo. Todos seus sentidos lhe advertiam que pusesse fim a essa desconcertante conversação e fugisse daquele homem a toda pressa. — Que interessante — resmungou, e se voltou em busca da porta. Para sua consternação, Rohan a tinha fechado. A porta estava muito bem escondida nos painéis da parede. Assustada, pressionou distintos pontos procurando o mecanismo de abertura. Tinha as Palmas suadas apoiadas num painel quando notou que Rohan se inclinava para ela por detrás para lhe falar com ouvido. — Não a encontrará. Só há um ponto que a abre. Seu fôlego quente lhe acariciava o lado do pescoço, e a ligeira pressão de seu corpo lhe dava calor onde a tocava. — Então por que não me diz qual é? — repôs Daisy em sua melhor imitação do sarcasmo de Lillian, embora lhe consternou ouvir que só soava insegura e perplexa. — O que me dará em troca? Daisy tratou de mostrar-se indignada, apesar de que seu coração lhe palpitava desbocado. Voltou-se para olhá-lo e lhe lançou um ataque verbal que esperava o fizesse retroceder. — Senhor Rohan, se está insinuando que deveria... Bom, evidentemente não é você um cavalheiro. Ele não se moveu nem um centímetro e esboçou um sorriso que deixou ao descoberto sua branca dentadura. — Quer dinheiro? — perguntou Daisy com desdém. — Não. — Uma liberdade, então? — sugeriu detrás tragar saliva. Ao ver que não a entendia, esclareceu com as bochechas ruborizadas: — Tomar-se liberdades é dar um abraço, ou um beijo... Algo perigoso brilhou nos olhos dourados do Rohan. — Sim — murmurou. — Tomarei liberdades. Daisy logo que podia acreditá-lo. Seu primeiro beijo. Sempre o tinha imaginado como um momento romântico num jardim inglês ao claro de lua, é obvio. E um cavalheiro loiro de cara intelectual lhe diria algo


bonito como um poema justo antes de que seus lábios se juntassem. Não se supunha que ia ocorrer num porão de um clube de jogos com um crupier cigano. Por outro lado, tinha vinte anos, e talvez já ia sendo hora de que começasse a acumular um pouco de experiência. Tragou saliva de novo, lutou por dominar sua respiração e contemplou a parte do pescoço e o tórax que deixava ao descoberto a Camisa meio desabotoada do Rohan. A pele lhe brilhava como se fora de cetim âmbar. Quando se aproximou mais a ela, seu aroma lhe alagou o nariz como se tratasse da fragrância de uma especiaria. Rohan elevou uma mão para sua cara e, ao fazê-lo, com os nódulos lhe roçou involuntariamente o peito. Aturdida, ela pensou que tinha que ter sido sem querer, enquanto o mamilo lhe contraía sob o corpete de veludo. A mão do Rohan lhe segurou com suavidade o rosto e o inclinou para cima. Enquanto lhe olhava as pupilas dilatadas, levou a ponta dos dedos aos lábios e os acariciou até que estiveram separados e trementes. Pô lhe a outra emano depois da nuca para acariciar lhe e logo lhe apoiar nela a cabeça, o que foi muito oportuno, já que toda sua coluna vertebral pareceu dissolver-se como açúcar. Pô lhe os lábios sobre a boca com uma pressão tenra para explorá-la com suavidade. Ela sentiu um prazer quente por todo o corpo, até que já não pôde resistir o anseia de apertar seu corpo contra o do moço. Ficou nas pontas dos pés, tomou os ombros com as mãos e lhe cortou a respiração quando lhe deslizou as mãos pelo corpo. Quando por fim Rohan levantou a cabeça, Daisy descobriu, envergonhada, que estava obstinada a ele como um náufrago. Apartou com rapidez as mãos e retrocedeu tudo o que lhe permitia a parede. Confusa e morta de calor por seu próprio comportamento, olhou-o carrancuda. — Não hei sentido nada — disse com frieza. — Embora suponha que terá que lhe reconhecer o mérito de havê-lo tentado. E agora, se me disser onde está a... — Soltou um gritinho de surpresa quando Rohan voltou a aproximar-se dela e se precaveu, muito tarde, de que se tomou seu comentário desdenhoso como uma provocação. Esta vez, depois de sujeitá-la pela nuca, beijou-a com lábios mais exigentes. Com inocente assombro, notou o contato sedoso de sua língua, uma sensação que a fez estremecer de prazer. Rohan terminou o beijo com uma carícia com os lábios, olhou-a aos olhos e a desafiou em silencio a negar que estava excitada. — Nada — disse ela com voz débil detrás reunir o pouco orgulho que ficava. Esta vez ele a estreitou totalmente contra seu corpo e a beijou com um ardor inusitado. Daisy não se imaginou que um beijo pudesse ser tão apaixonado. A boca do Rohan se apoderou da suas enquanto com as mãos lhe sovava o corpo. Notou como lhe separava os pés com os seus e aumentava o contato de seus corpos. Incitou-a e a acariciou com seus beijos até que ela tremeu como um bichinho desamparado entre seus braços. Para quando seus lábios se separaram, Daisy estava exausta, com toda a consciência concentrada nas sensações que a conduziam para um fim desconhecido. Abriu os olhos e o Miro aturdida. — Agora esteve melhor — conseguiu dizer com tremente dignidade. — Me alegro de havê-lo conhecido. — voltou-se, mas não sem ver como ele sorria.


Rohan alargou a mão para pulsar o mecanismo oculto e abrir a porta. Para confusão de Daisy, entrou com ela no Caminho escuro e a acompanhou escada acima guiando-a como se tivesse olhos de gato na escuridão. Quando chegaram acima, onde era visível o contorno da porta da sala de leitura, detiveram-se. — Adeus, senhor Rohan — murmurou Daisy, necessitada de dizer algo. — É provável que não voltemos a nos ver nunca. — Quem dera fosse assim, porque estava claro que não poderia voltar a olhá-lo à cara. — Talvez uma noite me apareça em sua janela — lhe sussurrou ao ouvido Rohan. — Para te tentar a dar um passeio pela terra e pelo mar. E se deixar que te leve, não voltará a ser a mesma. E, dito isto, abriu a porta, empurrou com suavidade a Daisy para a sala de leitura e a fechou de novo. Daisy piscou confundida ao ver suas amigas. — Deveria haver imaginado que seria incapaz de resistir a uma porta secreta. Aonde leva o Caminho? — perguntou Annabelle. — Evie tinha razão — respondeu Daisy, ruborizada. — Não leva a nenhum sitio ao que queria ir.


Capítulo 16

Embora a roupa que Annabelle Hunt lhe tinha levado era mais adequada para um meio luto que para um luto rigoroso, Evie decidiu ficar a Entendeu que, como já tinha ido contra os ditados da correção ao levar tecidos distintos à braçadeira de luto, e como logo que havia já ninguém no clube que se atrevesse a criticá-la, daria o mesmo se ia de negro, marrom ou cinza. Além disso, a seu pai não teria importado. Recolheu a nota que Annabelle tinha posto entre os objetos e leu com um sorriso o que sua amiga lhe tinha escrito com picardia: Confeccionaram-me esta roupa em Paris sem ter em conta as consequências da virilidade do senhor Hunt. Para quando puder voltar a me pôr isso estará passada de moda. Aceita-a como presente, amiga minha. Provou-se o vestido de suave lã cinza, forrado de seda, e descobriu que ia muito bem. Entretanto, o prazer do vestido ficou um pouco diminuído pela nostalgia de recordar a seu pai. Ao percorrer com tristeza a sala de jogo principal, viu que Sebastian falava com um par de pedreiros talheres de pó. Como era muito mais alto que os dois, agachava a cabeça ao falar, e disse alguma ocorrência que lhes fez rir. Uma nota de humor permaneceu nos olhos do Sebastian quando viu o Evie. Seu olhar se suavizou e se despediu dos pedreiros para dirigir-se para ela. Evie se esforçou por conter um repentino desejo, temerosa de parecer bobamente apaixonada de seu próprio marido. Entretanto, por muito que tentasse ocultar seus sentimentos sob a superfície, pareciam aflorar e cintilar de modo visível como se fossem pó de diamante. O estranho era que Sebastian parecia igual de contente de vê-la, e se desembaraçou por uma vez do aspecto de libertino enfastiado para lhe sorrir com verdadeiro carinho. — Evie, está bem? — Sim, eu... Não. — esfregou-se as têmporas. — Estou cansada e aborrecida. E tenho fome. A risada do Sebastian pareceu rachar sua melancolia. — Posso fazer algo a respeito. — Não quero interromper seu trabalho — disse ela timidamente. — Rohan se encarregará de tudo por um momento. Veem, vamos ver se a sala de bilhar está vazia. — Bilhar? Para que quer ir aí? — Para jogar, é obvio. — Sebastian lhe dirigiu um olhar lhe sugiram. — Mas as mulheres não jogam a bilhar. — Na França sim. — Por isso Annabelle disse que, na França às mulheres fazem muitas coisas que aqui não fazemos. — Sim — assentiu Sebastian. — São muito avançados, os franceses. Em troca, os ingleses têm tendência a recear muito do prazer. A sala de bilhar estava desocupada. Sebastian pediu que lhes levassem uma bandeja com um pouco de comida, sentaram-se em uma mesinha e conversaram enquanto tomavam bocados. Evie não entendia muito


bem por que dedicava tempo a entretê-la, quando havia tantos assuntos que requeriam sua atenção. Depois de anos de ver o aborrecimento estampado no rosto dos homens quando falava com eles, a confiança em si mesmo lhe tinha ficado reduzida ao mínimo. Entretanto, Sebastian escutava com atenção tudo o que dizia, como se a encontrasse do mais interessante. Animava-a a dizer coisas atrevidas, e parecia que seus tentativas de discutir com lhe deleitavam. Quando Evie terminou de comer, Sebastian a levou a mesa de bilhar e lhe entregou um taco. A seguir procedeu a lhe ensinar os aspectos básicos do jogo. — Não me diga que é muito escandaloso para ti — lhe disse com zombadora severidade. — depois de te fugir comigo a Gretna Green, pode fazer algo. Te incline sobre a mesa. Evie obedeceu com estupidez e se ruborizou ao notar como ele se inclinava sobre ela e a cobria de modo excitante com seu corpo para lhe ensinar a sujeitar bem o taco. — Agora passa o indicador e o polegar ao redor do taco, como uma embocadura — ouviu que lhe dizia. — Assim. Não o sujeite com tanta força, carinho. Relaxa a mão. Perfeito. — Tinha a cabeça tão perto da sua que lhe chegava a fragrância a colônia de sândalo que emanava sua pele cálida. — Trata de imaginar uma rota entre a bola branca e a bola de cor. Tem que golpear justo aqui para enviar a bola de cor ao buraco. É um tiro direto, vê-o? — disse enquanto assinalava um ponto sobre o centro da bola branca. — Agacha um pouco a cabeça. Tira para trás do taco e golpeia a bola branca com um movimento suave. Ao tentá-lo, a ponta do taco não acertou naquele ponto da bola branca, que saiu rodando para o flanco da mesa. — Isso se chama pifia — observou Sebastian, e agarrou a bola para voltar a pô-la em seu lugar inicial. — Quando acontecer isto, passa o giz na ponta do taco e adota uma expressão carrancuda. Isso dá a entender que a culpa é do taco e não de suas aptidões. Evie notou que um sorriso aparecia nos lábios, e se inclinou outra vez sobre a mesa. Pode que estivesse mal, dado que a morte de seu pai era tão recente, mas se estava divertindo pela primeira vez desde fazia muito tempo. Sebastian voltou a inclinar-se sobre ela por detrás e lhe pôs as mãos sobre as suas. — Deixa que te mostre o movimento adequado do taco. Mantêm reto, assim. — concentraram-se juntos no deslizamento regular e constante do taco pelo pequeno círculo que Evie formava com o indicador e o polegar. Era virtualmente impossível que o significado sexual daquele movimento lhe passasse por cima, e Evie se ruborizou a seu pesar. — Deveria te dar vergonha — lhe murmurou ele. — Nenhuma moça recatada pensaria algo assim. Evie riu nervosa, e Sebastian se apartou para observá-la com um sorriso. — Volta a tentá-lo — disse. Ela se concentrou na bola branca, retrocedeu o taco e golpeou com força. Esta vez a bola de cor caiu limpamente no buraco. — Consegui-o! — exclamou emocionada. Sebastian sorriu e a preparou para várias tacadas mais. Situava lhe o corpo, ajustava lhe as mãos, e punha


qualquer desculpa para rodeá-la com os braços. Evie, que o estava passando muito bem, fingia não dar-se conta de suas carícias descaradas. Entretanto, quando lhe fez falhar um tiro pela quarta vez, voltou-se para ele, acusadora. — Como quer que uma mulher atire como é devido se lhe põe aí a mão? — Tentava te ajustar a postura — replicou Sebastian com picardia. Ao ver o olhar zombador de sua mulher, sorriu e se apoiou na mesa de bilhar. — É culpa tua que me veja obrigado a me levar assim. Asseguro-te que até a mim mesmo parece horroroso que o único prazer de que desfruto destes dias seja te perseguir como um adolescente que vai detrás de uma criada. — Perseguia as criadas quando foi um moço? — Por Deus, claro que não. Como te ocorre? — Sebastian pareceu indignar-se. Evie foi desculpar se, mas então ele acrescentou com petulância: — Elas me perseguiam. Evie soltou uma gargalhada e o ameaçou com o taco. — Tranquila, geniozinho — lhe disse ele, rendo, e lhe tirou o taco. — gastará a pouca inteligência que te e, então, de que te serviria um marido assim? — Seria puramente decorativo. — Ah, bom, suponho que isso tem certo valor. Que Deus me ajude se alguma vez perco o atrativo. — Não me importaria. — Seriamente? — perguntou Sebastian com um sorriso zombador. — Se... — deteve-se, violenta de repente. — Se algo acontecesse com seu atrativo, não me importaria seu aspecto. Seguiria... — Vacilou— seguiria querendo que fosse meu marido. O sorriso do Sebastian se foi desvanecendo pouco a pouco. Dirigiu lhe um olhar largo e intensa e seu rosto refletiu algo estranho, uma espécie de paixão e vulnerabilidade. — É a primeira que me diz tal coisa — comentou com voz grave. — Espero que não seja tão iludida para me atribuir dotes que não possuo. — Não; já está o bastante dotado sem necessidade disso — replicou Evie antes de dar-se conta do dobro sentido da frase. Ruborizou-se. — Quer dizer... não me referia A... Mas Sebastian riu em voz baixa, a tensão desapareceu e puxou ela para ele. Evie reagiu ansiosamente, e a diversão de seu marido se dissolveu como açúcar em brandy quente. Beijou-a mais, com mais paixão. — Evie, carinho... — sussurrou. — Te desejo tanto. Meu Deus..., ainda faltam dois meses, treze dias e seis horas para poder me deitar contigo. Diabinha. Me vais matar. Ela, afligida pelo trato infame que lhe tinha imposto, aproximou lhe os lábios aos seus. Sebastian gemeu e a beijou enquanto alargava a mão para fechar a porta da sala de bilhar. Procurou provas a fechadura, girou a chave e se ajoelhou ante ela. Evie apoiou os ombros contra a parede. Estava tão confusa e excitada que a cabeça lhe dava voltas. Sebastian lhe levantou o vestido e procurou com as mãos sob as capas de tecido para atirar das fitas da anágua. — Não, Sebastian — sussurrou tremente, consciente de que não estavam num lugar privado. — Por


favor, aqui não pode... O ignorou seus protestos, seguiu rebuscando sob o vestido e lhe baixou o culote até os joelhos. — Voltarei-me louco se ao menos não te tenho assim. — Não, não... — suplicou Evie fracamente, mas ele não podia ouvi-la. Tinha lhe posto a mão no tornozelo e lhe mordiscava e lambia um joelho através da média de seda. Evie sentiu um súbito e abrasador desejo, e o coração lhe desbocou. Sebastian lhe subiu a parte dianteira do vestido até a cintura e lhe pediu que o sujeitasse. — Aguenta isto — resmungou. Ela não deveria ter obedecido, mas suas mãos pareciam ter vida própria e sustentaram a confusão de veludo à altura de seu estômago. Sebastian lhe baixou o culote até os tornozelos e lhe percorreu a coxa com a boca, de modo que seu fôlego quente lhe excitava a sensível pele dessa zona. Quando lhe roçou o púbis, Evie gemeu de prazer. Os dois dedos que Sebastian lhe introduziu foram imediatamente apertados e absorvidos, já que a úmida vagina se contraía ansiosamente. — OH, Sebastian... — murmurou com os olhos meio fechados enquanto a paixão lhe ruborizava o corpo e o cobria de irregulares zonas rosadas. — Silêncio. Introduziu lhe mais os dedos enquanto com a boca lhe chupava a torcida vulva. Evie apertou os dentes e arqueou as costas. Sebastian não se deteve nem lhe concedeu um instante para recuperar o fôlego, mas sim seguiu acariciando-a e atormentando-a, o que fez que suas sensações aumentassem, até que conteve um grito e se estremeceu. Mas ele não apartou a boca, lhe provocando assim quebras de onda de prazer até que ficou finalmente imóvel, esgotada e desprovida de sensação. Sebastian ficou de pé, pressionou seu corpo excitado contra o de Evie, que lhe rodeou a cintura com os braços e, com os olhos fechados, apoiou a bochecha em seu ombro. — Nosso trato... — balbuciou. — Disse que podia lhe beijar — lhe sussurrou ele junto ao ouvido. — Mas não especificou onde, meu amor.


Capítulo 17

— Chamaste-me, marido meu? — Evie se aproximou da mesa do pequeno escritório, onde Sebastian estava sentado. Um dos criados a tinha conduzido abaixo a pedido dela, acompanhando-a através do caos logo que controlado do clube abarrotado de gente. Era a noite da reabertura do Jenner's e parecia que todos quem era ou desejavam ser membros estavam decididos a entrar. Sebastian tinha na mesa um montão de solicitudes enquanto uma dúzia de homens esperava com impaciência a aprovação no vestíbulo. Ouvia-se rumor de vozes e tinido de taças, e uma orquestra tocava no balcão do primeiro piso. Para honrar a memória do Ivo Jenner se servia champanha sem cessar, o que acrescentava um toque desinibido ao ambiente. O Jenner's voltava a funcionar, e os cavalheiros de Londres estavam contentes. — Sim— respondeu Sebastian. — por que diabos segue aqui? Deveria haver ido faz umas oito horas. Evie não se alterou. — Ainda estou fazendo a bagagem. — Leva fazendo-o três dias. Só tem meia dúzia de vestidos. Seus escassas pertences caberiam em uma bolsa de viagem. Está-te entretendo de propósito, Evie. — E a ti que mais te dá? — replicou. — Os últimos dois dias me trataste como se não existisse. Custa-me acreditar que tenha reparado em minha presença. Sebastian a fulminou com o olhar enquanto se esforçava por controlar suas emoções. Não reparar em sua presença? Maldita seja, teria dado algo por que isso fora certo. Tinha sido dolorosamente consciente de todas suas palavras, de todos seus gestos, e ansiado constantemente vê-la em privado embora só fora um momento. Tê-la diante agora, com suas formosas curvas bem definidas por um vestido de veludo negro, bastava para voltá-lo louco. Supunha-se que a roupa do luto afeiava e desabrilhantava a uma mulher mas, em seu caso, o negro fazia que sua pele parecesse nata fresca e que seu cabelo brilhasse como o fogo. Queria levar lhe à Cama e amá-la até que a misteriosa atração que o dominava se consumisse em suas próprias chamas. Invadia-o uma espécie de desassossego apaixonado, que parecia uma enfermidade, algo que o fazia ir de um quarto a outra e esquecer o que queria. Nunca tinha estado assim: distraído, impaciente, angustiosamente ansioso. Não obstante, tinha que proteger a Evie dos perigos e as depravações do clube, assim como dele mesmo. Devia mantê-la a salvo e arrumar lhe para ver a de tanto em tanto... Era a única solução. — Quero que vá agora — disse. — Tudo está preparado para te receber na casa. Estará muito mais cômoda que aqui. E eu não terei que me preocupar de que te meta em problemas. — levantou-se e se dirigiu para a porta procurando guardar a distância física de segurança entre ambos. — vou pedir uma carruagem. Tem que estar nele num quarto de hora. — Ainda não jantei. Seria muito pedir uma última comida?


Embora Sebastian não a olhava, captou seu tom de desafio infantil e sentiu uma pontada no coração, ao que sempre tinha considerado tão somente um músculo eficiente. Não chegou a decidir o do jantar porque nesse momento viu que Cam se aproximava do escritório acompanhado da figura inconfundível do conde de Westcliff. — Maldita seja! — resmungou detrás voltar a cabeça e mexer o cabelo. — O que acontece? — perguntou Evie. — Será melhor que vá — repôs ele em tom grave e rosto inexpressivo. — Westcliff está aqui. — Não vou a nenhuma parte — replicou Evie. — Westcliff é muito cavalheiro para organizar uma briga diante de uma dama. — Não preciso me esconder detrás de suas saias, carinho — indicou Sebastian com um sorriso desdenhoso. — E duvido muito que venha em busca de briga, já que todo isso ficou arrumado a mesma noite em que me levei a senhorita Bowman. — O que quer então? — Ou me advertir ou comprovar se necessitar que lhe resgatem. Ou ambas as coisas. Evie seguia a seu lado quando Westcliff entrou no escritório. — Milorde — disse Cam a Sebastian — , roguei ao conde que esperasse, mas... — Ninguém pode dizer ao Westcliff o que fazer — comentou Sebastian com secura. — Está bem, Cam. Volta para as mesas ou será um caos. E te leve a lady St. Vincent contigo. — Não — replicou Evie de uma vez que dirigia um olhar preocupado da cara zombadora do Sebastian à pétrea do Westcliff— Fico — anunciou antes de dirigir-se a lorde Westcliff— Pensei muito frequentemente no Lillian, Milorde. Espero que se encontre bem. Westcliff lhe deu um beija-mão e falou com sua característica voz grave. — Muito bem, obrigado. Gostaria de lhes receber em casa, se o necessitarem. Sebastian ficou furioso. Se esse bode arrogante acreditava que podia ir aí e lhe arrebatar a sua esposa diante de seus narizes, estava muito equivocado. — Obrigado, Milorde — respondeu Evie em voz baixa enquanto contemplava os marcados rasgos do Westcliff. Tinha o cabelo negro e os olhos tão escuros que era impossível distinguir a íris da pupila. — eu adorarei lhes visitar logo. Mas sua hospitalidade não é necessária neste momento. — Muito bem. A oferta segue em pé. Me permitam lhes dar meus mais sentido pêsames por sua recente perda. — Obrigado. — Sebastian enrugou o sobrecenho ao ver como sua mulher sorria ao Westcliff. Como possuidor do título de conde mais antigo e mais capitalista da Inglaterra, Marcus, lorde Westcliff, possuía o aura de um homem acostumado a que suas opiniões fossem ouvidas e tidas em conta. Embora não era atrativo num sentido clássico, possuía uma vitalidade sombria e um vigor masculino que lhe faziam destacar em qualquer reunião. Era um bom esportista e um cavaleiro perito, conhecido por chegar ao limite de suas forças físicas e as superar. De fato, Westcliff o expor tudo assim na vida: tinha que destacar sempre em algo que fizesse.


