As vozes do morro: Heteroglossia e carnavalização na construção da identidade negra nos sambas-enred

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No Carnaval de 2007, duas escolas homenagearam o continente africano. Em Candaces, do GRES Acadêmicos do Salgueiro, toda a grandiosidade que envolvia esta dinastia de mulheres negras que foram rainhas africanas: (59) Majestosa África/ Berço dos meus ancestrais/ Reflete no espelho da vida/ A saga das negras e seus ideais/ Mães feiticeiras, donas do destino.../ Senhoras do ventre do mundo/ Raiz da criação/ Do mito a história/ Encanto e beleza/ Seduzindo a realeza Candaces mulheres, guerreiras/ Na luta... justiça e liberdade/ Rainhas soberanas/ Florescendo pra eternidade (bis)

Candace era um título atribuído a uma espécie de dinastia de rainhas guerreiras, mulheres guerreiras que detinham o poder do reino de Meroé, no sul do Egito, pouco tempo antes da era cristã, formando uma sociedade matrilinear. Outra escola que falou de histórias africanas, entretanto fazendo relação com o Brasil foi o GRES Beija Flor de Nilópolis com sua exaltação às Áfricas: do berço real à corte brasileira: (60) Olodumarê, o deus maior, o rei senhor/ Olorum derrama a sua alteza na Beijaflor/ Oh! Majestade negra, oh! mãe da liberdade/ África: o baobá da vida ilê ifé/ Áfricas: realidade e realeza, axé/ Calunga cruzou o mar/ Nobreza a desembarcar na Bahia/ A fé nagô yorubá/ Um canto pro meu orixá tem magia/ Machado de Xangô, cajado de Oxalá/ Ogun yê, o Onirê, ele é Odara

No enredo acima citado, o continente africano é visto de maneira multicultural – Áfricas – com sua riqueza e opulência natural e cultural. No restante do samba é contada a história da transposição destas áfricas para o Brasil, não de maneira triste, lamentosa, mas valorizando personagens, episódios e o nascimento do samba, a partir da cultura musical negra que aflorou nos morros cariocas e chegou até a baixada fluminense, no caso na comunidade de Nilópolis, onde está sediada a Beija Flor. A propósito da origem do samba, das relações entre o Brasil e os países africanos, a Vila Isabel, no Carnaval de 2012, apresentou em seu desfile elementos políticos, sociais e culturais que aproximam o Brasil de Angola, através do enredo Você semba lá, que eu sambo cá – o canto livre de Angola: (61) Somos cultura que embarca/ Navio negreiro, correntes da escravidão Temos o sangue de angola/ Correndo na veia, luta e libertação A saga de ancestrais/ Que por aqui perpetuou/ A fé, os rituais, um elo de amor/ Pelos terreiros (dança, jongo, capoeira)/ Nascia o samba (ao sabor de um chorinho)/ Tia Ciata embalou/ Com braços de violões e cavaquinhos a tocar/ Nesse cortejo (a herança verdadeira)/ A nossa vila (agradece com carinho)/ Viva o povo de angola e o negro rei Martinho

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