SODRÉ, Paulo Roberto. Poemas desconcertantes. Vitória: Estação Capixaba / Cândida, 2017.

Page 130

ao senhor branco, o livro de Paulo Sodré descreve a morte como um percurso de sombra, que começa com o frescor, passa como um arrepio e acaba com o corte – momentos que constituem respectivamente as três partes do livro: No frescor da sombra, tudo são questões, dúvidas, pressentimentos e especulações. O fascínio e o medo unidos edificam simultaneamente o totem e o tabu. Morte!? Termo que determina, baile de foices; um átimo que, retirando o nome, separa a voz do silêncio; recesso de silêncio, senhorio de ausência, domínio de esquecimento. A primeira parte do livro, intitulada Percurso de sombra e frescor, apresenta o senhor branco. Com o frio de seu frescor, a sombra arrepia: após todas as dúvidas, a constatação da morte. Não importa como vem, seja por atropelamento, tiro, veneno ou derrame, a morte é sempre certa, está na espreita, por trás da curva, à espera do chão. E, quando ela se aproxima, tudo desfalece em reticências. A morte revela a incompletude do que somos, o nosso inacabamento e imperfeição. Nada, ninguém, nenhum; quieto, vazio, vencido – a morte é o não que perfaz a finitude da vida. A segunda parte do livro, intitulada Percurso de sombra e arrepio, faz a constatação de ser o senhor branco uma partida que abandona tudo como estava. Por fim, o corte. A confirmação de que a morte irrompe, rompe e interrompe; de que ela é a ruptura da vida que, deixando tudo na mesma inevitável reticência, revela que somos, no fim, perda. O senhor branco mostra a ausência, o itinerário de nossas vidas vazado, esvaziado em não. Após o frescor e o arrepio da sombra vem o hálito do esquecimento, o corte do aperto de mão com a morte, seu paternal abraço. Tudo se finda nessa concessão inevitável do nada, poeira ou pólvora para fátuo fogo. Neste percurso de sombra, que atravessa o frescor, o arrepio e o corte, a morte ganha um rosto, a face do senhor branco. Ao fim de cada um desses três momentos, um contraponto; cada parte do livro é, portanto, composta de um ponto e um contraponto. Criado na composição polifônica da música medieval, o contraponto consiste em estabelecer um paralelo entre duas linhas melódicas simultâneas que se encontram nos contrastes e dissonâncias. Na poesia de Paulo Sodré, como contraponto à morte, o amor, ou melhor, o erotismo: Como contraponto ao Percurso de sombra e frescor, Da abreviatura do não também questiona a finitude, sendo que o primeiro, a da morte, e, o segundo, a do amor. Amor e morte se confundem num erotismo cheio de dúvidas, ciladas e vacilos. Solidão, relação, casamento, concessão, união, separação. O discernimento do sim e do não se obscurece na sombra do talvez, ficando tudo confuso. Bastava dizer que sim, mas disse não antes do tempo. Na primeira parte do livro, como contraponto ao questionamento da morte, encontramos a dúvida do amor. Na segunda parte, uma caligrafia dos cabelos contrapõe-se ao arrepio da morte. Em Sob o grifo dos cabelos, o que era arrepio se esvoaça numa orquestra de alaúdes, um madrigal de Monteverdi. Encontramos cachos de cabelos castanhos espalhados pelos versos, tristeza e doce melancolia. Uma escrita emaranhada e evasiva, cheia de silêncios e saudades. Na terceira parte, ao Percurso de sombra e corte contrapõe-se da cor do caqui e do azul, numa explícita referência ao disco Araçá azul de Caetano Veloso. Embora a frase central, tanto do disco quanto desse terceiro contraponto, seja “com fé em Deus, eu não vou morrer tão cedo”, há aqui um Poemas desconcertantes

| 128


Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.