Westcliff e Sebastian tinham sido amigos dos dez anos, e tinham acontecido a maior parte de seus anos de formação no mesmo internado. Já então tinha parecido uma amizade insólita porque, por natureza, Westcliff acreditava em imperativos morais e não tinha nenhuma dificuldade em distinguir o bem do mal. A Sebastian, por sua parte, adorava converter as questões mais singelas em algo complexo, simplesmente como uma forma de exercitar sua inteligência. Westcliff escolhia sempre o Caminho mais eficiente e claro, enquanto que Sebastian preferia o mais sinuoso e pior traçado, que causava a um toda classe de problemas antes de chegar finalmente a seu destino. Entretanto, havia muitas coisas que os dois amigos compreendiam um de outro, já que ambos tinham crescido sob a influência de um pai indiferente e manipulador. Ambos compartilhavam uma visão pouco romântica do mundo, conhecedores de que podiam confiar em muito pouca gente. E, como refletiu então Sebastian com tristeza, ele tinha traído a confiança do Westcliff de um modo irreparável. Pela primeira vez em sua vida, sentia uma pontada nauseabunda que só podia identificar como arrependimento. Por que diabos tinha posto seu olhe no Lillian Bowman? Quando se tinha precavido de que Westcliff estava interessado nela, por que não se procurou outra herdeira? Tinha sido um imbecil em não pensar no Evie. Agora sabia muito bem que não havia valido a pena arruinar uma amizade por Lillian. A ausência do Westcliff em sua vida era como uma chaga no pé que não acaba de curar-se. Sebastian esperou a que Cam tivesse fechado a porta ao partir. Depois, rodeou com um braço possessivo os estreitos ombros de Evie e se dirigiu a seu antigo amigo: — Como foi a lua de mel? — perguntou. Westcliff ignorou a pergunta. — Dadas as circunstâncias — disse a Evie — , parece-me necessário lhes perguntar se lhes casaram sob coação. — Não, é obvio que não — assegurou Evie, e se aproximou mais de Sebastian, como se quisesse protegê-lo. — Em realidade foi minha ideia, Milorde. Fui à casa de lorde St. Vincent a lhe pedir ajuda e ele me emprestou isso. — Seguro que tinham outras possibilidades — comentou secamente Westcliff, ao parecer nada convencido. — Nenhuma que visse naquele momento. — E deslizou o braço pela cintura do Sebastian, assombrando-o. — Não lamento minha decisão — acrescentou Evie. — Voltaria a fazê-lo sem vacilar. Lorde St. Vincent foi muito bom comigo. — Minha esposa falta à verdade, claro — soltou Sebastian com uma risada cínica, enquanto o pulso lhe acelerava. Tinha o corpo suave de Evie pego a um flanco e sentia seu calidez. Não entendia por que se erguia em seu mais entusiasta defensora. — fui um bode com ela — disse ao Westcliff inexpressivamente— , Por sorte para mim, sua família a maltratou tanto tempo que a pobre não sabe o que é ser bem tratada. — Isso não é certo — comentou Evie ao Westcliff. Nenhum dos dois dirigiu um sozinho olhar a Sebastian, que teve a lhe exasperem sensação de estar excluído da conversação. — foi um período difícil, como poderão imaginar. Não o teria superado sem o apoio de meu marido. Cuidou que minha saúde e me protegeu todo o possível. Trabalhou muito para conservar o negócio de meu pai. E me defendeu quando


meus tios tentaram me levar contra minha vontade... — Passaste-te, encanto — atravessou Sebastian com um sorriso malévola. — Westcliff me conhece o bastante bem para saber que eu jamais trabalharia. Nem defenderia a ninguém. Só me preocupam meus próprios interesses. — Para seu chateio, nenhum dos dois emprestou atenção a seus comentários. — Estou convencida de que meu marido não teria atuado como o fez se tivesse sabido que estavam realmente apaixonado por Lillian, Milorde — explicou Evie. — Isto não desculpa sua conduta, mas... — Não a ama — observou Sebastian, e se apartou um passo de Evie. De repente, era como se a quarto se reduzira, como se as paredes ameaçassem esmagando. Maldita fora por tratar de desculpar-se por ele. E maldita fora por fingir que se tinham carinho. — Acredita no amor tão pouco como eu — assegurou, e olhou desafiante ao Westcliff. — Quantas vezes me há dito que o amor é uma falsa ilusão dos homens para converter a desagradável realidade do matrimônio num pouco medianamente suportável? — Estava equivocado — comentou Westcliff com frieza. — por que está tão furioso? — Não estou... — Sebastian se deteve o dar-se conta de que ia perder os papéis. Olhou a Evie e viu o assombroso investimento de suas posições. Ela, a gaga solteira do baile, agora serena e firme, e ele, sempre tão dono de si mesmo, reduzido a um idiota exaltado. E tudo diante do Westcliff, que os observava com curiosidade. — O que devo fazer para me liberar de ti? — espetou Sebastian a Evie com brutalidade. — Parte com o Westcliff se não querer ir à casa da cidade. Me dá no mesmo com tal de te perder de vista. A Evie lhe exageraram os olhos e se estremeceu. Mas conservou a compostura, inspirou fundo e exalou com mesura. Ao observá-la, Sebastian quase sucumbiu ao impulso de ajoelhar-se para lhe pedir perdão. Mas permaneceu imóvel enquanto ela se dirigia para a porta. — Evie... — resmungou. Sua esposa o ignorou e saiu muito erguida do escritório. Sebastian apertou os punhos enquanto a seguia com o olhar. Passados uns segundos, obrigou-se a voltar-se para o Westcliff. Seu velho amigo não o olhava com ódio, a não ser com um pouco parecido a uma moderada compaixão. — Não me esperava encontrar este panorama — disse em voz baixa. — É outra pessoa, Sebastian. Fazia anos que Westcliff não se dirigia a ele por seu nome de pilha. Os homens, inclusive os irmãos ou os amigos íntimos, chamavam-se quase sempre pelo sobrenome. — Vai ao inferno — resmungou Sebastian. — Imagino que vieste só para zombar de mim. Se for assim, chega um mês tarde. — Essa era minha intenção. Agora, entretanto, decidi ficar para tomar uma taça de brandy enquanto me conta que demônios pretende. Para começar, poderia me explicar por que assumiste a direção de um clube de jogo. Era o pior momento para sentar-se a conversar, já que o clube estava cheio de gente, mas de repente lhe importou um cominho. Fazia muitíssimo tempo que não conversava com alguém que o conhecesse tão bem. Embora não se fazia iluda com respeito a sua antiga amizade, a perspectiva de comentar coisas com o


Westcliff, embora não fora o pormenorizado Westcliff de antigamente, supunha lhe um grande alívio. — Muito bem, falemos — resmungou. — Não vá. Voltarei em seguida. Não posso permitir que minha esposa cruze o clube sozinha. Saiu a pernadas em direção ao vestíbulo. Ao não ver nem rastro da figura vestida de negro de Evie, deduziu que tinha seguido uma rota alternativa, possivelmente através da sala central. Deteve-se em uma das entradas com forma de arco e percorreu a multidão de cabeças com o olhar. Em seguida localizou o brilhante cabelo de sua esposa. Dirigia-se para a esquina onde Cam estava sentado. Vários membros do clube se apartaram a seu passo. Sebastian a seguiu, devagar ao princípio para ir acelerando o passo depois. Estava em uma situação estranha e se esforçava por entender-se. Sempre lhe tinha dado muito bem dirigir às mulheres. Por que, então, resultava lhe impossível manter-se indiferente respeito a Evie? Estava separado do que mais queria, não por uma distância real, mas sim por um passado manchado pela libertinagem. Devia permitir-se ter uma verdadeira relação com ela... Não, impossível. Seus excessos a manchariam como a tinta negra que se estende sobre um pergaminho branco. Voltaria se cínica, amargurada, e quando o conhecesse melhor, desprezaria o. Cam, sentado num tamborete alto para fiscalizar as mesas de jogo, viu aproximar-se de Evie. Pôs um pé no chão. Elevou a cabeça morena e percorreu a sala rapidamente com a vista, atento como sempre a tudo o que ocorria. Ao ver o Sebastian, assentiu com a cabeça para lhe indicar que a reteria a seu lado até que ele chegasse. Fiscalizou a sala outra vez e franziu o cenho. Encolheu um pouco os ombros como se algo o arrepiasse, e olhou para trás. Ao não ver nada estranho, começou a levantar-se de novo no tamborete. Entretanto, foi como se um sexto sentido lhe fizesse esquadrinhar a multidão, como se um ímã atraíra seu olhar. Elevou os olhos para as galerias do primeiro piso e Sebastian viu como se concentrava em algo. Depois de separar-se da gente, Sebastian seguiu o olhar atônito do Cam e viu um homem fornido, moreno, de pé num balcão. Ia sujo e despenteado, e sua cabeça tinha uma inconfundível forma de bala. Joss Bullard. Mas como se penetrou no clube sem que ninguém o visse? Certamente através de uma entrada secreta. O clube tinha mais aberturas e Caminhos que uma toca de coelhos. E ninguém os conhecia melhor que Bullard ou Cam, que tinham vivido ali desde meninos. Sebastian deu um pulo ao ver o brilho do canhão de uma pistola. Inclusive desde esse ângulo, era evidente aonde apontava Bullard. O branco era Evie, que estava ainda a uns cinco metros do Cam. Instintivamente, Sebastian se precipitou como um raio, presa do pânico. A figura de Evie se voltou tão definida e detalhada que pôde distinguir até o cabelo do veludo de seu vestido. Todos seus nervos e músculos se esticaram para alcançá-la, todos os batimentos do coração de seu coração se dedicaram a subministrar sangue a suas extremidades. Lançou-se sobre ela, protegendo-a com seu corpo e derrubando-a ao chão com o mesmo impulso. Um disparo ressonou na grande sala. Sebastian notou um violento impacto no flanco e sentiu uma espécie de queimação. A queda ao chão o deixou momentaneamente aturdido. Estava meio deitado sobre o Evie e procurava lhe cobrir a cabeça com os braços enquanto ela lutava debaixo de seu corpo.


— Fique quieta — ofegou de uma vez que a mantinha no chão, temeroso de que Bullard voltasse a disparar. — Espera, Evie. Esta obedeceu enquanto a confusão se desatava a seu redor: gritos, imprecações, trancos, passos fortes... Sebastian levantou um pouco a cabeça e se arriscou a olhar para aquele balcão. Bullard já não estava. Com um grunhido de dor, rodou para um lado e comprovou se sua mulher estava ferida, pois a bala podia havê-la alcançado também a ela. — Evie, carinho, está bem? — por que me empurrou assim? — perguntou ela com voz apagada. — Sim, estou bem. O que passou? O que foi esse ruído? Sebastian lhe apartou uma mecha de cabelo que lhe caía sobre os olhos. Desconcertada, Evie saiu de debaixo de seu corpo e se incorporou. Sebastian seguia deitado de flanco, ofegante, enquanto o tórax e a cintura lhe empapavam de sangue. A gente se formava redemoinhos para sair do edifício e ameaçava pisoteando ao casal no chão. De repente, um homem se inclinou sobre eles detrás abrir-se passo entre a multidão desenquadrada e pôs seu corpo como um baluarte para impedir que os esmagassem. Sebastian piscou ao ver que era Westcliff. Meio aturdido, levantou uma mão para sujeitá-lo pela jaqueta. — Esse bode apontava a Evie — disse com voz rouca. Lhe tinham intumescido os lábios, e os umedeceu com a língua. — Mantêm a salvo. Mantêm A... Evie soltou um grito ao ver a ensanguentado peitilho do Sebastian e compreender que estava ferido. Começou a lhe desabotoar a jaqueta e o colete com desespero. Westcliff se tirou rapidamente a jaqueta e a pôs como travesseiro ao ferido. Evie abriu a Camisa empapada de sangue e viu a lhe sangrem ferida no flanco. Empalideceu e lhe encheram os olhos de lágrimas, mas conseguiu dominar-se para agarrar a almofada que Westcliff tinha improvisado com seu colete e apertá-lo contra a ferida para reduzir a hemorragia. Sebastian gemeu de dor. Seguia com a mão levantada e os dedos meio fechados. O aroma de sangue impregnava o ar. Westcliff se inclinou para ele e examinou o orifício de saída. — Atravessou-o — disse a Evie. — Mas não parece ter afetado nenhum órgão. Enquanto Westcliff mantinha a pressão sobre a ferida, Evie se moveu para descansar a cabeça do Sebastian em seu regaço e que o veludo negro lhe servisse de almofada. Tomou uma mão e a segurou com força. Isto pareceu rebater a dor lacerante da parte inferior do torso. Sebastian lhe olhou o rosto inclinado para ele, incapaz de interpretar sua expressão. Tinha um brilho estranho nos olhos, uma espécie de carinho ou pesar... Não sabia o que era. Ninguém o tinha cuidadoso nunca desse modo. Esforçou-se por dizer algo para tranquilizar a sua esposa. — Isto é o que me passa por... — a dor o deixou sem fôlego— por tentar me fazer o herói. A partir de agora seguirei sendo um galinha. É mais... seguro. — O disparo veio da galeria superior — disse Westcliff. — Um antigo empregado. Bullard. Despedido recentemente. — Está seguro de que apontava a sua esposa? — Sim.


— Talvez dessa maneira tentava vingar-se de ti. — Não — resmungou Sebastian. — Só poderia ser assim se... acreditasse que a quero..., mas todo mundo sabe... que é um matrimônio de conveniência. Westcliff lhe dirigiu um olhar de estranheza mas se absteve de responder. Sebastian não podia saber a imagem que davam Evie e ele nesse momento: ele obstinado a sua mão e ela lhe acariciando a cabeça em seu regaço com o mesmo carinho de uma mãe. Quão único sabia era que a ferida lhe doía horrores. Uns tremores incessantes se apoderaram dele e os dentes começaram a lhe tocar castanholas. Foi vagamente consciente de que Westcliff se afastava para dar ordens a gritos e que voltava com um montão de jaquetas. Tampou-o com elas e seguiu aplicando pressão à ferida. Sebastian perdeu o conhecimento um momento. Quando voltou em si, notou como a mão cálida de Evie lhe acariciava a cara fria e suada. — O médico está de Caminho — murmurou ela. — Quando a hemorragia se reduza, levaremos lhe acima. — Onde está Rohan? — conseguiu dizer entre dentes. — Depois do disparo o vi sair em perseguição do Bullard— respondeu Westcliff. — De fato, Rohan subiu por uma coluna para chegar ao primeiro piso. — Se não apanhar a esse bode o farei eu — resmungou Sebastian. — E então... — Silêncio — lhe disse Evie, e deslizou a mão livre por debaixo do montão de jaquetas para ficar à sobre o peito nu. Descansou a palma sobre seu débil coração e notou uma cadeia de ouro que tinha pendurada do pescoço. Seguiu-a e descobriu a aliança escocesa que havia nela. Sebastian não tinha querido que soubesse que levava o anel sob a roupa. — Não significa nada — sussurrou inquieto. — Só queria que estivesse a boa cobrança. — Já — murmurou Evie. Sebastian sentiu o roce dos lábios de sua esposa na fronte e a suave carícia de seu fôlego. Viu como lhe sorria. — Deste-me a desculpa perfeita para ficar — lhe disse. — vou cuidar te até que esteja o bastante recuperado para me jogar. Sebastian não pôde lhe devolver o sorriso. A ansiedade o invadiu ao compreender que Evie não estaria segura aí nem em nenhuma parte até que apanhassem ao Bullard. — Westcliff... — disse. — Alguém tem que proteger a minha esposa... — Não lhe acontecerá nada — lhe assegurou o conde. Quando Sebastian observou a seu velho amigo, o único homem honorável que tinha conhecido, viu-o cuidadosamente impassível. Ambos sabiam o que Evie era muito inexperiente para imaginar: que embora a bala não havia meio doido nenhum órgão vital, era provável que a ferida se infectasse. Não morreria da hemorragia, mas provavelmente sim de uma febre mortal. E, em é te caso, não haveria ninguém que se responsabilizasse de Evie. Estaria sozinha e desprotegida num mundo cheio de depredadores. De homens como ele. Tremendo devido ao frio e o choque, Sebastian conseguiu pronunciar umas palavras se desesperadas entre


inspirações entrecortadas. — Westcliff... O que fiz... Sinto muito. Perdoa... Perdoa... — A vista lhe nublava e se esforçou por não perder o conhecimento. — Evie... Protege-a, por favor. Por favor... Viu dançar um montão de luzes brilhantes, até que estas se apagaram e todo se voltou negro. — Sebastian — sussurrou Evie de uma vez que se aproximava a mão flácida de seu marido à bochecha para beijá-la com os olhos cheios de lágrimas. — Não passa nada — a tranquilizou Westcliff. — Só se deprimiu. Voltará em si num momento. Evie soluçou antes de recuperar o controle. — ficou de propósito entre Bullard e eu — comentou então. — Recebeu o disparo por mim. — Isso parece. — Westcliff a observava enquanto pensava, entre outras coisas, que se tinham produzido algumas mudanças interessantes tanto no Sebastian como em sua insólita esposa desde que se fugiram juntos. Ao inteirar-se de que St. Vincent se casou com o Evangeline Jenner, Lillian se havia posto furiosa, presa de angústia por seu amiga. — Esse monstro! — tinha exclamado quando voltaram para Londres da Itália. — Abusar precisamente de Evie. OH, não imagina quão frágil é! Terá sido cruel com ela. É uma moça indefesa e muito inocente... meu deus, matarei a esse bastardo! — Sua irmã disse que não parecia uma mulher precisamente maltratada — assinalou Westcliff com sensatez, embora também lhe preocupava que uma mulher tão indefesa como Evangeline Jenner estivesse à mercê do St. Vincent. — É provável que estivesse muito assustada para admiti-lo — replicou Lillian, que se passeava com o olhar inquieto. — É provável que a tenha violado e ameaçado. Possivelmente inclusive golpeado... — Não, não — tentou acalmá-la Westcliff de uma vez que a rodeava com os braços. — Segundo Daisy e Annabelle, teve muitas oportunidades de lhes dizer se tinha sofrido algum abuso. Mas não o fez. Olhe, se isso te tranquilizar, irei ao clube e lhe oferecerei refúgio. Pode ficar conosco no Hampshire se o desejar. — Quanto tempo? — balbuciou Lillian, aconchegada entre seus braços. — Indefinidamente, é obvio. — OH, Marcus... — exclamou ela com os olhos umedecidos. — Fariam isso por mim? — Algo, minha vida. Algo que te faça feliz. De modo que Westcliff tinha ido ao Jenner's essa noite para averiguar se Evangeline estava cativa contra sua vontade. Contrariamente ao que esperava, encontrou-se com uma mulher que parecia ansiosa por ficar e que manifestava um carinho evidente pelo St. Vincent. Quanto a este, sempre tão distante e indiferente... Resultava difícil acreditar que o homem que tratava às mulheres com tanto desdém pudesse ser o mesmo que acabava de arriscar a vida por sua esposa. Que um homem que jamais se mostrou arrependido de nada lhe pedisse perdão e que, ato seguido, virtualmente lhe suplicasse que protegesse a sua esposa, o fazia chegar a uma conclusão inevitável: St. Vincent, contra todo prognóstico, tinha chegado a querer mais a outra pessoa que a si mesmo. Uma situação certamente extraordinária. Era difícil entender como alguém como Evangeline Jenner podia


ter provocada semelhante mudança no St. Vincent, um homem com tanto mundo. Entretanto, Westcliff tinha aprendido que os mistérios da atração não sempre podiam explicar-se mediante a lógica. Às vezes, as fissuras de duas almas separadas podem ser o que as une. — Milady... — disse em voz baixa. — Evie — pediu esta, que seguia com a mão inerte de seu marido apoiada na cara. — Evie, tenho que te perguntar algo. Por que St. Vincent? — Precisava escapar de minha família, de forma legal e para sempre — explicou ela com um sorriso triste enquanto deixava com suavidade a mão do St. Vincent. — me Casar era a única forma de obtê-lo. E, como saberá, não é que tivesse uma cauda de pretendentes no Hampshire. Quando me inteirei do que St. Vincent fazia ao Lillian, horrorizei-me. Mas também me ocorreu que era a única pessoa que parecia tão se desesperada como eu. O bastante para aceitar algo. — Formava parte de seu plano que dirigisse o clube de seu pai? — Não, isso o decidiu ele, para minha surpresa. De fato, surpreendeu-me em todo momento desde que nos casamos. — Gesso? — Fez todo o possível pôr me cuidar, ao tempo que proclama sua indiferença. — Contemplou a cara de seu marido. — Tem coração, apesar do muito que tenta convencer do contrário. — Já. Tem-no, embora até esta noite albergava minhas dúvidas.


Capítulo 18

Embora Cam e Westcliff tiveram muito cuidado de levá-lo acima, o traslado debilitou a Sebastian. Evie os acompanhou todo o momento. Angustiava lhe ver a palidez de seu marido. Cam estava igual de consternado, embora continha suas emoções para centrar-se no que a situação requeria. — Não sei como entrou Bullard — resmungou o moço enquanto carregavam o corpo necessitado por um lance comprido de escadas. — Conheço todas as formas de entrar e sair deste lugar. Acreditava que não... — Não é tua culpa, Cam — o interrompeu Evie em voz baixa. — Alguém lhe franqueou a entrada, em que apesar a que adverti aos empregados. — Não é tua culpa — repetiu Evie, e o jovem se calou, mal-humorado. Westcliff guardou silêncio, salvo quando murmurou umas indicações ao girar num canto. Carregava a Sebastian pelas axilas, enquanto Cam o sujeitava pelas pernas. Embora Sebastian era corpulento, ambos eram fortes e o levavam sem problemas. Evie os conduziu até a quarto principal, que acabavam de renovar e tinha as paredes pintadas de nata. Tinham substituído a velha Cama por outra grande e bonita, procedente da casa do Sebastian na cidade. Quem se teria imaginado que ia converter se no quarto de um doente tão pouco tempo depois da morte do Ivo Jenner. Um par de criadas, que seguiam as instruções de Evie, trouxeram toalhas e água, e rasgaram uns lençóis para obter tiras largas de tecido. Westcliff e Cam deixaram o corpo flácido na Cama, e Evie lhe tirou as botas enquanto eles o despiam. Deixaram lhe os calções por uma questão de pudor. Evie molhou uma tira limpa na água quente e lavou as manchas de sangue do corpo de seu marido. Via-se prodigioso e indefeso de uma vez, com seu elegante corpo mais magro devido à atividade física constante e a várias refregas de beco que lhe tinham fortalecido os músculos. Westcliff tomou uma tira de tecido e secou com cuidado a ferida de bala para examiná-la melhor. — Pelo tamanho do orifício, diria que Bullard usou uma pistola do calibre cinquenta. — Tenho a arma — disse Cam bruscamente. — Bullard a abandonou na galeria do primeiro piso detrás ter disparado. — me deixe vê-la — pediu Westcliff. O moço a entregou pela culatra. Westcliff a examinou com o olhar perito de um atirador acostumado. — Uma pistola de duelo — observou. — Canhão octogonal de nove polegadas com olhe, seguro de platina e antecâmara gravada. Uma arma custosa, e certamente parte de um jogo. A inscrição reza: Fabricada por Manson e Filho do Dover Street. — Examinou-a mais atentamente. — Aqui há um te defenda de prata que tem gravado o nome do proprietário, acredito. Embora esteja muito deslustrado para distinguir as letras — indicou, e se meteu a pistola num bolso enquanto dizia ao Cam com uma sobrancelha arqueada: — se não lhe importa, me ficarei. — É obvio, Milorde — respondeu secamente Cam, sabendo que em realidade sua permissão não era


