Processos de periferização em São Gonçalo (RJ): uma abordagem em contexto metropolitano e municipal

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Processos de Periferização em São Gonçalo (RJ): Uma Abordagem em Contexto Metropolitano e Municipal Marcele Gualberto Gomes
Cristina Lontra Nacif
Orientadora:

UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE - UFF ESCOLA DE ARQUITETURA E URBANISMO - EAU CURSO DE GRADUAÇÃO EM ARQUITETURA E URBANISMO

TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO – TCC

Supervisão: Prof.ª Drª Clarissa da Costa Moreira

PROCESSOS DE PERIFERIZAÇÃO EM SÃO GONÇALO (RJ): Uma Abordagem em Contexto Metropolitano e Municipal

Autora: Marcele Gualberto Gomes

Orientadora: Prof.ª Drª Cristina Lontra Nacif Niterói, RJ 2022

PROCESSOS DE PERIFERIZAÇÃO EM SÃO GONÇALO (RJ):

Uma Abordagem em Contexto Metropolitano e Municipal

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Escola de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal Fluminense, como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Arquitetura e Urbanismo.

Orientadora: Profª Drª Cristina Lontra Nacif

Niterói, RJ 2022

Marcele Gualberto Gomes

Agradecimentos

Primeiramente, aos meus pais e a minha irmã, que me deram todo o suporte necessário ao longo da universidade, cuidando de mim com amor nos momentos mais difíceis. Essa conquista é da nossa família.

A Anderson, companheiro que divide a vida comigo, me apoiando e trazendo amor e felicidade para meus dias.

Aos meus queridos amigos Isabela, Natália, Jéssica, Laryssa, Mariana, Daywison e Gomez, pelo carinho, trocas e ensinamentos ao longo da universidade. Em especial agradeço a Lucas e Eliza, pelo apoio e preciosas críticas durante a realização deste trabalho, sempre com paciência e atenção.

Aos meus amigos Julia, Esthefany e Matheus, presentes em mais esta etapa da minha vida, e aos amigos que fizeram parte da minha jornada na Universidade Católica do Norte.

À equipe do Núcleo de Estudos e Projetos Habitacionais e Urbanos, por me ensinar o papel social do arquiteto e urbanista e mudarem a minha visão sobre a profissão. Em especial aos mestres Regina Bienenstein, Glauco Bienenstein, Daniel Sousa, e às minhas amigas Ana Clara e Fernanda.

A todos que concederam seu tempo a esse trabalho através do questionário e entrevistas concedidas a mim, e ao arquiteto e urbanista Jefferson Araújo, pela avaliação atenta.

Por fim, agradeço aos professores da UFF que tanto me ensinaram, em especial à professora Ricarda Tavares, que deu valiosas contribuições a este trabalho e, principalmente, a minha orientadora Cristina Nacif, que conduziu todo o processo com tranquilidade e bom humor.

Em outras palavras, trata-se de colocar a periferia no centro: nos planos, nos projetos e nas ações.

Resumo

São Gonçalo é o segundo município com maior número de habitantes no estado do Rio de Janeiro, representando expressiva parcela de sua população. No entanto, apesar da importância histórica, mantém uma condição de periferia não somente geográfica, mas também socioeconômica em relação à RMRJ, com déficits de postos de trabalho, acesso a equipamentos e serviços públicos.

Ao lançar luz sobre os fenômenos que se desenrolam em São Gonçalo no atual cenário neoliberal, este Trabalho de Conclusão de Curso busca tornar evidente o modo de organização espacial e as contradições próprias das cidades capitalistas, além de compreender as diversas faces da periferia, dentro de sua pluralidade.

Portanto, o objetivo principal é analisar as especificidades de São Gonçalo no processo de periferização metropolitano como um todo, assim como sua reprodução no território do próprio município. As reflexões são complementadas por um estudo propositivo entre duas áreas com diferentes potencialidades e conflitos.

Palavras-chave: região metropolitana; centralidade; periferização; São Gonçalo, RJ.

GOMES, Marcele Gualberto. Processos de periferização em São Gonçalo (RJ): uma abordagem em contexto metropolitano e municipal Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Arquitetura e Urbanismo), Escola de Arquitetura e Urbanismo, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2022.

Abstract

São Gonçalo is the second municipality with the largest number of inhabitants in the state of Rio de Janeiro, representing a significant portion of its population. However, despite its historical importance, it maintains a condition of periphery, not only geographically, but also socioeconomically in relation to the RMRJ, with deficits in jobs, access to equipment and public services.

By shedding light on the phenomena that unfold in São Gonçalo in the current neoliberal scenario, this Course Completion Work seeks to make evident the way of spatial organization and the contradictions of capitalist cities, in addition to understanding the different faces of the periphery, within its plurality Therefore, the main objective is to analyze the specificities of São Gonçalo in the process of metropolitan peripherization as a whole, as well as its reproduction in the territory of the municipality itself. The reflections are complemented by a propositional study between two areas with different potentialities and conflicts.

Key words: metropolitan region; centrality; periferization; São Gonçalo, RJ.

SUMÁRIO

Introdução 13

1. A condição periférica: contextualização metropolitana 26 e base teórico-conceitual 26

2. São Gonçalo: de pólo industrial à centralidade periférica 54 2.1. Visão geral sobre o histórico do município 54 2 2 São Gonçalo hoje: características gerais 60 2.3. São Gonçalo no período metropolitano-financeiro 69

3. A periferia dentro da periferia: faces de São Gonçalo 110 3.1. Distinções entre distritos e bairros 110 3 2 Proposições a partir das análises realizadas 114

Considerações Finais 126 Referências Bibliográficas 130 Anexos 140

Lista de Ilustrações

Lista de Figuras

Figura 01 Mapas de aproximação: Território Nacional, Região Sudeste, Estado do Rio de Janeiro

Figura 02. Mapa de deslocamentos diários registrados no município de São Gonçalo.

Figura 03 Tempo médio de deslocamento casa-trabalho (em minutos) em algumas localidades da RMRJ.

Figura 04 Mapa de fluxos intra e inter urbanos

Figura 05 Região Metropolitana do Rio de Janeiro, 1978 (círculos da RMRJ)

Figura 06 Área metropolitana (área conurbada) do Rio de Janeiro: localização das estradas de ferro

Figura 07 Mapa de salário médio na RMRJ

Figura 08 Mapa de tratamento de esgoto na RMRJ

Figura 09 Mapa de coleta seletiva na RMRJ

Figura 10 Mapa de museus na RMRJ

Figura 11. Linha do tempo resumida do histórico do município.

Figura 12 Igreja da Matriz de São Gonçalo

Figura 13. Loteamentos em São Gonçalo no Século XX.

Figura 14 Fases da história gonçalense

Figura 15 Distritos de São Gonçalo

Figura 16 Bairros e principais vias de São Gonçalo

Figura 17 Zonas de uso de São Gonçalo, de acordo com a Lei de Uso e Ocupação do Solo de 2018

Figura 18 Distribuição da população em São Gonçalo (número de habitantes)

Figura 19 Densidade demográfica em São Gonçalo (número de habitantes por km2)

Figura 20. Mapa da população branca.

Figura 21 Mapa da população preta e parda

Figura 22. Forma de abastecimento de água em São Gonçalo (por distrito).

Figura 23 Destinação final do lixo em São Gonçalo (por distrito)

Figura 24 Percentual de domicílios particulares permanentes com coleta adequada de esgoto em relação ao total de domicílios particulares permanentes no setor

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Figura 25 São Gonçalo Shopping Rio, primeiro shopping da cidade, localizado no bairro Boa Vista, inaugurado em 2004

Figura 26 Partage Shopping São Gonçalo, localizado no bairro Centro, inaugurado em 2010

Figura 27 Shopping Pátio Alcântara, localizado no bairro de Alcântara, bairro que exerce grande centralidade na cidade, inaugurado em 2013

Figura 28 Empreendimento Jardim Imperial I, no bairro Parada 40

Figura 29 Empreendimento Jardim Imperial II, com previsão de lançamento em 2025, com torres de 23 andares, no bairro Mangueira

Figura 30 Mapeamento de condomínios voltados para a classe média/alta x condomínios voltados para a população de baixa renda, sobreposto à localização de shoppings

Figura 31 Mapeamento de comunidades e problemas ambientais

Figura 32. Mapeamento de potencialidades.

Figura 33 Teatro Municipal de São Gonçalo, espaço de lazer inaugurado em 2021

Figura 34. Feira de Tradições Nordestinas de São Gonçalo.

Figura 35 Vista aérea do COMPERJ, em Itaboraí

Figura 36 Projetos para novas linhas de transporte aquaviário

Figura 37 Projeto da Linha 3 do Metrô

Figura 38 Placa indicando o início das obras do MUVI, no bairro Centro

Figura 39 Mapa interativo do Plano Estratégico Novos Rumos, indicando as intervenções já realizadas na cidade

Figura 40 Acesso a equipamentos e serviços na escala metropolitana (com nuvem de palavras)

Figura 41. Mapa síntese comparativo entre distritos, conforme questionário.

Figura 42 Oficina promovida pelo coletivo com aplicação de métodos para o controle financeiro para populações de baixa renda

Figura 43. Atividade promovida pelo coletivo Ressuscita Gonçalo, de visita à APA Engenho Pequeno, em comemoração à Semana do Meio Ambiente

Figura 44 Mapa de núcleos e periferias em São Gonçalo

Figura 45 Distinções entre os distritos de Neves e Monjolos, contorno dos bairros Neves e Guaxindiba

Figuras 46 e 47 Vistas do Street View das ruas Coronel Ernesto Ribeiro e Rua Oliveira Botelho, no bairro de Neves.

Figura 48 Mapa do bairro de Neves e seus vazios urbanos

Figura 49 Análise de entorno de Neves

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Figura 50 Mapa aproximado de trecho do bairro de Guaxindiba e seus vazios urbanos

Figuras 51 e 52 Vistas do Street View das ruas Artur Napoleão e Cidade de Roma, no bairro de Guaxindiba

Figura 53 Análise de entorno de Guaxindiba

Lista de Tabelas

Tabela 01: População: Estado, RMRJ e alguns municípios

Tabela 02: Viagens pendulares dos municípios do Arranjo Populacional Rio de Janeiro, tendo como destino São Gonçalo (IBGE, 2015)

Tabela 03: Empreendimentos levantados e mapeados.

Lista de Gráficos

Gráfico 01: Distribuição de empreendimentos (por distrito)

Gráfico 02: Questionário: tempo gasto no transporte público (95 respostas)

Gráfico 03: Avaliação da infraestrutura e serviços urbanos

Gráfico 04: Indicativo de políticas públicas prioritárias para melhoria do município

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Lista de Siglas e Abreviaturas

APA - Área de Proteção Ambiental

BRS - Bus Rapid System

CEDAE - Companhia Estadual de Águas e Esgoto do Rio de Janeiro

COMPERJ - Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro

FFP - Faculdade de Formação de Professores

FUNDREM - Fundação para o Desenvolvimento da Região Metropolitana do Rio de Janeiro

IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IFRJ - Instituto Federal do Rio de Janeiro

INCID - Indicadores da Cidadania

IPTU - Imposto Predial e Territorial Urbano

LOA - Lei Orçamentária Anual

MPRJ - Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro

MUVI - Mobilidade Urbana Verde Integrada

ONU - Organização das Nações Unidas

PCC - Países capitalistas centrais

PCP - Países capitalistas periféricos

RJ - Rio de Janeiro

RMRJ - Região Metropolitana do Rio de Janeiro

SEBRAE - Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas

TCE - Tribunal de Contas do Estado

UERJ - Universidade do Estado do Rio de Janeiro

ZEIS - Zonas de Especial Interesse Social

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Introdução

O processo histórico de urbanização brasileira se desenvolveu a partir de contradições e disputas, desdobrando-se em espaços destoantes em que, de um lado, a população de maior renda teve acesso privilegiado a serviços e infraestrutura urbana; do outro lado, a classe trabalhadora sempre foi privada de condições mínimas para instalar-se em locais com acesso digno a equipamentos, serviços de mobilidade e inserção no mercado de trabalho. Desse modo, a população que constrói a cidade, tem seu direito à mesma negado.

Esmiuçando a temática, é válido trazer a reflexão de Ermínia Maricato (2007) sobre os processos aos quais os países da América Latina estão sujeitos, em função da exploração a que foram submetidos por séculos, que explica como ainda hoje a terra é uma questão chave para compreendermos as dinâmicas socioespaciais existentes nas cidades. Segundo a autora:

Na América Latina a desigualdade social é resultado de uma herança de cinco séculos de dominação externa que se combina, internamente, a elites que têm forte acento patrimonialista As características do patrimonialismo poderiam ser sucintamente descritas como as seguintes: a) a relação de favor ou de troca é central no exercício do poder; b) a esfera pública é tratada como algo privado e pessoal; c) existe correspondência entre detenção de patrimônio e poder político e econômico (MARICATO, 2007, p. 58).

As regiões metropolitanas brasileiras são expressões de espaços desiguais, onde apesar da concentração elevada de renda em alguns pontos, em outros se verifica o extremo oposto dessa realidade, em que o direito à cidade é negado à maioria da população. No caso da Região Metropolitana do Rio de Janeiro (RMRJ), a partir do estudo elaborado por Moura, Oliveira e Pêgo (2018), é possível apontar o fenômeno claro da urbanização desigual como regra e não como exceção, em que a cidade do Rio de Janeiro representa o núcleo econômico principal e São Gonçalo (uma das cidades contíguas a este núcleo) representa um espaço de segregação socioespacial:

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Observa-se que nas aglomerações resultantes desse processo as contradições sociais e econômicas se exacerbam, aproximando, no território, o convívio entre objetos e relações extremamente avançados, com formas e carências peculiares do retrógrado, do atrasado e do ausente (MOURA, Rosa; OLIVEIRA, Samara; PÊGO, Bolívar, 2018, p 19)

Historicamente, a expansão urbana da RMRJ se desenvolveu segundo duas “premissas” de ocupação, atendendo a uma lógica segregacionista já instalada: a área onde se concentrariam as classes abastadas, a partir da expansão das linhas de bonde na Zona Sul da cidade do Rio de Janeiro; e as demais áreas, especialmente as Zonas Norte, Oeste, Baixada Fluminense e o Lado Leste da Baía de Guanabara, onde houve a expansão das linhas de trem.

As áreas assistidas pelas linhas férreas, portanto, configuraram-se como subúrbios-dormitório para os trabalhadores de baixa renda que se instalavam próximos ao trem para que pudessem deslocar-se diariamente, num movimento pendular, para o “Centro”, onde estavam os postos de trabalho (ABREU, 1987). Os processos de urbanização se davam então de modo a permitir a acumulação de renda pelos proprietários fundiários através do capital imobiliário e industrial, negando o acesso a direitos e acirrando desigualdades entre áreas centrais e periferias urbanas:

Enquanto o Rio de Janeiro dos fins do século XIX e início do século XX aspirava à modernidade e ao progresso, nos municípios da periferia da metrópole, que futuramente se consolidaria, predominavam a ausência de planejamento, a ocupação desordenada e a construção de uma paisagem periférica decorrentes dos incipientes processos de urbanização (ARAÚJO, 2022, p 3)

Com 1.098.357 habitantes (estimativa IBGE, 2021), São Gonçalo é o 16º município mais populoso do país e 2º maior do estado do Rio de Janeiro (conforme Tabela 01) e, por sua importância industrial na década de 1950, chegou a ser

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intitulada a “Manchester Fluminense”. No entanto, ao compor atualmente o quadro de desigualdades que caracterizam as regiões metropolitanas brasileiras descritas acima, configura-se como uma “cidade periférica”, com problemas estruturais que vão desde as dificuldades de deslocamento da população no trajeto casa-trabalho até as de acesso a postos de emprego e serviços públicos básicos.

Figura 01 Mapas de aproximação: Território Nacional, Região Sudeste, Estado do Rio de Janeiro e Região Metropolitana

Fonte: Elaborado pela autora

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Tabela 01 População: Estado, RMRJ e alguns municípios

Unidade Territorial População (hab)

Estado RJ 17 463 349

Região Metropolitana do RJ 13 191 031

Rio de Janeiro 6 775 561

São Gonçalo 1.098.357

Duque de Caxias 929 449 Nova Iguaçu 825 388

Niterói 516.981 Itaboraí 244 416 Maricá 167.668

Fonte: IBGE (Estimativa, 2021)

A partir dos estudos de Ojima et al (2010), é preciso relativizar o estigma de 1 cidade-dormitório existente ainda hoje no imaginário social brasileiro. Segundo os 2 autores, dada a heterogeneidade das cidades periféricas, não é possível classificá-las unicamente através das lentes do movimento pendular (que supostamente se reflete negativamente em indicativos como salário ou escolarização, por exemplo), uma vez que em algumas cidades com número expressivo de moradores que trabalham ou estudam em outro município, verifica-se uma população com renda mais elevada.

Em outras palavras, há uma diversidade de perfis entre aqueles que diariamente realizam o movimento pendular, não permitindo uma generalização que associe os deslocamentos à característica de dormitório. Além disso, a construção do estigma cria uma visão deturpada sobre o território, que se reflete nas esferas políticas, econômicas e sociais, reforçando uma identidade negativa de determinado lugar, numa relação dialética:

1 Os autores utilizam o termo para classificar como negativo o estereótipo de cidade-dormitório atribuído a algumas cidades.

2 No caso dos Estados Unidos, a ideia de cidade-dormitório também está associada a áreas residenciais com pessoas que realizam deslocamentos diários para trabalho ou estudo No entanto, diferentemente do caso brasileiro, essas áreas são atribuídas a famílias de média e alta renda, com expansão urbana permitida graças ao uso do automóvel particular (OJIMA et al, 2010)

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Por um lado, se no campo simbólico os bairros nobres enobrecem os seus habitantes, por outro, os bairros estigmatizados possuem o poder de degradar os seus habitantes (OJIMA et al, 2010, p. 404).

