O samba em pessoa: narrativas das Velhas Guardas da Portela e do Império Serrano

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vendo que eram homens importantes, quando eu era garoto não sabia da importância deles. O pai do Collor, Arnon de Mello, gordinho, baixo, Governador de Alagoas; Vivaldo Palma Lima, falei isso em Alagoas um dia desses, e um sujeito falou: – Ih, tem um estádio ali, Monarco, o Vivaldão, é em homenagem ao velhinhozinho... Raul Pederneiras, era do Jornal do Brasil... Pessoas importantíssimas do nosso jornalismo. Eu, garoto, não sabia onde estava entrando. O Villa-Lobos, para mim, era um homem qualquer, depois é que eu fui entender, tem gente que não acredita, mas estava lá na ABI, eu levo lá no décimo andar, e aponto: – É essa mesa aqui, ó. Tinha uma mesa de sinuca aqui, o bilhar francês no meio, e outra mesa de sinuca aqui; a dele ficava no meio... Charuto, cansei de buscar charuto pra ele, Havana, do bom, contava baralho pra eles jogarem pôquer ou buraco, sei lá, aqui no Jóquei Clube. Teve um jornalista que disse: – Olha, eu vou te ensinar um truque pra tu ganhar um dinheiro: tu compra esse baralho, vai no Jóquei Clube.... Que ali eles jogavam uma vez só, e trocavam de baralho, ficava aquele baralho novinho. Aí, custava oito pratas, eles me davam dez, eu ficava com dois mil réis, uma coisa lícita. Eles mesmos falavam pra mim, mandavam comprar: – Não compra, não! Vai lá no Jóquei Clube, você ainda vai ganhar duas pratas. Aí eu ganhava, comprava três baralhos e ganhava seis mil réis... Seis mil réis é muito dinheiro, o bonde era duzentos réis, por aí, ainda me sobrava um dinheirinho pra almoçar e jantar, às vezes ainda levar um pãozinho pra ajudar a minha velhinha. Então aí, voltando à escola de samba: o papel da Velha Guarda é esse: é um papel honesto, sincero, de manter a tradição da escola. Foram eles que começaram tudo na época da maré braba, quando ninguém queria saber de escola de samba. Hoje, você vê a escola de samba, é Suzana Vieira, e não sei mais o quê, todo mundo querendo aparecer... Mas antigamente, se namorasse uma moça e fosse de escola de samba, o pai já entrava: – Cuidado, hein? Esse cara anda metido em escola de samba... Então a escola de samba, pra eles, era uma coisa do mal. Você cantava um samba, no meio da gozação, samba de morro: – Ih, esse cara anda metido com negócio de samba, cuidado! Tocador de cavaquinho, essas coisas, não tinha. O samba sofreu muito. Hoje é o patrimônio cultural do nosso país, mas a gente sofreu horrores. Estou feliz, hoje eu tenho um certo reconhecimento, já me chamam pra fazer show em Alagoas, agora vim de São Luiz, me chamam para Fortaleza, aí para fora... Já estou com 76 anos. A caminhada foi longa, mas estão me dando um reconhecimento. Não sei se é pela minha obra que tem aí... Porque eles escutam o meu samba, mas não sabem que é meu. Quando eu canto: – Mas isso é dele? Isso também é dele? Isso também é dele?! Pô! Aí passam a acreditar mais no taco, porque tudo precisa de qualidade. Não adianta, o camarada compra este copo aqui: – Ah, ele pagou 50 merréis naquele copo, pra quê? Esse foi cinco mil réis, quase a mesma coisa!


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