26 Outro dado de sua teoria semiológica de grande relevância para a música popular é a idéia de que a interpretação simbólica da música acontece através de junções de elementos, também dotados de significados. Ao isolar as unidades de significação – apelidadas de “musemas” – o trabalho de Tagg aprofunda a compreensão das inúmeras trocas e fusões que a todo instante interpelam as análises sobre as práticas musicais, principalmente em contextos urbanos. A noção de musema auxilia na interpretação de misturas e intercâmbios entre músicas, que se constitui talvez na mais universal e importante forma de composição musical, especialmente nos dias atuais, com a multiplicidade de ofertas e facilidades de circulação de sons e imagens. Um musema encontrado em uma determinada prática musical – a sonoridade do baixo elétrico do rock, por exemplo – pode ser utilizado em outras estéticas musicais, como a música caipira, incorporando significados e fundindo elementos estéticos e simbólicos de ambas as práticas. As músicas que circulam pelo mundo se influenciam mutuamente e estão continuamente trocando elementos característicos que, em determinado momento, podem, eventualmente, se tornar típicos de uma outra prática musical. O cavaquinho importado do fado português para as práticas populares brasileiras tornou-se um dos principais símbolos sonoros identificadores do choro e, posteriormente, do samba. Ao mesmo tempo, esse processo pode ocorrer com o próprio gênero musical, que, desvinculado de sua origem territorial, pode ser incorporado ao vocabulário musical de outras regiões, que irão reconhecêlo como “seu”. Os exemplos são inúmeros e vão desde o reggae maranhense ao rock brasileiro, passando pelo samba paulista. A apropriação de elementos (musemas) entre as várias práticas musicais tem uma outra conseqüência. Uma vez que o reconhecimento e a interpretação simbólica da música são feitos a partir de recorrências, o ambiente mercadológico no qual a canção popular passou a circular a partir do século XX produziu uma busca deliberada por reiterações e repetições com o objetivo de atingir o sucesso. Nesse sentido, em muitos casos usa-se o teclado eletrônico no samba ou na música caipira, por exemplo, não apenas por se tratar de um elemento incorporado de estéticas musicais consagradas, mas também porque sua incorporação potencializa a valoração comercial da prática musical, colaborando para incrementar suas vendas. Assim como o teclado, determinadas temáticas nas letras, seqüências de acordes ou soluções melódicas são continuamente aproveitadas e trocadas entre compositores e artistas do mundo todo, num processo ininterrupto de imitações, adaptações e reelaborações musicais que têm objetivos ao mesmo tempo estéticos e comerciais. O elemento comércio atravessa essa troca de influências musicais e simbólicas entre as músicas, gerando algumas contradições e muita, muita discussão.