Logo, a construção do conceito de cidade-dormitório como espaço de moradia da população pobre com acesso restrito a direitos básicos, compõe uma narrativa parcial, que não considera a transformação gradativa desses espaços, cada vez mais providos de atividades de consumo e geração de empregos. Logo, é necessário pensar as cidades para além da dualidade centro-periferia, analisando de perto aspectos históricos, sociais e econômicos que caracterizem cada caso.

Conforme Rosa (2017), o melhor termo para referir-se ao município de São Gonçalo seria o de “centralidade periférica”, dada a sua importância em termos de relações e fluxos nos campos sociais e econômicos, principalmente no setor de serviços, que é um vetor de aglomeração espacial no tecido urbano.

Esse cenário indica, por conseguinte, que o estigma de cidade-dormitório sobre a cidade de São Gonçalo se revela questionável e passível de problematização, já que trata-se de um município com tamanha complexidade e caráter de centralidade, inclusive com papel também de receptor de parte dos fluxos metropolitanos (Tabela 02). Esses dados indicam o importante papel de São Gonçalo na RMRJ, especialmente em relação aos municípios do Leste Metropolitano. Mesmo que em nível inferior se comparado a cidades com maior poder de atração na região metropolitana, esses apontamentos demonstram as diversas faces da periferia, como espaço plural e diverso, que não pode ser lido a partir de uma visão homogeneizadora.

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Tabela 02. Viagens pendulares entre os municípios do Arranjo Populacional Rio de Janeiro, tendo São Gonçalo como destino (IBGE, 2015).

Fonte: (ROSA, 2017)

No contexto da RMRJ, há uma dupla polarização de São Gonçalo em relação aos municípios de Niterói e Rio de Janeiro, o que é demonstrado através de dados empíricos, como por exemplo, o deslocamento diário da população. Segundo dados do IBGE (G1 RIO, 2015), o maior deslocamento diário no estado ocorre entre São Gonçalo e Niterói (120 mil pessoas por dia). Já o deslocamento entre São Gonçalo e Rio de Janeiro ultrapassa as 40 mil viagens diárias. Segundo dados do último Censo (IBGE, 2010), a média de tempo de deslocamento diário da população de São Gonçalo é de 52 minutos, configurando-a como a 5ª com maior tempo de deslocamento na RMRJ, dentre os municípios apontados, conforme Figura 03.

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Figura 02. Mapa de deslocamentos diários registrados no município de São Gonçalo.

Fonte: Elaborado pela autora a partir de dados do IBGE 3

Figura 03 Tempo médio de deslocamento casa-trabalho (em minutos) em algumas localidades da RMRJ

Fonte: SEBRAE RJ (2013), a partir do Censo 2010

Obs: Na época de realização do trabalho Petrópolis não integrava a RMRJ

3 Mapa de Intensidade dos deslocamentos para trabalho e estudo na Concentração Urbana do Rio de Janeiro/RJ Disponível em: <https://geoftp ibge govbr/organizacao do territorio/tipologias do territorio/arranjos populacionais/m apas 2ed/mapa205 pdf> Acesso em: 07 de set de 2022

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No entanto, é fundamental chamar a atenção para uma visão ampla acerca das complexidades de um município de tamanha importância metropolitana. É necessário sair do senso comum que reduz as cidades a apenas um estigma, compreendendo seus processos nos âmbitos social e econômico, sendo a periferia um espaço heterogêneo:

A partir da centralidade, os lugares escapam à dimensão dualista, podendo ser periférico e ao mesmo tempo central, dados os dinamismos econômicos locais (muitas vezes imperceptíveis às estatísticas oficiais), assim como a sua rede de serviços e a sua rede de relações, aqui expressas pelos deslocamentos populacionais, interações espaciais, ligações físicas e conexões externas Algumas das grandes aglomerações nas periferias das metrópoles brasileiras tem atualmente, concomitantemente, estas duas faces: um dinamismo interno importante, e uma rica vida de relações com seu entorno metropolitano (ROSA, 2017, p 20)

Ainda trazendo cartografias na escala metropolitana, vale apontar o trabalho de Viana (2019), que demonstra os fluxos intra e inter urbanos, ratificando as relações apontadas anteriormente entre São Gonçalo e os municípios de Niterói e Rio de Janeiro e, trazendo ainda os principais fluxos levantados para outros municípios vizinhos, como Itaboraí e Magé, entre outros.

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Figura 04. Mapa de fluxos intra e inter urbanos.

Fonte: (VIANA, 2019) Obs: Na época de realização do trabalho Petrópolis não integrava a RMRJ

De acordo com Rosa (2010), os problemas que envolvem a urbanização de São Gonçalo não podem ser totalmente explicados por sua "dependência" em relação à cidade do Rio de Janeiro. Inseridas na região metropolitana, sendo uma núcleo metropolitano e outra periferia, ambas as cidades possuem processos históricos e rugosidades espaciais distintos, conforme a atuação de agentes sobre o 4 espaço urbano. Ainda que em determinados aspectos esses processos se entrelacem, é preciso analisar as rupturas e sobreposições internas específicas de São Gonçalo (VIANA, 2019) para efetivamente compreender seus conflitos.

Se no passado o município vivenciou o apogeu industrial, como pólo de valorização econômica do estado, atualmente (e já há algum tempo), a migração dos gonçalenses para outras cidades é vista por muitos como um símbolo de ascensão social, provavelmente devido ao baixo grau de interação cotidiana de sua população

4 Concebido por Milton Santos, o conceito de rugosidade refere-se à sobreposição de formas espaciais, provenientes de diferentes períodos históricos, em que alguns objetos permanecem, modificam-se ou desaparecem do espaço, ressignificando o espaço urbano (SANTOS, 2020)

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com o próprio território. Esses fenômenos indicam simultaneamente movimentos de atração, devido ao custo de vida mais acessível e menor valor da terra, e repulsa, uma vez que seus moradores não se identificam com o lugar e almejam deixá-lo.

A partir do exposto até aqui, este trabalho apresenta reflexões sobre as dinâmicas urbanas produzidas em São Gonçalo durante seu desenvolvimento como “município periférico” em contexto metropolitano, apoiadas nas mudanças de paradigma presentes no período neoliberal e no modo como o planejamento estratégico vem sendo efetivado no âmbito local. Acredita-se, com isso, ser possível evidenciar que, para além de aspectos físicos e econômicos, as deficiências estruturais existentes em São Gonçalo se desdobram na reprodução interna de relações periféricas, em uma suposta subalternização cultural e na consequente falta de identidade de sua população com o espaço urbano.

O principal objetivo é analisar o papel desempenhado por São Gonçalo no processo de periferização metropolitano e as formas pelas quais esta se reproduz internamente no território municipal. Além disso, torna-se relevante: entender a condição de centralidade periférica em relação à metrópole; analisar os processos de periferização interna de uma cidade tida como periférica em escala metropolitana, suas principais características e desdobramentos espaciais. Por fim, materializar as reflexões produzidas com um estudo comparativo entre bairros gonçalenses, um identificado como “central” e outro como “periférico”, entendendo suas organizações espaciais e propondo diretrizes de acordo com suas problemáticas.

Este trabalho se justifica pela importância do município de São Gonçalo na Região Metropolitana do Rio de Janeiro e, também, pela ainda incipiente ocorrência de trabalhos que se debruçam a investigá-lo, especialmente no campo da Arquitetura e Urbanismo. É papel, portanto, do arquiteto e urbanista formado pela universidade pública e socialmente referenciada lançar luz sobre as problemáticas das nossas cidades, desmistificando realidades dadas como naturais. Como aponta Ermínia Maricato, “a fragilidade dos dados, que mostra o desconhecimento sobre o tema, já é, por si, reveladora” (MARICATO, 2000).

Além disso, a motivação para a escolha de São Gonçalo como objeto de estudo se deve ao fato de ser a cidade de moradia da autora, que vivencia todos os

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dias os problemas mencionados, assim como a invisibilidade que é relegada ao município no campo social, econômico, cultural e também acadêmico.

O conteúdo do trabalho se estrutura em três partes: I - Análise sobre o processo de formação e desenvolvimento da cidade de São Gonçalo no contexto metropolitano do Rio de Janeiro, compreendendo sua relação periférica com o núcleo; II - Análise com recorte no próprio município, observando como a periferização se manifesta na escala municipal, entre distritos e entre bairros, lançando mão de dados e mapas que apoiam a caracterização da cidade; IIIEstudo de caso envolvendo dois bairros de diferentes distritos, a fim de esmiuçar a relação centralidade-periferia por meio de seus conflitos, e propor diretrizes espaciais que possam explorar sua potencialidades.

Como fundamento metodológico, procedeu-se a levantamento e revisão bibliográfica que desse conta da abordagem pretendida. Conceitos e noções como cidade, centralidade e periferia, entre outros, são considerados importantes para compreender e compor o panorama sobre as relações, dinâmicas e conflitos no espaço urbano brasileiro, especialmente nas regiões metropolitanas, onde o município objeto de estudo está inserido.

Um breve resgate histórico tornou-se necessário a fim de contextualizar as dinâmicas socioespaciais sob o modo capitalista nas regiões metropolitanas, em diferentes períodos de tempo. Na escala metropolitana, buscou-se compreender as relações do município de São Gonçalo com Niterói e Rio de Janeiro, bem como as dinâmicas entre distritos e bairros na cidade, por meio de índices e levantamentos.

Além da pesquisa bibliográfica teórica para abordagem do tema, o trabalho se desenvolveu a partir da elaboração de cartografias críticas, que trazem uma representação não homogênea da cidade, saindo do lugar-comum meramente tecnicista e sendo um instrumento que explicita graficamente as características, potencialidades e conflitos encontrados no espaço urbano.

A cartografia é assim um meio que traduz atributos de determinada sociedade em seu contexto histórico, social e cultural. A partir dela, busca-se espacializar os fenômenos do território estudado e contribuir na construção de análises futuras. Portanto, a abordagem pretende ir além da representação cartográfica reduzida a delimitações institucionais e informações puramente numéricas, o que prejudica o

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entendimento das dinâmicas e peculiaridades existentes em determinado lugar. A compreensão dos diferentes territórios passa por aspectos críticos e sociais essenciais que devem ser explicitados também por meio da produção e sobreposição de mapas, conforme apontado por Katuta (2013).

Outros métodos foram utilizados, como a busca de planos desenvolvidos para São Gonçalo, com o objetivo de analisá-los comparativamente, e a aplicação de um questionário online, via Google Forms, com a finalidade de obter de parcela dos moradores da cidade a sua percepção sobre o município em que vivem em relação às suas potencialidades, problemas e relações nas escalas de bairro, municipal e metropolitana. Além disso, ainda foram feitas entrevistas com grupos focais, a fim de obter um panorama aproximado sobre determinados temas estruturantes.

Ao se aproximar de dois bairros que representam as contradições existentes em São Gonçalo, o trabalho tem a pretensão de compreender os conflitos existentes em diferentes partes do território urbano, através da sobreposição e análise de dados levantados ao longo da pesquisa, fazendo uso ainda de produção cartográfica de modo a explicitar as diferentes faces da cidade.

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1
MC Sargento, Rap da Fazenda dos Mineiros, 2000.

1. A condição periférica: contextualização metropolitana e base teórico-conceitual

O município de São Gonçalo integra o Leste Fluminense, formando juntamente com Niterói, Itaboraí e Maricá uma “sub-região” definida por alguns autores como “Grande São Gonçalo”. Com mais de 1 milhão de habitantes, os índices sociais e urbanos gonçalenses se assemelham aos da Baixada Fluminense, em especial aos municípios de Duque de Caxias e Nova Iguaçu, outras duas importantes centralidades periféricas na RMRJ.

Como mostrara Simões (2006), Duque de Caxias e Nova Iguaçu possuem áreas de subordinação imediata, seja pela rede de transportes, pela centralidade e tamanho do comércio local, ou pelos laços remanescentes entre os municípios que a eles anteriormente pertenciam Já São Gonçalo, apesar de ter características e estatísticas semelhantes a estas duas cidades, não possui outras áreas de subordinação, o que não significa inexistência de relações entre as cidades vizinhas, mas que estas são polarizadas diretamente por Niterói, e não por São Gonçalo (ROSA, 2017, p 165)

Com problemas estruturais concernentes à saúde, educação, acesso à água e saneamento básico, típicos das periferias brasileiras, São Gonçalo é polarizada pela cidade do Rio de Janeiro, núcleo da RMRJ, e também pela cidade de Niterói, antiga capital estadual, com área de influência sobreposta à do núcleo, exercendo grande poder sobre São Gonçalo por conta da proximidade geográfica.

A noção de periferia então vai além de um conceito geográfico, ou seja, a ocupação de bordas ou franjas urbanas distantes de centralidades urbanas, sendo também social, uma vez que não existem apenas distâncias físicas quanto ao núcleo metropolitano, mas também a privação dos seus moradores a equipamentos públicos e direitos básicos onde vivem. Como afirma Araújo (2022), “a dimensão geográfica interage mutuamente com a dimensão sociológica, possibilitando a criação de símbolos estigmatizados acerca dos espaços urbanos periféricos”. Ainda, de acordo com Abreu (1987, p. 13):

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A solução foi amontoar os ricos em torno destes bens para que pudessem desfrutá-los ao máximo, e impedir a entrada dos pobres no núcleo (do que se encarregou a empresa privada, através da especulação imobiliária, ou expulsá-los para fora dele (do que se encarregam certos planos e instituições de governo), sem preocupação pela sua necessidade de acesso fácil ao mercado de trabalho, que em sua maioria permaneceu localizado no centro ou em suas cercanias.

Para iniciar a reflexão sobre a cidade, permeando dados históricos e compreendendo as causas para as problemáticas apontadas neste trabalho, bem como suas complexidades, sobreposições de processos e conflitos gerados a partir dos paradigmas de diferentes tempos, é importante debruçar-se sobre alguns conceitos básicos que auxiliarão a abordagem, como as concepções de cidade, centralidade, periferia, além de identificar os atores envolvidos na construção das cidades, entre outros aspectos apresentados ao longo do capítulo.

Para Corrêa (1993), a cidade é um espaço fragmentado e articulado, meio para reprodução do capital e ao mesmo tempo fruto deste, uma relação dialética que traduz em suas formas e funções a ação de diferentes agentes do espaço, como o próprio Estado, o mercado privado, os movimentos sociais etc. Logo, as alterações espaciais se dão também a partir das novas necessidades de acumulação do capital, moldando o urbano e as relações sociais para atingir a finalidade da maximização de lucros.

O espaço urbano é caracterizado por diferentes classificações dos territórios a partir das dinâmicas existentes nos mesmos. Neste estudo, pretende-se desenvolver uma análise comparativa entre espaços considerados como centralidades, ou seja, locais que por concentrarem investimentos em infraestrutura urbana, mobilidade, equipamentos, serviços e postos de trabalho, se configuram como pólos atrativos de mão de obra, sendo habitados em sua maioria pela população de alta renda; e os espaços periféricos, que configuram-se como locais com acesso restrito ao pleno direito à cidade e concentração do trabalhador de baixa renda, podendo representar distâncias físicas ou não dos núcleos urbanos. Conforme aponta Abreu (1987):

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Entende-se por “periferização” mais do que a localização distante do centro metropolitano O conceito inclui também a não acessibilidade ao consumo de bens e serviços que, embora produzidos socialmente pelo Estado, localizam-se apenas nas áreas mais privilegiadas da metrópole, beneficiando, portanto, principalmente aqueles que aí residem (ABREU, 1987, p 10)

Os conceitos de segregação e espoliação auxiliam na compreensão da situação das cidades, especialmente as que se localizam em regiões metropolitanas. Segundo Gonçalves (2012) e Viana (2019), a segregação possui uma série de conceituações trazidas por diferentes autores ao longo de diferentes períodos históricos, no entanto pode-se defini-la de maneira geral como um fenômeno que, a partir de fatores políticos, econômicos e sociais, promove a dissociação de determinadas parcelas sociais de outras, o que se traduz no valor diferencial da terra. Ela existe a partir de desigualdades e, dialeticamente, as perpetua ciclicamente.

Assim, diferentemente das teorias da Escola de Chicago, que veem a cidade como um organismo ecológico e as distinções territoriais como resultado de processos naturais de disputas espaciais, compreende-se a segregação existente como desfecho das ações de grupos hegemônicos, detentores de poder e capazes de intervir nas cidades de modo a favorecer seus interesses.

A espoliação urbana, conceito complementar aos demais aqui desenvolvidos, consiste na negação do direito à cidade à maioria trabalhadora devido à impossibilidade do acesso à moradia adequada, bens e serviços públicos, uma vez que estes estão concentrados para uma pequena parcela com poder político, econômico e social, não estando acessíveis à população com baixos salários, resultado da exploração do trabalho (KOWARICK, 1979 apud GONÇALVES, 2012).

É importante apontar que o mundo atual está submetido a uma potencialização da ordem do capital, cujo conteúdo é determinado pela regência da forma-mercadoria, ou seja, a cidade como valor de troca. Nesse contexto ocorre a apropriação privada do produto social, acarretando na distribuição desigual do mesmo, o que engendra diversos conflitos de interesses mediados pelo Estado.

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Essa estrutura de poder acaba por reproduzir uma referência eurocêntrica e colonizadora, traduzindo-se social e espacialmente nas cidades.

A fim de compreender a configuração do Rio de Janeiro e a forma como a metrópole se moldou ao longo do tempo, resultando na dicotomia núcleo-periferia, é importante fazer um breve resgate histórico sobre a estruturação das cidades da região, especialmente tratando de sua relação com o município de São Gonçalo. Assim, faz-se necessário realizar um recorte geográfico e social sobre o histórico de formação da região, o que auxilia também na compreensão dos processos de polarização aos quais a cidade está submetida em relação às suas vizinhas Rio de Janeiro e Niterói.

