Samba, história, a questão racial e social

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SAMBA, HISTÓRIA, A QUESTÃO RACIAL E SOCIAL Augusto César Gonçalves e Lima - UFF

O samba está aí, presente em nosso cotidiano, constituindo-se numa rica variação musical, nas danças, na ópera carnavalesca, na poesia. Produz a festa, os costumes, o comportamento, a culinária, a gíria, a socialização de conhecimentos, a sociabilidade, em suma, constituindo uma cultura do samba. Produz uma cultura artística e é produzido por ela, dialeticamente. Produz atividade econômica e é produzido por ela, dialeticamente. Atua e atravessa a vida dos brasileiros – e não só dos cariocas – refundindo-se com outras culturas, interagindo com a cultura visual do cinema e da TV. Existe objetivamente, concretamente, na sociedade brasileira. Mas, em que termos podemos nos referir ao samba relacionando-o à “questão racial” e, mesmo, à “questão social”? Há poucos anos atrás, um ministro da Cultura desconsiderou completamente esta possibilidade: “A batida do samba não é o ritmo adequado para tecer uma reflexão sobre a sociedade e o Estado”38. Um ritmo originário dos batuques39 parece, a alguns setores da sociedade, não ter esta potencialidade. Será? Samba, demografia e a questão racial Se levarmos em consideração a participação do grupo “racial” de “pretos e pardos” em nossa população, economia e em nossa vida sociocultural, chega a espantar a ainda relativamente pequena produção acadêmica abordando a situação dos afro-brasileiros no Brasil. Muniz Sodré já apontava uma das causas desta situação assim se referindo: Voltar a falar hoje da tradição do pensamento racista no Brasil faz sentido, porque é fundamental rever o posicionamento das elites logotécnicas (articulistas, editorialistas, jornalistas de destaque, publicitários, programadores culturais, professores etc.) no que diz respeito à questão étnica. [...] A formação de uma imagem total, diz Paul Virilio, é tributária de uma iluminação. O que tem ‘iluminado’ no espaço público/mediático a imagem dos descendentes de Zumbi? As tonalidades ainda sombrias da consciência discriminante. Pode-se até aceitar o fato que a imagem do negro tenha melhorado aqui e

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Francisco Weffort, em 1998, em entrevista à revista Veja. Citado por Leandro Konder em seu artigo “O ministro não sabe o que diz”, no qual se encarrega de apontar a falta de conhecimento do ministro, parodiando o famoso samba de Noel Rosa, Palpite infeliz (O Globo, 06/12/98). 39 Ver HISTÓRIA DO SAMBA. Rio de Janeiro: Ed. Globo, 40 fascículos, 40 CDs, 1997.

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