Samba e mercado de música nos anos 1990.

Page 174

173 frente a algo que viria a eliminar essa “base”. Essa oposição aparece de forma bastante clara no prefácio do livro de Candeia e Isnard, assinado por Sérgio Cabral. O samba é a mais expressiva linguagem musical do povo carioca. Hoje enriquece os donos do mercado musical, enquanto as escolas de samba são utilizadas pelo seu potencial turístico, sugadas pelo que oferecem de supérfluo e desprezadas pelo fundamental. Há tantos interesses em torno do samba e das escolas que fica muito difícil saber onde é a fronteira entre a manifestação espontânea do povo e a ganância (Cabral, prefácio de Candeia e Isnard, 1978:vii).

Já comentei no Capítulo 2 a antagonia comumente evocada entre samba e mercado. A noção de um samba “do povo”, fundado nas “raízes” disputa espaço nesta época no interior das Escolas de Samba com as influências externas, com a “ganância”, com a “descaracterização”. Ao mesmo tempo, os sambistas começam a ocupar lançamentos fonográficos, casas de espetáculos e espaços alternativos onde são formadas concorridas rodas. A partir de então, o samba “de raiz” – que ainda não tinha esse nome – vai disputar espaço também com outros gêneros musicais. A metáfora da raiz simbolizando ancestralidade, tradição, vínculo com o passado vai aparecer em letras de canções, discos e em textos na imprensa como estratégia de legitimação da prática do samba, a “mais expressiva linguagem musical do povo brasileiro”. Em 1971, o segundo disco de Candeia tem como título Raiz (Equipe, 1971), que traz um de seus sambas mais conhecidos, Filosofia ao samba. Cinco anos mais tarde, a cantora Elza Soares grava um samba de Dona Ivone Lara e Délcio Carvalho, intitulado Samba, minha raiz. Como agradeço por nascer O samba é minha raiz Minha herança, meu viver Me consola a beleza que ninguém deseja achar Me guia na minha incerteza, não me deixa tropeçar A legitimidade da prática do samba se reafirma como uma “herança” que não deixa tropeçar. Um gênero musical que reconstrói e atualiza seus elementos característicos e sua historicidade através de constante referência às suas origens, seu passado, à obra de sambistas de outras gerações anteriores. Na década de 1980, a idéia de raiz volta a habitar o repertório em títulos de canções lançadas comercialmente51. O samba, assim, se legitima e adquire prestígio

51

Em 1985, Roberto Ribeiro lança seu 11º LP individual com a faixa Raiz e flor, dos jovens compositores Sombrinha e Jorge Aragão. No ano seguinte, Sereno e Arlindo Cruz registram Força, fé e raiz, no disco O mapa da mina, do Fundo de Quintal. Ainda em 1986, Alcione grava um LP cuja faixa-título, de autoria de Franco e Lourenço se intitula Fruto e raiz.


Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.