De acordo com Maurício Abreu (1987), a RMRJ pode ser dividida a partir de diferentes círculos, sendo o primeiro composto pelo núcleo histórico do Rio de Janeiro na região central da cidade e sua expansão para a Zona Sul, assim como o Centro e a Zona Sul de Niterói. A seguir, o segundo círculo se constitui pelos subúrbios cariocas mais antigos desenvolvidos a partir das linhas ferroviárias, pela Zona Norte de Niterói e, por fim, por parte da Zona Oeste (Jacarepaguá e Barra da Tijuca). Boa parte do território de São Gonçalo estaria localizada no terceiro círculo, juntamente com a Baixada Fluminense e demais partes do subúrbio carioca, o que o autor denominou como periferia intermediária. Por último, compondo o quarto círculo como periferia distante, estariam os demais municípios da RMRJ (Figura 05).

Desse modo, nessa primeira classificação já é possível perceber a posição de São Gonçalo no contexto metropolitano: uma relação direta com as duas faixas hierarquicamente acima da própria, a fim de que seus moradores possam usufruir dos bens inexistentes ou precários na periferia intermediária, mas encontrados no núcleo e na periferia imediata. O espaço da periferia intermediária se mostra atrativo então àqueles que não têm as condições necessárias para ocupar os dois primeiros círculos, além da população proveniente de outros municípios fora da RMRJ e outros estados, em busca de oportunidades próximas à cidade do Rio de Janeiro.

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Fonte: ABREU (1987)

Durante o século XIX, a cidade do Rio era a capital do Império e passava pelo crescimento e expansão da ocupação do território ao longo das linhas de bondes e trens, conforme as necessidades tanto do capital nacional, quanto do estrangeiro (o último atuando fortemente em obras de infraestrutura urbana). Àquela altura, o lado oriental da Baía de Guanabara já se comunicava com o Centro através das barcas a vapor, a fim de dar suporte às relações comerciais entre os dois lados da baía. A partir da introdução do transporte aquaviário, Niterói passou então a representar um local alternativo de residência da população.

Trem e bondes foram, sem dúvida, indutores do desenvolvimento urbano do Rio Mas o caráter de massa destes meios de transporte tem de ser relativizado, como também devem ser relativizados os seus papéis frente ao ambiente urbano É que trem, bondes e, mais tarde, ônibus (e os sistemas viários correspondentes) só vieram

Figura 05. Região Metropolitana do Rio de Janeiro, 1978 (círculos da RMRJ).
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“coisificar” um sistema urbano preexistente, ou pelo menos um sistema de organização do espaço urbano, cujas premissas já estavam prontas em termos de representação ideológica do espaço e que apenas esperavam os meios de concretização Em outras palavras, o bonde fez a zona sul, porque as razões de ocupação seletiva da área já eram “realidade” Já o trem veio responder a uma necessidade de localização de pessoas de baixa renda e de atividades menos nobres (indústrias, por exemplo) (SANTOS, 1978 apud ABREU, 1987, p. 36).

Como pode ser observado na Figura 06, a expansão dos trens chegou até as cidades de Niterói e São Gonçalo como importante forma de escoamento da produção econômica, o que impulsionou a expansão da malha urbana.

Fonte: ABREU (1987)

Inicialmente instalando-se no Centro da cidade, a industrialização no Rio de Janeiro enfrentava diversas dificuldades em relação à falta de infraestrutura e condições de precariedade para desenvolvimento de atividades em diversos campos, além de dependência do que determinava o setor agrícola (elite cafeeira).

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No entanto, no final do século XIX, houve a expansão da atividade industrial, concomitantemente ao declínio da escravidão ainda presente, o que fez com que a atividade cafeeira perdesse a sua importância. Naquele momento, houve uma quebra de paradigma, a queda do antigo sistema escravocrata para um mercado em que era necessário que o trabalhador livre estivesse disponível como força de trabalho e mercado consumidor. As indústrias menores, então, localizavam-se nas áreas centrais, devido às facilidades comerciais, enquanto as maiores começaram a espraiar-se para os subúrbios, buscando grandes terrenos e benefícios taxativos para instalação das fábricas.

Com o crescente movimento migratório promovido pela industrialização e, como consequência, a eclosão dos problemas de moradia e salubridade, o Estado ofereceu subsídios à iniciativa privada das indústrias, com benefícios àquelas que construíssem residências para seus operários:

A construção de vilas operárias não eliminou entretanto os cortiços, que continuavam a abrigar a maior parte da população pobre da cidade, ainda concentrada principalmente no centro Esta situação iria mudar, entretanto, logo no início do século XX Para tanto, já estavam lançadas as bases ideológicas da ocupação da nova cidade que iria surgir As áreas abertas pela ferrovia deveriam se destinar aos mais pobres, que para lá se deslocavam voluntária ou involuntariamente (guerra aos cortiços empreendida pelo Governo Municipal). Trem, subúrbio e população de baixa renda passavam a ser sinônimos aos quais se contrapunha a associação bonde/zona sul/estilo de vida “moderno” (ABREU, 1987, p 52)

A essa altura, o crescimento populacional também acontecia no lado oriental da Baía, especialmente a partir do maior número de viagens de barca. No início do século XX, a Companhia Cantareira e Viação Fluminense controlava não só os meios de transporte (aquaviário e ferroviário), como também a provisão de infraestrutura urbana para a região.

No século XX, com o novo cenário que se delineava, fazia-se necessária uma transformação da forma urbana da cidade do Rio de Janeiro, que deveria

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modernizar-se a fim de abandonar os vestígios do passado colonial e inserir-se na divisão internacional do trabalho, fazendo jus a sua importância no mercado mundial.

Com isso, diversas reformas urbanas, como por exemplo a Reforma Passos,5 foram lançadas sobre o tecido urbano, com abertura de avenidas, demolições de edificações e remoção da população pobre da área central para os subúrbios, via de regra pautadas no discurso higienista e estético. Paralelamente à remoção da população de baixa renda para a periferia por meio da erradicação dos cortiços, surgiam as favelas, alternativa de moradia da população pobre para permanecer próxima aos seus postos de trabalho. No entanto, quando a presença das favelas deixava de render benefícios para as classes altas, ocorriam mais uma vez processos de remoção.

Aqui não serão abordadas as contradições que marcaram as décadas iniciais do século XX, no entanto, é importante apontar a continuidade das ações acima 6 descritas, com reforço de processos de estratificação através da destinação de investimentos a áreas valorizadas, bem como remoções em áreas de interesse do capital ocupadas pela população de baixa renda com o auxílio da intervenção estatal, modificando morfológica e socialmente a malha urbana.

Importantes intervenções na expansão da ocupação urbana foram as obras de saneamento básico e rodovias, a partir da inserção do automóvel, fatores esses que induziram ao crescimento populacional da Baixada Fluminense (visando formar um cinturão agrícola que abasteceria a capital) e de São Gonçalo, sendo esta última também condicionada fortemente pelos bondes implantados no território (posteriormente substituídos pelos ônibus através da lógica rodoviarista), ligando as centralidades de Neves, São Gonçalo e Alcântara, que mantêm sua importância até hoje. Nas palavras de Rosa (2017, p. 62), “enquanto a ferrovia foi responsável pela ligação da cidade com a capital estadual, os bondes faziam um papel de integração entre bairros, respondendo à demanda de circulação interna”.

5 “Inspirada no plano de remodelação de Paris executado pelo barão Georges-Eugène Haussmann ainda no século XIX, a Reforma Pereira Passos transformou radicalmente a fisionomia do centro do Rio Em poucos anos, uma nova metrópole nasceria dos escombros da velha cidade” (FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ, s d )

6 Ver ABREU (1987)

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Enquanto a industrialização ganhava cada vez mais força, consequentemente cresciam também as atividades terciárias e a imigração em busca de empregos. São Gonçalo, que recebeu muitas indústrias principalmente após a Segunda Guerra Mundial, se encontrava imersa nessas dinâmicas.

No final dos anos quarenta a onda urbanizadora tinha, pois, praticamente atingido os seus limites atuais Os anos seguintes iriam se caracterizar mais pelo adensamento dessa frente pioneira urbana do que pelo seu avanço no espaço O período 1930-1950 se constituiu, assim, na fase mais marcante de expansão física da metrópole (ABREU, 1987, p. 86).

Entre os anos 1950 e 1964, período caracterizado pela grande entrada de capital estrangeiro e substituição de importações, o rodoviarismo ganhou força no país, o que também contribuiu para a expansão da ocupação do solo para áreas mais distantes. Diversas obras voltadas para a priorização da circulação de automóveis particulares foram realizadas nas cidades, momento durante o qual o mercado imobiliário delineou a expansão da ocupação das classes altas em direção à Barra da Tijuca, como ocorre até hoje. Além disso, o valor do solo aumentou consideravelmente, o que agravou os problemas habitacionais já existentes, justamente num período de forte migração.

A grande expansão física da metrópole, na década de 1950, teve ainda três efeitos importantes sobre a estruturação do espaço Em primeiro lugar, ela não foi acompanhada da provisão de infraestrutura básica, resultando daí a formação de uma periferia metropolitana extremamente carente de bens urbanísticos; em segundo lugar, o crescente aumento das distâncias entre o centro da Metrópole e as áreas residenciais suburbanas possibilitou o desenvolvimento de importantes subcentros funcionais (ABREU, 1987, p. 69).

Naquele momento, uma diversidade de fatores produziram transformações na cidade do Rio de Janeiro, dentre eles a transferência da capital do país para Brasília,

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que resultou na criação do Estado da Guanabara, com território correspondente ao da cidade, dissociado do Estado do Rio de Janeiro, que tinha Niterói como sua capital. Posteriormente, nos anos 1970, a fusão dos estados do Rio de Janeiro e da Guanabara modificou o papel das cidades de Niterói e Rio de Janeiro, sendo a última, a partir daquele momento, consolidada como um núcleo de destaque nas atividades terciárias (perdendo indústrias) e diminuindo sua relevância nacional nos quesitos político e econômico. No entanto, em relação ao território fluminense, a “nova” capital seguiu ocupando o lugar mais alto na hierarquia urbana, concentrando a tomada de decisões e funções de comando:

Na medida em que as funções de comando das metrópoles passam pela presença da sede de grandes empresas e que a capacidade de decisão em relação a financiamentos passa a ocupar um papel cada vez mais central no desenvolvimento urbano, tanto no que tange a grandes empreendimentos como no que concerne ao consumo individual, o acesso à rede bancária é emblemático tanto da concentração de renda, quando das discrepâncias de modernização que a fusão da Guanabara não buscou resolver (ROSA, 2017, p. 127).

Ao adentrar no tema da cidade e os conflitos que nela se desenrolam, as contradições entre núcleo e periferias são um dos pontos fundamentais no contexto metropolitano. Os processos de periferização se dão de maneira cada vez mais complexa e heterogênea a partir da agenda neoliberal, o que amplia a conceituação tradicional sobre territórios periféricos.

A partir dos anos 1970, então, é iniciada a era digital-financeira ainda vigente, com diversas contradições e disputas, em que as cidades periféricas estão inseridas numa corrida para a atração de capital. Apesar da existência de uma hierarquização a nível metropolitano entre centralidades e periferias, é importante apontar que não há na cidade de São Gonçalo uma dependência originada unicamente devido à expansão do Rio de Janeiro, de acordo com o senso comum, uma vez que o

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município teve seu desenvolvimento pautado num dinamismo próprio, especialmente no período industrial.

De fato, é importante salientar o grande crescimento populacional que a cidade viveu no período de sua pujança industrial, e por isto um dado mais condizente com a dinâmica desta cidade é o grande acréscimo populacional em um curto intervalo de tempo, entre 1920 e 1940, saltando de 48.019 para 85.521 habitantes. Este crescimento pode ser explicado por suas indústrias que atraíam trabalhadores pela diferença de salários em relação à atividade rural, além do aspecto suburbano que, entre outros elementos, dava ao valor de chácaras e laranjais – agora transformados em terrenos industriais –, uma possibilidade de alocação a preços menores (GEIGER, 1956) dos que os praticados na capital federal, acolhendo a chegada de migrantes tanto do interior do estado do Rio de Janeiro quanto das regiões Norte e, em maior escala, Nordeste do país Este dado é importante, pois contrasta com a narrativa de que fora a periferização intensa da área metropolitana fluminense a partir dos anos 1960 a responsável pela maior fase de ocupação/crescimento demográfico da cidade, quando de fato, os dados empíricos apontam para um maior crescimento populacional no período de intensa atividade industrial em São Gonçalo (ROSA, 2017, p 75)

Antes desse período em que a flexibilização do capital alterou a dinâmica da sociedade capitalista quanto ao regime de acumulação, a expansão da periferia na RMRJ se deu caracterizada como espaços de moradia de mão de obra barata, que serviria majoritariamente para a formação do núcleo metropolitano. Hoje, em tempos de neoliberalismo, percebe-se uma mudança na dinâmica capitalista e nos espaços construídos, que servem de suporte e meio de realização da mesma. Cabe mencionar ainda um cenário de novos agentes produtores do espaço urbano, como por exemplo milicianos, grupos religiosos ligados principalmente à igreja evangélica e seus interesses particulares.7

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Para maiores detalhes, ver Ribeiro e Santos Junior (2011)

Contemporaneamente as cidades também têm sido afetadas pelo processo de financeirização. Tal processo diz respeito à transformação da terra em ativo de 8 renda, o que permite uma sobreacumulação, com o capital transformado em “capital portador de juros”, a partir de três formas de mais-valia: o lucro, o juro e a renda. Assim, vê-se como impacto nas cidades empreendimentos que são “bens com potencial para possibilitar a apropriação de valor excedente futuro, seja por sua utilização na produção, seja pelos direitos de propriedade que eles configuram” (FIX; PAULANI, 2019, p. 642). Desse modo, consequentemente tem-se o fenômeno da especulação imobiliária, que acontece a partir dos ganhos da circulação:

Em outras palavras, quando, numa operação especulativa, um terreno é retido até que seu preço de mercado atinja aquilo que seu proprietário deseja para aliená-lo, esse comportamento implica simultaneamente a elevação da renda futura esperada do uso capitalista do referido terreno (ou ninguém o compraria por esse preço aumentado) Se estamos falando de espaço urbano, esse movimento, além de enriquecer o proprietário do terreno, levará inevitavelmente a preços mais elevados para as futuras construções que aí se ergam, os quais pressupõem aluguéis futuros igualmente mais elevados (FIX; PAULANI, 2019, p. 646)

Além disso, nesse contexto são alteradas as relações de trabalho e salário, com a flexibilização de direitos básicos, e maior acesso a crédito, aumentando o acesso a bens de consumo e consequente endividamento. É importante mencionar também o papel dos grandes projetos urbanos, que alteraram sobremaneira as dinâmicas sociais, promovendo investimentos espaciais desiguais e processos de gentrificação, o que acirrou ainda mais os conflitos nas cidades, especialmente em 9 territórios habitados por população de baixa renda (KLINK; SOUZA, 2017).

8 Ver Fix e Paulani (2019).

9 De acordo com Neil Smith (1996), a gentrificação (gentrification) se define como o processo no qual os investimentos e melhorias urbanas executados em determinado espaço acabam por inviabilizar a permanência da população de classe mais baixa no local Isso ocorre por conta da valorização sofrida no lugar, alterando o perfil dos que possuem condições de custear o custo de vida local

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Segundo Rosa, vale ratificar que, nesse contexto, a periferia está longe de representar um espaço vazio e de dependência homogêneo, que reúne a população pobre voltada para as interações do núcleo urbano. Inserida nessa nova ordem, esses processos vistos em maior grau nos núcleos pouco a pouco passam a se rebater também nas cidades periféricas, sendo estas cenário de uma complexa vida de relações, com demandas voltadas para o consumo e processos próprios.

As grandes aglomerações fomentam a demanda por serviços e demandam bens de consumo que estão intrinsecamente relacionados à vida nas grandes cidades Mobiliário, alimentos, bebidas e materiais de construção, fazem parte da gama de bens de consumo que possuem grande demanda nos maiores aglomerados urbanos. Este consumo de grandes dimensões é também um indicador de que a periferia possui uma vida de relações que escapa da total dependência do núcleo metropolitano, e mostra um dinamismo econômico próprio (ROSA, 2017, p 94)

As áreas periféricas no período neoliberal passaram por um desenvolvimento do terceiro setor, retendo mais mão de obra em seu território, concomitantemente à ampliação de equipamentos voltados para o consumo e a obtenção de crédito, o que permitiu a uma parcela da população o acesso a bens e serviços, antes impossibilitado, que culminou na ideia equivocada de qualidade de vida como sinônimo de capacidade de consumo. Conforme apontaremos mais adiante, esse fenômeno vem sendo percebido em São Gonçalo a partir de novos empreendimentos voltados à classe média, que vem alterando a paisagem gonçalense. No entanto, a massa trabalhadora segue à margem dos eventuais investimentos urbanos existentes, sendo lançadas para espaços que denominaremos “periferia dentro da periferia”, caracterizados pelo acirramento de conflitos causados pela ausência de direitos, dentro da escala da cidade, já inserida nessa problemática em nível macro (metropolitano).

As áreas periféricas ou os espaços populares, ontem produzidos pela classe trabalhadora, são, hoje, álibi de reestruturação do espaço

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para a sua revalorização, em um momento marcado pela iniciativa do Estado integralmente tomada pelos interesses privados (CHESNAIS, 1996 apud VIANA, 2019)

É fundamental destacar a reflexão de Araújo (2022), ao lançar luz sobre aspectos que muitas vezes são deixados de lado a partir das leituras acadêmicas sobre a periferia. O autor destaca que os territórios periféricos, especialmente no caso das regiões metropolitanas brasileiras, vão além de estereótipos de precariedade e representam também espaços de resistência e ressignificação nos campos político, social e cultural, com destaque para o protagonismo dos moradores que vivenciam o espaço.