necessária. A chegada do doutor Hammond, um homem bondoso e de excelente reputação que tinha atendido ao Ivo Jenner no passado, impediu que seguissem falando. Cam e Westcliff saíram da quarto enquanto o médico examinava ao paciente, limpava lhe a ferida e a cobria com uma vendagem ligeira. — Embora não lesou nenhum órgão importante, a ferida é grave — explicou a Evie com expressão séria. — A recuperação dependerá de sua resistência, dos cuidados que receba e, como sempre, da graça divina. É quase seguro que terá febre, que terá que seguir seu curso. Nestes casos, considero necessário sangrar ao paciente para lhe extrair tudo o sangue doente possível. Visitarei-o cada dia para decidir quando deveríamos proceder a isso. Enquanto isso, mantenha-o limpo e descansado, lhe dê água e caldo de carne, e lhe administre este medicamento para lhe aliviar o mal-estar. Evie murmurou um obrigado quando entregou um frasco de xarope opiáceo. Depois de que o médico se fora, tampou a Sebastian com um edredom, já que os efeitos do choque e a perda de sangue lhe provocavam tremores. Ele abriu os olhos e os enfocou nela com dificuldade. — Se necessitar a graça divina, tenho-o mal — sussurrou. — Salvo que possamos subornar a algum anjo corrupto. — Não blasfeme — lhe advertiu Evie com um risinho sobressaltada. Abriu o xarope, serve uma colherada e passou um braço por detrás do pescoço de seu marido. — Tome isto. Sebastian o fez com uma careta. Sem lhe tirar o braço do pescoço, Evie alargou a mão livre para uma taça de água e a pôs nos lábios. — Carinho — murmurou. — Bullard... — disse Sebastian detrás ter obedecido, já recostado de novo no travesseiro. — Cam não conseguiu apanhá-lo — respondeu Evie de uma vez que tomava um bote de bálsamo e lhe lubrificava um pouco nos lábios ressecados. — Cam e lorde Westcliff estão abaixo, falando com o policial que enviaram a investigar. — Resultou ferido alguém mais? — quis saber Sebastian, que tentava incorporar-se. Uma pontada de dor lhe fez empalidecer e se deixou cair com um grito afogado. — Não te mova ou voltará a sangrar — disse Evie com brutalidade. Pô lhe uma mão no peito e passou os dedos na magra correia que lhe percorria o tórax até chegar à aliança, antes de responder à sua pergunta: — Ninguém mais resultou ferido. E assim que se informou aos membros do clube de que o agressor tinha fugido, voltaram em turba, ao parecer bastante divertidos com o ocorrido. Os lábios do Sebastian esboçaram uma ameaça de sorriso. — Mais diversão da que tinha previsto oferecer — comentou. — Cam diz que não afetará ao negócio. — Medidas de segurança — sussurrou Sebastian, exausto pelo esforço de falar. — lhe Diga ao Cam... — Sim, vai contratar a mais homens. Não pense em nada disto agora. Preocupe-se só de te recuperar. — Evie... — Procurou provas a mão de sua esposa e a segurou fracamente sobre seu tórax nu. Notou a


aliança contra os batimentos do coração irregulares de seu coração. — Vê com o Westcliff — murmurou, e fechou os olhos. — Depois. Depois do que? Evie ficou olhando e compreendeu que se estava referindo a sua própria morte. Ao sentir que apartava a mão da sua, a reteve com força. Já não era suave nem cuidada, a não ser mais dura, calejada, com as unhas cortadas inexoravelmente curtas. — Não — lhe contradisse. — Não vai haver nenhum depois. Estarei contigo em todo momento. Ficará comigo. Não te deixarei ir. — De repente, custou lhe respirar e sentiu a pressão do pânico em seu peito. Ainda inclinada para ele, voltou a mão para que sua Palmas se tocassem e seus pulsos estivessem em contato, Um débil e o outro forte. — Não te deixarei ir, meu amor — sussurrou, e entrelaçou seus dedos com os do Sebastian. Sebastian despertou aturdido de dor, não só na ferida, mas também na cabeça, os ossos e as articulações. O corpo lhe abrasava, como se tivesse fogo sob a pele, e se retorceu em uma tentativa inútil de evitar o calor. De repente, umas mãos delicadas descenderam para ele e lhe aconteceram um pano molhado pela cara. Vaiou de alívio e alargou a mão para a origem do frescor. — Não, Sebastian, não. Fique quieto. Deixa que te ajude. Era a voz de Evie que lhe chegava através de uma dor insofrível. Ofegante, soltou-a e se deixou cair de novo no colchão. O pano frio lhe percorreu o corpo com movimentos amplos e aliviou sua tortura temporalmente. Com cada passada, ia acalmando até que pôde jazer tranquilo sob seus cuidados. — Evie — disse com voz rouca. — Sim, carinho. — Ela se deteve antes de lhe pôr uns pedacinhos de gelo nos lábios gretados. — Estou aqui. Sebastian abriu os olhos. Perplexo por sua expressão de carinho, observou como se inclinava para ele. O gelo lhe desfez em seguida na boca. Antes de que pudesse lhe pedir mais, já o tinha dado. Com um pano fresco, lavou lhe o peito e os flancos, e também as axilas. A quarto estava às escuras salvo pela luz que entrava por uma janela meio coberta, e uma brisa fria penetrava pela abertura. — O médico ordenou ter a janela fechada — comentou Evie ao ver seu olhar. — Mas parece descansar melhor quando está aberta. Sebastian sentiu uma enorme gratidão quando ela seguiu refrescando-o com o pano molhado. Seu vestido branco e sua pele pálida lhe conferiam o aspecto de um espírito imaculado e benévolo. — Quanto tempo? — sussurrou. — Hoje é o terceiro dia, carinho. Se pudesse te voltar um pouco para o lado são... Espera, que te porei um travesseiro. Assim. Com parte das costas assim ao descoberto, Evie lhe refrescou os ombros doloridos e a coluna vertebral. Sebastian gemeu em voz baixa e recordou vagamente as demais vezes que lhe tinha feito isso, suas mãos suaves, seu rosto sereno à luz do abajur. Em meio da confusão e a dor, tinha sido consciente de que ela o cuidava e estava pendente de suas necessidades com uma intuição assombrosa. Quando tiritava devido à febre, tampava-o com mantas e estreitava seu corpo tremente entre seus braços. Sempre estava aí antes de que ele tivesse que chamá-la. Compreendia-o tudo, como se pudesse lhe ler o pensamento. O pior


temor do Sebastian tinha sido sempre depender assim de alguém. E a cada hora que passava estava mais débil, tinha a ferida mais inflamada e a febre mais alta. Pressentia que a morte lhe rondava como um espectro impaciente, preparada para levar lhe quando suas defesas fraquejassem. Mas quando Evie estava com ele, remetia; a morte seguia à espreita, mas de longe. Até então não tinha compreendido a fortaleza de sua mulher. Nem sequer ao vê-la cuidar com carinho a seu pai tinha suspeitado como seria depender dela, necessitá-la. Mas nada lhe repugnava, nada era muito para ela. Era seu apoio, seu amparo, e ao mesmo tempo o debilitava com um carinho e uma ternura que tinha começado a ansiar apesar de que o abrandavam. Os braços largos e esbeltos de Evie o ajudaram a recostar-se no travesseiro. — Uns golinhos de água — lhe disse enquanto lhe levantava a cabeça. Sebastian negou levemente com a cabeça porque, embora sentia a boca seca, uma só gota de água lhe bastaria para ter náuseas. — Faz-o por mim — insistiu ela, e lhe levou a taça aos lábios. Sebastian lhe dirigiu um olhar turvo mas obedeceu. E lhe incomodou que suas seguintes palavras de elogio lhe produziram uma sensação de prazer. — É um anjo — murmurou Evie com um sorriso. — Muito bem. Agora descansa e te refrescarei um pouco mais. Ao notar como lhe acontecia o pano úmido pelo pescoço e a cara, suspirou aliviado e fechou os olhos, mas os sonhos não lhe permitiram descansar. Depois do que podiam ter sido minutos, horas ou dias, despertou afligido de uma dor terrível. Tratou de tocar o flanco, que lhe ardia e doía como se lhe tivessem parecido uma lança envenenada. — Sebastian, por favor. — A voz de Evie acalmou seu desassossego. — te Recoste. O doutor Hammond veio a te examinar. Sebastian descobriu que estava muito fraco para mover-se. Era como se lhe tivessem pacote chumbo aos braços e as pernas. — me ajude — sussurrou com voz áspera, já que não desejava seguir totalmente horizontal. Evie se apressou a lhe levantar a cabeça e lhe pôr um travesseiro debaixo. — Boa tarde, Milorde — disse uma voz de barítono. O corpulento médico apareceu ante ele, com um sorriso que lhe separava a barba cinza e lhe iluminava o rosto corado. — Esperava encontrar alguma melhoria — observou a Evie. — Baixou a febre? Ela sacudiu a cabeça. — Algum indício de fome ou sede? — Às vezes toma uns sorvos de água — murmurou Evie, e deslizou os dedos ao redor dos do Sebastian. — Mas não pode reter nada de caldo. — Darei uma olhada à ferida. Sebastian notou que lhe baixavam os lençóis até os quadris e lhe tiravam a vendagem. Quando tentou protestar contra a humilhação de que o deixassem ao descoberto de uma forma tão displicente, Evie lhe pôs uma mão no peito. — Tranquilo — lhe sussurrou. — É por seu bem.


Muito fraco para levantar a cabeça, concentrou-se na cara de sua esposa enquanto ela e o médico observavam a ferida. A expressão de Evie não trocou, mas pelo pestanejo rápido de seus olhos, soube que as coisas não tinham melhorado — Como temia — disse Hammond em voz baixa— , está-se inflamando. Vê essas raias vermelhas que se dirigem para o coração? Terei que lhe extrair um pouco de sangue doente. Espero que isso reduza a inflamação. — Mas já perdeu muita sangue... — disse Evie, insegura. — Não chegará a dois litros — replicou Hammond de modo tranquilizador. — Não vou machucar o, milady, mas sim mas bem a lhe permitir liberar a constrição dos copos sanguíneos devida à acumulação de veneno. Sebastian sempre tinha tido dúvidas sobre o processo da sangria, mas nunca tanto como agora que a foram praticar. O pulso lhe acelerou até converter-se em golpezinhos débeis mas frenéticos nas têmporas. — Não — sussurrou com a respiração agitada. Sentiu um enjoo e se esforçou por ver através das luzes que lhe dançavam ante os olhos. Não foi consciente de haver-se desacordado, mas quando voltou a abrir os olhos tinha o braço esquerdo pacote ao respaldo de uma cadeira junto à Cama com uma terrina no assento. Ainda não havia sangre na terrina, mas Hammond se aproximava com um utensílio parecido a uma caixinha. — O que é isso? — perguntou Evie. Sebastian reuniu todas suas forças para voltar a cabeça em direção a sua mulher. — chama-se escarificador — respondeu Hammond. — É o método mais eficiente de sangrar, frente à antiquada lanceta. — Evie — sussurrou Sebastian. Ela não pareceu ouvi-lo, já que seu olhar cansado não se desviou do médico, que seguia explicando-se. — A caixa contém doze folhas unidas a um dispositivo giratório impulsionado por uma mola. Se se pulsar o mecanismo disparador, as folhas infligem uma série de cortes superficiais que provocam a saída do sangue. — Evie. Ela o olhou e tentou tranquilizá-lo. — Isto te ajudará, carinho. — Não. Mataria-o. Já era bastante difícil combater a febre e a dor. Se uma larga sangria o debilitava ainda mais, não poderia aguentá-lo. Desesperadamente, puxou do braço que tinha estendido mas estava bem pacote e a cadeira nem sequer se moveu. Com uma maldição silenciosa, elevou os olhos para sua esposa enquanto lutava contra um enjoo. — Não — repetiu com rudeza. — Não lhe deixe... — Carinho — sussurrou Evie e se agachou para lhe beijar os lábios trementes. De repente lhe brilhavam os olhos de lágrimas Pode que seja sua oportunidade, sua única oportunidade... — Morrerei, Evie... — Um medo crescente lhe nublou à vista, mas se obrigou a manter os olhos abertos.


A cara de sua esposa se voltou imprecisa. — Morrerei... — sussurrou de novo. — Lady St. Vincent — disse a voz amável e firme do doutor— , a ansiedade de seu marido é bastante compreensível. Entretanto, seu julgamento se vê afetado por sua enfermidade. Neste momento, é você quem está mais capacitada para tomar decisões por ele. Não lhe recomendaria este procedimento se não acreditasse em sua eficácia. Deve me permitir proceder. Duvido que lorde St. Vincent chegue a recordar alguma vez esta conversação. Sebastian fechou os olhos e soltou um gemido de desespero. Quem dera Hammond fora o típico louco com uma risada maníaca, alguém de quem Evie desconfiaria instintivamente. Mas Hammond era um homem respeitável, com toda a convicção de quem cria estar fazendo o correto. Ao parecer, um verdugo podia adotar muitas formas. Evie era sua única esperança, sua única defensora. Sebastian jamais se teria imaginado que ocorreria isto, que sua vida dependeria da decisão de uma jovem ingênua que se deixaria convencer pela autoridade do Hammond. Não havia ninguém mais a quem recorrer. Sentiu os dedos carinhosos de sua esposa em sua bochecha quente e elevou os olhos para ela com desespero, incapaz de pronunciar uma palavra. Meu deus, Evie, não deixe que o faça. — Tudo bem— disse esta olhando-o. Ao Sebastian lhe parou o coração já que acreditou que o dizia ao médico. Mas Evie se dirigiu à cadeira, desatou lhe a boneca e começou a lhe massagear a pele avermelhada. — Doutor Há... Hammond— disse então. — Lorde St. Vincent não quer submeter-se a este procedimento. Devo respeitar seus desejos. Para sua eterna humilhação, Sebastian soltou um soluço de alívio. — Milady, rogo lhe que repense — repôs o médico, ansioso. — Respeitar os desejos de um homem que não sabe o que diz devido à febre pode resultar mortal para ele. Me permita ajudá-lo. Confie em meu julgamento, sou médico. Evie se sentou na Cama enquanto acariciava a mão do Sebastian em seu regaço. — Respeito seu ju... ju... — deteve-se e sacudiu a cabeça. — Meu marido tem direito a tomar ele mesmo esta decisão. Sebastian fechou os dedos ao redor das dobras de seu vestido. O gagueira era um signo evidente de sua ansiedade interior, mas não cederia. Podia ser tão obstinada como uma mula; ele sabia melhor que ninguém. Suspirou vacilante e se relaxou, com a sensação de que sua manchada alma estava bem cuidada. Hammond sacudiu a cabeça e começou a guardar seus instrumentos. — Se não me permite utilizar minhas técnicas e se nega a seguir minha opinião profissional — anunciou com dignidade— , temo-me que não poderei fazer nada pelo doente. Se não se proporcionar o tratamento adequado, esta situação terá um final desafortunado. Que Deus lhes ajude. O médico saiu da quarto deixando atrás dele uma esteira dou profunda desaprovação. Imensamente aliviado, Sebastian estendeu os dedos sobre a coxa de Evie. — Que se vá com vento fresco — conseguiu resmungar quando a porta se fechou. Era evidente que Evie


se debatia entre rir ou chorar. — Olhe que é cabezota — lhe disse olhando-o com os olhos úmidos de lágrimas. — Acabamos de jogar a um dos médicos mais reputados de Londres. Qualquer outro que venha quererá também te sangrar. A quem chamaremos agora? A um bruxo? A um adivinho? Com as poucas forças que ficavam, Sebastian conseguiu aproximá-la mão de Evie aos lábios. — A ti — sussurrou. — Só necessito a ti.


Capítulo 19

Evie teve muitas dúvidas sobre sua decisão de não permitir ao doutor Hammond proceder como acreditasse oportuno. Depois da marcha do médico, o estado de saúde do Sebastian foi piorando: a ferida lhe inflamava e a febre lhe seguia subindo. A meia-noite já não estava lúcido. Os olhos lhe brilhavam de modo inquietante na cara avermelhada pela febre. Olhava a Evie sem reconhecê-la enquanto balbuciava incoerências e fazia revelações sombrias que despertavam sua compaixão. — Silêncio — sussurrava às vezes. — Silêncio. Não é assim, Sebastian. Mas ele insistia com um desespero terrível. Sua mente atormentada tirava reluzir mais e mais coisas até que finalmente Evie desistiu de tentar sossegá-lo e lhe apertou as mãos entre as suas enquanto ouvia com paciência sua amarga letargia. Estando lúcido ele jamais teria permitido que ninguém vislumbrasse seu eu interior desprotegido, mas Evie sabia talvez melhor que ninguém o que era viver em uma solidão se desesperada, desejando uma relação, uma sensação de plenitude. E também sabia até que ponto se teria fundo Sebastian nessa solidão. Passado um momento, quando sua voz rouca logo que era um sussurro entrecortado, Evie lhe troco o pano da fronte e lhe aplicou bálsamo aos lábios gretados. Pô lhe a mão na bochecha e sentiu como sua barba lhe arranhava os dedos. Em seu delírio, Sebastian voltou a cara para a suavidade de sua palma com um suspiro mudo. Seu marido era um ser formoso, pecador, atormentado. Haveria quem diria que estava mal querer a um homem assim, mas ao olhar seu corpo necessitado Evie soube que nenhum homem significaria para ela quão mesmo Sebastian porque, apesar de tudo, ele tinha estado disposto a dar sua vida por ela. Tombou-se a seu lado na Cama, encontrou a cadeia entre o cabelo de seu peito e cobriu a aliança com sua mão para dormir junto a ele umas horas. Pela manhã, Sebastian estava totalmente imóvel, sumido num estupor profundo. — Sebastian? — Tocou lhe a cara e o pescoço. Ardia em febre. Parecia impossível que a pele humana pudesse estar tão quente. Levantou-se correndo e acionou com força o atirador da Campainha. Com a ajuda do Cam e as criadas, tentaram lhe baixar a febre lhe colocando bolsas de musselina cheias de gelo ao redor do corpo. Sebastian permaneceu quieto e silencioso todo o momento. Evie teve certas esperanças quando a febre pareceu remeter, mas logo reatou sua ascensão imparável. Cam, que tinha assumido as tarefas do Sebastian no clube além das suas, parecia quase tão exausto como ela. Vestido ainda com a roupa da noite e a gravata cinza lhe pendurando desenredada do pescoço, aproximou-se aonde Evie estava sentada. Ela nunca tinha estado tão desesperada. Não tinha perdido a esperança nem sequer nos piores momentos passados com os Maybrick. Mas tinha a impressão de que se seu marido não sobrevivia, jamais voltaria a sorrir. Sebastian tinha sido o primeiro homem que tinha cruzado a barreira de seu acanhamento. E desde o


começo a tinha cuidado como ninguém. Sorriu com tristeza ao recordar o primeiro lava-pés quente que lhe tinha posto nos pés durante aquela viagem infernal a Escócia. Falou com o Cam sem deixar de observar a cara pálida de seu marido. — Não sei o que posso fazer — sussurrou. — Qualquer médico que chame quererá sangrá-lo, e lhe prometi que não o permitiria. Cam lhe apartou umas mechas da cara e disse: — Minha avó era curandeira. Lembro que estava acostumado a me cobrir as criadas com água salgada e lhes pôr uma compressa de musgo seco e pântano. E quando tinha febre, me fazia mastigar tubérculos de dondiego da noite. — Dondiego da noite — repetiu Evie sem compreender. — O que é? — Cresce nos bosques — lhe explicou de uma vez que lhe acontecia o cabelo solto por detrás da orelha. Evie apartou a cabeça, envergonhada porque não se lavou e sabia da importância que os ciganos dão à higiene pessoal. Contra o que a gente acredite, havia infinidade de rituais romanis relacionados com a lavagem e a limpeza. — Crie que poderia encontrar um pouco? — De dondiego da noite? — E de musgo de pântano. — Suponho que sim, com um pouco de tempo. — Não acredito que fique muito — indicou Evie, e lhe quebrou a voz. Temendo perder o controle de suas emoções, endireitou-se na cadeira e fugiu o contato que Cam oferecia a modo de consolo. — Não; estou bem. Encontra o que cria que possa ir bem. — Voltarei logo — disse em voz baixa, e partiu. Evie seguiu sentada junto à Cama num estado de indecisão exausta, consciente de que possivelmente deveria fazer alguma concessão a sua falta de sonho, comida e algum que outro cuidado mínimo, mas lhe dava medo deixar a Sebastian sequer uns minutos. Não queria voltar e encontrar-se com que tudo tinha terminado em sua ausência. Tentou esclarecê-los pensamentos para tomar uma decisão, mas parecia ter os mecanismos cerebrais danificados. Encurvada na cadeira, contemplava a seu marido agonizante. Pesavam lhe tanto o corpo e a alma que lhe resultava impossível atuar ou pensar. Não foi consciente de que alguém entrava no quarto, nem de nenhum outro movimento que não fora o mínimo, quase imperceptível, do peito do Sebastian ao respirar. Mas pouco a pouco se deu conta de que havia um homem de pé junto a sua cadeira. Sua presença emanava uma vitalidade e uma força contida que contrastava com o ambiente sonolento da quarto do doente. Ao elevar os olhos, viu o rosto preocupado de lorde Westcliff. Sem mediar palavra, Westcliff se agachou para levantá-la e a segurou para que não perdesse o equilíbrio. — Trouxe-te para alguém — lhe disse em voz baixa. O olhar de Evie percorreu a quarto até que conseguiu concentrá-la na outra visita. Era Lillian Bowman, agora lady Westcliff, elegante e radiante com um vestido granada. Sua tez branca


mostrava um pouco de cor do sol da Itália, e levava o cabelo negro recolhido na nuca com uma rede para cabelo chapeada bordada com contas. Lillian era uma jovem indômita, alta e esbelta, a que cabia imaginar-se capitaneando seu próprio navio pirata; uma jovem feita para atividades perigosas e nada convencionais. Embora não possuía a beleza romântica de Annabelle Hunt, tinha um atrativo impressionante, de rasgos bem definidos, que proclamavam que era americana antes de ouvir sequer seu acento nova-iorquino. De seu círculo de amigas, Lillian era a que sentia mais próxima. Lillian não possuía a suavidade maternal de Annabelle, nem o otimismo radiante de Daisy. Sempre tinha intimidado a Evie com sua língua afiada e sua impaciência. Entretanto, podia lhe contar com ela nos maus momentos. Ao ver o rosto gasto de Evie, aproximou-se sem duvidá-lo e a estreitou entre seus braços. — Evie — murmurou com carinho. — Em que confusão te colocaste? A surpresa e o alívio de sentir-se tão agasalhada por uma amiga a que não esperava ver a afligiram por completo. Sentiu como se aguçava a dor nos olhos e a garganta até que não pôde conter mais o pranto. — Teria que ter visto como reagi quando Annabelle e Daisy me contaram o que tinha feito — disse Lillian, e a abraçou com mais força lhe aplaudindo as costas. — Quase me caio redonda, e depois lancei toda classe de imprecações contra St. Vincent por aproveitar-se de ti. Estive tentada de vir aqui e lhe disparar. Mas parece que alguém me evitou a moléstia. — Amo-o — sussurrou Evie entre soluços. — Não é possível — soltou Lillian inexpressivamente. — Sim, amo-o, e vou perder o como perdi a meu pai. Não o suporto... — Só você poderia amar a um homem tão vil e egoísta — murmurou Lillian detrás suspirar. — Admito que tem seu atrativo, mas seria melhor que desse seu carinho a alguém que pudesse te corresponder. — Lillian! — protestou Evie. — De acordo. Suponho que não está bem insultar a um homem prostrado. De momento me calarei. — separou-se e observou as gastas facções de Evie com preocupação As demais queriam vir, claro. Mas Daisy não está casada e, portanto, não pode nem espirrar sem acompanhante, e Annabelle se cansar com facilidade devido a seu estado. Mas Westcliff e eu estamos aqui, e vamos solucionar o tudo. — Não poderão — choramingou Evie. — Sua ferida... Está muito grave. Entrou no co... vírgula, acredito. Lillian a rodeou com um braço e se voltou para o conde para lhe perguntar com voz de sargento de cavalaria: — Está em vírgula, Westcliff? O conde, que estava inclinado para o corpo de barriga para baixo do Sebastian, dirigiu lhe um olhar irônico. — Duvido que ninguém pudesse está-lo com o alvoroço que armas. Não, se estivesse em vírgula não despertaria. E não há dúvida de que se moveu quando gritou. — Eu não gritei — o corrigiu Lillian. — Só falei em voz alta. É distinto. — Seriamente? — repôs Westcliff com suavidade, de uma vez que destampava Sebastian até os quadris. — Levanta a voz tão frequentemente que não vejo a diferença. Lillian soltou a Evie com uma risinho mordaz.


