Samba-Enredo: a poética do carnaval de Porto

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CAPÍTULO 1 DO SAMBA AO SAMBA DE CARNAVAL

Até chegar ao patamar de “música nacional brasileira”, e também se consolidar como ritmo de carnaval, um longo percurso foi percorrido pelo samba. Antes música dos negros escravizados, e depois daqueles marginalizados da periferia urbana, o samba se tornou símbolo de brasilidade na primeira metade século passado. Para compreender a sua constituição, é necessário contextualizá-lo a partir das dinâmicas sociais e das correlações políticas que formaram o Brasil (e o mundo) da segunda metade do século XIX aos anos 1930. Porém, já no século XIX há registros do samba enquanto manifestação festiva dos segmentos populares.

1 | “DE SEMBA SE FEZ SAMBA…”1

A migração de trabalhadores do campo para a cidade do Rio de Janeiro foi intensa nas últimas décadas do século XIX, período de Abolição da escravidão negra e de mudanças políticas no país, em especial dos baianos provenientes do Vale do Paraíba e do trabalho na cafeicultura. De 1897 em diante, recebeu o acréscimo dos oriundos da Guerra de Canudos. Nas comunidades compostas por esses segmentos, junto das classes baixas que já habitavam o Rio, é que surgiriam, nas palavras de José Ramos Tinhorão (1998, p. 277), “as duas maiores criações do povo miúdo no

Brasil”: “o carnaval de rua dos ranchos e suas marchas, e o ritmo do samba”. Para Muniz Sodré (1998), na segunda metade do século XIX começaram a aparecer no Rio de Janeiro, capital do país e sede do Império, os “traços de uma música urbana brasileira - a modinha, o maxixe, o lundu, o samba”. A “fermentação” desses novos gêneros musicais ocorreria “no seio da população negra, especialmente depois da Abolição, quando os negros passaram a buscar novos modos de comunicação adaptáveis a um quadro urbano hostil” (MUNIZ SODRÉ, 1998, p. 13). Nas primeiras décadas do século XX, apesar (ou por causa) do contexto de exclusão de direitos e de pobreza material, as camadas populares urbanas viveram um momento de efervescência criativa, criando as suas “próprias formas de sobrevivência física e cultural” (TINHORÃO, 1998, p. 275). É neste cenário que surge o samba, produto da centrifugação de ritmos como o lundu, o maxixe e a chula, além da batucada dos terreiros onde eram cultuados os orixás. Há polêmica sobre qual foi o primeiro samba, mas é praticamente um consenso de que o gênero se constituiu enquanto tal na casa de Tia Ciata. Lá, os participantes dançavam e cantavam a partir de duas formas de samba: partido-alto e raiado2. Assim explica Almirante

1 Verso de “Agudás, Os Que Levaram a África No Coração, e Trouxeram Para o Coração da África, o Brasil”, samba-enredo da Unidos da Tijuca em 2003. 2 “O partido-alto, segundo Nei Lopes, é considerado como a forma de samba que mais se aproxima da origem do batuque angolano, do Congo e regiões próximas. Contudo, quando surgiu, no início do século XX, pelo menos na casa da Tia Ciata, esse termo era usado inicialmente para designar música instrumental. O Samba-raiado é uma das variantes que tem influência da música sertaneja/ rural, variante muito comum no início do século, ainda com forte influência do samba-rural baiano e trazido para o Rio de Janeiro pelas Tias Baianas e sendo ainda visto como uma variante do Samba-de-roda.” (DICIONÁRIO CRAVO ALBIN DA MÚSICA POPULAR

Capítulo 1

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