Ainda em seu trabalho de observação da paisagem gonçalense, o autor aponta mudanças na dinâmica da RMRJ, com base nos estudos de Luciana Lago. Mesmo que na nova fase do capitalismo financeiro as cidades periféricas tenham desenvolvido centralidades comerciais (o que diminuiu deslocamentos por emprego em relação ao passado, sendo acompanhadas de algumas melhorias urbanas), ainda se está longe de atingir níveis básicos de qualidade de serviços e equipamentos para a população periférica.

A rigidez relativista do binômio centro/periferia não é mais suficiente para caracterizar as transformações estruturais das cidades e metrópoles na era global Nessa perspectiva, novos padrões e escalas de segregação mais complexos são acompanhados pelas transformações emergentes nas periferias metropolitanas em função de novos modelos tipo-morfológicos introduzidos pelo capital e seus reflexos na composição heterogênea do tecido social periférico [ ] A consolidação de centralidades comerciais em municípios periféricos fluminenses – mesmo que sem a devida intervenção da gestão pública – contribuiu na maior oferta de empregos de baixa qualificação e na redução dos deslocamentos intermunicipais casa-trabalho De igual modo, a implantação de infraestrutura, serviços urbanos, equipamentos e melhorias na mobilidade – ao menos nas centralidades urbanas – contribuíram à consolidação de núcleos de desenvolvimento nos municípios periféricos, amenizando a excessiva

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polarização ao núcleo da metrópole (LAGO, 2007; 2011). Apesar disso, esses melhoramentos urbanos nas centralidades periféricas ainda estão longe das qualidades consideradas ideais, mas ainda assim cumprem o papel de consolidá-las urbanisticamente no tecido urbano-metropolitano A baixa qualidade projetual da infraestrutura, serviços e equipamentos conferem alguns conflitos em diferentes escalas e, de certo modo, ainda mantém uma parcela do estigma periférico ao menos no âmbito sociológico (ARAÚJO, 2022, p. 9-10).

Essa realidade aparece em especial nas regiões metropolitanas, uma vez que a desigualdade socioespacial é demonstrada através das relações hierárquicas e concentradoras exercidas pelo núcleo urbano em relação ao seu entorno periférico. Com isso, através da divisão regional do trabalho entre municípios, diversos conflitos emergem, indo desde problemas ambientais até os índices alarmantes de violência urbana que hoje acometem as cidades.

Modelo fordista x Neoliberalismo

Adentrando em uma breve reflexão acerca das mudanças ocorridas recentemente no sistema capitalista, se inicialmente o desenvolvimento urbano estava orientado pelo modelo fordista de acumulação (sistema de produção massiva e rígida), proveniente dos países centrais e espelhado na realidade brasileira, a partir da década de 1970 é iniciada uma mudança de paradigma e as cidades são pautadas no modelo de acumulação flexível. O modelo anterior, de produção de bens com foco na quantidade produzida, requeria uma configuração de formas e conteúdos no espaço urbano diferentes da que é vista atualmente.

Vale lembrar que o espaço – e consequentemente as cidades – era fruto da racionalidade industrial orientada sob o paradigma do modo de produção Fordista Mais do que uma orientação, o Fordismo expressou-se de forma material na forma das cidades O modo de produção Fordista reside ainda na forma como constituíram-se as metrópoles mesmo as dos países periféricos, estando presente nas

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formas e equipamentos urbanos e, sobretudo, na prioridade dada à circulação do automóvel em detrimento dos sistemas de transporte coletivo (ROSA, 2010, p 34)

No entanto, é fundamental mencionar que o fordismo nos chamados países capitalistas centrais (PCCs) não foi o mesmo reproduzido nos chamados países capitalistas periféricos (PCPs). Conforme indicações de Maricato (2007), no Brasil foi desenvolvido o fordismo periférico, em que o Estado de Bem-Estar Social dos países centrais chegou apenas para determinado grupo social. Desse modo, os conflitos já existentes e desigualdades sociais se acirraram ainda mais com o novo modelo.

A partir da revolução tecnológica, com a globalização, o modo de reprodução capitalista muda as suas necessidades e as formas de intervir sobre o espaço. Com a fase da acumulação flexível, a rigidez das indústrias vistas no passado é deixada de lado, dando lugar a fluxos mais velozes de informação e mercadorias, além do planejamento estratégico das cidades, cada vez mais competitivas.

[ ] Desverticalização da produção a partir do surgimento de novos setores produtivos na busca de vantagens comparativas e competitivas (em que a localização é fator preponderante), novas relações de trabalho e de consumo, a rapidez no fluxo de capital e da informação na ideia de anulação de espaço pelo tempo – ou seja, um conjunto de mudanças que trazem no bojo da flexibilidade o inesperado em sua velocidade, o fragmentário no desenvolvimento crescentemente desigual (GONÇALVES, 2012, p 47)

Complementando ainda a mudança de paradigma entre o modelo fordista e a globalização, a flexibilização aparece no cerne do novo modelo, permeando o papel do Estado na sociedade, mercados, relações de trabalho etc. Assim, Ermínia Maricato afirma:

A desigualdade trazida pela globalização aprofunda e diversifica a desigualdade numa sociedade historicamente e tradicionalmente desigual. Faz muita diferença iniciar o processo de reestruturação

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produtiva a partir de uma base de pleno emprego ou de direitos universais relativamente extensivos, ao invés de uma base na qual os direitos são privilégios de alguns

Para os PCCs a globalização significou a quebra do contrato social e para os PCPs uma nova relação de dominação e exploração (MARICATO, 2007, p 56)

Conforme apontado por Arantes (2002) – embora sua obra tenha sido publicada no início do século XXI, hoje, mais de 20 anos depois, este cenário não sofreu grandes alterações – portanto, no mundo contemporâneo globalizado, em que políticas neoliberais ganharam espaço e acarretaram desigualdades e conflitos, as cidades, especialmente aquelas localizadas em grandes metrópoles, se veem a cada dia em uma corrida competitiva em busca de investimentos, assim como inaugurando grandes projetos a fim de atrair capital de grandes corporações mundiais, nacional e internacionalmente, para seu espaço, utilizando-se de parcerias público-privadas, processos esses que culminam, via de regra, na gentrificação dos espaços, com a substituição do perfil populacional do lugar afetado.

Para que esta operação mercadológica seja possível, tem sido de suma importância que se crie uma propaganda da cidade que irá vender a identidade adotada para sua imagem, criando consensos frente à população dos benefícios das revitalizações que supostamente potencializariam as particularidades do lugar, além de promover postos de emprego aos moradores, o que é conhecido como city marketing (ARANTES, 2002).

Ainda de acordo com Otília Arantes, a partir dessa nova geração urbanística, a mudança de paradigma que alia capital e cultura, o chamado “culturalismo de mercado”, fomenta os negócios e a competição global entre as cidades. Desse modo, as intervenções urbanísticas e construções de edificações icônicas são os elementos fundamentais na receita do planejamento estratégico das cidades-empresa (VAINER, 2002), que devem ser a resposta para os problemas urbanos resultantes das “crises” existentes no período anterior, o que também esteve ancorado na realização dos já citados grandes eventos que promovessem a imagem de tais cidades.

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Dando prosseguimento à contextualização do momento histórico em que se faz a presente análise, é sabido que a partir da revolução tecnológica, com o encurtamento físico de distâncias e um fluxo mais veloz de informações, hoje, a divisão do trabalho vem sendo pautada a partir da sobreposição do período industrial e da nova era digital financeira, culminando em políticas urbanas baseadas no planejamento estratégico e num discurso empreendedorista para o desenvolvimento das cidades. Logo, se inicialmente as cidades periféricas ficavam à margem dessa corrida para tornarem-se atrativas, hoje estão cada vez mais inseridas no panorama concorrencial descrito.

Vale mencionar o fator “amenidades ambientais” na caracterização diferenciada periférica das cidades, conforme é possível observar atualmente na RMRJ. Espaços que possam ser caracterizados como periferias geográficas, como por exemplo a Barra da Tijuca, podem não se enquadrar como periferias sociais, uma vez que, no caso do estado do Rio de Janeiro, as orlas marítimas conferem grande valorização a determinados espaços, onde se instalam as elites.

No que se refere à valorização fundiária ocasionada pelo tratamento da orla e oferta de serviços urbanos nas praias da Baía de Guanabara, São Gonçalo e Duque de Caxias são municípios geograficamente periféricos no âmbito da RMRJ e, ainda, sociologicamente periféricos em função desse aspecto. Os processos de urbanização excludentes que subtraíram de São Gonçalo e Duque de Caxias sua potencialidade de cidades costeiras não são amplamente observados no Rio de Janeiro e em Niterói, onde as praias da Baía de Guanabara tratadas paisagisticamente –Praias do Flamengo e Botafogo no Rio de Janeiro e Praias de Icaraí, São Francisco e Charitas em Niterói – reforçam a centralidade desses núcleos na dinâmica metropolitana [ ] Nesse contexto, vale ressaltar que esta negação da orla se dá fortemente por uma questão política, econômica e cultural brasileira, pois se costumam valorizar as orlas de águas urbanas que usufruem de visão privilegiada para belezas naturais com potencial de atratividade turística e da dinâmica imobiliária, tais como as praias do Flamengo e Icaraí no Rio de Janeiro e em Niterói, respectivamente Por outro

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lado, a precariedade de investimentos públicos em saneamento ambiental tornou a orla da Baía de Guanabara em Duque de Caxias e São Gonçalo à margem de serem exploradas pelo turismo e mercado imobiliário (ARAÚJO, 2022, p 8-9)

Agentes produtores do espaço urbano e conflitos

Diante do exposto, é necessário apontar o modo como os agentes modeladores do espaço urbano atuam e as formas de articulação utilizadas por estes, que muitas vezes se sobrepõem, para explorar e maximizar os lucros provenientes da cidade transformada em mercadoria. São esses agentes o Estado, os grandes proprietários dos meios de produção, os proprietários fundiários, os promotores imobiliários e os grupos excluídos (CORRÊA, 1993).

O Estado, sendo ao mesmo tempo mediador de conflitos e formador de consensos, representa a entidade de principal importância na análise da cidade. Através de sua atuação, é regulada a ação de todos os outros agentes e, em diversos momentos, pode-se assumir o papel destes, intervindo sob a ótica de determinado grupo social.

Conforme Corrêa (1993) além dele, são também agentes interventores das cidades os grandes proprietários de indústrias ou empresas, ou seja, os proprietários dos meios de produção que necessitam normalmente de terrenos grandes e bem localizados; os donos de terras, que estão interessados no máximo lucro proveniente de suas propriedades; os promotores imobiliários, responsáveis pelos processos que transformam a terra em mercadoria a ser vendida e consumida; por fim, há os grupos excluídos, a massa trabalhadora que constrói a cidade, no entanto, devido a sua submissão a baixos salários, não têm acesso ao mercado de terras, o que a direciona à ocupação de espaços periféricos, cortiços ou favelas próximas ao seu local de trabalho.

Nesse sentido, a cidade tem suas mudanças estruturadas na sobreposição e choque entre estes agentes, em constantes disputas e confrontos. É inerente a uma sociedade tão heterogênea o desenrolar de conflitos, que têm o papel de produzir ou modificar formas de interesse, negando a existência da unidade e problematizando

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ordens colocadas. É fundamental o reconhecimento dos conflitos e da diferença, que têm o poder de transformação social, o que vai no sentido oposto do estado de indiferença (SIMMEL, 1983).

Sobre a questão conflitual, Almeida (2018) aponta o Estado capitalista como um agente formador de consensos, auxiliando a perpetuação de interesses dos grupos sociais hegemônicos e invisibilizando os conflitos, uma vez que dando-os como naturais, é possível manter as relações de exploração existentes.

O autor destaca que esta formação de consensos objetiva dar continuidade ao benefício de uma parcela específica da sociedade a partir de uma perspectiva que favorece principalmente homens brancos, cisgêneros e de alta renda, indo de acordo com a lógica colonizadora que segue perpetuando desigualdades sociais nas cidades. Além disso, vale apontar ainda outros novos agentes atuantes na cidade, conforme já citado anteriormente, como por exemplo grupos ligados a igrejas, milícias etc, que exercem grande poder sobre o espaço urbano, de maneira cada vez mais intensa.

Planejamento urbano e regional enquanto prática

Ao tratar do planejamento urbano das cidades, os instrumentos urbanísticos, supostamente criados com o objetivo de auxiliar nas intervenções urbanas a fim de promover uma cidade mais justa e democrática, acabam por mascarar-se a partir de um discurso tecnicista para perpetuar interesses políticos de certos grupos minoritários, como a população de alta classe, empresários e representantes do mercado imobiliário, promovendo a acumulação flexível e invisibilizando conflitos. De acordo com Villaça (2005), existe um imaginário de que os planos diretores são a solução para todos os problemas da cidade, no entanto, não existe e nem poderia existir, democraticamente, obrigatoriedade de que este instrumento fosse seguido pelos prefeitos, o que acaba levando estes enormes textos para as gavetas das prefeituras.

O autor ainda enfatiza a ilusão da participação popular, uma vez que na maioria dos casos os planos não tratam de temáticas pertinentes a maioria composta pela população de baixa renda e sim, de uma pequena minoria de classe

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média e alta. Assim, o que poderia se traduzir em instrumentos com propostas compatíveis com a realidade das periferias urbanas, acaba por reproduzir uma dominação social, técnica, política e econômica, hoje traduzida no desenvolvimento dos planos estratégicos (MARICATO, 2007).

Villaça ainda indica que há outros claros indícios das diferentes ênfases dadas às demandas a depender da região da cidade a ser tratada, conforme mostrado no caso do Plano Diretor Estratégico de São Paulo, no início dos anos 2000, quando vários bairros de áreas periféricas foram agrupados em apenas uma reunião, enquanto nas áreas de população de maior poder aquisitivo, houve debates individualizados para cada bairro.

O relato ainda traz outros exemplos destes contrastes, traduzidos na pouca presença em algumas reuniões que tratavam das áreas periféricas, as veementes manifestações das classes médias e altas e algumas entidades, utilizando-se dos veículos de imprensa para promover seus pontos etc.

Vale mencionar que, no caso da Região Metropolitana do Rio de Janeiro, existe ainda grande fragilização de instâncias a nível regional para articulação entre os municípios, o que resulta na ausência de planos integrados que consigam viabilizar a implantação de projetos que beneficiem os cidadãos em escala metropolitana.

Exemplos disso foram as dificuldades de atuação da Fundação para o Desenvolvimento da Região Metropolitana do Rio de Janeiro (FUNDREM), criada em 1975 e extinta em 1990. Atualmente, após a promulgação da Lei Federal nº 13.089 do Estatuto da Metrópole, em 2015, e criação da Agência Executiva da Região Metropolitana do Rio de Janeiro, foi criado o Plano Modelar a Metrópole, porém, há pouca efetividade na instauração dos projetos previstos devido a conflitos e pouco diálogo entre municípios.10

Assim, para o desenvolvimento de um planejamento urbano efetivo, que contemple os interesses do trabalhador, ainda há um longo caminho a ser percorrido, com mudanças urgentes no que diz respeito à participação e educação popular, diálogos com os territórios e revisão/alteração de legislações engessadas e

10

Para maiores detalhes a respeito, ver o Plano Estratégico de Desenvolvimento Urbano Integrado da RMRJ Disponível em: <https://wwwmodelarametropole com br/> Acesso em: 20 de nov de 2022

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excludentes, que acabam por repelir o acesso à cidade por boa parte daqueles que a constroem diariamente, sendo sinônimos hoje de extensas diretrizes genéricas e não políticas públicas.

Metrópole e periferização

Esta primeira parte do trabalho se encerra com alguns dados recentes sobre as cidades que compõem a RMRJ, de modo a analisar comparativamente os índices de São Gonçalo. Percebem-se ainda as relações discrepantes abordadas anteriormente, que indicam certa dependência em relação a Niterói e Rio de Janeiro, ainda que a cidade apresente diferentes dinâmicas no momento atual, conforme explicitado. Dados do Mapa da Desigualdade, elaborado pela Casa Fluminense (2020), ratificam as indicações anteriores.

Figura 07. Mapa de salário médio na RMRJ.

Fonte: Mapa da Desigualdade, Casa Fluminense (2020)

Como observado na Figura 07, o salário médio em empregos formais da população de São Gonçalo no ano de 2018 era de R$ 2.160,32, abaixo das médias

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da Região Metropolitana do Rio e brasileira, de respectivamente R$ 3.688,69 e R$ 3.060,88. Outro dado relevante é o número de empregos a cada 100 habitantes, que em São Gonçalo é de apenas 10 postos, diferença brusca se comparado aos números de Niterói (33,2), Rio de Janeiro (33,9) e à própria média brasileira (22,8).

Essas informações expõem a problemática da pouca oferta de postos de trabalho, além dos baixos salários, o que se desdobra na busca por empregos em cidades vizinhas, além das más condições de moradia da classe trabalhadora, que se vê obrigada a viver em espaços com pouca infraestrutura urbana, muitas vezes distantes, em sua maioria tendo como único recurso a autoconstrução.

Figura 08 Mapa de tratamento de esgoto na RMRJ

Fonte: Mapa da Desigualdade, Casa Fluminense (2020)

Ainda trazendo dados referentes ao município, consta no Mapa da Desigualdade que apenas 3,9% do esgoto da cidade é coletado e tratado, índice baixíssimo se comparado à capital (63,5%) e Niterói (97,7%). Além disso, em São Gonçalo não há serviços de coleta seletiva (assim como em outros municípios periféricos, como Maricá e Duque de Caxias, por exemplo), enquanto Rio e Niterói

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mais uma vez aparecem à frente, com 44,7% e 40,6%, respectivamente, no serviço de coleta porta a porta, segundo dados das prefeituras.

