ERA DAS BATUCADAS: O CARNAVAL BAIANO DAS DÉCADAS 1930 E 1940 *
Scott Ickes**
E
m 1942, o poeta soteropolitano, jornalista e editor de revistas ilustradas, Áureo Contreiras escreveu uma crônica para o jornal A Tarde intitulada “O valor dos cordões e das batucadas no carnaval”. Em sua crônica, reeditada no ano seguinte no Diário de Notícias, ele argumentava que as instituições carnavalescas populares dos bairros mais pobres, incluindo as batucadas percussivas afro-baianas, eram “os fatores reais dos folguedos”, e a parte mais autêntica “da alma carnavalesca”.1 Com este argumento Contreiras apelava para o discurso nacionalista, em voga na década de 1940, de que o Brasil era uma mistura de índio, africano e português, “as três raças tristes”, cujos “gritos e cânticos” enchiam as ruas durante o carnaval. Os cordões e batucadas eram fruto das alegrias e das dificuldades e amarguras do cotidiano popular. O “verdadeiro” carnaval, dizia Contreiras, era o praticado pelas classes trabalhadoras afro-baianas e por trabalhadores pobres de Salvador. Destacava também o pandeiro, a cuíca e o reco-reco e “todos os instrumentos bárbaros evocativos do passado nas senzalas e nos ‘terreiros’”, como vínculos com um passado baiano que era, ao
* **
1
Tradução de Mariângela de Mattos Nogueira Professor Assistente do Departamento de História da Universidade do Sul da Florida. O autor deseja agradecer a Joêlia Brito, Alane Fraga do Carmo, e Cínthia da Cunha pela assistência na pesquisa; aos entrevistados por partilharem seu tempo, experiências e conhecimentos; a Vera Nathália dos Santos Silva pela assistência nas entrevistas e transcrições; e a Jolie Dyl, Kees Boterbloem, Greg Milton e Willys Santos de Andrade pelos comentários e sugestões úteis em versões anteriores. sickes@usf.edu A Tarde, 9 de fevereiro de 1942; Diário de Notícias, 8 de março de 1943.
Afro-Ásia, 47 (2013), 199-238
scott.pmd
199
199
9/4/2013, 15:18