— Como estou casada contigo, me... meu deus, é horrível! — exclamou ao ver a ferida do Sebastian, que ficou ao descoberto quando Westcliff lhe tirou a vendagem. — Sim— disse o conde em tom grave enquanto observava a ferida purulenta, com as linhas vermelhas que se dirigiam para cima. Evie se secou as bochechas e se aproximou da Cama. Westcliff, competente como sempre, tirou um lenço da jaqueta e o deu. — esteve insensível desde ontem pela tarde — explicou Evie detrás secá-los olhos e soá-la nariz. — Não permiti que o doutor Hammond lhe sangrasse. Sebastian não queria. Mas agora eu gostaria de havê-lo feito. Poderia haver melhorado. Mas é que não podia deixar que lhe fizessem algo contra sua vontade. A forma em que me olhou... — Duvido muito que lhe tivesse melhorado — disse Westcliff. — Poderia ter acabado com ele. Lillian se aproximou mais e se estremeceu ao ver a asquerosa ferida e a palidez amarelada do Sebastian. — O que podemos fazer, então? — O senhor Rohan sugeriu cobrir a ferida com uma solução salina — indicou Evie de uma vez que cobria com cuidado o orifício de bala e tampava a Sebastian até os ombros. — Conhece uma planta que poderia lhe baixar a febre. Agora mesmo foi para buscá-lo tudo. — Poderíamos lavar lhe com suco de alho — sugeriu Lillian. — Minha babá estava acostumada fazê-lo com os cortes e arranhões, e se curavam muito mais rápido. — Minha velha ama de chaves, a senhora Faircloth, utilizava vinagre — murmurou Westcliff. — Ardia muitíssimo, mas ia bem. Acredito que poderíamos provar uma combinação das três coisas e lhe acrescentar essência de terebintina. — Resina de pinheiro? — Lillian o olhou indecisa. — Destilada — respondeu Westcliff. — Vi como curava gangrenas. — Voltou para o Lillian para ele e lhe deu um beijo carinhoso na fronte. — Conseguirei todo o necessário e calcularei as proporções — disse. Sua expressão era grave, mas seus olhos sombrios refletiram um brilho carinhoso quando se fixaram nos de sua mulher. — Enquanto isso, deixarei a situação em suas mãos. — Será melhor que te dê pressa. — Lillian seguiu a borda do pescoço da Camisa do Westcliff com o dedo deixando que a ponta tocasse sua pele morena. — Se St. Vincent se acordada e vê que está a minha mercê, é provável que se mora do susto. — Não morrerá — assegurou Westcliff. — Se você o diz — repôs Lillian— , assim será. Nem o muito mesmo diabo se atreveria a te contradizer uma vez que decidiste algo. Intercambiaram um breve sorriso antes de que Westcliff partisse. — Que arrogante e presunçoso é — comentou Lillian sem deixar de sorrir enquanto observava como o conde se ia. — meu Deus, adoro-o. — Como foi que...? — Evie se Cambaleou. — Temos muitas coisas de que falar, céu — a interrompeu energicamente Lillian. — Pelo que teremos


que deixá-lo para depois. Está meio morta de cansaço. E, francamente, não iria mal um banho. — Procurou o atirador com o olhar e, assim que o localizou no canto, chamou. — Agora estou aqui para cuidar de ti. Vamos pedir que encham uma banheira para que te lave, e depois tomará umas torradas com um pouco de chá. Evie sacudiu a cabeça e abriu a boca para protestar, mas Lillian desprezou suas objeções com firmeza. — Eu me encarregarei do St. Vincent. Sem entender por que sua amiga se oferecia a cuidar de seu raptor, Evie a olhou com receio. Sua amiga não destacava por ser compassiva e, embora jamais machucaria a um homem indefeso prostrado em uma Cama, deixar Sebastian a sua mercê não a tranquilizava de tudo. — Não posso acreditar que queira... depois do que te fez. — Não o faço por ele, céu — sorriu Lillian com ironia. — O faço por ti. E pelo Westcliff, que por alguma razão se nega a considerá-lo uma causa perdida. — Ao ver que Evie seguia duvidando, entreabriu os olhos com impaciência. — Pelo amor de Deus, vá banhar te. E te faça algo no cabelo. Não se preocupe pelo St. Vincent. Serei tão amável com ele como o seria com meu próprio marido. — Obrigado — sussurrou Evie, e notou que os olhos voltavam a encher-se o de lágrimas. — OH, céu... — Lillian adotou uma expressão de compaixão que Evie nunca lhe tinha visto e a abraçou de novo. — Não se preocupe. Não vai se morrer. Só a gente boa morre prematuramente — comentou, e acrescentou com uma risinho: — Os casulos egoístas como St. Vincent vivem décadas para atormentar a outros. Evie se banhou e se trocou com a ajuda de uma criada. Ficou um vestido folgado sem espartilho, fez-se uma trança no cabelo e se calçou umas sapatilhas de ponto. Ao voltar para a quarto do Sebastian, viu que Lillian a tinha ordenado e tinha aberto as cortinas. Levava um trapo pacote à cintura a modo de avental improvisado, que estava manchado, quão mesmo seu corpete. — Fiz lhe tomar um pouco de caldo — explicou Lillian. — Me custou conseguir que o tragasse, já que não estava o que se diz consciente, mas insisti até que tomou quase meio tigela. Acredito que transigiu com a esperança de que eu fosse um pesadelo que desapareceria se me seguia a corrente. Evie tinha sido incapaz de conseguir que Sebastian bebesse nada desde na manhã anterior. — É fantástica. — Sim, já sei. — Lillian fez um gesto de impaciência, incomoda como sempre que a elogiavam. — Acabam de subir uma bandeja; está aí, na mesa junto à janela. Ovos escaldados com torradas. Comete-o tudo, céu. Eu não gostaria de ter que usar a força também contigo. Enquanto Evie se sentava e atacava obedientemente uma torrada lubrificada de manteiga, Lillian trocou o pano da fronte do Sebastian. — Devo admitir que costa aborrecê-lo vendo-o tão mal. E diz muito a seu favor que esteja ferido por te proteger. — sentou-se na cadeira situada junto à Cama e olhou a Evie. — Pergunto por que o faria. É egoísta até a medula. Não é absolutamente a classe de homem que se sacrificaria por ninguém. — Não é tão egoísta — balbuciou Evie, e acompanhou a torrada com um sorvo de chá quente.


— Westcliff acredita que St. Vincent está apaixonado por ti. Evie se engasgou um pouco e não se atreveu a levantar os olhos do prato. — por que acredite isso? — Como o conhece desde pequeno, entende-o bastante bem. E considera que tem sua lógica que tenha sido você quem finalmente o conquistou. Diz que uma garota como você seria... mmm... Como o disse? Não recordo as palavras exatas, mas era algo como que seria a fantasia mais íntima e secreta do St. Vincent. Evie se ruborizou e procurou — Ao contrário, sua fantasia é ter relações com todas as mulheres que lhe cruzem por diante. — Essa não é a fantasia do St. Vincent, céu, é sua realidade — a contradisse Lillian com um sorriso. — E você pode que seja, em comparação, a primeira moça doce e decente com a que se relaciona. Nunca tinha conhecido a alguém como você. — Passou muito tempo contigo e com o Daisy no Hampshire. — Eu não sou nada doce, céu — esclareceu Lillian, divertida com o comentário de seu amiga. — E tampouco o é minha irmã. Não me diga que te enganaste pensando isso todo este tempo. Justo quando Evie terminou o prato de ovos com torradas, lorde Westcliff e Cam entraram no quarto carregados de potes, garrafas, poções e diversos artigos. Acompanhavam-nos um par de criadas com vasilhas de metal fumegantes e montões de toalhas dobradas. Embora Evie queria ajudar, pediram lhe que se apartasse enquanto dispunham os objetos junto à Cama e cobriam ao doente com toalhas até deixar ao descoberto só a ferida. — Seria conveniente que antes tomasse um pouco de morfina — assinalou Westcliff, e com um palito e uma parte de linho formou uma espécie de bastãozinho de algodão. — É provável que este procedimento o aduela mais que o próprio disparo. — Lhe pode obrigar a tragar — assegurou Lillian. — Quer que me eu encarregue, Evie? — Não, já o farei eu. — Evie se aproximou da Cama e verteu uma dose de xarope de morfina num copo. Cam se situou a seu lado e lhe deu um envelope de papel que continha o que parecia cinza verde escuro. — O dondiego da noite — esclareceu. — O encontrei no primeiro farmacêutico ao que fui. O musgo de pântano foi algo mais difícil de encontrar, mas também o consegui. Evie lhe deu as obrigado com um gesto. — Quanto pó devo lhe dar? — Para um homem do tamanho do St. Vincent, eu diria que dois colheradas pelo menos. Evie removeu o pó no copo com o medicamento cor âmbar, que se voltou negro. Sem dúvida saberia pior do que parecia. Só esperava que se Sebastian aceitava tragar lhe pudesse reter de algum modo essa beberagem tão repugnante. Sentou-se na Cama e lhe acariciou o cabelo e a bochecha ressecada e ardente. — Sebastian — sussurrou. — Acordada. Tem que tomar um medicamento. Não despertou, nem sequer quando lhe passou um braço por detrás do pescoço e tratou de lhe levantar a cabeça. — Não, assim não — disse Lillian. — É muito delicada. Eu tive que sacudi-lo com força para que


despertasse e tomasse o caldo. Deixa que te ensine. Sentou-se na Cama a seu lado e sacudiu ao paciente várias vezes sem contemplações, até que este gemeu e entreabriu os olhos. Olhou-as sem as reconhecer. — Sebastian — disse Evie com ternura. — Tenho que te dar um medicamento. Tentou voltar-se para o flanco ferido e a dor lhe provocou uma reação violenta: com um brusco movimento do braço jogou no Evie e Lillian fora da Cama, as fazendo cair ao chão. — Maldição! — exclamou Lillian. Evie com muita dificuldade conseguiu evitar que o conteúdo do copo se derramasse. Sebastian, delirante, ofegou e grunhiu, e se deixou cair na Cama tremendo como um farrapo. Embora sua resistência consternou a Evie, também lhe alegrou comprovar que conservava parte de suas forças, o que era preferível a sua anterior quietude cadavérica. Lillian, entretanto, não opinava o mesmo. — Teremos que atá-lo — sentenciou. — Não poderemos lhe sujeitar enquanto lhe tratamos a ferida. — Não quero que... — começou Evie mas, para seu assombro, Cam estava de açodo com o Lillian. — Lady Westcliff tem razão. Evie guardou silêncio e contemplou o corpo tremente de seu marido. Voltava a ter os olhos fechados e retorcia os dedos convulsivamente, como se queria apanhar algo no ar. Era incrível que um homem tão vital pudesse ver-se reduzido a uma figura tão enxuta e sem vida. Faria o que fora necessário para lhe ajudar. Tomou com resolução uns trapos limpos e os entregou ao Cam, que foi de uma esquina a outra da Cama para atar com firmeza os dois braços e uma perna do Sebastian à armação de ferro. — Dou lhe o medicamento? — perguntou a Evie. — Posso fazê-lo eu — respondeu esta, e voltou a sentar-se na Cama. Depois de lhe pôr outro travesseiro debaixo da cabeça, tampou lhe o nariz com os dedos. Assim que Sebastian abriu a boca para aspirar, verteu lhe dentro a espessa beberagem. O pobre se engasgou mas tragou o medicamento com o mínimo alvoroço possível. Cam arqueou as sobrancelhas, impressionado pela eficiência de Evie, enquanto Sebastian amaldiçoava e atirava em vão de suas ataduras. Evie se inclinou para ele, acariciou-o e o acalmou lhe sussurrando palavras carinhosas. Quando pôr fim se tranquilizou, Evie elevou os olhos e viu que Lillian os contemplava com os olhos entreabertos e sacudindo ligeiramente a cabeça, como assombrada. Evie supôs que como só tinha conhecido a Sebastian em seu papel de arrogante libertino que rondava pelo imóvel do Westcliff, vê-lo em semelhantes circunstâncias devia lhe resultar incrível. Enquanto isso, Westcliff se tinha tirado a jaqueta e arregaçado a camisa, e estava removendo uma mescla que propagou um fedor cáustico pela quarto. Lillian, cujo olfato era especialmente sensível, fez uma careta e se estremeceu. — É a combinação de aromas mais espantosa que cheirei em minha vida. — Essência de terebintina, alho e outros ingredientes que o farmacêutico sugeriu — explicou Cam. — Também disse que depois lhe aplicássemos um cataplasma de mel, já que isso evita que as feridas se infectem.


E a seguir extraiu de uma caixa de madeira um funil de latão e um objeto cilíndrico com uma manga num extremo e uma espécie de agulha no outro. — O que é isso? — exclamou Evie, assustada. — Também do farmacêutico — explicou Cam, e elevou o artefato para observá-lo com os olhos entreabertos. — Uma seringa. Quando lhe descrevemos o que pensávamos fazer, disse que se a ferida era tão profunda, a única forma de irrigá-la bem era usando isto. Depois de dispor uma série de instrumentos, recipientes de produtos químicos e um montão de toalhas e trapos dobrados, Westcliff se dirigiu às duas mulheres. — Isto será bastante desagradável — anunciou. — portanto, se houver alguém apreensivo... — Olhou de modo significativo ao Lillian, que fez uma careta. — Eu sou apreensiva, como muito bem sabe — admitiu. — Mas posso me dominar se for necessário. Um sorriso carinhoso iluminou o rosto impassível do conde. — Evitaremos lhe o mau gole, carinho. Quer sair da quarto? — Sentarei me junto à janela — disse Lillian, e se afastou agradecida da Cama. Westcliff olhou a Evie com uma pergunta silenciosa nos olhos. — Onde me ponho? — disse esta. — A minha esquerda. Necessitaremos muitas toalhas, assim irá substituindo as sujas quando for necessário. — Muito bem. Ocupou seu lugar enquanto Cam se colocava à direita do conde. Quando Evie elevou os olhos para o perfil decidido do Westcliff, de repente lhe custou acreditar que esse homem poderoso, que sempre a tinha intimidado tanto, estivesse disposto a tudo isso por ajudar a um amigo que o tinha traído. Sentiu uma enorme gratidão, e não pôde evitar lhe atirar um pouco da manga. — Tenho que te dizer algo antes de começar... — Sim? — Westcliff inclinou a cabeça para ela. Como não era tão alto como Sebastian, lhe foi fácil ficar nas pontas dos pés para lhe beijar a bochecha. — Obrigado por ajudá-lo — disse olhando-o aos olhos, que mostravam uma expressão de surpresa. — É o homem mais honorável que conheci. Suas palavras fizeram ruborizar aquela cara bronzeada pelo sol, e pela primeira vez desde que se conheciam, parecia que o conde não sabia o que dizer. — Seus motivos não são tão honoráveis — assegurou Lillian, que os observava do outro lado da quarto com um sorriso. — Estou segura de que lhe entusiasma a ideia de verter literalmente sal nas feridas do St. Vincent. Apesar de sua ironia, Lillian empalideceu e se aferrou aos braços da cadeira quando Westcliff tomou uma lanceta magra e reluzente, e procedeu a abrir e drenar com cuidado a ferida. Inclusive depois da dose abundante de morfina, a dor fez que Sebastian arqueasse as costas e se retorcesse com o rosto contraído, enquanto soltava protestos incoerentes. Cam o imobilizou para evitar qualquer


movimento. O mais difícil foi, entretanto, quando Westcliff começou a verter água salgada na ferida. Sebastian gritou com rudeza e lutou enquanto seu amigo utilizava a seringa repetidamente até que a solução salina que empapava as toalhas que tinha sob o corpo adquiriu um tom rosado devido ao sangue. Westcliff se trabalhou em excesso de modo firme e preciso, com uma eficiência e energia que qualquer cirurgião teria admirado. De algum modo, Evie foi capaz de superar sua angústia, que sepultou sob capas de atordoamento enquanto se trabalhava em excesso com a mesma indiferença que mostravam Westcliff e Cam. Metodicamente, retirava as toalhas sujas punha outras novas no flanco de seu marido. Para seu imenso alívio, Sebastian se deprimiu em seguida, de modo que permaneceu alheio ao resto do doloroso tratamento. Uma vez a carne viva esteve poda, Westcliff embebeu um algodão na mescla de terebintina e empapou a ferida a consciência. Depois se apartou e deixou atuar ao Cam, que envolveu um pouco de musgo de pântano num pano de musselina, lubrificou-o de mel e o aplicou com cuidado na zona. — Já está - anunciou o romani, e desatou por fim as extremidades do Sebastian. — A cura começará de dentro. Seguiremos com os cataplasmas uns quantos dias e depois prescindiremos do musgo e deixaremos que cresça pele nova. Logo, todos uniram esforços para rodear totalmente a cintura esbelta do Sebastian com uma atadura de linho e para muda os lençóis molhados a efeitos de deixar a Cama limpa e seca. Quando tiveram terminado, Evie começou a tremer devido à tensão. Viu com surpresa que até o Westcliff parecia cansado, e que soltava um comprido suspiro enquanto com um trapo se enxugava a suarenta cara. Lillian se aproximou dele para abraçá-lo e lhe murmurar palavras carinhosas. — Acredito que deveríamos muda a cataplasma e a vendagem umas duas vezes ao dia - comentou Cam enquanto se lavava as mãos com água e sabão. — Se ao anoitecer não lhe baixou a febre, dobraremos a dose de dondiego. — Fez gestos a Evie para que se aproximasse e lhe lavou também as mãos e os braços. — Todo irá bem, princesa. Quando o conde drenava a ferida, não se via tão mal como me temia. Evie meneou a cabeça com desalento enquanto esperava com passividade infantil a que lhe secasse as mãos. — Não posso me permitir nenhuma esperança... Foi apagando a voz. Notou como se o chão se inclinasse sob seus pés, e se moveu com estupidez para tratar de conservar o equilíbrio. Cam a segurou e a aproximou do peito. — À Cama - ordenou enquanto a levava para a porta. — Sebastian... — balbuciou ela. — Nos ocuparemos dele enquanto você descansa. Não pôde escolher, já que seu corpo, privado de sonho e exausto, negou-se a seguir sustentando-a. Quão último soube foi que Cam a deitava na Cama e a agasalhava como se fora uma menina pequena. Assim que seu calor corporal começou a esquentar os lençóis frite, sumiu-se num sonho tranquilo. Ao despertar, Evie viu a alegre chama de uma vela na mesinha de noite. Havia alguém sentado aos pés da Cama. Era Lillian, com aspecto desalinhado e cansado e o cabelo recolhido na nuca. Evie se incorporou devagar e se esfregou os olhos.


— É de noite? — perguntou com voz rouca. — Devo ter dormido toda a tarde. — dormiste dia e meio, céu — replico sua amiga com um sorriso. — Westcliff e eu cuidamos que seu príncipe azul enquanto Rohan dirigia o clube. Evie se passou a língua pela boca pastosa e terminou de incorporar-se, assustada. — Sebastian... — esforçou-se por perguntar enquanto o coração lhe pulsava com força. — Está...? — O que quer ouvir primeiro, a boa notícia ou a má? — repôs Lillian com doçura detrás tomar a mão entre as suas. Evie sacudiu a cabeça, incapaz de falar. Olhou a sua amiga com lábios trementes, sem pestanejar. — A boa é que lhe baixou a febre e que a ferida já não está infectada - explicou Lillian, e sorriu para acrescentar: — A má é que talvez tenha que suportar a esse patife o resto de sua vida. Evie se pôs a chorar de alívio. — OH, Meu deus! Tampou-se os olhos com a mão livre enquanto os soluços lhe sacudiam os ombros. Lillian lhe oprimiu a mão com força. — Sim— comentou Lillian com voz seca. — Eu também choraria se fosse meu marido, embora por razões muito distintas. Isso fez sorrir a Evie, que sacudiu a cabeça sem desentupir-se ainda os olhos chorosos. — Está consciente? Pode falar? — Sim, perguntou várias vezes por ti, e se zangou quando me neguei a despertar antes. Evie baixou a mão e a observou através das lágrimas. — Estou segura de que não queria ser ingrato — comentou. — depois de to... tudo o que tem feito... — Não trate de lhe justificar — indicou Lillian, divertida. — O conheço bastante bem. E certamente não me acredito que queira a ninguém que não ele seja mesmo, bom, acaso um pouco a ti. Mas se te faz feliz, suponho que terei que suportá-lo. Lillian enrugou o nariz e pareceu procurar de onde procedia um aroma desagradável antes de detectá-lo nas mangas de seu vestido. — OH, menos mal que minha família possui uma fábrica de sabão. Porque necessitarei cem pastilhas para me tirar a peste desse maldito cataplasma. — Nunca poderei te agradecer quão suficiente o tenha cuidado — disse Evie. — Não há de que — respondeu alegremente Lillian detrás levantar-se da Cama e encolher-se de ombros. — Valeu à pena, embora só seja para que St. Vincent esteja em dívida comigo. Não poderá voltar a me olhar na cara sem a humilhação de recordar que lhe vi nu e inconsciente em uma Cama. — Viu-o nu? — perguntou Evie arqueando as sobrancelhas. — Ora — disse sua amiga com afetado desdém, já de Caminho para a porta. — O vi um par de vezes, dada à situação da ferida. — Ao chegar à porta dirigiu a Evie um olhar safadinho. — Sobre esse rumor que circula sobre ele, tenho que admitir que fica curto. — Que rumor? — perguntou Evie sem compreender, e Lillian se foi da quarto soltando um risinho.


