Circulação transatlântica dos impressos

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que modifica o sentido de ideias estrangeiras, como afirma Michel Espagne7. Ambas perspectivas compreendem que “…le texte importé reçoit une nouvelle marque”8. Desse modo, o conceito de transferências culturais nos parece adequado para superar o comparatismo tradicional o qual, segundo Olivier Compagnon9, estava mais concentrado no âmbito da recepção que da circulação. Para este autor, entender as trocas culturais situadas num espaço comum, que ele chama de euro-americano, na perspectiva das transferências culturais, permite uma abordagem mais complexa (sincrônica e diacrônica a um só tempo), desvencilhando-se tanto da ideia de aculturação e transculturação, como da noção de cópia, de modelo ou de influência passiva e acrítica. Inicialmente aplicado ao caso franco-alemão, o conceito tem sido colocado à prova neste “espaço euro-americano”. Olivier Compagnon delimita três momentos na historiografia sobre o tema (clássico, aliás) das relações culturais entre os dois continentes. Seriam eles, de maneira esquemática, os paradigmas da influência, do modelo e das transferências. O paradigma da influência, cujo foco estaria na produção, propondo-se a apreender as trocas culturais em termos sincrônicos, sempre em um sentido que privilegie a hegemonia da metrópole sobre a colônia. No segundo caso, que ele chama de paradigma do modelo, o foco estaria na recepção, com as trocas culturais sendo apreendidas em um sentido diacrônico e supondo que a recepção tem diferentes leituras, diferentes tempos, e que um mesmo artefato cultural consumido em uma época pode ter sentido absolutamente diverso em outro momento, ainda que ocorrida no mesmo local. A recepção é vista na longa duração e as trocas seriam o resultado de interação e não de imposição sem crítica, como no paradigma da influência. Ainda assim, porém, este modelo se atém a trocas bilaterais e pode ser acusado de eurocentrismo, na medida em que joga luz sobre um objeto cultural que se projeta da Europa em direção à América. Finalmente, no paradigma das transferências culturais, de acordo com o autor, é dada maior ênfase às condições de circulação das ideias – apenas marginalmente evocadas no paradigma anterior. As “dinâmicas concretas – humanas, materiais, econômicas e diplomáticas – das trocas culturais”10, que restavam esquecidas ou deixadas a um segundo plano, passam para o foco principal. A ênfase é nas condições de circulação do produto, sua transformação no contexto da recepção e, sobretudo, na abordagem que permite pensar em trocas recíprocas e ocorridas em termos multilaterais, ultrapassando a concepção bilateral – típica das análises sobre as trocas entre colônia/ex-colônia e metrópoles. Michel Espagne, Les transferts culturels franco-allemands, op. cit., p. 203. Pierre Bourdieu, idem, ibidem. 8 Bourdieu, idem, p. 6. 9 Olivier Compagnon, “L’Euro-Amérique en question” In: Nuevo Mundo Mundos Nuevos, Debates, 2009. 10 Compagnon, idem, p. 5. 7

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