Figura 09 Mapa de coleta seletiva na RMRJ

Fonte: Mapa da Desigualdade, Casa Fluminense (2020)

Figura 10 Mapa de museus na RMRJ

Fonte: Mapa da Desigualdade, Casa Fluminense (2020)

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Como exemplo do déficit em investimento cultural, o Mapa da Desigualdade aponta que na cidade há apenas 1 museu, situação muito discrepante em relação à cidade do Rio de Janeiro, com 136 no total, e também Niterói, com 11, o que se reflete nas poucas relações de identidade e memória da população com o território.

Assim sendo, conclui-se que São Gonçalo é uma cidade periférica, em muitos aspectos dependente em relação a outros municípios, no caso as cidades de Niterói (município vizinho que não possui a mesma relação com o núcleo metropolitano por diversos fatores, sendo um deles seu passado como capital do estado) e Rio de Janeiro, que absorvem boa parte do seu contingente populacional em busca de acesso a serviços e postos de trabalho no circuito superior da economia urbana, com a concentração de grandes empresas, funções administrativas, agências bancárias e outros serviços específicos. Isso faz com que exista em sua trajetória a marca de uma narrativa que se refere à cidade periférica como um território pobre e problemático, coadjuvante no cenário da metrópole.

No entanto, é necessário questionar em que medida esta pobreza descrita compõe um discurso utilizado para a manutenção de interesses de grupos de poder hegemônicos com objetivos políticos e empresariais, já que mesmo as precariedades podem ser lucrativas e formas de manutenção de poder para alguns grupos (ROSA, 2010).

É possível apontar a existência de uma divisão inter regional do trabalho, na qual as cidades periféricas representam os espaços permeados pela segregação em relação aos espaços privilegiados da metrópole, estando ambos em constante disputa e, simultaneamente, representando espaços com funções complementares entre si. Portanto, a periferia é formada em sua maioria pela classe trabalhadora, que tem seu direito à cidade negado pela discrepância de acesso à infraestrutura e aos serviços básicos, como moradia, equipamentos de uso coletivo e transportes (muitas vezes estes reforçando movimentos pendulares e dificultando deslocamentos periferia-periferia), com políticas públicas que não a atendem ou com a ausência das mesmas, em detrimento da parcela da população de renda mais

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elevada, que está localizada em locais bem servidos dos elementos que compõem um espaço urbano plenamente urbanizado.

O caso de São Gonçalo demonstra certa homogeneidade da população, que em média ganha aproximadamente 2 salários mínimos (CASA FLUMINENSE, 2020), sendo minoria a parcela de alta renda na cidade, ainda que as classes média e alta se façam presentes no município, de forma cada vez mais recorrente, o que vem influindo diretamente na paisagem urbana, diferindo do discurso de pobreza inerente ao seu espaço.

Diferentemente do Rio de Janeiro e de Niterói, onde as desigualdades sociais se mostram socioespacialmente de modo mais latente, existe certa uniformidade quando se trata de sua estrutura social. Como aponta o índice Gini (IBGE, 2010), 11 que é de 0,43 para a cidade de São Gonçalo, há uma concentração de renda considerável na cidade, no entanto, abaixo dos números de Niterói, com 0,59, e Rio de Janeiro, com 0,62 (FUNDAÇÃO CEPERJ, 2019), o que demonstra que a cidade apresenta menos discrepância em relação às condições econômicas de seus moradores, diferente dos outros municípios, caracterizados por grave desigualdade social. Essa expressão menos profunda da desigualdade social também é um fator que contribui para o senso comum de que a cidade seria essencialmente pobre.

Ao que parece, esse estigma delegado a São Gonçalo acaba por diferenciá-la de outras cidades periféricas, como as já citadas anteriormente Nova Iguaçu e Duque de Caxias, onde existem bairros marcados por concentrarem os estratos de alta renda. Já em São Gonçalo acontece o fenômeno da mudança de residência para as cidades do Rio e Niterói quando os moradores têm alguma melhoria de vida, assim como não há bairros específicos em que se aglomeram as classes média e alta, estando estas dispersas entre alguns bairros dos distritos de São Gonçalo e Neves, principalmente, reforçando o estigma exposto anteriormente.

11 O Índice de Gini, criado pelo matemático italiano Conrado Gini, é um instrumento para medir o grau de concentração de renda em determinado grupo Ele aponta a diferença entre os rendimentos dos mais pobres e dos mais ricos Numericamente, varia de zero a um (WOLFFENBÜTTEL, 2004)

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Corroborando com o que foi dito no início deste capítulo, esses dados demonstram as dificuldades de acesso a serviços básicos pelos cidadãos, como esgotamento sanitário e tratamento de resíduos adequado (o que também reflete na saúde populacional), assim como o acesso ao lazer e cultura, sendo quase irrelevante o número de museus na cidade, o que é percebido pela falta de conhecimento histórico da população acerca do seu próprio município de residência, e pouca identificação com o lugar.

No próximo capítulo, dando continuidade à reflexão com um recorte histórico sobre o município, será feita uma retrospectiva de seu desenvolvimento urbano, com dados mais específicos, lançando luz sobre as características que conformam São Gonçalo como uma centralidade periférica nos dias de hoje (ROSA, 2017).

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São Gonçalo: de pólo industrial à centralidade periférica

Foto da autora, Paraíso 2022.

Lá do outro lado dizem que é só terror Que São Gonçalo, Niterói, não tem valor Besteira, mano, isso é bobeira Não menosprezem a massa funkeira

e Buchecha, Canto para não sofrer, 2000.

2
Claudinho

2. São Gonçalo: de pólo industrial à centralidade periférica

2.1. Visão geral sobre o histórico do município

Para lançar luz sobre o histórico do município de São Gonçalo, percorrendo as diferentes fases da cidade determinadas pela época e por dinâmicas particulares, serão utilizados como base os trabalhos desenvolvidos por Thiago Gonçalves (2012) e Juliana Luquez (2019), que em seus textos trouxeram uma linha do tempo geral, em que são explicitadas as configurações sociais e espaciais, conflitos, continuidades e descontinuidades observadas no espaço urbano, a partir das mudanças ocorridas em diferentes momentos de acumulação capitalista. Faremos a seguir uma breve descrição destas fases, uma vez que no capítulo anterior algumas informações já foram introduzidas.

Figura 11 Linha do tempo resumida do histórico do município

Fonte: Elaborado pela autora

Retornando numa rápida retrospectiva aos primórdios da ocupação do espaço onde se encontra São Gonçalo, é sabido que, inicialmente, as terras eram ocupadas pelo povo indígena Tupinambá (Tamoios). Com a chegada portuguesa ao Brasil, o local onde se encontra a cidade começou a ser ocupado objetivando a exploração dos recursos naturais existentes, especialmente concernentes à citricultura, além de atividades de pesca (sendo esta relevante até os dias de hoje).

A partir do século XVI, são criadas sesmarias no território do município. Em 06 de abril de 1579, Gonçalo Gonçalves teria recebido então a sesmaria localizada às margens do rio Imboaçu, com o dever de construir uma capela e um povoado. A capela construída foi dedicada a seu santo de devoção, São Gonçalo de Amarante.

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Presume-se que o local seja onde hoje está a Igreja Matriz de São Gonçalo, no bairro Zé Garoto, no entanto, alguns autores divergem quanto a esta localidade.

Figura 12 Igreja da Matriz de São Gonçalo, década de 1920

Fonte: Histórias e Monumentos (blog) 12

O povoamento europeu de São Gonçalo foi realizado por jesuítas. Do século XVII ao XIX, as fazendas coloniais foram se estabelecendo no território, sendo as economias açucareira e cafeeira prósperas na região. Naquela época, os territórios dos atuais bairros do Centro e Alcântara iniciavam sua consolidação como principais centralidades (posteriormente, Neves também adquiriria essa importância devido à grande concentração de indústrias). Atualmente, esses pólos ainda mantêm grande relevância no território.

Em 10 de maio de 1819, São Gonçalo deixou de ser freguesia e se tornou distrito da Vila Real da Praia Grande (Niterói). Outro importante fator que contribuiu para o seu desenvolvimento foi a chegada da Estrada de Ferro Leopoldina Railway, no ano de 1870, o que facilitou o escoamento da produção econômica para outras regiões. O status de cidade só viria em 1890 e, a partir de 1920, as indústrias começaram a se instalar no município. Nas décadas de 1940 e 1950, iniciou-se a chegada em grande escala de indústrias em São Gonçalo, com expansão de loteamentos na cidade (Figura 13). De acordo com Rosa (2017, p. 278):

12 Disponível em: <http://historiasemonumentos blogspot com/2014/12/igreja-matriz-desao-goncalodo-amarante html> Acesso em 26 de nov de 2022

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Seguiu-se então o processo de loteamentos da cidade, paralelo ao período de industrialização, mas não inteiramente explicado por ele [ ] que mostra a correspondência entre as manchas de loteamento e o período de maior pujança industrial da cidade nos anos 1940 (bairros Brasilândia, Camarão, Zé Garoto, Parada 40, Porto da Pedra) formando quatro manchas dispersas Entre os anos 1950 e 1960, vemos cinco manchas de loteamentos, porém de forma contígua (Jardim Catarina, Laranjal, Trindade, Nova Cidade, Mutuá, Recanto das Acácias, Boaçu). A partir daí, segue-se nas duas décadas seguintes novos loteamentos, que declinaram nos anos 1970 (bairros Ipiíba, Jockey, Arrastão, Vila Candoza), chegando a uma marca única de pouca expressão já nos anos 1980 (Maria Paula, Tribobó)

Figura 13 Loteamentos em São Gonçalo no Século XX

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Fonte: (Technum Consultoria apud ROSA, 2017)

O parque industrial da cidade se tornou o mais importante do estado, o que lhe rendeu o apelido de “Manchester Fluminense”, como símbolo de modernidade e desenvolvimento, com capacidade de reorganização espacial devido à influência do setor industrial, assim como a cidade inglesa, conforme já mencionado. Durante o período, as dinâmicas de relações se complexificaram na cidade, desdobrando-se na intensificação também do setor de serviços, transporte e comércio:

A existência de uma função (no caso, a industrial) pode agir como força motriz para outras funções (no caso, a comercial) Não obstante, o bairro de maior densidade industrial da cidade (Neves), também possuía uma grande atividade comercial (ROSA, 2017, p. 72).

Logo, a partir das indústrias houve grande atração de mão de obra em busca de postos de trabalho, tanto do estado do Rio de Janeiro, como de outros estados, principalmente nordestinos. Esse conjunto de redes e processos sobrepostos acabaram por conferir centralidade à cidade.

No entanto, essas iniciativas de instalação de indústrias, essencialmente privadas, eram motivadas por incentivos fiscais e fatores locacionais, como disponibilidade de matéria-prima e facilidade de escoamento da produção, não sendo parte de incentivos a políticas públicas voltadas para o desenvolvimento da cidade por parte do Estado. A partir dos anos 1970, então, ocorreu o declínio da atividade industrial em São Gonçalo, culminando no deslocamento dessas fábricas para outros municípios que ascenderam no setor Atualmente, a cidade tem sua economia composta essencialmente pelo setor de comércio e serviços, que majoritariamente atendem à própria população residente. Conforme aponta Viana (2019), São Gonçalo teria então sua história dividida em três grandes fases (Figura 14), que se sobrepõem e complementam.

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Como já foi apontado, a primeira fase histórica do município consistiu na pré-industrialização, agrária, quando São Gonçalo se destacava pela atividade da citricultura e possuía diversos engenhos de açúcar. Em sua segunda fase, São Gonçalo se destacava devido à atividade industrial, momento chave para compreender as características da cidade até os dias de hoje, devido ao grande crescimento populacional ocorrido, bem como ao desenvolvimento de outros setores da economia e modificações no espaço urbano, que após seu declínio reconfiguraram o dinamismo da cidade.

Embora o movimento em direção à periferia não seja homogêneo, em linhas gerais, a redução da centralidade e da autonomia do município de São Gonçalo pode ser explicada por estes dois fatores: por um lado, pelo declínio do dinamismo industrial anteriormente existente, que concedia uma autonomia relativa maior ao município. Por outro lado, pela ligação mais orgânica do município com o conjunto da aglomeração metropolitana, e por seu contínuo crescimento populacional, ao qual a economia de serviços não foi capaz de gerar trabalho suficiente para absorver essa grande quantidade de mão de obra em idade ativa (ROSA, 2017, p 101)

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Sua última e atual fase consiste então nesta realidade da cidade-mercadoria, que se enquadra na lógica do mercado imobiliário: acumulação flexível e consequente atração de empreendimentos habitacionais de classe média / alta e shopping centers, uma vez que a partir da complexificação das relações na cidade, esses espaços se tornam atrativos para a reprodução do capital.

O grau de subordinação a outras cidades ainda se faz presente, principalmente porque São Gonçalo se caracteriza como um espaço periférico com relações estreitas com as cidades de Niterói e Rio de Janeiro, com consumidores de equipamentos e serviços que não estão disponíveis em seu território, além da busca por melhores postos de trabalho, salários mais altos etc.

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2.2. São Gonçalo hoje: características gerais

Para desenvolver uma análise crítica sobre a periferização de São Gonçalo nas escalas metropolitana e municipal, a seguir são apresentados alguns dados que compõem o panorama e o perfil do território e sua população habitante.

O território de São Gonçalo é subdividido em 5 distritos, a saber: São Gonçalo (sede), Ipiíba, Monjolos, Neves e Sete Pontes, somando um total de 92 bairros oficiais. Localizada no lado leste da RMRJ, a cidade é vizinha dos municípios de Niterói, Maricá e Itaboraí e é banhada pela Baía de Guanabara em seu limite oeste. Os principais acessos se dão através das rodovias BR-101, RJ-104 e RJ-106.

Figura 15 Distritos de São Gonçalo

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Fonte: Elaborado pela autora, com base no Atlas municipal escolar de São Gonçalo (2020) desenvolvido pela UERJ FFP

Figura 16. Bairros e principais vias de São Gonçalo.

Fonte: Elaborado pela autora, com base no Atlas municipal escolar de São Gonçalo (2020) desenvolvido pela UERJ FFP.

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A população gonçalense é formada majoritariamente por mulheres em idade laboral (entre 20 e 64 anos), sendo a população preta e parda maioria no território, representando 55,88% da população, seguida pelas populações branca (43,50%), amarela (0,53%) e indígena (0,09%), segundo dados do IBGE (2010). A maior parte da população se concentra nos territórios que correspondem aos distritos de Neves, São Gonçalo e Monjolos, principalmente nas Zonas de Estruturação Urbana Primária e Secundária (Z5 e Z6), conforme classificação da Lei Complementar 032/2018 (Figura 17). Estima-se que existam 210.954 habitantes vivendo em situação de pobreza e outros 15.453 em extrema pobreza (IBGE, 2010), sendo que a média de salário no município é de R$ 2160,32 (Casa Fluminense, 2020), como já foi apresentado anteriormente.

Figura 17 Zonas de uso de São Gonçalo, de acordo com a Lei de Uso e Ocupação do Solo de 2018

Fonte: Lei de Uso e Ocupação do Solo de São Gonçalo (2018)

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Figura 18 Distribuição da população em São Gonçalo (número de habitantes)

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Atlas municipal escolar de São Gonçalo (2020), desenvolvido pela UERJ FFP

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Fonte:

Para analisar a distribuição da população negra no território urbano utilizamos o trabalho de Ribeiro (2020), que mapeou a localização de pretos e pardos em São Gonçalo. Segundo o autor, a localização da população branca coincide com o que denominou de “perímetro de valorização” na cidade, enquanto a população negra se concentra em bairros de característica mais periferizada (Figuras 20 e 21).

Figura 20 Mapa de população branca

Fonte: Ribeiro, 2020

Figura 21. Mapa de população preta e parda.

Fonte: Ribeiro, 2020

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Em relação ao grau de escolaridade, segundo dados do IBGE (2010), 48,7% da população não tem instrução ou possui ensino fundamental incompleto, seguido por 27,7% com ensino médio completo e superior incompleto e 18,1% com fundamental completo e médio incompleto. Apenas 4,9% das pessoas possuem ensino superior completo e a taxa de analfabetismo é de 3,6% (GONÇALVES, 2012, p. 145-146). Um dado alarmante apontado pela Agenda 2030 São Gonçalo, documento elaborado pelo coletivo Ressuscita São Gonçalo, é a grande evasão escolar por motivos de violência urbana, além da necessidade de geração de renda por parte dos jovens para complementar os recursos da família, o que acaba culminando na alocação em subempregos. Para compor um panorama analítico sobre as condições de infraestrutura urbana, também são apresentados levantamentos que servem como indicadores da situação atual do município de São Gonçalo.

Figura 22. Forma de abastecimento de água em São Gonçalo (por distrito).

Fonte: Atlas municipal escolar de São Gonçalo (2020), desenvolvido pela UERJ FFP.

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Em relação às formas de abastecimento de água no município, por distritos, observa-se que, percentualmente, a maioria dos bairros gonçalenses é atendida por rede geral. Em seguida, em percentual bem menor, a população é atendida por poços ou nascentes, dentro ou fora de sua propriedade. Por fim, ainda que em percentual mínimo, a água chega por carro pipa, água da chuva, de rios, açudes etc. O distrito com maior cobertura da rede geral é o de Neves, onde no passado houve grande desenvolvimento industrial. Tratando do item referente aos poços, Monjolos possui o maior percentual e, levando-se em consideração o 3º item, que inclui formas de captação mais precárias, Ipiíba lidera o ranking.