Capítulo 20

Antes que tivesse passado uma semana, Sebastian se tinha convertido no pior paciente imaginável. Curava-se a um ritmo considerável, embora não o bastante depressa para seu gosto, e se frustrava ele mesmo e a todos outros ao exceder todos os limites. Queria ficá-la roupa de costume e comer como sempre. Insistiu obstinadamente em levantar-se e percorrer capengante os aposentos e a galeria superior, sem fazer caso dos protestos exasperados de Evie. Sabia que não podia forçar sua recuperação, que exigiria tempo e paciência, mas não podia controlar-se. Jamais tinha dependido de ninguém, e agora que devia sua vida ao Westcliff, Lillian, Cam e, sobretudo, a Evie, embargavam-no umas sensações desconhecidas: a gratidão e a vergonha. Não suportava olhá-los aos olhos, de modo que se refugiava em uma áspera arrogância. Os piores momentos eram quando estava a sós com o Evie. Cada vez que ela entrava no quarto, sentia uma conexão aterradora, uma sensação desconhecida, e a combatia até ficar exausto, tivesse lhe ido bem provocar uma discussão com ela, algo para estabelecer a distância necessária, mas isso era impossível já que Evie satisfazia todas suas petições com paciência e preocupação infinita. Não podia acusar a de esperar gratidão, já que ela não dava a entender que a devesse. Não podia acusar a de envenená-lo, já que cuidava dele com uma eficiência delicada, e tinha o tato de deixá-lo solo salvo que ele a chamasse. Ele, que nunca tinha temido nada, estava apavorado do poder que Evie tinha sobre ele. E lhe dava medo seu desejo de estar com ela todos os minutos do dia, de vê-la, de ouvir sua voz. Desejava seu contato. Sua pele parecia estar pendente das carícias de sua esposa, como se essa sensação formasse parte de seu corpo. Era algo distinto à mera necessidade sexual, era uma espécie de vício patético e irremediável. Saber que Joss Bullard tinha atentado contra Evie lhe atormentava ainda mais. Tinha que averiguar por que Bullard tinha chegado a tal extremo, por que demônios queria matar à pessoa mais doce do mundo. Sebastian queria o sangue do Bullard. Queria fazê-lo picadinho. O fato de que jazesse indefeso na Cama enquanto Bullard perambulava livremente por Londres bastava para pô-lo furioso. Não o tranquilizava absolutamente que o inspetor de polícia atribuído ao caso lhe assegurasse que se estava fazendo todo o possível pôr encontrar ao Bullard. Assim, Sebastian tinha ordenado ao Cam que contratasse a mais investigadores privados, incluído um ex-policiais, para que levassem a cabo uma busca intensiva. Enquanto isso, não podia fazer nada mais e se consumia em sua inatividade forçosa. Cinco dias depois de que a febre remetesse, Evie fez subir a sua quarto uma banheira. Sebastian, encantado, relaxou-se na água fumegante enquanto ela o barbeava e lhe ajudava a lavar o cabelo. Quando esteve limpo, seco e debilitado, voltou para a Cama recém feita e deixou que sua esposa lhe enfaixasse a ferida. O orifício de bala estava cicatrizando tão rápido que já não lhe punham musgo, e o levava agora simplesmente talher com uma capa ligeira de linho. Seguia lhe provocando ferroadas frequentes e uma ligeira dor, mas sabia que num par de dias mais poderia reatar a maioria de suas atividades normais. Salvo seu


favorita, a que, segundo aquele nefasto trato com o Evie, seguia estando proibida. Como a parte dianteira do vestido lhe tinha empapado durante o banho de seu marido, Evie tinha ido muda se. Por pura perversão, Sebastian fez soar a Campainha de prata que tinha na mesinha de noite uns dois minutos depois de que ela se foi. Evie retornou em seguida em bata. — O que quer? — perguntou com preocupação. — aconteceu algo? — Não. — É a ferida? Dói-te? — Não. Ela suspirou de alívio e se aproximou da Cama. Tomou com delicadeza a Campainha da mão do Sebastian e a deixou na mesinha. — Sabe o que? — comentou. — Se não usar a campainha de forma mais judiciosa, tiraremos o sino. — Chamei porque precisava de você. — soltou Sebastian. — Ah, sim? — replicou Evie com paciência. — As cortinas. Quero-as mais abertas. — Não podia ter esperado um momento? — Está muito escuro. Necessito mais luz. Evie separou as cortinas de veludo e ficou aí, recortada com a pálida luz do sol invernal. Com os cabelos soltos e os suaves cachos ruivos que lhe chegavam até a cintura, parecia tirada de um quadro do Tiziano. — Algo mais, excelência? — Há uma poeira na água. Evie se aproximou da Cama e levantou o copo meio cheio para examiná-lo com olho crítico. — Eu não vejo nenhuma — disse. — Está aí— grunhiu Sebastian. — Temos que discutir a questão ou vai me trazer água nova? Com infinito autodomínio, Evie foi até o lavabo, esvaziou o copo na bacia de cerâmica e o encheu com água fresca. Levou-o a mesinha de noite e olhou a seu marido arqueando uma sobrancelha. — É tudo, Milorde? — Pois não. A vendagem me aperta muito. E o extremo solto fica nas costas. Não chego. Quanto mais tolo se mostrava ele, mais irritantemente paciente se voltava ela. Inclinou-se para ele, murmurou lhe que se voltasse um pouco, afrouxou lhe a vendagem e lhe arrumou de novo os extremos. O roce de seus dedos nas costas, tão frios e delicados, aceleraram o pulso do Sebastian. Deitado de barriga para cima de novo, lutou contra a excitação que sua proximidade lhe produzia. Elevou os olhos com desespero para o Evie e viu seus formosos lábios em forma de arco, sua pele suave e cremosa, a irresistível distribuição de suas sardas. Lhe pôs uma mão no peito, sobre o coração desbocado, e brincou com a aliança que estava no pescoço. — Tire me resmungou ele. — É um problema. Estorva-me. — Para que te estorva?


Sebastian cheirou sua pele, a fragrância de mulher limpa e cálida, e se removeu na Cama. — Tire-me isso e deixa-a na penteadeira — conseguiu balbuciar. Evie ignorou a ordem, sentou-se na Cama e se inclinou para ele até que seus cabelos soltos lhe roçaram o tórax. Sebastian permaneceu imóvel, mas tremeu por dentro quando lhe passou um dedo pela mandíbula. — Barbeei-te bem — observou Evie, satisfeita. — Pode que tenha passado por cima um ou dois pontos, mas pelo menos não te destrocei a cara. Ajudou muito que te estivesse quieto. — Estava muito assustado para me mover — respondeu ele, e Evie sorriu divertida. Incapaz de seguir sem olhá-la, Sebastian contemplou os olhos sorridentes de Evie, tão redondos e incrivelmente azuis. — Por que me chamas tão frequentemente com a Campainha? — sussurro ela. — Se sente sozinho? Só tem que dizê-lo. — Não me sinto sozinho — respondeu como um menino obcecado. — Quer que eu vá então? — repôs ela com doçura maliciosa. Sebastian notou um calor traiçoeiro na virilha. — Sim, vai — respondeu, e fechou os olhos enquanto absorvia com avidez a fragrância de sua proximidade. Mas Evie ficou, e o silêncio se prolongou até que Sebastian teve a impressão de que os batimentos do coração de seu coração deviam ouvir-se. — Quer saber o que acredito, carinho? — perguntou Evie por fim. — Não especialmente. — Apertou os lábios e fechou os olhos. — Acredito que se for desta quarto, vais usar outra vez a Campainha. Mas não importa as vezes que me chame nem as que eu acuda, nunca poderá me dizer o que realmente quer. Sebastian entreabriu os olhos, o que foi um engano. Tinha a cara de Evie muito perto e seus suaves lábios a escassos centímetros. — Neste momento só quero um pouco de tranquilidade — resmungou. — Assim se não te importar... Evie lhe beijou os lábios brandamente para sossegá-lo. Sebastian se excitou fulminantemente e levantou as mãos para lhe apartar a cabeça, mas em troca seus dedos trementes a sujeitaram para aprofundar e prolongar o beijo com uma urgência voraz. Envergonhou-se ao tirar o chapéu ofegando como um moço inexperiente quando Evie terminou o beijo. Ela tinha os lábios rosados e úmidos, e as sardas lhe brilhavam como ouro em pó sobre as bochechas. — Também acredito que vais perder nossa aposta — sussurrou Evie com voz agitada. — Parece-te que estou em condições de ir detrás de outras mulheres? — queixou-se Sebastian, a quem a frustração lhe escureceu o rosto. — A menos que me traga uma mulher à Cama, não estou como para... — Não me refiro à que a perca por te deitar com outra mulher — assegurou Evie com um brilho pícaro nos olhos, e começou a desabotoá-la bata. As mãos lhe tremiam levemente. — A perderá comigo. Sebastian observou incrédulo como se levantava para tirá-la bata. Ficou nua ante ele, com os mamilos eretos e rosados. Tinha emagrecido, mas seus peitos seguiam redondos e firmes, e os quadris lhe marcavam


com generosidade as curvas de sua rodeada cintura. Sebastian olhou o triângulo ruivo daquele desejável púbis e sua própria virilha deu um pulo. — Não pode me fazer perder a aposta — grasnou. — Isso é trapacear. — Não prometi não fazer trapaça — replicou Evie com desenvoltura, e se estremeceu ao meter-se na Cama com ele. — Maldita seja, não penso colaborar. Eu... — Vaiou ao notar a suavidade do corpo de Evie, o roce de seu pêlo púbico no quadril quando ela deslizou uma perna entre as suas. Apartou a cabeça quando ela tentou lhe beijar. — Não posso... — balbuciou para dissuadi-la. — Estou muito fraco. Fogosa e resolvida, fez lhe voltar a cabeça para ela. — Coitadinho — murmurou sorridente. — Não se preocupe. Irei com cuidado. — Evie — suplicou Sebastian, excitado e furioso, com voz rouca. — Tenho que demonstrar que posso passar três meses sem... Não, não faça isso. Maldita seja, Evie... Sua esposa tinha desaparecido sob os lençóis e ia plantando beijos pelo tórax para o abdômen, com cuidado de não deslocar a vendagem. Sebastian tratou de incorporar-se, mas uma pontada na ferida ainda não sanada do todo o tombou de novo com um grunhido de dor. Depois grunhiu por uma razão muito distinta: Evie tinha alcançado seu pênis, rígido e dolorido, e lhe lambia delicadamente o glande. Era evidente que não tinha nenhuma experiência nesses misteres. Não sabia nada da técnica, e muito pouco da anatomia masculina. Mas isso não lhe impediu de aplicar-se com um ardor inocente, lhe dando beijos breves na zona sensível e prolongando-os quando lhe ouvia gemer. Brincou com escassa habilidade com os testículo, e logo mediu com os lábios e a língua até chegar de novo à ponta vibrante do turgente membro. Então tentou averiguar quanto lhe cabia na boca. Sebastian se aferrou ao edredom com o corpo ligeiramente arqueado, como pacote a um potro de tortura. Uma excitação desbocada lhe percorria os nervos e lhe nublava a mente. Todas as lembranças de outras mulheres desapareceram para sempre de sua memória. Só estava Evie, sua cabeleira ruiva que lhe acariciava o estômago e as coxas, seus dedos brincalhões e sua boca travessa que lhe produziam um prazer indescritível. Quando já não pôde conter mais seus gemidos, Evie se situou escarranchado sobre ele, e ascendeu devagar por seu corpo como uma leoa. Buscou lhe a boca com beijos provocadores, enquanto os mamilos lhe acariciavam o peito e ela se esfregava contra ele ronronando de satisfação ao absorver a calidez do corpo masculino. Ele soltou um grito afogado quando Evie deslizou uma mão entre ambos. Estava tão excitado que teve que lhe manipular com cuidado o sexo antes de conseguir encaixar lhe entre as coxas. Seu pêlo púbico lhe fez cócegas na pele sensível enquanto o guiava entre as dobras de seu corpo. — Não — conseguiu dizer Sebastian ao recordar a aposta. — Agora não. Evie, não... — OH, deixa de protestar. Eu não armei tanto animação em nossa noite de lua-de-mel, e isso que era virgem. — Mas não quero. OH, Meu deus. Minha mãe... Evie lhe tinha situado a ponta do sexo em sua abertura, tão ajustada e suave que o deixou sem fôlego. Evie


se estremeceu enquanto seguia lhe guiando o membro com a mão para introduzir lhe de tudo. Ver as dificuldades que ela tinha para situá-lo bem o excitou ainda mais, lhe provocando um formigamento em todo o corpo. E então se produziu o deslizamento lento e milagroso da dureza na suavidade. Sebastian recostou a cabeça no travesseiro com as facções desencaixadas de desejo enquanto se olhavam aos olhos. Evie emitiu um murmúrio de satisfação e fechou os olhos enquanto se concentrava em aumentar a penetração. Moveu-se com cuidado, muito inexperiente para estabelecer ou seguir um ritmo. Sebastian tinha sido sempre bastante silencioso em suas relações íntimas, mas enquanto o corpo exuberante de Evie ascendia e descendia, e seu sexo molhado lhe esfregava e acariciava o pênis, ouviu-se si mesmo resmungar súplicas e conseguiu incliná-la mais para ele e fazê-la apoiar mais em seu corpo para ajustar o ângulo entre ambos. Evie resistiu um pouco porque temia machucá-lo, mas tomou a cabeça entre as mãos. — Sim, meu amor... — sussurrou lhe, tremente. — Assim, carinho... Sim, move assim.... A ela lhe exageraram os olhos quando notou a diferença na postura, a maior fricção na zona mais sensível de seu sexo. Sebastian estabeleceu um ritmo para aumentar a profundidade e penetrá-la com movimentos regulares. O mundo se reduziu ao lugar onde ambos se uniam literalmente. Evie fechou os olhos e suas pálpebras ocultaram seu olhar perdido. Sebastian viu como se ruborizava. Adorava-a e, sem deixar de lhe provocar agradar com suas investidas, embargou-o uma ternura imensa. — Me beije — pediu com voz gutural, e aproximou os lábios aos seus para lhe saborear devagar a boca com a língua. Evie soluçou e se estremecia de agradar com os quadris pegos às suas cada vez que ele a penetrava por completo. Sebastian se entregou a ela para que chegasse ao êxtase em grandes quebras de onda voluptuosas. Quando se relaxou sobre ele e tentou recuperar o fôlego, Sebastian lhe acariciou as costas suada e lhe deslizou os dedos com suavidade para o arredondado montículo das nádegas. Para seu prazer, Evie se retorceu e se esticou sem poder evitá-lo. Se estivesse cheio de forças... OH, as coisas que lhe ataria. Em lugar disso, desabou-se na Cama exausto com a cabeça lhe dando voltas. Evie se separou dele com estupidez e se aconchegou a seu lado. — Está tentando me matar — balbuciou Sebastian, e notou que lhe dava um beijo no ombro. — Agora que perdeste a aposta, teremos que pensar em outro pagamento, posto que já pediu desculpas a lorde Westcliff — sussurrou Evie. Embora lhe havia flanco horrores, Sebastian tinha pedido perdão tanto ao Westcliff como a Lillian antes de que partissem do clube. Tinha descoberto assim que o único pior que pedir desculpas é que lhe perdoem. Tinha-o feito sem que Evie estivesse presente, para não aumentar sua própria vergonha. — Lillian me disse — esclareceu isso ela, como se lhe lesse o pensamento. Levantou a cabeça com um sorriso lânguido. — Supunha-se que ia manter a boca fechada — resmungou Sebastian, e voltou a lhe baixar a cabeça para seu ombro. — As solteironas nós contamos isso tudo.


— Deus me ampare — balbuciou Sebastian uns segundos depois de fechar os olhos e sumir-se num sonho profundo e reparador. A noite seguinte Westcliff foi ao clube e se surpreendeu ao saber que Sebastian tinha baixado à sala principal de jogo pela primeira vez do tiroteio. — Um pouco cedo, não? — perguntou quando Evie entrou com ele nos aposentos privados do primeiro piso. Observava-os atentamente um empregado ao que Cam tinha apostado na galeria, uma das novas medidas de segurança. Até que apanhassem ao Bullard, controlava-se discretamente a todos os clientes. — Está indo muito depressa — respondeu ela. — Não suporta a ideia de parecer inútil, e acredita que nada pode fazer-se bem sem sua supervisão. — O interesse do St. Vincent por este lugar parece bastante autêntico — comentou Westcliff com um sorriso. — Admito que nunca teria imaginado que assumisse uma responsabilidade assim por vontade própria. Durante anos levou uma vida ociosa, sem objetivos, em que desperdiçava sua considerável inteligência. Mas ao parecer quão único precisava era uma saída adequada para seu talento. Aproximaram-se do balcão para aparecer à sala principal, que estava abarrotada. Evie distinguiu o cabelo dourado do Sebastian, meio sentado no escritório do canto, depravado e sorridente enquanto conversava com um grupo de homens. Sua atuação dez dias atrás, quando tinha salvado a vida a sua esposa, tinha lhe granjeado a admiração e simpatia públicas, em especial depois de que um artigo do Teme o pontuasse de herói. Isso, e a percepção de que tinha renovado sua amizade com o capitalista Westcliff, tinha bastado para que Sebastian gozasse de uma imediata popularidade. Diariamente chegavam ao clube montões de convites que solicitavam a assistência de lorde e lady St. Vincent a algum baile, velada ou outro evento social, e que eles declinavam devido ao luto. Também recebiam cartas perfumadas e escritas por mãos femininas. Evie não se atreveu a abrir nenhuma, nem tinha perguntado pelas remetentes. As cartas se acumularam no escritório, fechadas e intactas, até que essa mesma manhã Evie se decidiu a comentá-lo enquanto tomavam o café da manhã no quarto do Sebastian. — Tem um montão de correspondência sem abrir que ocupa a metade do escritório. O que quer que façamos com todas essas cartas? — Um sorriso picasse apareceu nos lábios ao acrescentar: — Quer que as leias enquanto descansa? — Desfaz delas — soltou Sebastian com brutalidade. — Ou melhor ainda, as devolva sem abrir. Sua resposta lhe provocou uma profunda satisfação, embora procurou ocultá-lo. — Não me oporia à que mantivera correspondência com outras mulheres — comentou. — Muitos homens o fazem sem que isso implique nenhuma falta de decoro. — Eu não. — Sebastian a olhou aos olhos para assegurar-se de que o entendia. — Agora não. Agora, de pé junto a Westcliff, Evie observou a seu marido com um prazer possessivo. Sebastian seguia muito magro, embora tinha recuperado o apetite, e seu elegante traje ficava um pouco grande. Mas tinha os ombros largos e uma cor saudável, e a perda de peso lhe realçava a bela estrutura óssea de sua cara. Apesar de que se movia com dificuldade, seguia possuindo a graça depredadora que as mulheres admiravam e que os


homens tratavam, em vão, de emular. — Obrigado por salvá-lo. — Você o salvou, Evie, a noite que lhe propôs te casar com ele — respondeu o conde, e a olhou de esguelha. — O que demonstra que os momentos de loucura podem ter às vezes resultados positivos. Se não te importar, baixarei para informar ao St. Vincent das novidades sobre o Bullard. — Encontraram-no? — Ainda não. Mas logo o farão. Levei a pistola do Bullard ao Manson e Filho e lhes pedi informação sobre o encargo original, visto que não consegui decifrar o nome gravado no te defenda. Resulta que a pistola tem dez anos, o que suportou uma larga busca em muitas caixas de documentos antigos. Hoje me confirmaram que a tinham feito para lorde Belworth, que volta para Londres esta noite para atender assuntos parlamentários. Pela manhã irei vê-lo para lhe perguntar sobre esta questão. Se averiguarmos como Bullard se fez com a pistola, possivelmente nos ajude a localizá-lo. — Custará muito encontrar a um homem que se esconde em uma cidade que tem mais de um milhão de habitantes — comentou Evie com cenho. — Quase dois milhões — precisou Westcliff. — Entretanto, não tenho nenhuma dúvida de que o encontraremos. Temos os recursos necessários e o obteremos. Evie não pôde evitar sorrir ao pensar que o conde falava como Lillian, que nunca aceitava uma derrota. — Estava pensando que é o casal ideal para uma mulher tão tenaz como Lillian — disse ao ver que Westcliff arqueava as sobrancelhas ao detectar seu sorriso. — Parece-me que não é mais resolvida nem tenaz que você — replicou ele com um sorriso. E acrescentou: — Simplesmente, ela o exterioriza mais que você.


Capítulo 21

Quando Westcliff se foi falar com o Sebastian, Evie se retirou à quarto de seu marido para tomar um banho relaxante. Como acrescentou bastante azeite perfumado à água, depois de um bom momento em encharcamento, teve a pele umedecida e fragrante com aroma de rosas. Ficou uma bata de seda forrada de veludo do Sebastian e se arregaçou. Feita um novelo em uma cadeira diante da chaminé, escovou-se o cabelo enquanto as criadas retiravam a banheira. Uma delas, uma morena chamada Gertie, ficou para arrumar o quarto. Abriu os lençóis e passou um aquecedor de Cama entre elas. — Quer que lhe prepare sua quarto, milady? — perguntou com cautela. Evie se pensou a resposta. Os criados sabiam que Sebastian e ela dormiam em habitações distintas, desde antes inclusive de sua enfermidade. Ainda não tinham compartilhado Cama toda uma noite. Embora não sabia como tirar o tema com o Sebastian, depois de todo o acontecido já não queria andar-se com mais jogozinhos com ele. A vida era muito curta para perder o tempo. Não havia nenhuma garantia de que Sebastian fora a lhe ser fiel. Só tinha a esperança e a intuição de que, embora o homem com quem se casou não se merecia semelhante fé, o homem em que se estava convertendo possivelmente sim. — Acredito que não — respondeu à criada, e seguiu escovando o cabelo. — Esta noite ficarei nesta quarto, Gertie. — Muito bem, milady. Se quiser lhe... Gertie não chegou a terminar a frase já que ambas foram conscientes de que Sebastian entrava no quarto. Apoiou-se contra a parede e ficou contemplando em silencio a sua esposa. A pesar do calor do fogo, a Evie lhe pôs carne de galinha e um calafrio de excitação lhe percorreu as costas. A postura do Sebastian era relaxada, com o pescoço desabotoado e a gravata desenredada. A luz do lar projetava um brilho dourado a seus rasgos, de modo que recordava a algum deus mitológico. Apesar de que ainda não tinha recuperado todo seu vigor, irradiava uma perigosa potência viril que fazia tremer as pernas a Evie. Não lhe facilitou as coisas que se mantivera completamente calado enquanto a repassava com um olhar lenta e perturbante. Não pôde evitar ruborizar-se ao recordar seus contatos íntimos. Gertie recolheu o vestido que Evie se tirou e se apressou a sair da quarto. Sebastian seguiu contemplando a sua mulher até que esta deixou a escova e se levantou com cautela. Então se aproximou dela e lhe acariciou os antebraços com suavidade. Evie começou a lhe pulsar com força o coração e sentiu um aperto de antecipação. Quando a aproximou para ele, fechou os olhos e notou seus lábios na sobrancelha, a têmpora e a bochecha. O fazia essas carícias tão suaves enquanto a grande excitação de ambos parecia envolvê-los num ambiente abrasador. Estiveram assim comprido momento, sem logo que tocar-se, sentindo simplesmente a proximidade do outro, até que ele sussurrou: — Evie..., quero fazer o amor contigo. — Acreditava que nunca ia... chamaria assim — gaguejou ela enquanto se derretia por dentro.


