Samba-Enredo: a poética do carnaval de Porto

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Introdução Muitos capítulos ainda estão por serem escritos na história da cultura brasileira, em particular da chamada “cultura popular”. Transformados no século XX como alguns dos ícones do Brasil e do ideal de brasilidade, o samba e o carnaval possuem uma quantidade de estudos desproporcional à sua relevância social e a seu efeito simbólico – dentro do país e no exterior. O mesmo se pode falar da canção popular brasileira, em seu escopo mais amplo. E quando se sai dos principais “centros” do país, então, para rumar às suas periferias, o vácuo teórico se torna ainda mais evidente. É para dar uma pequena contribuição à diminuição desse déficit de interesse intelectual pelas nossas manifestações populares que este trabalho foi produzido. Com algum tempo de vivência e estudos na cultura negra, aprendi o valor da ideia de ancestralidade. A “ancestralidade” se justifica pelo seguinte: cresci em meio a um clube social negro, numa região de colonização portuguesa e alemã (e onde aportaram os italianos que rumaram à Serra). Em São Sebastião do Caí, no Vale do Caí, existiu por cerca de 40 anos o Clube 13 de Maio, presidido por meus avós maternos Adelar Caetano (o Cabo) e Miguelina de Brito. O clube, que era junto à casa deles, realizava bailes onde era tocada música “de negro”, por bandas “de negros”, sendo o único espaço da cidade para tal. O auge, como o nome sugere, era sempre a comemoração da Abolição, acontecendo um baile num sábado próximo ao 13 de maio e um almoço invariavelmente na data (este, agregando também toda a “sociedade” branca - autoridades políticas, religiosas e policiais, comerciantes, profissionais liberais etc.). No fim da década de 90, com a morte de Cabo, o clube deixa de existir. Quando Miguelina falece, no final de 2012, o acervo fotográfico das décadas de festas “de negro” fica sob a minha guarda, tornando a memória daqueles tempos cotidianamente presentes. Desde pequeno (precisamente, a partir dos 4 anos), ainda, desfilava com meus pais na escola de samba Mocidade Independente da Vila Rica, de São Sebastião do Caí (e eles, antes de eu nascer, já participavam ativamente dos blocos da cidade). A agremiação não existe mais, e o próprio carnaval da cidade (oficialmente) luso-germânica entrou em declínio, vivendo uma tímida retomada nos últimos anos. De forma subjetiva, foi provavelmente a rememoração dessa ancestralidade que me fez, ainda na graduação, a optar por estudar o samba-enredo. Sem saber direito qual(quais) sambas, de onde (Rio de Janeiro? Porto Alegre? São Paulo?) e de qual época, senti que aquele era um desafio que estava colocado. A impressão, num primeiro momento, era de que tudo já havia sido dito sobre o tão prestigiado carnaval do Rio de Janeiro. Ledo engano. As publicações sobre as escolas de samba cariocas, até a primeira década deste século, continuavam a ser praticamente as mesmas do século passado, reeditadas. Os anos 2000, porém, trouxeram um crescente interesse pelos aspectos múltiplos da cultura brasileira. Houve uma intensificação de biografias e outros trabalhos sobre escolas de samba, cantores e compositores populares etc. Se em relação ao “centro” Rio de Janeiro o movimento é recente, nas “periferias” do país, como Porto Alegre, é ainda mais tardio. Afora a dinâmica natural dos processos culturais, de criação, repetição e recriação, há nuances em relação à repercussão social Introdução

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