O rei mandou chamar o samba e seu vassalo: Ataulfo Alves

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421 possibilidades melódicas e harmônicas que lhe concedem as únicas sete notas musicais que existem na escala ocidental. Mais que isso, não se há como fazer. Também, em “Na ginga do samba”, de 1964, gravada pelo compositor, o espírito de Noel é revisitado: “Noel Rosa já dizia / batuque é um privilégio / não se cursa Academia / não se aprende no colégio”. Esta canção é, também, mais uma daquelas em que Ataulfo se ocupa a acusar o sambista sem “bossa” e, como em grande parte das vezes, chama o testemunho inequívoco e indiscutível de Noel Rosa: “É na ginga bonita que o samba tem / Oi, quem não tem ginga / no samba não se dá bem / É por isso que o Salgueiro / mantém a tradição / de janeiro até janeiro / faz do samba, oração / Nosso grande Ary Barroso / falava com razão / samba pra ser samba mesmo / tem que vir do coração”. Como se percebe, Ataulfo retoma o tema do samba do Salgueiro, enaltecido como tradicional, e assim executado durante todo o ano, como já o fizera em “De janeiro a janeiro”, de 1959, canção que será analisada um pouco adiante. O samba, como forma de oração, é uma proposição de Noel Rosa que, em “Feitio de oração” dizia: “Por isso agora / lá na Penha vou mandar / minha morena pra cantar / com satisfação / e com harmonia / esta triste melodia / que é meu samba / em feitio de oração”. O samba que vem do coração não é proposição original de Ary Barroso, mas, também, de Noel Rosa, ainda em “Feitio de oração”: “o samba na realidade / não vem do morro nem lá da cidade / e quem suportar uma paixão / sentirá que o samba então / nasce do coração”. O tema noelino do sambista diplomado volta em “Eu também sou general”, composição solo de 1949: “Eu também sou general / [...] / No samba eu sou general / General de divisão / No batuque / Não posso levar a pior / Tenho um diploma de samba / Do meu estado maior”. Naturalmente, o “estado-maior” que “diplomava” o samba era o gosto popular que, ratificado pela crítica, lhe outorgava a definitiva patente de sambista. Não a patente do registro, disponível a qualquer um, mas a patente do reconhecimento público a alavancar o compositor aos níveis da imortalidade do artista popular, graduação só atribuída – na época, pelo menos – aos verdadeiros bambas. Em 1949, Ataulfo Alves já era “diplomado”, com honrarias e galardões e já tinha recebido reconhecimentos ímpares. A próxima canção que aqui se traz ao foco, é “Leva meu samba”, de 1941, gravada pelo compositor: “Leva meu samba / Meu mensageiro / Este recado / Para o meu amor primeiro / Vai dizer que ela é / A razão dos meus ais / Não, não posso mais”. O eu-lírico entrega ao samba, seu mensageiro, a responsabilidade de transmitir à musa inspiradora o recado de que é ela o motivo pelo qual ele sofre e suspira. E, não só isso, o samba há de chamar-lhe a atenção para o fato de o remetente já estar às beiras do limite da exaustão Anais do V Encontro Tricordiano de Linguística e Literatura – 21 a 23 de outubro de 2015 Universidade Vale do Rio Verde (UNINCOR)


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