Sebastian lhe pôs as mãos na cara para acariciá-la delicadamente com os dedos, enquanto a fresca fragrância da pele de seu marido a encantava como um incenso embriagador. Sebastian rebuscou sob sua Camisa e extraiu a aliança na fina cadeia. Tiro desta, rompendo seus frágeis elos, e encaixou o anel de ouro no dedo anelar de sua esposa. Juntaram as mãos pelas Palmas e os pulsos, repetindo aquela cerimônia escocesa. — Quero te satisfazer por completo — disse ele detrás agachar a frente até apoiá-la na sua. — Deixar meu rastro em sua alma. Quero te dar mais agradar de que possa imaginar. Quero fazer o amor contigo, Evie, como nunca o tenho feito com nenhuma mulher. — Mas sua ferida... — balbuciou Evie, que tremia tanto que logo que podia manter o equilíbrio. — Temos que tomar cuidado. — Deixa que eu me preocupe por isso. E lhe deu um beijo suave e apaixonado. Soltou lhe a mão, aproximou-a mais e exerceu pressão em seus ombros, costas e quadris até amoldá-la completamente a seu corpo. Evie o desejava com uma avidez desmedida. Tentou beijá-lo com urgência, e puxou e sua roupa com um frenesi que fez sorrir a Sebastian. — Devagar — murmurou. — A noite acaba de começar e vou amar te um bom momento. — Não poderei seguir de pé mu... muito mais — se queixou Evie com as pernas trementes. Seu marido se tirou a jaqueta e disse com voz rouca: — te jogue na Cama, carinho. Ela se tombou meio recostada para ver como acabava de despir-se. A vendagem branca que lhe cruzava o ventre lhe recordou o perto que tinha estado de perdê-lo. Isso a emocionou. Sebastian significava tanto para ela... A perspectiva de passar essa noite com ele a enchia de uma felicidade que parecia angústia. A cobriu delicadamente com seu corpo e lhe acariciou o cabelo dourado do peito. Sebastian lhe acariciou a cara com os lábios, e seu fôlego fez estremecer a Evie. — Carinho, estes últimos dias não tive nada que fazer salvo jazer nesta Cama e pensar nas coisas que procurei evitar toda minha vida. Uma vez te disse que não estava feito para ter uma esposa e uma família. Que não me interessaria absolutamente por um filho, se você... — Vacilou. — Mas o certo é que quero que tenha meu filho. Não sabia quanto até que a morte me rondou. Acreditei... — Sorriu. — Maldita seja. Não sei ser um bom marido nem um bom pai. Mas como em ambos os sentidos parece te conformar com relativamente pouco, talvez possa te agradar. — Alargou o sorriso ao ver como Evie franzia o cenho com ironia e prosseguiu, serio de novo. — Conheço muitas formas de evitar uma gravidez. Mas quando ditas que está preparada, se o decidir, quero que me diga... Evie lhe deteve com a boca. Nos minutos apaixonados que seguiram, foi impossível dizer mais palavras. Sumiram-se num desconcerto de prazer e alcançaram uma confluência de emoção e desejo que parecia aguçar lhe os sentidos dolorosamente. Sebastian lhe abriu a bata para deixar ao descoberto seus peitos e os acariciou com tanta suavidade como as asas de uma mariposa. Os mamilos, eretos, ansiavam seu contato e quando pôr fim ele rodeou um com a boca, Evie gemeu de alívio. Ao princípio só o tocou repetidamente com a ponta da língua com uma


delicadeza que a fez arquear o corpo com uma súplica incoerente. Pouco a pouco, Sebastian foi aumentando as carícias, lhe lambendo e lhe chupando os peitos até que a excitação percorreu as vísceras de sua mulher como uma onda de fogo. De repente, a bata de veludo lhe oprimia a pele hipersensibilizada, e Evie tratou de tirar lhe desajeitadamente. Sebastian se dispôs a ajudá-la lhe baixando as mangas pelos braços e lhe separando o objeto das costas e os quadris. Evie suspirou de aliviou e arqueou o corpo de uma vez que rodeava os ombros nus de seu marido. As mãos suaves do Sebastian lhe percorriam o corpo e lhe provocavam quebras de onda de prazer. Não podia falar nem pensar, só reagir às carícias do Sebastian enquanto este lhe colocava as extremidades em posturas cada vez mais excitantes e lhe deslizava a boca devagar por todo o corpo. Uns inquisitivos dedos masculinos lhe deslizaram entre as coxas para encontrar o elixir de seu úmido púbis. Evie se ruborizou e gemeu quando Sebastian estendeu a umidade em círculos sensuais detrás acariciar com brincadeiras a abertura de seu sexo. — Sebastian, por favor. Já não posso esperar mais. Eu... — calou-se ao notar que ele a colocava de flanco e se encaixava contra suas nádegas. Rodeou-a com os braços, o que a fez sentir segura e protegida inclusive quando ele alargou uma mão para lhe separar as coxas. Evie se moveu confusa ao sentir a pressão do rígido membro e precaver-se de que a estava penetrando por atrás. Soltou um grito afogado e girou a cara para o braço musculoso que lhe rodeava o pescoço. — Tranquila — sussurrou Sebastian, de uma vez que lhe apartava o cabelo da orelha e o pescoço para lhe beijar esses sensíveis pontos. — Deixa que te ame deste modo, carinho. Seguiu-a acariciando e massageando até que se relaxou. Provocou-a com a ponta de seu sexo penetrando-a apenas; quando ela acreditava que o faria por completo, retirava-se. Evie começou a balançar-se contra ele e a pressionar com os quadris para trás. Quando pôr fim a penetrou por completo, ela gemeu com frenesi. Sua postura não oferecia muita margem de movimentos, mas Sebastian a investia profundamente enquanto ela recuava para respirá-lo com lascívia. — É muito impaciente, carinho — lhe sussurrou. — Não te esforce, deixa que o prazer te chegue pouco a pouco. Veem, te apoie em mim. Segurou lhe a coxa e o passou pelos joelhos, de modo que ficaram as pernas muito separadas com os quadris apoiados parcialmente nas suas. Evie choramingou ao notar como a penetrava ainda mais fundo enquanto com os dedos lhe acariciava ritmicamente o sexo. Cegada pela paixão, Evie esticou todos os músculos enquanto esperava que Sebastian fora aumentando seu prazer sem pressas. Levou-a a limite e se retirou, aproximou-a de novo e a fez esperar e esperar, até que ao final a deixou chegar ao orgasmo em uma série de convulsões que sacudiram a Cama. Sebastian seguia ereto quando se retirou. Seus cabelos umedecidos reluziram como ouro pagão enquanto a deixava de barriga para cima e lhe percorria o ventre com os lábios. Evie sacudiu a cabeça para negar-se, aturdida, inclusive quando lhe dobrou os joelhos e as levantou. — Estou exausta... — gemeu. — Espera, Sebastian. Lhe buscou a pele úmida com lambidas prazenteiras e insistiu até que ela deixou de protestar. As delicadas


carícias do Sebastian tranquilizaram a Evie, e os batimentos do coração de seu coração se voltaram compassados. Passados uns compridos e pacientes minutos, ele começou a chupar e mordiscar o clitóris inchado de Evie, que suspirou e gemeu novamente. Seu marido seguiu aumentando seu prazer movendo a língua com destreza enquanto lhe sujeitava as coxas com os braços. Parecia que o corpo de Evie já não era dele, que só existia para receber esse tortura enlouquecedor. Quis pronunciar o nome de seu marido, mas não pôde. Entretanto, ele pareceu ouvir sua súplica silenciosa e, como resposta, fez algo com a boca que lhe provocou uma série de clímax incandescentes. Cada vez que acreditava que tudo tinha terminado, percorria-a outra quebra de onda de sensações, até que esteve tão exausta que lhe rogou que parasse. Sebastian se elevou ante ela com os olhos brilhantes e Evie separou as pernas para recebê-lo de uma vez que lhe rodeava as costas com os braços. Sebastian lhe introduziu o membro até penetrá-la por completo. Quando lhe aproximou os lábios à orelha, ela logo que pôde ouvir o que lhe sussurrava por cima dos batimentos do coração de seu coração. — Evie... — ouviu lhe dizer— , quero que chegue uma vez mais ao orgasmo. — Não posso... — negou fracamente. — Sim pode. Preciso senti-lo dentro de ti. — Não posso mais — assegurou ela enquanto negava debilmente. — De verdade que não... — Sim pode. Eu te ajudarei. — Deslizou lhe uma mão pelo ventre até o ponto onde seus corpos estavam unidos. — me Deixe te penetrar mais profundamente... mais profundamente... Evie gemeu e soluçou enquanto os dedos do Sebastian manipulavam com destreza seu sexo. De repente, notou que a penetrava ainda mais, e seu corpo excitado se abriu para recebê-lo. — Mmm... — murmurou ele. — Sim, assim.... OH, carinho, é tão doce... Movia-se entre os joelhos dobrados de Evie, sobre seus quadris, e a investia com inusitado brio. Lhe rodeava com os braços e as pernas, com a cara oculta em seu cálida garganta, e gritou e gritou enquanto seu corpo palpitava e se esticava para proporcionar a Sebastian uma satisfação incrível. Ele se estremeceu entre seus braços e lhe aferrou mechas de sua formosa cabeleira enquanto se entregava totalmente a ela e a adorava em corpo e alma. Quando Evie despertou sozinha na Cama, o primeiro que viu foi umas pintinhas rosa pulverizadas pelos lençóis brancos, como se alguém tivesse derramado vinho rosado nelas. Piscou meio dormida e se apoiou num cotovelo para tocar uma mancha com um dedo. Era uma pétala de rosa, arrancado da flor e deixado com cuidado na Cama. Ao jogar uma olhada ao redor, descobriu que tinham espalhado as pétalas sobre ela. Esboçou um sorriso e se recostou de novo na Cama fragrante. A noite de embriagadora sensualidade parecia ter formado parte de um comprido sonho erótico. Logo que podia acreditá-las coisas que tinha permitido fazer a Sebastian, intimidades que jamais tinha imaginado possíveis. E no dormitado período posterior a seu ato apaixonado, ele a tinha recostado em seu peito e tinham falado durante o que pareciam horas. Evie incluso lhe tinha contado a história da noite em que ela, Annabelle e as irmãs Bowman se feito amigas, sentadas em uma fileira de cadeiras durante um baile. — Fizemos uma lista de possíveis pretendentes e a anotamos em nossas carteiras de baile vazios — lhe


explicou. — Lorde Westcliff estava o primeiro da lista, é obvio. E você estava o último, porque não foi dos que se casam. Sebastian riu com voz rouca de uma vez que entrelaçava intimamente as pernas nuas com as suas. — Estava esperando que você me pedisse isso. — Nem sequer me olhava — evidenciou Evie. — Não foi a classe de homem que dança com as solteironas do baile. Sebastian lhe acariciou o cabelo e guardou silêncio um momento. — Não, não o era — admitiu ao fim. — Fui um imbecil por não me haver fixado em ti. Se me tivesse incomodado em passar só cinco minutos contigo, não lhe teria escapado isso. E a teria seduzido como se fora ainda a virginal donzela, a teria enrolado para que lhe deixasse lhe fazer o amor outra vez, tal como tinham feito. Evie efetuou suas abluções matinais recordando as horas de ternura apaixonada como se fossem um sonho. Ficou um vestido de lã forrado de seda e baixou para reunir-se com o Sebastian, quem certamente estaria no escritório do clube olhando os recibos da noite anterior. No clube só havia os empregados que limpavam o local para a próxima noite, e os empreiteiros, que estavam instalando um carpete novo e pintando o madeiramento. O entrar no escritório, viu o Sebastian e Cam em lados opostos da mesa. Ambos examinavam livros contáveis, tachavam algumas entradas com uma pluma e efetuavam notas nos margens. Os dois elevaram os olhos quando ela cruzou a soleira. Evie só sustentou brevemente o olhar do Sebastian, pois lhe resultou difícil conservar a compostura diante dele depois da intimidade da noite anterior. Sebastian se deteve em seco ao vê-la, como se tivesse esquecido o que estava dizendo a vê-la. Ao parecer, nenhum dos dois se sentia ainda cômodo com uns sentimentos que eram muito novos e fortes. Depois de lhes dar os bom dia, pediu lhes que não se levantassem e se situou junto à cadeira do Sebastian. — tomaste o café da manhã já? — perguntou lhe. Ele sacudiu a cabeça com os olhos brilhantes ao olhá-la. — Ainda não. — Irei à cozinha a ver o que há. — Espera um momento — lhe pediu Sebastian. — Já quase terminamos. Enquanto os dois homens comentavam uns últimos aspectos do negócio, referidos a um possível investimento na construção de uma galeria comercial no St. James' Street, Sebastian tomou a mão que Evie tinha apoiado na mesa. Distraidamente, aproximou-se o dorso dos dedos à mandíbula e a orelha enquanto contemplava a proposta por escrito. Embora ele não era consciente do que revelava esse despreocupado gesto de familiaridade, Evie se ruborizou quando seu olhar se cruzou com a do Cam por cima da cabeça de seu marido. O jovem lhe dedicou uma expressão de repreensão simulado, como uma babá que pegasse dois meninos jogando a beijar-se, e sorriu ao ver como Evie sou ruborizava ainda mais. Alheio ao intercâmbio, Sebastian entregou a proposta ao Cam que ficou sério imediatamente. — Não acaba de me gostar de — comentou Sebastian. — Não esta claro que haja negócio suficiente na zona para sustentar uma galeria comercial, especialmente com estes aluguéis. Suspeito que num ano se


converteu num elefante branco. — Um elefante branco? — perguntou Evie. Da porta lhes chegou outra voz: lorde Westcliff. — Um elefante branco é um animal pouco comum — explicou o conde com um sorriso. — Não só é caro mas também difícil de manter. Historicamente, quando um rei queria arruinar a alguém, lhe dava de presente um elefante branco. — Westcliff entrou, deu um beija-mão a Evie e se dirigiu a Sebastian. — Em minha opinião, sua valoração da futura galeria comercial é correta. Não faz muito me propuseram investir neste projeto e o rechaçarei pelos mesmos motivos. — Seguro que resultará que os dois estamos equivocados — repôs Sebastian. — Ninguém deveria tentar predizer nada relacionado com as mulheres e suas compras. — levantou-se para estreitar a mão ao conde. — Evie e eu íamos tomar o café da manhã. Acompanha-nos? — Tomarei um café — assentiu Westcliff. — Perdoa que tenha vindo sem avisar, mas tenho notícias. Finalmente pude me reunir com lorde Belworth esta manhã — prosseguiu sob o atento olhar do Sebastian, Evie e Cam. — Admitiu ter sido o proprietário original da pistola. Contou-me em confiança que, fará uns três anos, tinha dado o jogo de pistolas de duelo ao senhor Clive Egan, junto com algumas joias da família e outras bagatelas, para conseguir um novo prazo para saldar suas dívidas com o clube. — Está escondendo Egan ao Bullard? — Evie tinha piscado de surpresa para ouvir mencionar ao antigo diretor do clube. — É provável. — Mas por que? Significa isso que Egan pode ter contratado ao Bullard para que atentasse contra minha vida? — Averiguarmo-lo — assegurou Sebastian. — irei ver o Egan hoje mesmo. — Acompanhar-te-ei — disse Westcliff. — Minhas fontes me conseguiram sua direção. De fato, não está longe daqui. — Obrigado por sua ajuda, mas não quero te causar mais moléstias com este assunto — replicou Sebastian. — Duvido que a sua esposa gostasse que te fizesse correr algum risco. Rohan me acompanhará. Evie se dispôs a objetar porque sabia que Sebastian estaria mais seguro se o acompanhava Westcliff. Seu marido apenas se estava recuperando de sua ferida. E se lhe ocorria fazer algo insensato ou desacertado, ao Cam não seria fácil dissuadi-lo. Ao fim e ao cabo, Cam era empregado dele, e pelo menos oito anos mais jovem. Westcliff conhecia perfeitamente Sebastian e podia influir nele. Mas antes de que Evie pudesse dizer uma palavra, Westcliff disse: — Seguro que Rohan é um jovem muito capaz. Por isso deveria encarregar-se da segurança de Evie e ficar com ela. Sebastian entreabriu os olhos para discutir, mas as palavras lhe saíram da boca já que Evie tomou um braço e se apoio nele com uma pressão ligeira e confiada. — Eu o preferiria assim — indicou. Sebastian a olhou e sua expressão se suavizou. Evie teve a emocionante impressão de que faria tudo o que estivesse a seu alcance para agradá-la.


— Se a presença do Rohan te tranquiliza, assim se fará — disse ele. A objeção do Sebastian a que Westcliff o acompanhasse obedecia a quão violenta ainda era a relação entre ambos. Não era precisamente cômodo passar o momento em companhia de um homem cuja mulher tinha raptado tempo atrás. A surra que Westcliff lhe tinha dado depois tinha depravado um pouco as coisas, e a posterior desculpa do Sebastian também tinha ido bem. E parecia que seu matrimônio com o Evie e o fato de que tivesse arriscado sua vida por ela, tinha predisposto ao conde a vê-lo com certa aprovação que poderia, com o tempo, recompor a velha amizade. Entretanto, sua relação tinha adotado uma nova forma que talvez nunca alcançaria a fluidez de antigamente. Para ser um homem que se dedicou a viver sem arrependimentos, Sebastian estava tendo muitas dúvidas sobre seu comportamento no passado. Em particular, sua atitude para o Lillian Bowman tinha constituído um engano garrafal. Tinha sido um idiota ao estar disposto a sacrificar uma sólida amizade por uma mulher a que em realidade não desejava. Se se tivesse exposto as alternativas, poderia ter descoberto a Evie, que tinha estado aí, diante de seus narizes. Para alívio do Sebastian, Westcliff conversou afavelmente na carruagem que os conduzia aos subúrbios de Londres, onde estavam urbanizando Campos para construir moradias de classe média. A direção do Clive Egan era a de um homem de uma boa posição econômica. Enquanto refletia com amargura sobre quanto dinheiro teria obtido Egan durante os anos que tinha desfalcado ao clube, Sebastian contou ao Westcliff tudo o que sabia sobre o antigo diretor. O tema voltava uma e outra vez à situação das finanças do clube nesse momento e à necessária reestruturação dos investimentos. Para o Sebastian foi um presente do céu poder confiar-se ao Westcliff, uma das pessoas com melhores aptidões financeiras do país e que lhe ofereceu a opinião de alguém entendido em tais assuntos. E a nenhum dos dois lhe escapou que a discussão supunha uma ruptura drástica com o passado, quando Sebastian tagarelava sobre escândalos e aventuras, o que sempre provocava um sermão condescendente do Westcliff. Esta conversação discorreu em maior igualdade de condições, entre dois homens que de repente tinham mais em comum que antes. A carruagem se parou em uma nova praça residencial. Todas as casas eram de três pisos e estreitas, já que não chegavam aos cinco metros de largura. Uma cozinheira velha de aspecto cansado abriu a porta e se fez a um lado quando entraram em empurrões. A casa parecia ser uma das que estavam acostumados a alugar-se mobiliadas a profissionais solteiros de classe média. Dado que toda a residência consistia em três habitações e um desculpado, não foi difícil localizar ao Egan. O antigo diretor do clube estava sentado em uma poltrona frente à chaminé de um salão que emprestava a álcool. Os batentes de ambas as janelas estavam talheres de garrafas, e também havia junto ao lar. Egan olhou a seus inoportunos visitantes com os olhos frágeis do bêbado habitual. Tinha o mesmo aspecto que quando Sebastian o tinha despedido dois meses atrás, inchado e descuidado, com os dentes cariados, o nariz vermelho e a cara corada cheia de veias. Levou-se um copo à boca, bebeu um bom gole, sorriu e os olhou com olhos úmidos. — Haviam-me dito que lhe tinham furado as tripas — disse a Sebastian. — Mas como não parece um


fantasma, suponho que era um falso rumor. — Em realidade, é certo — respondeu Sebastian com frieza. — Mas o diabo não me quis. A ideia de que Egan pudesse ser responsável pela tentativa de assassinato de sua esposa o fazia difícil conter-se. Só o fato de que tinha a informação que necessitavam o refreava. Egan riu entre dentes e assinalou as garrafas. — vocês sirvam-se mesmos se quiserem. Não revistam me visitar cavalheiros tão distinguidos. — É muito amável, mas não, obrigado — disse Westcliff. — viemos a lhe perguntar por uma anterior visita dela. O honorável senhor Joss Bullard. Sabe onde está? — Como demônios vou, ou seja, o? — respondeu Egan, imperturbável, depois de tomar outro gole. Westcliff tirou do bolso a pistola feita de encargo e a mostrou. — Onde a conseguiu? — resfolegou o bêbado com os olhos exagerados e uma tonalidade púrpura na cara. — Bullard a usou a noite do tiroteio — informou Sebastian, esforçando-se por controlar a cólera. — E embora duvide que o vulto maltratado que leva sobre os ombros contenha um cérebro operativo, até você deveria poder deduzir as consequências de sua implicação numa tentativa de assassinato. Gosta de uma larga estadia no cárcere do Fleet Ditch? Poderíamos arrumá-lo em questão de... — St. Vincent — advertiu Westcliff em voz baixa enquanto Egan resfolegava e se engasgava. — Deveu me roubar isso gritou Egan, e derramou parte da bebida no chão. — O muito patife. Não sabia que a tinha ele. Não é minha culpa, o asseguro! Eu só quero que me deixem em paz. Maldito bode! — Quando foi a última vez que o viu? — Fará três semanas. — Uma vez terminada a bebida, Egan recolheu a garrafa do chão e bebeu dela como um menino da mamadeira. — ficava aqui de vez em quando depois de ir do Jenner’s. Não tinha aonde ir. Nem sequer lhe deixavam dormir num asilo pois já lhe nota a sífilis. — Sífilis? — Sebastian e Westcliff intercambiaram um olhar rápido — Sim, o mal francês. — Egan olhou a Sebastian com desdém. — Uma enfermidade que suporta a loucura. Antes de deixar o Jenner's já mostrava sintomas: fala lenta, tremores faciais, gretas no nariz. Terei que estar cego para não vê-lo. — Não estou acostumado a examinar o aspecto de meus empregados com tanta atenção — disse Sebastian, enquanto as ideias lhe amontoavam na cabeça. A sífilis era uma desagradável enfermidade de transmissão sexual que desembocava no que os médicos chamavam páresis do demente. Provocava loucura, algumas vezes paralisia parcial e uma perda horripilante das partes carnudas do corpo, incluído a malha branda do nariz. Se Bullard a tinha em estado tão avançado, não havia esperança para ele. Mas por que, em sua demência, obcecou-se com o Evie? — É provável que já tenha perdido a cabeça — disse Egan com amargura antes de levantar a garrafa para jogar outro gole. Fechou os olhos ao notar o ardor do álcool e apoiou o queixo no peito. — Veio aqui a noite do tiroteio vociferando que o tinha matado a você. Tremia de pés à cabeça, o homem, e se queixava de dor de cabeça. Tinha um montão de ideias estranhas. Assim paguei a um homem para que o levasse a uma casa para incuráveis, a que está no Caminho do Knightsbridge. Agora Bullard está aí, ou morto ou num estado que faria


que a morte parecesse uma bênção. — Por que tratou de matar a minha esposa? — perguntou Sebastian. — Sabe Deus que nunca lhe fez mal. — O pobre bode sempre a desprezou — respondeu Egan com ar taciturno. — Inclusive da infância. Depois de cada visita do Evangeline ao clube, quando Bullard via o que desfrutava do Jenner com ela, passava-se dias antissocial e irritável. Zombava dela... — deteve-se com um sorriso nostálgico. — Era uma menina muito divertida. Sardenta, tímida e redonda como uma toninha. Disseram-me que agora é uma beleza, embora me custa imaginar. — Era Jenner o pai do Bullard? — perguntou Westcliff com um gesto imperturbável. Pergunta sobressaltou Sebastian. — Poderia — disse Egan. — Sua mãe Mary jurava que o era. — Deixou a garrafa a um lado e entrelaçou os dedos sobre sua proeminente barriga. — Era prostituta num bordel. A noite mais afortunada de sua vida foi a que emprestou seus serviços ao Ivo Jenner. Este tomou simpatia e pagou a madama para que fora de seu uso exclusivo. Um dia, Mary lhe disse que estava prenhe e que o filho era dele. E Jenner, que era fácil de convencer, concedeu lhe o benefício da dúvida. Manteve-a o resto de sua vida e deixou que o moço trabalhasse no clube quando foi o bastante maior. Mary morreu faz muitos anos. Justo antes de falecer, contou ao Bullard que Jenner era seu pai. Quando o moço se enfrentou ao Jenner, este lhe disse que, tanto se era certo como se não, seria um segredo. Não queria reconhecer ao Bullard como filho dele. Por um lado, o menino não foi nunca o que se diz idôneo, e por outro, ao Jenner jamais importou um cominho ninguém que não fora sua filha. Queria que Evie ficasse tudo quando ele estirasse a pata. Bullard culpava disso a Evie, é obvio. Acreditava que, de não ser por ela, Jenner o teria reconhecido e feito mais por ele. É provável que tivesse razão nisso. — Franziu o cenho com tristeza. — Quando Evie o levou a você ao clube, Milorde, Bullard já tinha a sífilis, e foi então quando começou a loucura. Um triste final para uma vida triste. Egan se deteve e dirigiu um olhar de lúgubre satisfação a ambos os homens. — Se querem vingar-se de um pobre louco, encontrarão-o no hospital Tottenham — acrescentou. — Obtenham a reparação que possam, senhores, mas se formos a isso, o Criador já impôs ao Bullard o pior castigo que pode suportar um corpo.