Figura 23 Destinação final do lixo em São Gonçalo (por distrito)

O mapa de coleta de lixo aponta para uma cobertura acima de 80% em todos os distritos. Esse percentual considera o serviço realizado pela empresa responsável pelo serviço. O segundo item dos gráficos corresponde à captação em caçambas, realizada em certos pontos do território, e às demais maneiras de descarte

Fonte: Atlas municipal escolar de São Gonçalo (2020), desenvolvido pela UERJ FFP
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existentes na cidade, como por exemplo a incineração pelos próprios moradores, lançamento em lixões, rios etc.

Segundo o Painel INCID, a partir de dados do Censo 2010 relacionados à situação do destino do lixo, São Gonçalo possui 6,2% do total de seu lixo com destinação inadequada, o que representa o dobro do índice para o estado do Rio de Janeiro (3,1%). Com mais de 1 milhão de habitantes na cidade, esse percentual representa cerca de 6 mil domicílios sem coleta de lixo adequada. Além dos resíduos próprios, São Gonçalo também recebe parte do lixo residencial de Niterói. São Gonçalo não possui serviço de coleta seletiva de resíduos sólidos, apesar da Região Sudeste nacionalmente estar em segundo lugar neste quesito, com 89,7% (1.496) dos municípios contemplados (ABRAPEL, 2019). De acordo 13 com dados da Prefeitura Municipal, há apenas pontos de coleta voluntários em escolas municipais. Existe um Centro de Tratamento de Resíduos, localizado no bairro de Anaia Pequeno.

13 Disponível em: <https://wwwgove digital/outras-tematicas/programa-recicla-santos-boas-praticas/ #:~:text=A%20regi%C3%A3o%20centro%2Doeste%20produziu,dos%20munic%C3%ADpios%20disp onibilizando%20tais%20servi%C3%A7os> Acesso em: 27 de out de 2022

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Figura 24. Percentual de domicílios particulares permanentes com coleta adequada de esgoto em relação ao total de domicílios particulares permanentes no setor.

Fonte: Gonçalves, 2012

Por fim, o mapa acima indica o percentual de coleta adequada de esgoto, em que percebe-se a maior deficiência nas bordas periféricas Norte, Leste e Sul do município, com pior situação no distrito de Monjolos, ao passo em que os bairros localizados nas Zonas de Estruturação Urbana Primária e Secundária são os mais bem assistidos (GONÇALVES, 2012).

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2.3. São Gonçalo no período metropolitano-financeiro

Na atual conjuntura capitalista, em que as cidades se transformaram numa mercadoria a ser vendida, a corrida pela inserção no mundo competitivo das “cidades-globais” requer que estas desenvolvam estratégias para que possam se tornar atrativas aos mais altos investimentos, oferecendo seu próprio território.

Após o primeiro momento dessa nova ordem, em que as cidades periféricas não estavam incluídas nesse tipo de planejamento estratégico, passou-se ao entendimento de que mesmo as periferias deveriam ter a capacidade de ser empreendedoras e também lançar-se neste circuito do “mercado de cidades”.

Assim, São Gonçalo, por muitas décadas tida como um território somente de oferta de estoque de mão de obra para as centralidades vizinhas (representadas pelas cidades do Rio de Janeiro e de Niterói), ou seja, com o estigma de cidade-dormitório por muitos anos, passa aos poucos a adequar-se aos moldes do mercado, buscando trazer para seu interior símbolos desse desenvolvimento esperado. Exemplos desse processo foram as inaugurações de três shopping centers nas últimas décadas.

O primeiro deles, o São Gonçalo Shopping Rio (Figura 25), localizado no Bairro Boa Vista e inaugurado no ano de 2004, criou um novo ponto de centralidade na cidade, estando localizado às margens da BR-101, local de passagem importante entre municípios do Leste Fluminense, assim como acesso à Região dos Lagos. Para auxiliar na consolidação desse novo espaço de consumo no município, foram alteradas diversas linhas de ônibus na cidade a fim de facilitar o deslocamento da população para o local (ROSA, 2017).

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Figura 25. São Gonçalo Shopping Rio, primeiro shopping da cidade, localizado no bairro Boa Vista, inaugurado em 2004.

O segundo shopping center de São Gonçalo (Figura 26), inicialmente denominado Boulevard Shopping, hoje Partage Shopping, foi inaugurado em 2010, na época da movimentação do município para a construção do Complexo Petroquímico do Estado do Rio de Janeiro (COMPERJ) na cidade de Itaboraí, que teria seu centro de apoio localizado em São Gonçalo. Nesse período, além disso, havia grande crescimento da Classe C e seu poder de consumo, o que favorecia a implantação do empreendimento (ROSA, 2017), instalado no bairro Centro, reforçando a centralidade que o mesmo já possuía.

14

Fonte: Wikipédia 14
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Disponível em: <https://pt wikipedia org/wiki/Ficheiro:S%C3%A3o Gon%C3%A7alo by Diego Baravelli jpg> Acesso em: 10 de set de 2022

Figura

Fonte: Jornal O São Gonçalo.15

O último desses empreendimentos foi o Shopping Pátio Alcântara (Figura 27), inaugurado em 2013 no bairro de Alcântara (novamente uma centralidade), associado a um terminal rodoviário onde antes existia a Praça Carlos Gianelli, importante área de lazer do bairro, que sofreu por um longo tempo um processo de deterioração induzida, a fim de transformar o uso do espaço em favor do capital.16

15 Disponível em: <https://wwwosaogoncalo com br/servicos/57875/shopping-faz-homenagem-ao-diada-mulher> Acesso em 10 de setembro de 2022

16 Ver Araújo (2019)

26. Partage Shopping São Gonçalo, localizado no bairro Centro, inaugurado em 2010.
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Figura 27. Shopping Pátio Alcântara, localizado no bairro de Alcântara, bairro que exerce grande centralidade na cidade, inaugurado em 2013.

Outros elementos que têm se incorporado à paisagem gonçalense nos últimos anos são os novos empreendimentos imobiliários de condomínios fechados, já bastante presentes no núcleo metropolitano, servindo a uma classe média crescente no município. Exemplos desse tipo de lançamento são os condomínios Jardim Imperial I e Jardim Imperial II, da MP Construtora (Figuras 28 e 29).

17 Disponível em: <https://images app goo gl/T6en7zSe7Xb7ic9z8> Acesso em: 10 de set de 2022

Fonte: Pátio Alcântara 17
72

Figura 28: Empreendimento Jardim Imperial I, no bairro Parada 40.

Fonte: MP Construtora 18

Figura 29: Empreendimento Jardim Imperial II, com previsão de lançamento em 2025, com torres de 23 andares, no bairro Mangueira

Fonte: Imóveis com Preço e Qualidade

73
19 19 Disponível em: <https://wwwimoveiscomprecoequalidade com br/jardimimperial2> Acesso em: 10 de set de 2022 18 Disponível em: <https://mpincorporadora com br/jardim-imperial/> Acesso em: 10 de set de 2022

Como é possível observar na Figura 30, esses tipos de empreendimentos estão localizados em bairros que oferecem melhor acesso à infraestrutura urbana, equipamentos e transporte público, ou seja, nas áreas centrais e a oeste do município, nos distritos de São Gonçalo e Neves. Em contrapartida, o mapa também mostra que a maior parte dos conjuntos habitacionais voltados para a população de baixa renda costumam ser construídos nas áreas periféricas do município, nos distritos de Monjolos e Ipiíba, onde predominam as problemáticas de acesso a serviços públicos básicos. Em resumo, a localização dos diferentes tipos de empreendimentos apontam para um reforço da relação centro-periferia, corroborado também pelo Gráfico 01, que compara empreendimentos entre distritos.

Figura 30: Mapeamento de condomínios voltados para a classe média/alta x condomínios voltados para a população de baixa renda, sobreposto à localização de shoppings

Fonte: Elaborado pela autora

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Fonte: Elaborado pela autora

Na elaboração do mapa da Figura 30 foram utilizados os dados disponíveis nos sites de 6 grandes construtoras atuantes na cidade, a saber: CAC Engenharia, CR2, Cury, MRV, MP, Tenda e a plataforma MPRJ in Loco, entre os meses de junho de 2022 e novembro de 2022, sendo os empreendimentos classificados de acordo 20 com o padrão dos condomínios, observando critérios como quantidade de quartos, sanitários, presença ou não de elevador, varanda e espaços de lazer no condomínio (Tabela 03). É importante mencionar, no entanto, que o levantamento aqui apresentado não representa a totalidade de construtoras e empreendimentos existentes na cidade, porém, a partir do que foi observado nos meses dentro dos limites deste trabalho, e dos dados parciais produzidos, é possível ter um panorama sobre as tendências verificadas no município.

20 Houve uma tentativa, junto à Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano, de obtenção de dados sobre os empreendimentos aprovados na prefeitura, no entanto, foi alegado que todas as informações sobre os processos eram privadas e com garantia de sigilo

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Tabela 03. Empreendimentos levantados e mapeados.

Empreendimentos de baixo padrão Empreendimentos de médio / alto padrão Bosque das Amendoeiras Solar dos Oitis I Império do Ouro Jardim Bougainville I

Completo Guanabara Meu Lar Jardim Bougainville II Jardim Imperial I Alfredo Volpi Di Cavalcanti Jardim Imperial II Jardim Central I

Bosque dos Sonhos Várzea das Moças I Jardim Central II Liberty Colubandê Associação Habitacional São Pedro de Alcântara Cidade Verde I Tarsila do Amaral Jardim Pendotiba Cidade Verde III Cidade Verde IV Ecopark Floral Park Ecopark Wood Park Itaúna Life Campo Belo I Dez Covanca Completo São Gonçalo II Campo Belo II Morada das Violetas Bela Vista São Gonçalo Mar de Mangaratiba

Chácara das Pedrinhas Village Girassóis Mar de Paraty Parque das Águas

Village Laranjeiras Arsenal Life I Water Park Pendotiba Resort Arsenal Life II Arsenal Life III Arsenal Life IV Bela Vida I Bela Vida II Completo São Gonçalo I

Parque dos Sonhos Viva Mais São Gonçalo Jardim Alcântara I Jardim Alcântara II Portinari Campo Belo

Fonte: Elaborado pela autora

Além disso, para mapeamento dos empreendimentos de baixa renda, foram utilizados também o trabalho “Monitoramento de indicadores socioeconômicos nos municípios do entorno do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro: COMPERJ: boletim eletrônico de acompanhamento no município de São Gonçalo: 2000-2011” e o TCC “O Programa Minha Casa Minha Vida em São Gonçalo na construção do espaço urbano: um estudo de caso do Conjunto Bela Vida I”.

Em entrevista realizada com um representante da imobiliária Spin, a fim de 21 ter uma perspectiva sobre o ramo imobiliário, no entanto, foi relatada uma tendência

21 Entrevista realizada com Josemar Santana, representante da imobiliária Spin, em 31/10/2022

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contrária ao aparecimento desses empreendimentos de padrão mais elevado na cidade. Segundo o entrevistado, um dos principais motivos para o desenvolvimento deste novo padrão teria sido o menor valor do m², principalmente em relação a Niterói, logo era possível o acesso a unidades maiores com melhor infraestrutura.

A construtora MP teria sido uma das empresas pioneiras em aquecer o mercado com o lançamento de novos empreendimentos em padrão mais elevado,22 o que fez com que as demais construtoras tentassem a acompanhar a vertente, mas não foi possível. De acordo com a entrevista, a mesma construtora vem investindo cada vez mais no município vizinho de Niterói.

Atualmente, segundo o entrevistado, existe uma dificuldade de lançar novos empreendimentos em São Gonçalo, indo contra esses princípios de expansão vistos nos últimos anos, devido ao alto custo da construção e o público restrito no município. Sendo assim, é mais lucrativo construir em outras cidades reduzindo o padrão, uma vez que o retorno é garantido. Ainda foi ressaltado o fato de haver grande resistência de pessoas de Niterói em possivelmente morar em São Gonçalo: “Existe uma rejeição do pessoal de Niterói por São Gonçalo. Preferem comprar 40 m² em Niterói do que 65 m² em São Gonçalo”.

Já em conversa com um funcionário da Construtora MP, a fim de entender a 23 forma de atuação da empresa na cidade, foi relatado que aos poucos vem sendo percebida uma atratividade de público de outros municípios para os empreendimentos em São Gonçalo, além de ser esperado que esse fenômeno aumente ao longo dos próximos anos com novos lançamentos. Como exemplo disso, foi citado na entrevista o condomínio de alto padrão Water Park Pendotiba Resort, a ser construído no bairro Rio do Ouro, distrito de Ipiíba, que é fronteiriço ao município de Niterói. Segundo o entrevistado, espera-se que moradores de Itaboraí e Niterói sejam atraídos para este empreendimento, que apesar de estar localizado na cidade de São Gonçalo, pelo seu endereço, é nomeado por uma das regiões de Niterói (Pendotiba) e em alguns anúncios apresentado como se estivesse localizado

22 Segundo a publicação em comemoração aos 10 anos da Construtora MP, a empresa tem foco em empreendimentos com lazer diferenciado e metas relacionadas à sustentabilidade durante as construções, sendo atualmente uma das 100 maiores construtoras do país, de acordo com o Ranking Intec Brasil Hoje, além da expansão para outros municípios do Rio de Janeiro, a empresa também busca atuar futuramente no eixo Rio-São Paulo

23 Entrevista realizada com Tiago França, representante da Construtora MP, em 18/11/2022

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no município, o que pode indicar uma estratégia de marketing da empresa para atração de clientes interessados no empreendimento, que tenham resistência em residir num endereço gonçalense.

Simultaneamente a este crescimento de empreendimentos imobiliários voltados para classes médias e altas, cresceu também o número de comunidades no município. Segundo o Boletim de Acompanhamento do Município de São Gonçalo 2000-2011, no ano de 2009, a cidade possuía 74 “assentamentos precários”, ou 24 seja, moradias com problemas relacionados à posse de terra, qualidade das moradias e acesso à infraestrutura. Atualmente, segundo dados georreferenciados da plataforma MPRJ in Loco, há 108 comunidades e dois complexos identificados em São Gonçalo.

Ao sobrepor as poligonais dessas localidades com as informações sobre problemas ambientais, boa parte das áreas de risco de deslizamentos de terra ou enchentes coincidem com seus territórios, sendo no total 73 áreas de risco iminente de escorregamento (concentradas na porção Oeste do município) e 28 áreas de 25 risco de inundação, segundo dados da Lei de Uso e Ocupação do Solo de São Gonçalo (2018). 25 Ver Lima (2011) 24 Termo utilizado na publicação consultada Neste trabalho, adotamos a terminologia “comunidade”

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Figura 31. Mapeamento de comunidades e problemas ambientais.

Fonte: Elaborado pela autora

Em contrapartida, é possível destacar pontos potenciais do município (Figura 32) com espaços desde áreas naturais e de potencial turístico como a APA Engenho Pequeno e as Cavernas de Santa Isabel, até praças e fazendas que remetem à herança colonial do município. É demarcada ainda a zona de praias que hoje se encontram poluídas e áreas de educação, lazer e cultura, como a UERJ FFP, a Praça dos Ex-Combatentes, local onde ocorre a Batalha do Tanque, além do Teatro 26 Municipal de São Gonçalo (Figura 33) e da Feira de Tradições Nordestinas (Figura 34), entre outras.

26

A Batalha do Tanque é uma roda cultural onde ocorrem batalhas de rap na Praça dos Ex-Combatentes É um espaço onde jovens se reúnem devido à música e se revelam artistas

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Figura 32. Mapeamento de potencialidades.

Fonte: Elaborado pela autora

80

27

Disponível em: <https://wwwatribunarj com br/teatro-municipal-de-sg-ganha-pintura-abstrata-deartista-de-renome-mundial/> Acesso em: 10 de nov de 2022

28

Disponível em: <https://wwwosaogoncalo com br/geral/123084/centro-de-tradicoes-nordestinas-ereinaugurado-em-neves-com-nova-estrutura> Acesso em: 10 de nov de 2022

Figura 33. Teatro Municipal de São Gonçalo, espaço de lazer inaugurado em 2021. Fonte: A Tribuna 27 Figura 34. Feira de Tradições Nordestinas de São Gonçalo, inaugurada em 2020. Fonte: Jornal O São Gonçalo 28
81

É importante mencionar ainda os grandes projetos elaborados para melhorar a mobilidade urbana e a geração de emprego e renda na cidade de São Gonçalo: a implantação do COMPERJ, a estação das barcas do Gradim, a Linha 3 do metrô e o BRS (Bus Rapid System), que geraram grande expectativa em relação ao crescimento da cidade.

Com pedra fundamental lançada em 2006 e previsão de inauguração em 2011, o COMPERJ (Figura 35) seria um empreendimento da área de abastecimento da Petrobras, a ser implantado no município de Itaboraí, com a promessa de gerar muitos empregos no Leste Metropolitano e impulsionar o desenvolvimento da região. As obras foram paralisadas em função de diversos imbróglios ao longo dos anos.

Figura 35: Vista aérea do COMPERJ, em Itaboraí

Fonte: G1 Economia 29

Segundo notícia de julho de 2022, entre 2017 e 2018, a estatal decidiu abandonar a construção de uma refinaria e optou por construir uma unidade de processamento de gás natural. No entanto, a obra dessa unidade, fundamental para transportar o gás natural produzido nos campos do pré-sal na Bacia de Santos,

29 Disponível em: <https://g1 globo com/economia/noticia/unidade-de-gas-marca-retomada-docomperj-e-permitira-aumento-da-producao-do-pre-sal ghtml> Acesso em: 10 de nov de 2022

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orçada em R$ 1,94 bilhão, custaria mais de R$ 3 bilhões em razão de problemas gerados pela pandemia da Covid-19, alterações no projeto e variação do dólar. Até o momento as obras seguem suspensas.30

O segundo grande projeto a ser destacado é a implantação do transporte aquaviário em São Gonçalo, que seria um dos grandes investimentos públicos a fim de contribuir para a mobilidade de seus moradores, reduzindo consideravelmente o volume de passageiros que hoje precisam fazer baldeação em Niterói para chegar à cidade do Rio de Janeiro.

