Samba-Enredo: a poética do carnaval de Porto

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Considerações finais A literatura de uma nação não se forma apenas por obras excepcionais. É na constância e na pluralidade de expressões estéticas, assim como na capacidade de gerar um circuito de produção, transmissão e recepção (Candido, 2007), que reside a possibilidade de consolidar sínteses e constituir um sistema. A força dessa perspectiva formativa permanece atual e contemporânea. Não só na literatura, mas também em outros ramos da cultura, são muitas as linguagens e expressões artísticas à espera de estudos capazes de identificar suas características e sistematizar suas recorrências e excepcionalidades. E quando se fala da “cultura popular”, as necessidades e possibilidades ampliam-se consideravelmente. A historiografia, inclusive na cultura, ainda privilegia os vencedores. Os vencidos seguem sendo representados com compaixão, ou simplesmente invisibilizados. Escrever a história cultural do povo é preciso, à luz dos preceitos que balizam a cultura das “elites”, porém considerando as diferenças em suas condições de produção, transmissão e recepção. É preciso, também, superar a visão eurocêntrica de cultura - estendida às diversas linguagens artísticas. Os pressupostos de pesquisa podem ser insuficientes para dar conta de realidade tão distinta como a do Brasil, um país de dimensão continental e de história tão cheia de contradições (é considerado a “maior democracia racial do planeta”, mas foi o último país das Américas a abolir a escravidão e continua a possuir grandes diferenças salariais entre brancos e negros, por exemplo). As condições sociais, portanto, são muito distintas, e há vários legados que devem ser considerados. Na música das escolas de samba há a demonstração de uma substancial diferença em relação aos padrões europeus de performance musical coletiva. Provavelmente não há agrupamento de percussão similar a uma bateria de escola de samba - na quantidade de componentes, na variedade de instrumentos (que remonta a uma diversidade de procedências étnicas e geográficas) e na característica performática de tocar caminhando em cortejo (com certas ousadias formais, às vezes, como dançar em algum trecho do samba, ou mesmo subir e descer carro alegórico durante o desfile, como fez a Viradouro, do Rio, em 2007). Da mesma forma, a euforia coletiva provocada na sociedade em dias de carnaval, em praticamente todo o território nacional, não tem comparação com nenhum outro país do mundo. Por outro lado, os fenômenos do samba e do carnaval estão ligados a conjunturas mundiais mais amplas. O trajeto para o samba deixar de ser ritmo marginalizado e perseguido pelas autoridades policiais para ser “o” ritmo nacional tem diretamente a ver com a ascensão dos nacionalismos na Europa, e posteriormente no restante do globo, no decorrer dos anos 1920 e 30. A obtenção de uma “brasilidade” tornara-se imperiosa, e assim a música das comunidades negras e pobres da periferia do Rio de Janeiro, então capital federal, seria potencializada. As marcas deixadas pela década de 1930 na cultura brasileira, marcada pela ascensão de nacionalismos pelo mundo, e que no país teve a sua versão no Estado Novo liderado por Vargas, são indeléveis. O samba se consolidou e se manteve como símbolo de “música nacional” (mesmo a bossa nova, que fez enorme sucesso pelo mundo nos anos Considerações finais

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