Capítulo 22

As horas que Sebastian esteve fora, Evie se dedicou a efetuar pequenas tarefas no clube: ordenar dinheiro e recibos, responder correspondência e, por último, ocupar do montão de cartas sem abrir dirigidas a Sebastian. Naturalmente, não pôde resistir a abrir umas quantas. Estavam cheias de insinuações e indiretas, e dois davam a entender inclusive que, para então, Sebastian estaria cansado já de sua nova esposa. A intenção das remetentes era tão evidente que Evie sentiu vergonha alheia. Também serviram para lhe recordar o passado promíscuo do Sebastian, quando sua ocupação principal consistia em colecionar aventuras amorosas. Não era fácil depositar a confiança num homem assim sem sentir-se como uma tonta. Especialmente tendo em conta que as mulheres sempre admirariam e desejariam Sebastian. Mas Evie acreditava que seu marido merecia a oportunidade de demonstrar sua valia. Se estava em suas mãos lhe oferecer começar de novo, e se sua aposta saía bem, as recompensas para ambos seriam infinitas. Ela era o bastante forte para correr o risco de amá-lo, para lhe exigir coisas, para ter confiança nele. E dava a impressão de que Sebastian desejava ser tratado como um homem corrente, ter a alguém que não se fixasse só na beleza perecível de sua aparência e que lhe interessasse algo mais que suas técnicas amorosas. Depois de observar, com uma pontada de satisfação, como as cartas ardiam na chaminé, entrou lhe sonho e foi à quarto principal a tornar uma sesta. Apesar de seu cansaço, custou lhe relaxar-se já que estava preocupada com o Sebastian. Vinham lhe à cabeça toda classe de pensamentos até que seu esgotado cérebro pôs fim a esta inquietação inútil e conseguiu dormir. Quando despertou uma hora depois, Sebastian estava sentado na Cama junto a ela. Observava-a atentamente, com os olhos da cor do alvorada. Evie se incorporou e lhe sorriu com acanhamento. — Quando dorme, parece uma menina pequena — comentou Sebastian de uma vez que lhe acariciava o cabelo alvoroçado. — Encontraram ao senhor Bullard? — Sim e não. Primeiro me conte o que fez em minha ausência. — Ajudei ao Cam com as coisas do escritório. E queimei todas as cartas dessas mulheres perdidamente apaixonadas por ti. Chama-a era tão grande que me surpreende que ninguém chamasse os bombeiros. — Leste alguma? — perguntou Sebastian com um sorriso. — Umas quantas — admitiu Evie de uma vez que elevava um ombro com indiferença. — Lhe perguntavam se te tinha cansado já de sua mulher. — Pois não. — Deslizou lhe uma mão pela coxa. — Estou cansado de incontáveis noites de fofoca repetitiva e morna paquera. Estou cansado de encontros sem sentido com mulheres aborrecidas. Todas são iguais para mim, sabe? A única que me importou alguma vez é você. — Compreendo que lhe desejem — disse Evie, e lhe rodeou o pescoço com os braços. — Mas não estou disposta a te compartilhar.


— Não terá que fazê-lo. — Tomou a cara entre as mãos e lhe deu um beijo rápido nos lábios. — me conte o do Bullard — pediu Evie, e deslizou as mãos para acariciar os pulsos de seu marido. Guardou silêncio enquanto Sebastian descrevia o encontro com o Clive Egan e suas revelações sobre o Joss Bullard e sua mãe. Surpreendeu-se e sentiu uma enorme lástima por ele. O pobre Joss não tinha a culpa de sua origem, nem da indiferença com que tinha sido criado e que o tinha cheio de tanto ressentimento. — Que estranho — murmurou. — Sempre acreditei e inclusive desejei que Cam fora meu irmão, mas jamais me ocorreu que fosse Joss. Bullard tinha sido sempre tão inacessível e agressivo... Entretanto, até que ponto foi isso consequência do rechaço do Ivo Jenner? Sem dúvida não te sentir querido pelo homem que pode ser seu pai, ser um segredo vergonhoso para ele, amarguraria a qualquer. — Fomos ao hospital Tottenham, onde está ingressado na sala de incuráveis — prosseguiu Sebastian. — É um lugar imundo, que necessita recursos desesperadamente. Há mulheres e meninos que... — deteve-se com uma careta ao recordá-lo. — Prefiro não descrevê-lo. Um administrador do hospital nos disse que Bullard foi ingressado com sífilis terminal. — Quero ajudá-lo — disse Evie com decisão. — Ao menos podemos enviá-lo a um hospital melhor... — Não será possível, carinho. — Sebastian lhe percorreu a mão com a ponta dos dedos. — Morreu faz dois dias. Mostraram-nos a tumba onde está enterrado junto com outros dois pacientes. Evie apartou o olhar para assimilar esta informação. Surpreendeu lhe que os olhos lhe enchessem de lágrimas e lhe fizesse um nó na garganta. — Pobre homem — disse com voz rouca. — O compadeço. — Eu não — repôs Sebastian. — Embora tenha crescido sem o carinho de seu pai, isso não o diferencia de muitíssima outra gente que abriu passo no mundo sozinha. Teve-o melhor que Rohan, cuja sangre cigana o converte em vítima de prejuízos. Não chore, Evie. Bullard não se merecia nenhuma lágrima. — Sinto-o — se desculpou ela detrás suspirar. — Não estou acostumado a ser tão emotiva, mas é que estas semanas foram muito difíceis. Tenho os sentimentos a flor de pele e não consigo controlá-los como é devido. Sebastian a aproximou e a estreitou entre seus braços musculosos. — Carinho, não te desculpe por ser emotiva. Passaste as do Caín. E só um desalmado como eu poderia apreciar a coragem que se necessita para ser sincero com os sentimentos da gente mesmo. Ela suspirou tremente. — Talvez esteja mal por minha parte, mas apesar de que compadeço ao Bullard, sinto-me aliviada de que tenha morrido. Por sua culpa, quase te perco. Sebastian procurou entre os cachos de sua esposa até encontrar o delicado contorno da orelha. — Não terá tanta sorte. — Não o diga nem em brincadeira — replicou Evie. Jogou a cabeça atrás parar olhá-lo, ainda entre seus braços. — Eu... — a voz lhe tremeu— acredito que não poderia viver sem ti. Sebastian lhe deslizou a mão pela nuca, aproximou-a de novo a seu ombro e apoiou um momento a


cabeça no cabelo de sua esposa. — Por certo, Evie — murmurou— , devo ter coração depois de tudo, porque agora mesmo me dói muitíssimo. — Só o coração? — sugeriu com engenho Evie, o que lhe fez rir. — Também outras coisas — concedeu enquanto a tendia na Cama com um brilho pícaro nos olhos. — E como é minha esposa, é seu dever aliviar todos minhas dores. Evie levantou os braços e o atraiu para ela. Alheios aos assuntos pessoais dos proprietários ou os empregados do Jenner's, os clientes do clube seguiram enchendo o local todas as noites, especialmente quando se soube que já não havia possibilidade de fazer-se membro dado que o limite se estabeleceu em dois mil e quinhentos. Quem desejava ser membros, tinham que inscrever-se em uma lista de espera com a esperança de que se produzira uma vacante. O estranho emparelhamento de um visconde sem dinheiro e um clube de jogo em decadência tinham produzido uma alquimia surpreendente. Os empregados se contagiavam da dinâmica energia do Sebastian ou eram despedidos. O local era dirigido com uma eficiência implacável, inédita até então no Jenner’s. Nem sequer Ivo Jenner em seus bons tempos tinha dirigido seu pequeno império com semelhante emano de ferro. No passado, o ressentimento oculto do Ivo Jenner para a aristocracia lhe tinha levado a tratar a muitos membros do clube com uma submissão servil que os incomodava vagamente. Sebastian, em troca, era um dos seus. Era tranquilo e, mesmo assim, tão galhardo que sua presença parecia infundir emoção ao ambiente. Quando estava perto, os membros do clube riam mais, gastavam mais, falavam mais, comiam mais. Enquanto que em outros clubes serviam o bife e o bolo de maçã habituais, o variado bufei do Jenner's se repunha sem cessar com pratos espetaculares: salada quente de lagosta, faisão à panela, Camarões-rosa com purê de aipo, codorna cheia de uva e queijo, servida com molho de nata. E o favorito de Evie: um bolo de amêndoa recoberto de framboesas e uma grosa capa de merengue. A comida e o entretenimento melhoraram tão depressa no Jenner's que as mulheres começavam a queixar-se de que seus maridos passavam muitas noites no clube. O caráter manipulador do Sebastian tinha encontrado uma saída perfeita no Jenner’s. Sabia como criar um ambiente no que os homens pudessem relaxar-se e passar lhe bem, e enquanto o faziam, despojava lhes de seu dinheiro quase inadvertidamente. Jogava-se com uma honestidade escrupulosa, dado que o jogo era, em teoria, ilegal, embora se praticava abertamente em todo Londres. Dirigir um clube respeitável era a melhor forma de evitar ações judiciais. Embora ao princípio Sebastian teve que suportar alguns comentários zombadores de seus conhecidos, sua atitude trocava quando tinham que lhe pedir crédito ou que postergasse o pagamento de suas dívidas. Para ser um homem que nunca tinha tido muito dinheiro, possuía uma habilidade surpreendente para dirigi-lo. Como Cam havia dito com admiração, Sebastian tinha a habilidade de um terrier para descobrir um duvidoso saldo bancário ou algo que afetasse a capacidade de pagamento de um membro. Uma noite, enquanto Evie estava junto à mesa do Cam na sala principal vendo como Sebastian presidia uma partida de jogo de dados particularmente forte, foi consciente de que havia um homem maior a seu lado.


Era lorde Haldane, um cavalheiro que Sebastian lhe tinha apresentado na semana anterior. — Milorde — murmurou Evie quando lhe deu um beija-mão. — Me alegra voltar a vê-lo. — O prazer é meu, lady St. Vincent — repôs lorde Haldane com um sorriso em seu rosto bochechudo. Ambos dirigiram um olhar à mesa de jogo onde Sebastian acabava de dizer uma ocorrência para diminuir a tensão da partida. Uma gargalhada percorreu o grupo, e Evie se maravilhou da naturalidade com que seu marido desempenhava seu papel, como se tivesse nascido para ele. Embora resultasse estranho, parecia sentir-se mais em casa do que se havia sentido nunca seu pai. Ao Ivo Jenner, dado seu caráter nervoso, sempre lhe havia flanco ocultar sua preocupação quando algum membro do clube tinha uma rajada extraordinária que ameaçava fazendo saltar os bancos. Sebastian, em troca, permanecia sereno e imutável em qualquer circunstância. Lorde Haldane deveu ter pensamentos parecidos, porque observou Sebastian e disse distraidamente: — Não acreditei que voltaria a ver outro assim. — Milorde? — perguntou Evie com uma meio sorriso, porque nesse momento Sebastian detectou sua presença e se dirigiu para ela. — Só vi a outro homem fiscalizar um clube de jogo deste modo — declarou Haldane, como ensimesmado na lembrança de tempos longínquos. — Como se fora sua reserva de caça pessoal, e ele, o depredador mais encantado do mundo. — Refere-se a meu pai? — disse Evie. — Não, Por Deus — sorriu Haldane de uma vez que sacudia a cabeça. — Não era seu pai. — Quem...? — começou Evie, mas sua pergunta ficou sem terminar já que seu marido chegou junto a eles. — Milady — murmurou Sebastian, e pôs uma mão nas costas de sua mulher. E enquanto dirigia um sorriso ao Haldane acrescentou: — Tenho que te advertir, meu amor, que este cavalheiro é um lobo disfarçado de cordeiro. Embora ela acreditou que o comentário incomodaria ao homem maior, Haldane riu encantado, adulado em sua vaidade. — Se tivesse vinte anos menos, jovem, a tiraria. Apesar de seu tão cacarejado encanto, não pode comparar-se ao meu de então. — A idade não o trocou nada — comentou Sebastian com um sorriso. — Desculpe-me, Milorde, se levar a minha esposa a um lugar mais seguro. — É evidente que este homem tão escorregadio ficou apanhado em seus irresistíveis jogue a rede, lady — disse Haldane a Evie. — Vá, pois, e aplaque seu ciúmes. — Tentarei-o — repôs Evie com acanhamento, sem saber como responder a semelhante afirmação. Por alguma razão, ambos os homens riram, e Sebastian se levou a Evie da sala principal sem lhe retirar a mão das costas. — Vai tudo bem, carinho? — perguntou lhe enquanto andavam. — Sim. Eu... — Sorriu e acrescentou de forma pouco convincente: — Só queria verte. Pararam-se junto a


uma coluna e ele se inclinou para lhe roubar um beijo. — Jogamos uma partida de bilhar? — sussurrou com os olhos brilhantes, e sorriu ao ver como ela se ruborizava. A popularidade do clube aumentou ainda mais quando os periódicos começaram a recomendá-lo com comentários maravilhosos: Finalmente, o Jenner's ocupa um lugar entre os clubes mais frequentados pelos cavalheiros da elite londrino, distinguindo-se como um local do que todos os membros da aristocracia aspiram a formar parte. A cozinha satisfaz os paladares mais exigentes, e a seleção de vinhos resulta atrativa para os gostos mais refinados... E em outro editorial: Nunca poderá elogiá-lo suficiente a qualidade do local recentemente reformado, que proporciona um cenário esplêndido a uma clientela caracterizada por sua superioridade pessoal e intelectual. Não é estranho que a quantidade de solicitudes para converter-se em membro do clube supere com muito o número de vacantes... E um mais: Muitos sugeriram que o renascimento do Jenner's só podia ser obra de um cavalheiro dotado de um extraordinário encanto, versado em moda, política e literatura, e familiarizado com a aristocracia. Trata-se, é obvio, do conhecido lorde St. Vincent, atual proprietário de um clube que augura converter-se em toda uma instituição da vida social do West End londrino. Sentada uma noite no escritório, Evie lia os editoriais com assombro. Não tinha esperado a atenção pública que se estava emprestando a Sebastian e o clube. Embora estava contente de que seu marido triunfasse, não podia evitar perguntar-se o que ocorreria quando ela se tirasse o luto e começassem a frequentar a alta sociedade de Londres. Não lhe cabia dúvida de que os convidariam a muitos lugares. E o caso era que, como era uma das solteironas, não tinha tido muitas oportunidades para aprender a tratar com a gente. Teria que superar sua estupidez e acanhamento e aprender a ser engenhosa, encantadora e segura de si mesmo. — Por que franze o cenho, querida? — Sebastian se sentou à mesa e a olhou com um sorriso. — Tem lido algo desagradável? — Ao contrário — disse Evie com tristeza. — Todo mundo está entusiasmado com o clube. — Compreendo — assegurou enquanto lhe acariciava a mandíbula com o indicador. — E isso se preocupa porquê... A explicação lhe saiu impulsivamente: — Porque te está fazendo fa... famoso, por algo distinto a ir detrás de todos os rabos de saias, refiro-me. E portanto estará muito solicitado, e algum dia eu... eu me tirarei o luto, o que significa que iremos a bailes e veladas, e não acredito que possa evitar me esconder pelos cantos porque to... ainda sou a típica solteirona insegura. Tenho que aprender a ser ocorrente e serena, e a falar com o g... gente. Se não te zangará ou, pior ainda, envergonhará-te de mim, e eu... — Evie, Por Deus... — Aproximou uma cadeira e se sentou nela com os joelhos por fora das de sua mulher. Tomou ambas as mãos e lhe sorriu. — Não pode estar vinte minutos sem preocupar-se por algo, verdade? Só terá que ser como é.


Agachou-se para lhe beijar as mãos e, quando levantou a cabeça, tinha deixado de sorrir e tinha um olhar sensual. Pô lhe um polegar sobre a aliança e esfregou brandamente as palavras gravadas. — Como ia envergonhar me de ti? — prosseguiu. — Sou eu quem foi um completo mulherengo. Você não tem feito nada censurável em toda sua vida. E quanto à afetação de salão, espero que jamais te volte como essas tontas superficiais que conversam sem cessar sem chegar a dizer nada interessante. — Aproximou-a mais para ele e lhe acariciou o pescoço com os lábios justo onde terminava o vestido. Logo suspirou sobre o ponto que tinha umedecido, o que fez estremecer a Evie. — Não é a típica solteira insegura. Mas tem minha permissão para te esconder pelos cantos, carinho, sempre e quando me levar contigo. De fato, insistirei nisso. Advirto-te que me Porto muito mal nessas situações. É provável que te perverta em pracinhas e balcões, sob escadas e detrás de vasos de barro com novelo variadas. E se te queixa, recordarei-te que não deveria te haver casado com um libertino incorrigível. — Não me queixarei — assegurou Evie, arqueando um pouco o pescoço enquanto Sebastian o acariciava com os dedos. — Vejo que conhece seus deveres — sussurrou com um sorriso, e lhe mordiscou o lado do pescoço. — vou ser uma influência terrível para ti. Me dê um beijo e sobe a tomar um banho. Quando tiver terminado, estarei aí contigo. A banheira estava ao meio encher quando Evie entrou no quarto. Gertie e outra criada recolhiam unas vasilhas para efetuar uma viagem mais à planta baixa. Acalorada e distraída depois dos beijos do Sebastian, Evie começou a desabotoá-las mangas do vestido. — Ajudarei a despir-se quando voltar com a água que falta, milady — se ofereceu Gertie. — Obrigado — sorriu Evie. Aproximou-se do penteadeira e agarrou um frasco de perfume, um presente que lhe tinha enviado Lillian fazia pouco. A sua amiga adorava entreter-se com perfumes e fragrâncias, e recentemente tinha começado a experimentar suas próprias combinações. Este aroma era exuberante e equilibrado, com rosas e especiarias acres mescladas com âmbar. Evie verteu com cuidado umas gotas na água da banheira e inalou com prazer o vapor fragrante que se elevou. Sentou-se em uma cadeira, agachou-se para tirá-los sapatos e as médias, para o que procurou por debaixo do vestido a fim de desabotoá-las ligas. De repente um calafrio lhe percorreu a coluna e uns passos suaves no carpete lhe arrepiaram a nuca. Viu como uma sombra avançava depressa pelo chão. Voltou-se e soltou um grito afogado ao ver uma figura andrajosa. Levantou-se de um salto, derrubando a cadeira. O intruso falou com voz áspera: — Nenhuma palavra. Ou a racho do pescoço a virilha. Empunhava uma faca comprido. Estava tão perto dela que poderia alcançá-la com um só movimento. Nenhum pesadelo ou temor infantil poderia comparar-se com aquele horripilante homem. Evie se moveu devagar para tentar colocar-se ao outro lado da banheira. O louco ia vestido com pouco mais que farrapos e mostrava seu perfil esquerdo de um modo estranho, como se fora uma marionete desfocada. Em cada centímetro de pele visível (mãos, pescoço, cara) tinha chagas purulentas. Mas o mais horroroso eram os


repulsivos restos do que tempo atrás tinha sido um nariz. Aquele homem parecia uma quimera, uma confusão de carne, extremidades e rasgos que não pertenciam a um mesmo corpo. Então Evie o reconheceu apesar da sujeira, as chagas e a destroçada cara. Custou lhe muito conservar a calma no meio do pânico que a atendia. — Senhor Bullard... — disse com assombro. — No hospital dava... disseram que tinha morrido... — Parti-me desse maldito buraco — resmungou com a cabeça inclinada de um modo estranho. — Rompi uma janela e me escapei de noite. Já estava farto de que esses imbecis me fizessem tragar suas malditas beberagens. — Avançou para ela com passos descompassados. Evie rodeou a banheira devagar enquanto o coração lhe desbocava. — Mas não ia a fazer mal nesse esgoto de merda sem mandá-la antes ao inferno. — por que? — perguntou Evie procurando não dirigir a vista para a porta, onde tinha visto movimento com a extremidade do olho. Pensou que devia ser Gertie. A forma imprecisa desapareceu sem fazer ruído, e Evie rogou que a criada tivesse deslocado por ajuda. Enquanto isso, quão único podia fazer era manter-se afastada do Joss Bullard. — Você me tirou isso tudo — grunhiu ele. — O deu tudo, o muito bode. O só queria a uma gaga feia, mas eu era seu filho. Seu filho! Entretanto, escondeu-me como se fora um urinol sujo. — Lhe crispou a cara. — Fiz tudo o que me pediu. Teria matado para agradá-lo, mas dava igual. Só a queria a você, cadela asquerosa! — Sinto-o — disse Evie, e sua pena sincera pareceu desconcertá-lo. deteve-se e a olhou com um gesto estranho. — Senhor Bullard... Joss... Meu pai sim lhe queria. Sua última vontade foi que o ajudássemos e o cuidássemos. — É muito tarde para isso! — exclamou ele, e se levou as mãos à cabeça como se lhe doesse insuportavelmente. — Maldita seja... Que se apodreça no inferno... Evie viu uma possibilidade de fugir e saiu disparada para a porta. Mas Bullard a apanhou e a lançou de bruços contra a parede. O golpe na cabeça lhe reduziu a visão a uma lhe titilem nuvem negra. Piscou e gemeu enquanto tentava enfocar os olhos. Sentiu uma opressão no peito e o pescoço. Pouco a pouco compreendeu que tinha o braço do Bullard ao redor do pescoço, com a faca a uns centímetros da garganta. Notava a pressão da folha afiada cada vez que inspirava. Bullard respirava com dificuldade e seu fôlego emprestava a decomposição. Evie percebeu os tremores de seu corpo e seus esforços por controlar - se. — iremos ver o juntos — lhe disse perto da orelha. — A quem? — resmungou Evie, aturdida. — A nosso querido pai. Iremos ver o inferno... você e eu. — Soltou uma gargalhada. — Estará jogando pôquer com o muito mesmo diabo. — Apertou lhe a faca no pescoço e pareceu desfrutar de vê-la estremecer. — A matarei... E depois me suicidarei. O que lhe parecerá com o Jenner nos ver chegar do braço ao inferno? Enquanto Evie procurava com desespero uma resposta que o acalmasse um pouco, ouviu-se uma voz tranquila da porta: — Bullard. Era Sebastian, com um aspecto frio e sereno. Embora o perigo não diminuiu, Evie sentiu um enorme


alívio ao vê-lo. Seu marido entrou no quarto devagar. — Ao parecer, os registros do Tottenham deixam muito que desejar — comentou sem olhar a Evie. Tinha a vista posta no Bullard, ao que observava com olhos brilhantes e hipnotizadores. — Acreditei que lhe tinha metido uma bala no corpo — soltou Bullard com brutalidade. — Não foi mais que um leve arranhão — replicou Sebastian e se encolheu de ombros. — me Diga, como conseguiu entrar no clube? Temos homens em todas as portas. — Pela carvoeira. Há um depósito que dá ao Rogue's Lañe. Ninguém o conhece. Nem sequer esse cigano. — Ao ver que Sebastian se aproximava, acrescentou: — Retroceda ou a atravesso como a uma pomba num assador. O olhar do Sebastian se centrou na faca, que Bullard tinha colocado como se fora a cravar lhe no peito. — Tudo bem— concedeu Sebastian, e retrocedeu. — Tranquilo. Farei tudo o que me peça. — Sua voz soou suave e cordial, e sua expressão, acalmada, embora umas gotas reluzentes de suor lhe escorregavam pela cara. — Joss..., me escute. Não tem nada que temer. Está entre amigos. Quão único pretendemos sua irmã e eu é te ajudar como pediu seu pai. Me diga o que quer. Posso conseguir morfina para aliviar a dor. Pode ficar aqui todo o tempo que queira, disporá de uma Cama limpa e de gente que te cuide. Tudo o que queira. — Tenta me enganar, maldito engomadinho — espetou Bullard. — Não. Darei-te o que queira... salvo que machuque a Evie, porque então não poderei fazer nada por ti. — Enquanto falava, Sebastian se dirigiu devagar para a janela, o que obrigou ao Bullard a voltar-se. — Solta-a e falemos de homem a homem... — Nem um passo mais! — advertiu lhe Bullard, e sacudiu a cabeça com impaciência. Um tremor lhe sacudiu o corpo e soltou um grunhido. — Este maldito ruído nos ouvidos... — Posso te ajudar — insistiu Sebastian. — Necessita remédios. E descanso. Baixa a faca, Joss. Não é necessário que machuque a ninguém. Baixa o braço e poderei te ajudar. Evie notou com incredulidade como o braço do Bullard começava a relaxar-se ao influxo daquela voz tranquilizadora, ao mesmo tempo que ia voltando-se para o Sebastian. De repente, uma detonação ensurdecedora rasgou o ar. Evie ficou livre com uma força que a fez Cambalear-se para trás. Em seu atordoamento, só alcançou a ver como Cam, na porta, baixava uma pistola fumegante. Sebastian tinha entrado no quarto para situar deliberadamente ao Bullard de modo que Cam pudesse lhe disparar. Antes de que Evie pudesse dirigir a vista para o farrapo do chão, Sebastian a voltou e a estreitou contra seu peito. Liberou então toda a tensão contida e se estremeceu enquanto a abraçava e lhe apalpava as costas, os braços e as mechas de cabelo saídos das forquilhas. Ela, sem fôlego, não conseguiu articular palavra. Só podia estar de pé, entre seus braços, enquanto ele amaldiçoava e gemia. — Gertie foi A... para te buscar — conseguiu balbuciar Evie por fim. Sebastian assentiu e a estreitou mais com mãos trementes. — Disse-me que havia um homem em sua quarto — explicou. Inclinou lhe a cabeça para trás e viu o pequeno corte que a faca lhe tinha feito no pescoço. Ao precaver-se do perto que Bullard tinha estado de


seccionarei a garganta, empalideceu. Inclinou-se para lhe beijar a ferida. — meu Deus, Evie... — sussurrou. Ela se voltou entre seus braços para olhar ao Cam, que acabava de tampar a cabeça e os ombros do Bullard com sua jaqueta. — Cam, não tinha que lhe disparar — disse contendo um soluço. — ia soltar me. Estava baixando o braço... — Não podia estar seguro — observou o jovem com voz inexpressiva. — Tinha que disparar apenas o tivesse a tiro. Seu rosto não refletia nenhum sentimento, mas seus olhos estavam arrasados em lágrimas. Evie compreendeu que se viu obrigado a matar a um homem ao que tinha conhecido desde menino. — Cam... — começou compassivamente, mas ele sacudiu a cabeça lhe dando a entender que não era necessário que seguisse. — foi o melhor para ele — soltou sem sequer olhá-la. — Nenhum ser vivo deveria sofrer deste modo. — Sim, mas você... — Estou bem — afirmou Cam com a mandíbula tensa. Não era verdade. Estava pálido e agitado. Evie não pôde evitar aproximar-se dele e rodeá-lo com os braços para lhe oferecer consolo. O moço a deixou fazer, embora não lhe devolveu o abraço, e pouco a pouco seus tremores remeteram. Evie pressionou brevemente os lábios contra o cabelo do romani. Ao parecer, isso foi tudo o que Sebastian estava disposto a permitir. Avançou para eles, recuperou a Evie e ordenou com brutalidade ao Cam: — Vá procurar ao da funerária. — Sim— respondeu o jovem mecanicamente. Vacilou um momento. — Na sala de jogo terão ouvido o disparo. Teremos que lhes dar alguma explicação... — Dava que alguém estava limpando uma arma que se disparou acidentalmente — disse Sebastian. — lhes diga que ninguém resultou ferido. Quando chegar o da funerária, faz-o subir pela parte de atrás. Lhe pague para que guarde silêncio. — Sim, Milorde. E se o policial faz perguntas? — manda-me isso ao escritório. Eu me encarregarei dele. Cam assentiu e partiu. Sebastian tirou o Evie ao corredor, fechou a porta com chave e a levou a outra quarto. Ela o acompanhou aturdida, tentando assimilar o que acabava de ocorrer. Sebastian estava calado e mantinha uma expressão dura enquanto tentava recuperar a calma. — Enviarei a uma criada para que te atenda. Te beba uma taça de vinho. — Virá depois? — quis saber, ansiosa. — Primeiro tenho que me encarregar de algumas coisas. Não voltou em toda a noite. Evie o esperou em vão e, finalmente, deitou-se sozinha. Despertou com frequência, e cada vez apalpou às escuras o lado vazio da Cama procurando em vão o corpo quente de seu marido. Pela manhã estava preocupada e exausta, e olhou com olhos empanados à criada que tinha ido acender a chaminé.