Figura 36. Projetos para novas linhas de transporte aquaviário.

Fonte: Diário do Porto 31

A estação de São Gonçalo estaria localizada no bairro Gradim, local com maior proximidade ao Rio de Janeiro e ao Centro de São Gonçalo. No entanto, o projeto nunca saiu do papel devido a entraves desde as condições ambientais

30

Disponível em: <https://economia ig com br/2022-07-05/comperj-custos-demissoes html> Acesso em: 22 de set de 2022

31

Disponível em: <https://diariodoporto com br/transporte-hidroviario-reduziria-engarrafamentos-norio/> Acesso em: 10 de nov de 2022

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degradadas da Baía de Guanabara, que impossibilitaram a instalação da estação, até o custo da infraestrutura urbana necessária ao bairro para receber o modal.

Outro desses grandes projetos seria a implantação da Linha 3 do metrô (Figura 37), importante modal que facilitaria o deslocamento dos gonçalenses, tendo seu primeiro projeto datado de 1968. A obra seria a maior integração intermodal do país, impactando 700 mil pessoas com considerável redução no tempo de trajeto da população, ligando o Centro do Rio de Janeiro à Estação Araribóia e, posteriormente, chegando até a Estação Guaxindiba (com a possível implantação do COMPERJ, as obras seriam estendidas até Itaboraí).

Após diversos anúncios e promessas, o projeto foi abandonado com a justificativa de alto custo de execução e entraves devido às remoções necessárias à implantação do projeto, ainda que a Linha 4 do Metrô, ligando as estações General Osório - Jardim Oceânico, na cidade do Rio de Janeiro, tenha sido executada antes, com o triplo do valor estimado para a Linha 3, no contexto dos grandes eventos esportivos na cidade do Rio de Janeiro, ligando um trecho com fluxo muito inferior ao de passageiros do Leste Metropolitano.

Figura 37 Projeto da Linha 3 do Metrô Fonte: Guia de Niterói

32 Disponível em: <https://wwwguiadeniteroi com/metro-em-niteroi/> Acesso em: 10 de nov de 2022 84
32

O metrô na cidade representaria o fim da dependência exclusiva dos ônibus, que hoje são o único meio de transporte em São Gonçalo, mesmo que o deslocamento São Gonçalo - Niterói represente o segundo maior fluxo pendular brasileiro, atrás apenas das viagens entre Guarulhos e São Paulo.

Por fim, o modelo BRS finalmente começa a sair do papel no ano de 2022 (Figura 38), tendo sido adotado pelo menor custo de execução e menor impacto em relação a desapropriações, no que concerne aos outros modais já considerados para o município. consiste na construção e na implantação requalificando o trajeto, Além 33 São <https://wwwatribunarj com br/sao-goncalo-recebera-investimentos-em-mobilidade-urbana-verde/> Acesso em: 25 de out de 2022

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disso, o projeto prevê a construção de um terminal rodoviário em Alcântara, atendendo demanda municipal e intermunicipal, e com a possibilidade de integração futura numa eventual implantação da Linha 3 do metrô.

2.3.1 O que dizem os Planos de São Gonçalo?

Dando continuidade à contextualização do município, aqui são apresentados três planos elaborados para São Gonçalo, com diferentes proposições ao longo dos anos, que contribuem para o entendimento dos paradigmas existentes na cidade e o apontamento de possíveis caminhos para o desenvolvimento de projetos urbanos.

Os dois primeiros planos foram desenvolvidos pela administração municipal, enquanto o último foi desenvolvido por um coletivo atuante na cidade, o que auxilia no entendimento e efeito comparativo do que vem sendo proposto pelo poder público e do que foi proposto por um grupo representativo da sociedade civil.

Plano Diretor do Município de São Gonçalo - Lei Complementar nº 01/2009

O plano diretor do município de São Gonçalo, que vigora desde o ano de 2009, foi elaborado no período em que a cidade se preparava para as mudanças espaciais previstas a partir da instalação do (COMPERJ).

O plano estabelece diretrizes para o desenvolvimento sustentável e democrático da cidade, a fim de assegurar o bem-estar dos habitantes e sua participação nos processos de decisão, além de articular projetos com os governos estadual, federal e outros municípios com interesses comuns. Para possibilitar seus objetivos, o plano prevê a criação de pólos no território do município (SÃO GONÇALO, 2009, p. 3):

I - Pólo de Capacitação, Pesquisa e de Desenvolvimento voltado à cadeia produtiva do petróleo;

II - Pólo de Promoção de Feiras, Eventos e Negócios, aproveitando a localização do Município na Região Metropolitana do Rio de Janeiro;

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III - Pólo de Confecções e de Produtos Farmacêuticos, voltada ao abastecimento do mercado potencial da Região Metropolitana do Rio de Janeiro, aproveitando as vantagens de sua localização;

IV - Pólo de Apoio às Atividades Turísticas da Região, principalmente para a capacitação de mão-de-obra e fornecimento de insumos

O Plano Diretor indica a simplificação da legislação de uso e ocupação do solo, com vistas a aumentar a oferta de unidades habitacionais, bem como a utilização de lotes em áreas com infraestrutura urbana compatível com os usos, além de ocupação de espaços de modo a facilitar os deslocamentos casa-trabalho da população. Para atender às diretrizes do Estatuto da Cidade (2001), o plano ainda prevê a utilização de diversos instrumentos de política urbana, como por exemplo o IPTU progressivo no tempo, as Zonas de Especial Interesse Social, etc. 34 Dentre as diretrizes estratégicas estabelecidas no plano, são citados o incentivo à agricultura urbana familiar, incentivo à construção civil e a atividades turísticas e culturais. Segundo o documento, para atingir os objetivos de desenvolvimento da cidade, faz-se necessário criar e consolidar atividades produtivas competitivas no município, corroborando com a reflexão feita em capítulos anteriores acerca dos objetivos do planejamento estratégico. A elaboração do plano se deu a partir da contratação da empresa TECHNUM Consultoria, o que culminou num plano generalista, com diretrizes superficiais acerca das necessidades do território:

Os poderes delegados à TECHNUM na elaboração do Plano foram questionados, devido ao fato de que a empresa de consultoria não conhecia o território da cidade e, entre toda a equipe, apenas uma componente já havia estado na cidade de São Gonçalo. Qual seria a razão então para contratar uma consultoria que faria primeiro um diagnóstico conhecendo muito pouco do que é a cidade de São Gonçalo? (ROSA, 2010, p 74)

34

O Plano Diretor de 2009 previa em um dos seus anexos o mapa de ZEIS, no entanto, essa cartografia não está disponível na internet A Lei de Uso e Ocupação do Solo de 2018 revogou o referido anexo e indicava que nova legislação específica deveria estabelecer essas zonas

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Ainda segundo o autor, a participação popular se deu de maneira a validar o processo, já que o instrumento necessita da mesma, de acordo com a lei, para ir adiante:

Ao comentar o processo de elaboração do Plano Diretor de São Gonçalo, vemos que a participação popular foi realmente uma estratégia política de cooptação social, que teve êxito na formação de uma coalizão que buscasse os interesses da cidade (ROSA, 2010, p 71)

Plano Estratégico Novos Rumos São Gonçalo

Compondo o panorama do período metropolitano-financeiro, está em desenvolvimento o “Plano Estratégico Novos Rumos São Gonçalo”, conhecido instrumento de auxílio na inserção das cidades na competição interurbana para atração de investimentos. O documento se encontra em fase de elaboração, tendo sido iniciado a partir de consultas às secretarias da Prefeitura e com o objetivo de criar metas para a aplicação dos recursos de R$ 1.023.216.690,80 provenientes da venda da Companhia Estadual de Águas e Esgoto do Rio de Janeiro (CEDAE).

Nas primeiras páginas da versão inicial do documento disponibilizada, é colocada em destaque a “autonomia” que o governo do Estado concedeu aos 28 municípios a receberem os recursos da privatização da empresa, não sendo definida nenhuma “estratégia ou diretriz” para a aplicação dos fundos, o que retrata a falta de articulação entre os municípios que compõem a RMRJ e a falta de planejamento urbano em nível regional e metropolitano, uma vez que não há (desde o início da formação da metrópole) uma agenda entre a capital e as cidades periféricas, a fim de promover a desconcentração em relação à cidade do Rio de Janeiro, a partir de um planejamento complementar entre municípios.

A previsão era de que a participação popular na definição das metas do município fosse realizada através do site do plano e do aplicativo Colab, por meio de consultas virtuais, o que é um ponto discutível uma vez que, conforme dados da Casa Fluminense (2020), apenas 23,2% da população da cidade possui pontos de acesso à internet banda larga fixa em relação ao número de domicílios, índice

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significativamente inferior às médias metropolitana (57,6%) e brasileira (47,7%). Além disso, por meio de questionários online, são deixados de lado rodas de conversa e debates no território da cidade, que estariam previstos para uma etapa posterior, já como meta do plano em si. Segundo o site da prefeitura onde está disponibilizado o texto inicial do plano, a consulta pública foi encerrada em outubro de 2021 e a versão final do plano já está em elaboração.

Logo, vê-se a reprodução do que vários autores indicaram quando se trata de planejamento urbano: a elaboração de planos formados a partir de consensos de determinados grupos, com obstáculos à participação popular, que acaba sendo apenas simbólica para cumprir as exigências necessárias à validação dos instrumentos criados (VILLAÇA, 2005).

Sobre a estrutura do plano estratégico, este foi desenvolvido a partir de cinco eixos norteadores, baseados em 12 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável da Agenda 2030 da ONU, sendo eles: 1) Cidade Segura, voltada para o combate à violência urbana; 2) Cidade Saudável, que pretende fortalecer e ampliar os atendimentos de saúde; 3) Cidade Bem cuidada e Organizada, com investimentos em obras de urbanismo, mobilidade e saneamento; 4) Cidade Justa e Inclusiva, que tem como intuito promover a inclusão produtiva de pessoas em vulnerabilidade social, com foco no empreendedorismo (grifo nosso) para geração de empregos; e 5) Gestão Eficiente e Transparente, fortalecendo ferramentas de inovação, transparência e cooperação da gestão pública.

Os cinco eixos foram desmembrados em metas específicas, tais como: a criação de um grupamento armado da Guarda Municipal, a construção de um hospital municipal, maior apoio à assistência social, intervenções em áreas de risco de deslizamento e enchentes, entre outras; inclusive a realização de audiências públicas para apresentação do plano estratégico, a elaboração de outros planos e projetos estratégicos e a criação do “Fundo Municipal São Gonçalo do Futuro”, totalizando 34 itens.

Dentre as metas indicadas, destacamos aqui algumas que servirão de base para o capítulo final deste trabalho, sendo elas: construção de moradias para famílias de baixa renda; construção de equipamentos esportivos; implantação da coleta seletiva; oferecer cursos de qualificação; criar uma área de desenvolvimento

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sustentável a Leste do município; apoiar a cultura local; e fortalecer o mercado da moda, que é um importante segmento na cidade.

Das intervenções já realizadas no território urbano de São Gonçalo, a grande maioria corresponde à meta 10, do eixo 3, referente a obras de urbanização de recapeamento de vias, conforme demonstra mapa interativo disponível no site do plano estratégico, no qual esse tipo de ação está representada por círculos rosa. Além disso, é possível observar ações voltadas para saúde, representadas por círculos amarelos, seguidas por ações voltadas para gestão e transparência, em cinza e, por fim, uma ação voltada para segurança, representada em azul.

35

O conteúdo trazido de maneira superficial, sem a indicação de políticas públicas objetivas foi apontado em uma das entrevistas trazidas adiante neste trabalho, além da crítica também às obras de asfaltamento que, segundo os relatos, são priorizadas em locais com menor necessidade pelo serviço, em detrimento de outros com essa problemática mais premente.

35 Disponível em: <https://wwwsaogoncalo rj govbr/plano-estrategico/> Acesso em: 17 de set de 2022

Fonte: Prefeitura Municipal de São Gonçalo
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Agenda São Gonçalo 2030

A Agenda 2030 é um documento que reúne diretrizes voltadas para a elaboração de políticas públicas na cidade, desenvolvido a partir de consulta pública realizada em 2019. Trata-se de uma iniciativa do coletivo Ressuscita São Gonçalo, em parceria com a Casa Fluminense e a Agência Papagoiaba, tendo surgido a partir da necessidade de repensar a realidade da cidade de maneira participativa.

O coletivo representa uma das iniciativas de organização popular na cidade, formado por jovens que promovem ações de melhoria no município visando uma cidade mais justa e democrática, desde a limpeza de espaços degradados e visitas a espaços turísticos da cidade, até a produção de cartilhas educativas para a população e incentivo à divulgação acadêmica sobre São Gonçalo. O grupo tem atuado politicamente participando de audiências públicas para apresentação de demandas, além da presença nas redes sociais, para divulgação de seu trabalho.36

O documento apresenta várias propostas, categorizadas nos seguintes eixos: 1) Economia e Emprego; 2) Mobilidade Urbana; 3) Segurança Pública e Direito à Vida; 4) Saneamento Básico e Meio Ambiente; 5) Saúde e Assistência Social; 6) Educação; 7) Cultura; e 8) Gestão Pública e Transparência.

Dentre as demandas indicadas na Agenda, estão o fortalecimento de iniciativas de agricultura urbana familiar e economia solidária, o incentivo ao turismo, valorizando principalmente áreas de proteção ambiental, a problemática em torno da mobilidade urbana na cidade e também a necessidade de universalizar o acesso à água potável e ao saneamento básico, que são grandes desafios no município. Foram destacados ainda problemas de insegurança alimentar, sobrecarga nos serviços de assistência social e a dificuldade de acesso a creches, escolas e ao ensino superior (conforme já apontado em dados trazidos neste capítulo).

Os pontos propositivos em comum com o Plano Estratégico do executivo municipal são: a implantação da coleta seletiva no município; e a criação de uma estrutura de inteligência e segurança, devido ao problema da violência urbana, que atinge principalmente pessoas negras, vitimadas em 71,4% dos homicídios decorrentes de intervenções policiais (CASA FLUMINENSE, 2020).

36 Página na plataforma Instagram do coletivo, onde o trabalho vem sendo divulgado: <https://wwwinstagram com/ressuscitasaogoncalo/> Acesso em: 27 de out de 2022

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A Agenda 2030 ainda indica a necessidade de processos de monitoramento e discussão com a sociedade, além da implementação de um orçamento participativo, o que contribuiria para maior controle, por parte da sociedade civil, acerca da aplicação de recursos na cidade.

2.3.2. Orçamento municipal

Esta breve análise acerca da gestão pública de São Gonçalo, dentro dos limites de um trabalho no campo da Arquitetura e Urbanismo, teve como base os orçamentos públicos municipais mais atualizados (especificamente as Leis Orçamentárias Anuais –LOAs–), que tornou possível compreender de modo preliminar como os recursos vêm sendo aplicados no município.

Segundo o projeto de lei para o ano de 2023, a receita orçamentária é igual à despesa no município, no valor de R$ 2,36 bi, sendo sua principal fonte de recursos as transferências correntes, ou seja, repasses dos governos estadual e federal. Em seguida, aparece como principal fonte de recursos a tributação própria do município, o que demonstra seu baixo poder de arrecadação. Segundo a administração local, isso se justifica devido à baixa renda per capita gonçalense, mencionada no Plano Estratégico Novos Rumos e pelo próprio secretário de Fazenda, ao comentar a LOA 2021 em reportagem, que segue sendo realidade nos anos seguintes:

São Gonçalo é um município que precisa de investimentos externos, em função da baixa renda per capita, o que impacta na arrecadação Até por esta razão, grande parte dos recursos são destinados para a manutenção de serviços essenciais, como saúde e educação 37

Dentre os setores que representam as principais despesas do município estão saúde, educação (cumprindo o mínimo estabelecido em Constituição) e administração, respectivamente. Já entre os que obtêm menos recursos estão ciência e tecnologia e habitação.

37 Declaração do secretário de Fazenda, Pedro Luciano de Lemos, em relação à LOA 2021 Disponível em: <https://wwwsaogoncalo rj govbr/sao-goncalo-publica-ldo-de-2021/> Acesso em: 26 de out de 2022

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Em comparação com o ano de 2022, está previsto o aumento das receitas e despesas, que seguirão sendo iguais, sendo estas da grandeza de R$ 1,51 bi no presente ano. As dinâmicas de fontes de arrecadação se mantiveram as mesmas entre 2022 e 2023.

Os maiores gastos foram destinados às áreas de saúde, educação e previdência social. Já os menores foram direcionados para saneamento, indústria e ciência e tecnologia. O investimento em cultura no município também é baixo, sendo destacado na Agenda 2030 a insuficiência do orçamento para apoio às iniciativas culturais na cidade e preservação desses espaços, sendo recomendado no documento que os recursos sejam aumentados com urgência, de modo que dentro de quatro anos (a partir de 2020), os recursos chegassem ao menos a 1% do orçamento público.

Vale apontar um dado trazido na Prestação de Contas do Município de São Gonçalo do exercício de 2019, elaborada pelo Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro (TCE). Uma das constatações foi a de que o município empregava 38 recursos advindos de royalties do petróleo em despesas correntes, em detrimento de despesas de capital, apontando o pouco emprego de recursos em investimentos na cidade. Como recomendação, foi apontada a necessidade de se buscar alternativas para atração de novos investimentos a fim de compensar possíveis perdas futuras. Esse dado ajuda a traçar um panorama de pouca solidez financeira em São Gonçalo.