— Viu hoje a lorde St. Vincent? — perguntou com voz rouca. — Sim, milady. O senhor e o senhor Rohan estiveram levantados quase toda a noite, falando. — Lhe diga que eu gostaria de vê-lo, por favor. — Muito bem, milady. — A criada deixou a vasilha com água quente no lavabo e saiu da quarto. Evie se levantou, efetuou suas abluções matinais e tentou alisar-se seu indômito cabelo. Tinha a escova, os pentes e as forquilhas na outra quarto, onde... Ao recordar o acontecido a noite anterior, estremeceu-se de pena. Alegrava-se de que seu pai não tivesse vivido para ver o triste final do Joss Bullard. perguntou-se quais teriam sido seus verdadeiros sentimentos por aquele desventurado, se realmente tinha acreditado que era filho dele. — Papai — murmurou enquanto se observava os olhos azuis no espelho. Os mesmos do Ivo Jenner. Levou-se tantos secretos à tumba com ele, e tinha deixado tantas coisas sem explicar. Sempre lamentaria não ter podido conhecê-lo melhor. Mas se consolou pensando que ao Ivo teria agradado saber que o Jenner's alcançaria por fim o lugar que ele considerava que se merecia. Sebastian entrou no quarto, ainda com a mesma roupa da noite anterior. Tinha o cabelo alvoroçado e os olhos escurecidos. Parecia cansado mas resolvido, com o ar de um homem que teve que tomar decisões desagradáveis. — Como está? — perguntou lhe ele. Evie teria deslocado a seu encontro, mas algo em sua expressão a refreou. Ficou junto ao lavabo, olhando-o. — um pouco cansada. Mas parece que não tanto como você. A criada me disse que tinha estado acordado quase toda a noite. Do que falaram com o Cam? — De vários assuntos. — massageou-se a nuca. — Lhe custa assimilar o acontecido. Mas o superará. Evie o observou indecisa. Não entendia por que se esforçava por mostrar-se distante. Não obstante, tranquilizou-a comprovar que vê-la com a Camisola posta acendia a chama do desejo em seus olhos. — Veem, que quero lhe abraçar — lhe pediu em voz baixa. Entretanto, Sebastian se afastou em direção à janela. Observou o trânsito matinal de pedestres, vendedores ambulantes e varredores. Evie contemplou suas costas larga e magra e sua postura tensa até que ele, finalmente, voltou-se para olhá-la com gesto cuidadosamente inexpressivo. — Já estou farto — soltou Sebastian. — tomei uma decisão irrevogável. Partira do clube hoje mesmo. Vou enviar te ao Campo, a viver um tempo no imóvel de minha família. Meu pai quer te conhecer. Será uma companhia agradável para ti, e há umas quantas famílias locais que lhe proporcionarão certa distração... — E você? vais ficar te aqui? — perguntou Evie com cenho. — Sim. Te visitarei de vez em quando. Evie ficou surpresa, incapaz de acreditar que lhe estava propondo uma separação. — Por qu... o que? — perguntou fracamente. — Não pode estar num antro como este — disse Sebastian com expressão séria. — Aqui não está segura;


disse-o desde o começo, e se demonstrou com acréscimo que tinha razão. — No ca... Campo também lhe acontecem coisas às pessoas. — Não vou discutir — disse Sebastian com brutalidade. — Irá onde eu diga e ponto. A antiga Evie se teria acovardado, doída, e pode que tivesse obedecido a contra gosto. Mas a nova Evie era muito mais forte e, além disso, estava localmente apaixonada. — Não poderei viver longe de ti — disse. — Mais quando não entendo por que deveria fazê-lo. Isto minou a firmeza do Sebastian, que se tocou o cabelo despenteando-se ainda mais os reluzentes cachos. — Ultimamente estive tão ocupado que não pude tomar nenhuma decisão. Não posso pensar com claridade. Me faz um nó no estômago e me dói o peito. Preocupo-me com ti. Às vezes... — deteve-se e a olhou com incredulidade. — Maldita seja, Evie, por que sorri? — Por nada — respondeu, e apagou rapidamente o sorriso de seus lábios. — É só que... é como se tentasse me dizer que me ama. — Não — assegurou Sebastian ao ponto. A ideia pareceu horrorizá-lo. — Não é assim. Não posso. Não estou falando disso. Só necessito... — deteve-se e inspirou fundo ao ver que ela se aproximava dele. — Não, Evie — disse quando sua esposa tentou lhe tocar a cara com os dedos. — Não é o que pensa. Evie captou o medo em sua voz. O medo que um menino deveu sentir quando todas as mulheres às que queria desapareceram de sua vida. Não sabia como tranquilizá-lo ou aliviar essa dor visceral. Ficou nas pontas dos pés e procurou seus lábios. O lhe pôs as mãos nos cotovelos para apartá-la, mas não pôde fazê-lo. Em lugar disso voltou a cara com a respiração acelerada. Sem alterar-se, lhe beijou a bochecha, a mandíbula, o pescoço... — Maldita seja — resmungou Sebastian em voz baixa. — Tenho que te enviar longe. — Não tenta me proteger a mim, a não ser a ti mesmo. — Abraçou-o. — Mas deve assumir o risco de amar a alguém. Só isso te curará. — Não posso, eu... — Sim pode. Tem que fazê-lo — replicou Evie, e fechou os olhos apertando a bochecha contra a de seu marido. — Porque te amo, Sebastian. E necessito que me corresponda. E não pela metade. O lhe pôs as mãos nos ombros mas ao ponto as apartou. — Terá que deixar que estabeleça meus próprios limites O... — disse. Evie aproximou os lábios e o beijou devagar, pausadamente, até que ele sucumbiu com um gemido e a rodeou com os braços para responder a seu beijo com ardor. — Pela metade — disse Sebastian detrás separar-se dela ofegando. — meu Deus, amo-te tanto que me estou afogando. Não posso evitá-lo. Já não sei quem sou. Quão único sei é que se me entregar por completo... — Tentou controlar sua respiração para concluir: — Significa muito para mim. Evie lhe passou a mão pelo peito para tranquilizá-lo. Compreendia seu desespero, aquelas emoções tão fortes que o afligiam. Recordou algo que Annabelle lhe tinha crédulo: ao princípio de seu matrimônio, a intensidade do que sentia por ela turvava ao senhor Hunt, que tinha demorado certo tempo em adaptar-se.


— Sebastian, não será sempre assim, sabe? — disse então. — Passado um tempo te resultará mais natural, mais cômodo. — Não acredito. Soou tão seguro que Evie teve que ocultar um sorriso em seu ombro. — Amo-te — repetiu, e notou que seu marido se estremecia de desejo. — Pode MA... me mandar longe, mas não pode impedir que volte para seu encontro. Quero passar todos os dias de minha vida contigo. Quero ver como te barbeia pela manhã. Quero beber champanha e dançar contigo. Quero te cerzir os meias três-quartos. Quero dormir contigo todas as noites e ter teus filhos. — Fez uma pausa. — acredite que eu não tenho medo também? Talvez uma manhã desperte e diga que te cansaste que mim. Talvez todas as coisas que agora aguenta tão bem acabem te resultando inag.. Inaguantavéis: minha gagueira, minhas sardas... — Não seja tonta — a interrompeu com brutalidade. — Sua gagueira não me incomodaria nunca. E eu adoro suas sardas. Me... — Lhe quebrou a voz. Estreitou-a entre seus braços. — Merda — resmungou. E depois de uma pausa acrescentou com amargura: — Eu gostaria de ser outra pessoa. — Por que? — Que por que? Meu passado é um esgoto, Evie. — Grande novidade. — Nunca poderei expiar todas minhas maldades. Meu deus, quem dera pudesse voltar a começar! Trataria de ser melhor homem para ti. Trataria de... — Só tem que ser como é. — Evie levantou a cabeça para olhá-lo através das lágrimas. — Não é isso o que você mesmo me disse? Se você pode me amar sem condições, Sebastian, por que não posso te amar eu do mesmo modo? Sei quem é. Acredito que nos conhecemos o um ao outro melhor do que nos conhecemos nós mesmos. Não te atreva a me enviar longe de ti, não seja co... covarde. A quem mais foram encantar lhe minhas sardas? A quem mais lhe preocuparia se tiver os pés frios? A quem mais lhe ocorreria me seduzir em uma sala de bilhar? A resistência do Sebastian começava a rachar-se. Evie notou como seu corpo se relaxava, como se inclinava para ela como se quisesse que seus corpos se fundissem em um. Sebastian murmurou seu nome de uma vez que lhe agarrava uma mão para lhe acariciar a palma com os lábios. — Meu amor é teu — sussurrou detrás lhe roçar com os lábios a aliança de ouro, e Evie soube que tinha ganho. Aquele homem apaixonado, extraordinário e imperfeito era dele; tinha lhe entregue o coração para que o guardasse a boa cobrança. Era uma confiança que ela não trairia jamais. Com alívio e ternura, aferrou-se a ele enquanto uma lágrima escorregava pela bochecha. Sebastian a secou com um dedo e a olhou aos olhos. E o que ela viu no brilho de seu olhar a deixou sem fôlego. — Bom — comentou Sebastian, vacilante. — Pode ser que tenha razão nisso da sala de bilhar. E, quando a carregou em braços para levá-la até a Cama, Evie sorriu.


Epílogo

Era quase o final do inverno. Como o luto de Evie tinha coincidido com a reclusão para o parto de Annabelle, as duas tinham passado muito tempo juntas. Nenhuma das duas podia assistir a eventos sociais como dança ou grandes jantares, mas isso lhes tinha parecido bem já que fazia muitíssimo frio dos Natais e a primavera não acabava de chegar. Assim, em lugar de ir e vir pela cidade, sentavam-se junto à chaminé da luxuosa suíte de hotel do Hunt, ou se reuniam com o Lillian e Daisy num dos acolhedores salões do Marsden Terrace, a casa do Westcliff. Liam, conversavam e faziam artesanatos enquanto tomavam inumeráveis taças de chá. Uma tarde, Lillian estava sentada a um secreter redigindo uma carta para uma de suas cunhadas, enquanto Daisy lia uma novela recostada num sofá com uma manta de cachemira no regaço. Annabelle tinha ocupado uma poltrona junto ao fogo e descansava uma mão na curva crescente de sua barriga. Evie estava sentada diante dela num tamborete e lhe massageava os pés doloridos. — OH, que agradável! — murmurou Annabelle detrás suspirar. — Ninguém me advertiu que os pés doíam tanto durante a gravidez. Embora deveria haver-me imaginado, com todo o peso acrescentado que tenho que carregar. Obrigado, Evie, é a melhor amiga do mundo. O sarcasmo de Lillian lhes chegou do hall: — me disse o mesmo a última vez que lhe massageei os pés. Sua devoção só dura durante a massagem. Admite-o, Annabelle, é uma exploradora. — Espera a que conceba, querida — sorriu Annabelle preguiçosamente. — Suplicará massagens nos pés a qualquer que lhe possa dar isso — A menos que seja menininha — argumentou Daisy. Lillian foi replicar, mas o pensou melhor e se limitou a tomar um sorvo de sua taça de vinho. — OH, diga lhe vamos — soltou Daisy sem apartar os olhos da novela. — nos dizer o que? — perguntaram ao uníssono Annabelle e Evie, que haviam se tornado para o Lillian. Lillian, incômoda, encolheu-se de ombros e disse: — Em meados do verão darei finalmente um herdeiro ao Westcliff. — A menos que seja menina — precisou Daisy. — Felicidades! — exclamou Evie, e foi abraçar ao Lillian. — É uma notícia maravilhosa! — Westcliff está louco de contente, embora trate de dissimulá-lo — comentou Lillian enquanto lhe devolvia o abraço. — Certamente o está contando ao St. Vincent e ao Hunt neste momento. Parece acreditar que o consigo é totalmente seu — acrescentou com ironia. — Bom, sua contribuição foi essencial, não? — assinalou Annabelle, divertida. — Já — respondeu Lillian. — Mas o trabalho duro me toca. — Fará-o muito bem, querida — lhe sorriu Annabelle. — me Perdoe se não dar saltos, mas te asseguro


que estou muito contente. Espero que tenha o contrário do que eu tenha; assim poderemos consertar um bom matrimônio. — E com tom lamentoso e melodioso pediu: — Evie, volta. Não pode me deixar com apenas um pé massageado. Evie sacudiu a cabeça e retornou sorridente ao tamborete situado junto ao lar. Fixou os olhos no Daisy e observou o olhar carinhoso e pensativo que dirigia a sua irmã maior. Precaveu-se então da nostalgia da moça. — Em meio de tanta conversa sobre maridos e filhos, não devemos nos esquecer de encontrar um cavalheiro para o Daisy — disse ao voltar a ocupar-se dos pés de Annabelle. — É um céu, Evie. — A jovem lhe dirigiu um sorriso afetuoso. — Não me importa ter que esperar meu turno. Depois de tudo, alguém tinha que ser a última solteirona. Mas começo a duvidar que encontre um homem adequado para me casar. — claro que sim— assegurou Annabelle. — Não prevejo nenhuma dificuldade, Daisy. Ampliamos bastante nosso círculo de amizades, e faremos o que seja necessário para te encontrar o marido perfeito. — Tenha em conta que não quero me casar com um homem como lorde Westcliff— indicou Daisy. — É muito autoritário. E tampouco como lorde St. Vincent, muito imprevisível. — E que tal como o senhor Hunt? — quis saber Annabelle. — Muito alto — objetou Daisy. — Está-te voltando bastante suscetível, não acredite? — assinalou Annabelle com olhos divertidos. — Absolutamente! Minhas expectativas são razoáveis. Quero um homem bom ao que goste dos passeios largos, os livros e que adore os cães, os meninos e.... — E todas as formas de vida vegetal e aquática — ironizou Lillian. — me Diga, céu, onde pescará a semelhante modelo de virtudes? — Pois, de momento, em nenhum dos bailes aos que assisti até agora — respondeu Daisy, cabisbaixa. — Embora pareça impossível, este ano a oferta é pior ainda que o anterior. Começo a acreditar que os homens que valem a pena não se encontram neste tipo de eventos. — Ummm. Tem razão — disse Lillian. — Há muita competência e as melhores presas já desapareceram. Chegou a hora de caçar em outro terreno. — O escritório do clube tem fichas de todos seus clientes — ofereceu Evie. — Dois mil e quinhentos cavalheiros de boa posição econômica. Muitos deles estão casados, claro, mas poderia conseguir os gestos de muitas boas partidas. — Permitiria te lorde St. Vincent farejar em uma informação tão privada? — repôs Daisy, cética. — Nega lhe alguma vez algo? — replicou Lillian em tom divertido. Evie, que tinha suportado com frequência suas brincadeiras sobre a devoção do Sebastian, sorriu e baixou os olhos para a aliança que brilhava à luz do fogo. — Quase nunca — admitiu. — Certamente, alguém teria que lhe dizer ao St. Vincent que se converteu num tópico ambulante — indicou Lillian detrás soltar uma risinho zombadora. — Se converteu verdadeiramente na personificação de tudo o que se diz sobre os libertinos reformados.


— reformou-se, céu? — perguntou Annabelle a Evie detrás recostar-se na poltrona. Ao pensar no marido carinhoso, ardente e tenro que a esperava na planta baixa, Evie sorriu de brinca a orelha. — O suficiente — respondeu em voz baixa, e não acrescentou nada mais.

Fim


A Série – As Solteironas As solteironas são quatro garotas com sérios problemas na hora de conseguir um bom marido. São aquelas que passam os bailes e reuniões apartadas de um lado como meras espectadoras. Seus nomes são Annabelle Peyton, Lillian e Daisy Bowman e Evie Jenner. Ante a dificuldade por caçar um bom partido, decidem unir seus esforços para ajudá-las umas a outras neste tão complicado trabalho. …


Livro 1 – Segredos de uma Noite de Verão

Quatro jovens da sociedade elegante de Londres partilham um objetivo comum: usar os seus encantos femininos para arranjarem marido. E assim nasce um ousado esquema de sedução e conquista. A delicada aristocrata Annabelle Peyton, determinada a salvar a família da desgraça, decide usar a sua beleza e inteligência para seduzir um nobre endinheirado. Mas o admirador mais intrigante e persistente de Annabelle – o plebeu arrogante e ambicioso Simon Hunt – deixa bem claro que tenciona arrimar-lhe os planos, iniciando-a nos mais escandalosos prazeres da carne. Annabelle está decidida a resistir, mas a tarefa parece impossível perante uma sedução tão implacável… e o desejo descontrolado que desde logo a incendeia. Por fim, numa noite escaldante de verão, Annabelle sucumbe aos beijos tentadores de Simon, descobrindo que, afinal, o amor é o jogo mais perigoso de todos. Simon Hunt provém de uma família de classe média, de fato é o filho de um humilde açougueiro, mas é um homem ambicioso que lutou e escalou socialmente. Simon é o único que mostra interesse por Annabelle, mas ele tampouco pensa em matrimônio, ele não é dos que se casam, e acredita que esperando pacientemente que finalize a temporada e ela volte a fracassar em seus intentos de caçar um marido da nobreza, poderá fazê-la sua amante…


Livro 2 – Aconteceu no Outono

Quatro jovens damas se introduzem na sociedade londrina com um objetivo prioritário: utilizar todos os ardis e artimanhas femininos a seu alcance para encontrar marido. Assim, formam uma equipe: as solteironas Esta é a história de uma delas… Aconteceu em um baile... Inteligente, desrespeitosa e impulsiva, Lillian Bowman compreendeu rapidamente que seus costumes americanos não eram recebidos com simpatia pela sociedade londrina. E o que mais as desaprovava era Marcus, Lorde Westcliff, um insofrível e arrogante aristocrata que, por desgraça, também era o solteiro mais cobiçado da cidade. Aconteceu em um jardim... Ali Marcus a estreitou entre seus braços e Lillian se sentiu consumida pela paixão por um homem que nem sequer lhe caía bem. O tempo se deteve; era como se existissem somente eles dois... E quase os apanham nessa atitude tão escandalosa. Aconteceu em outono...Marcus era um homem que controlava suas emoções, um paradigma de aprumo. Com Lillian, entretanto, cada carícia supunha uma deliciosa tortura, cada beijo um convite a procurar maisMas como poderia considerar sequer tomar como sua prometida a uma mulher tão obviamente inapropriada?


Livro 3 – O Diabo do Inverno

Quatro jovens damas da sociedade londrina procuram um bom partido. Chega a vez de Evangeline Jenner, a mais tímida, mas também a mais rica, logo que cobre a sua herança. Para escapar às garras da família, Evie pede ajuda a Sebastian, Lorde St. Vincent, um conhecido libertino, fazendo-lhe uma proposta irrecusável: que se case com ela, trocando riqueza por proteção. Mas a proposta impõe uma condição: depois da noite de núpcias, os dois não voltarão a encontrar-se na intimidade, pois Evie não quer ser mais um coração partido na longa lista de conquistas de Sebastian. A Sebastian resta esforçar-se mais para a seduzir… ou entregar finalmente o coração, em nome do verdadeiro amor.


Livro 4 – Escândalo da Primavera

Daisy a mais nova e romântica das solteironas há finalmente sido intimada por seu pai, depois do casamento de sua filha maior com um conde Tho, mas Bowman não quer que sua caçula se case com João ninguém, para isso lhe dá um ultimato. Ou arruma um marido em 2 meses ou ele se casará com um homem que ele quer. Mathew Swift. O pior pesadelo da infância de Daisy, o jovem magricelo que tanto havia irritado a ela e a Lillian, ela não quer ouvir nem falar no assunto. E junto com suas amigas, e seus maridos, resolvem uma nova empreitada a caminho de achar à um lorde há altura de Daisy, porém Daisy não contava com o fato de Mathew ter se tornado um homem extremamente atrativo e muito menos com a atração eu sente por ele. E agora?


Sobre a Autora

Lisa Kleypas, vencedora do prêmio RITA, já escreveu 34 romances. Seus livros foram publicados em 28 idiomas, em diversos países. Ela mora em Washington com o marido e os dois filhos. Sendo os livros da série Os Hathaways, e As Solteironas (The Wallflowers), os mais famosos Em sua página na web, a autora conta: "Comecei a escrever romances porque sempre amei lê-los. Indiscutivelmente, fui uma nerd durante toda a escola primária e, mesmo "florescendo" na secundária, acredite, a nerd interior ainda estava aqui. Nunca pude imaginar um tempo melhor aproveitado do que lendo um livro, e este amor pela leitura, com o tempo, se traduziu num profundo desejo de escrever um." www.lisakleypas.com


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