Como possível forma de fortalecer a segurança fiscal do município, o Plano Novos Rumos indica a criação do Fundo São Gonçalo do Futuro, que seria um fundo consolidado de investimentos, hoje inexistente no município, visando à promoção da autonomia municipal a médio e longo prazos. Inicialmente este fundo contaria com repasses da privatização da CEDAE.

No parecer do TCE relativo ao exercício de 2019, ainda, foi indicada como ressalva o não cumprimento integral da legislação voltada para a transparência no município, que não publiciza em seu site dados completos acerca do orçamento da

38 O último documento de prestação de contas elaborado pelo TCE refere-se ao ano de 2019 (ainda na gestão anterior à atual), não havendo documentos referentes a 2020 e 2021 disponíveis, o que pode ser consequência da emergência sanitária dada a partir da pandemia de Covid-19 Em tese, a análise sobre o ano de 2022 deverá ser elaborada em 2023

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cidade, incluindo o próprio parecer em questão, o que dificulta o controle social e eventuais análises sobre as contas do governo.

Dessa maneira, é possível apontar que eixos fundamentais para promover a qualidade de vida da população e a garantia do direito à cidade recebem poucos investimentos por parte do poder público, num cenário de baixo orçamento. No entanto, não há irregularidades identificadas, tendo o município recebido pareceres favoráveis às prestações de contas apresentadas nos últimos 3 anos analisados pelo TCE: 2021, 2020 e 2019.39

Faz-se necessária, então, uma gestão inteligente e transparente dos recursos disponíveis, com participação da sociedade civil, de modo a realizar investimentos que gerem retorno ao município, garantindo a estabilidade financeira e melhorias urbanas aos cidadãos gonçalenses.

2.3.3. Questionário - o que diz a população de São Gonçalo?

Para obter um panorama geral das necessidades sentidas pela população em escala metropolitana, escala da cidade e escala do bairro em que moram, foi desenvolvido um questionário no Google Forms (Anexo I), disponibilizado entre os dias 19 de setembro de 2022 e 10 de outubro de 2022, com um total de 95 respostas. O objetivo principal da aplicação desta consulta foi estabelecer um contato, ainda que parcialmente representativo, com as narrativas dos sujeitos que habitam o espaço periférico, captando sua percepção sobre a cidade. As perguntas foram distribuídas na identificação do morador participante, questões objetivas e discursivas sobre São Gonçalo nos contextos metropolitano e municipal.

É importante destacar que a aplicação online possui limitações quanto ao alcance de um público mais diverso, principalmente considerando a faixa etária, o que se refletiu no maior número de respostas de jovens e estudantes. Por outro lado, para efeito desta pesquisa, é possível delinear um cenário que contribui para a construção do entendimento das potencialidades e problemáticas da cidade, juntamente com as análises de planos e dados feitas anteriormente.

39 Disponível em: <https://app powerbi com/view?r=eyJrIjoiZjY0NzUzOWEtYmQ4NC00NTBiLTllMzQtNjYwZDhhMTI1Mz I2IiwidCI6IjJjYmJlYmU0LTc2MzgtNDYxYi05ZjhjLTE2MmVkZGMzZDBlNCJ9> Acesso em: 08 de nov de 2022

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A maioria do público que respondeu se constitui de pessoas pretas ou pardas (54,7%), entre 18 e 29 anos e do gênero cis feminino (71,6% em ambos os dados). Essa devolutiva condiz com o perfil populacional, formado majoritariamente por pessoas negras, do gênero feminino e em idade laboral conforme características expostas inicialmente neste capítulo. Além disso, quase 95% dos respondentes moram pelo menos há mais de 10 anos na cidade.

Dentre o grupo de 60% que respondeu estar trabalhando no momento, houve um equilíbrio entre os destinos do Rio de Janeiro e a própria São Gonçalo, o que de certa forma aponta que a retenção de trabalhadores na cidade vem aumentando, como indicado por Rosa (2017).

Já em relação à educação, 65% está estudando atualmente, sendo a cidade de Niterói o principal destino, bastante à frente dos outros, retendo mais da metade deste total de estudantes e representando um pólo educacional para a população gonçalense. Já Rio de Janeiro e São Gonçalo aparecem mais uma vez empatados.

Quanto ao transporte público, a maioria dos respondentes apontou o seu uso como forma de locomoção diária, sendo que boa parte indicou passar acima de 1h no trânsito, conforme o Gráfico 02.

Gráfico 02. Questionário: tempo gasto no transporte público (95 respostas).

Fonte: Elaborado pela autora

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As perguntas relacionadas à escala metropolitana trazem a devolutiva da falta de identificação da população com o lugar e uma visão negativa sobre a infraestrutura da cidade, indicando em outros municípios a possibilidade de uma melhor qualidade de vida, conforme apontam os gráficos da Figura 40. Dentre os serviços buscados em outros municípios, conforme a nuvem de palavras da imagem, o principal diz respeito ao lazer e à cultura, seguidos por educação, saúde e postos de trabalho. Ainda foram mencionados pelos entrevistados a saída para outros municípios em busca de comércio e espaços voltados para esportes.

Figura 40. Acesso a equipamentos e serviços na escala metropolitana (com nuvem de palavras).

Fonte: Elaborado pela autora

Foi pedido ainda que as pessoas justificassem a motivação de mudança para outras cidades, o que trouxe nas respostas principalmente referências à falta de qualidade da cidade, redução de distâncias para acessar direitos básicos, espaços de lazer e postos de trabalho, além da busca por maior segurança.

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Acredito que em Niterói e no Rio de Janeiro há maior variedade de acesso à cultura, saúde e educação, assim poderia ter acesso a recursos básicos sem precisar me locomover grandes distâncias (Moradora do bairro Barro Vermelho)

Infelizmente, em São Gonçalo não há “zonas”, tudo é uma grande favela, e, como bem sabemos, sequer há investimento nas favelas gonçalenses Me mudaria para pelo menos poder ter a liberdade de chegar tarde em casa, poder ir a um ambiente para me divertir ou poder caminhar. Além da falta de conexão do meu bairro com o centro da cidade, dou preferência para ir a Niterói ao centro da minha própria cidade (Morador da comunidade Nova Grécia, Tribobó).

Moro precisamente em Guaxindiba - SG, local abandonado pelo poder público, onde não temos o direito de ir e vir, não temos acesso a serviços como Correios, Ifood, uber, etc, não temos creches, praças, escolas de boa qualidade e nenhuma área de lazer São Gonçalo está abandonado, principalmente os bairros fora dos centros (Moradora do bairro Guaxindiba).

Apesar de algumas vezes ter assinalado a opção de serviços de lazer e cultura de má qualidade, não acredito que a qualidade seja ruim, até porque o teatro municipal de São Gonçalo vem sorteando ingressos para diversas apresentações Mas acredito que a oferta desses espaços de cultura ainda seja muito pequena pela escala de São Gonçalo, o que, na maioria das vezes, me faz recorrer aos espaços da cidade vizinha (Moradora do bairro Trindade).

Nas perguntas referentes à escala municipal, vê-se maior equilíbrio na percepção de pontos negativos e positivos. Contrariamente à questão em que a grande maioria demonstrou o desejo de mudança da cidade, a questão sobre gostar de viver na cidade foi respondida de forma mais equilibrada: 51,6% afirmaram não gostar de morar em São Gonçalo, contra 48,4% que afirmaram gostar

A partir das justificativas para essa pergunta, percebe-se que as relações afetivas, crença em melhorias na cidade e tranquilidade, além de custo de vida mais

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acessível, são aspectos positivos vistos pelos gonçalenses. Destacadamente, foi apontado como principal qualidade da cidade o comércio e, novamente, como maiores problemáticas, a falta de segurança e de espaços de lazer e cultura. Dentre os depoimentos, chamam atenção discursos como:

Por já estar habituado a morar na cidade, e meus círculos sociais e familiares estarem aqui, ainda possuo muito carinho pela cidade (Morador do bairro Porto Novo)

Apesar de ter orgulho de ser da minha cidade, me sinto insegura e, em comparação a outras cidades, não vejo tantas opções para o acesso ao lazer e cultura (Moradora do bairro Barro Vermelho)

Cresci aqui e gosto, mas mesmo assim tenho vontade de me mudar (Morador do bairro Centro).

O que mais me incomoda em morar em São Gonçalo é a violência A falta de segurança limita os horários e lugares para onde vou (Moradora do bairro Trindade)

Nas perguntas em que foram solicitadas avaliações de diferentes equipamentos e serviços públicos, em uma escala de 0 a 10 (Gráfico 03), as médias foram bastante baixas. Nenhuma categoria obteve uma avaliação acima de 6, sendo os temas mais críticos: segurança pública (média 2,40), lazer (média 3,30) e drenagem (média 3,33). As categorias mais bem avaliadas foram coleta de resíduos (média 5,71), abastecimento de água (média 5,59) e educação (5,36).

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Fonte: Elaborado pela autora

Analisando as respostas às questões referentes à escala de bairro é possível apreender melhor as dinâmicas existentes de forma comparativa, agrupando os bairros em distritos. No 1º distrito do município, São Gonçalo (sede), constatou-se o maior número de moradores satisfeitos com seus respectivos bairros: 68%. Apenas 24% afirmaram ter vontade de se mudar, escolhendo outros bairros do mesmo distrito ou de Neves. Os moradores destacaram a facilidade de locomoção, apontando para um transporte público de qualidade em 72% dos casos. Já o maior problema apontado foi a falta de segurança pública, como na maioria das respostas da cidade também nos outros distritos. Em seguida, aparece como principal reclamação a falta de lazer / cultura de qualidade.

Em Ipiíba, nenhum morador respondeu estar satisfeito com o bairro em que vive, no entanto uma minoria respondeu ter vontade de se mudar para outro bairro de São Gonçalo, sendo citado justamente o bairro de Alcântara, que é uma centralidade próxima. Entre as potencialidades em escala de bairro foi citado o

Gráfico 03. Avaliação da infraestrutura e serviços urbanos.
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comércio de qualidade e o acesso a terrenos grandes, o que é comum nessa região da cidade, o que pode indicar uma justificativa para a vontade de permanecer no local. Entre os principais problemas relatados, estão o transporte público ruim, falta de acesso a emprego e falta de segurança pública.

Nos bairros referentes ao distrito de Monjolos, apenas 30% dos moradores afirmou gostar do lugar em que vivem, com mais da metade indicando o desejo de mudança para outros bairros. Os principais bairros de escolha são Alcântara e Centro. Em relação às qualidades e potencialidades identificadas, foram citadas educação e comércio de qualidade, assim como tranquilidade e aluguéis baratos. Já no quesito problemas, o acesso a transporte público de qualidade, segurança e lazer foram maioria.

No 4º distrito, Neves, a maioria respondeu que está satisfeito com o bairro onde mora e, assim como ocorrido no 1º distrito, quando os moradores afirmavam ter vontade de se mudar, indicavam bairros também de Neves como alternativa de moradia ou do distrito de São Gonçalo. Os principais pontos positivos identificados foram transporte público de qualidade (76,47% das indicações), seguido por comércio de qualidade (58,82%). Dentre os pontos negativos aparecem novamente a falta de segurança pública, a dificuldade de acesso a emprego e equipamentos de lazer / cultura insatisfatórios.

Por fim, no distrito de Sete Pontes, metade dos moradores afirmou gostar do bairro em que vive, apenas com 25% indicando o desejo de se mudar. Os bairros escolhidos estão localizados no distrito de São Gonçalo ou Neves, como por exemplo Centro, Parada 40 e Mangueira. Como pontos positivos foi destacado o comércio, assim como houve referências à tranquilidade e natureza, o que se explica pela presença da APA do Engenho Pequeno na região, e como pontos negativos 40 foram destacados a segurança e o lazer

40 A Área de Proteção Ambiental do Engenho Pequeno é considerada o “pulmão de São Gonçalo”, com grande variedade de espécies da flora e fauna da Mata Atlântica Disponível em: <https://wwwsaogoncalo rj govbr/apa-do-engenho-pequeno-biodiversidade-e-lazer-em-sao-goncalo/> Acesso em: 18 de out de 2022

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Figura 41. Mapa síntese comparativo entre distritos, conforme questionário.

Fonte: Elaborado pela autora

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Como é possível observar através do mapa síntese, nos distritos centrais existe maior taxa de satisfação com o local de moradia, diferindo dos distritos com bairros localizados na periferia Leste e Sul do município. As qualidades apontadas foram variadas, no entanto, aparece como unanimidade negativa o quesito segurança pública.

Em relação ao número de moradores participantes em coletivos ou associação de moradores, 95,8% respondeu não fazer parte de qualquer organização, o que aponta o ainda incipiente engajamento político da população, o que pode ser resultado da falta de identidade desta com o espaço. Numa cidade em que o objetivo de boa parte de seus moradores é deixar a mesma, há poucas razões para engajar-se e lutar pela melhoria deste espaço. Nos poucos casos em que houve resposta positiva para a participação em alguma organização, foi dito que atualmente não há nenhuma ação sendo realizada ou pauta discutida.

Ao final, os moradores indicaram as políticas públicas que acreditavam serem mais importantes para a melhoria da cidade (Gráfico 04). O item mais indicado foi a segurança pública, seguido por saúde e lazer. Esses resultados demonstram a problemática da violência urbana, problema latente na RMRJ e presente nos noticiários, que se desdobra territorialmente em limitações de deslocamento da população, como por exemplo devido a barricadas, e em casos de assassinatos 41 que acometem principalmente jovens negros, como nos casos do menino João Pedro e da chacina no Complexo do Salgueiro. Além disso, os outros aspectos 42 43 indicados apontam o sucateamento da saúde e a quase inexistência de espaços de lazer na cidade, problemas citados pelas pessoas como razão para o desejo de mudança do município.

41 “Moradores de São Gonçalo registram aumento de barricadas bloqueando ruas”. Disponível em: <https://extra globo com/noticias/extra-extra/moradores-de-sao-goncalo-registram-aumento-de-barrica das-bloqueando-ruas-25343936 html> Acesso em: 18 de out de 2022

42 “Caso João Pedro: Quando o Estado mata nossos filhos a Justiça não acontece, diz mãe do adolescente morto em operação policial”. Disponível em: <https://wwwbbc com/portuguese/brasil-57121830> Acesso em: 18 de out de 2022

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“A chacina do Salgueiro e a guerra de extermínio em nome das drogas” Disponível em: <https://brasil elpais com/opiniao/2021-12-02/a-chacina-do-salgueiro-e-a-guerra-de-exterminio-em-no me-das-drogas html> Acesso em: 18 de out de 2022

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2.3.4. Entrevistas - o que dizem os coletivos de São Gonçalo?

Em complemento às informações coletadas por meio de questionário, algumas entrevistas (Anexo 2) foram realizadas com grupos focais, a fim de se obter um panorama das principais questões urbanas sob o ponto de vista dos coletivos atuantes em São Gonçalo. Foram realizadas entrevistas com dois coletivos, a saber: Mulheres da Parada e Ressuscita São Gonçalo.

A primeira entrevista foi realizada com uma representante do coletivo Mulheres da Parada, que foi criado em 2020 no sub-bairro Parada São Jorge / 44 bairro Sacramento. A iniciativa nasceu a partir da pandemia de Covid-19 e tem como foco de atuação a redução de desigualdades sociais por meio de ações lideradas por mulheres, pensando em questões ambientais e raciais. As famílias atendidas possuem acesso a atendimento psicológico e social de maneira contínua.

44 Entrevista realizada com Letícia da Hora, idealizadora do coletivo Mulheres da Parada, em 31 de outubro de 2022

Gráfico 04. Indicativo de políticas públicas prioritárias para melhoria do município. Elaborado pela autora.
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Figura 42. Oficina promovida pelo coletivo com aplicação de métodos para o controle financeiro para populações de baixa renda.

Dentre suas principais ações no território, estão o Mercadinho Solidário, em que famílias em vulnerabilidade socioeconômica, principalmente chefiadas por mulheres, têm acesso mensal a alimentos e materiais de higiene sem qualquer custo, a partir de um cadastro.

Outra iniciativa do coletivo é o projeto Donas da Agro, que estimula a criação de hortas e agroflorestas em espaços públicos ou nos quintais de famílias em situação de insegurança alimentar, de modo a promover um ambiente mais sustentável aliado a questões sociais latentes. Por fim, ainda foi citado o projeto Donas da Parada, que oferece cursos gratuitos de qualificação na área da beleza para mulheres, promovendo o empoderamento feminino e a geração de renda.

Ao ser perguntada sobre sua percepção em relação ao aumento ou diminuição de políticas públicas locais, a entrevistada relatou perceber apenas obras de pavimentação na cidade, em vias de fácil acesso e grande circulação de pessoas, enquanto as áreas mais vulneráveis continuam esquecidas, como as favelas, lugares de menor circulação de veículos e onde vivem as pessoas negras:

45 Disponível em: <https://wwwinstagram com/p/CkgbNGouQkL/> Acesso em: 10 de nov de 2022

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Como eu moro e sempre morei em favela, para mim está do mesmo jeito em relação ao asfalto, saneamento básico, etc. Na minha rua continua não passando o caminhão que coleta o lixo. [...] Dá uma olhada no mapa Onde tem mais gente preta, tem menos serviços e investimento do poder público

Concomitantemente a isso, há uma maior percepção do engajamento popular, especialmente após a pandemia, quando as desigualdades sociais se agravaram. Foram apresentados os resultados do questionário com as indicações de maiores problemas relacionados à segurança pública e lazer e cultura e, como apontamentos para melhoria nessas áreas, foi citada a necessidade de políticas públicas voltadas para cultura, lazer e educação, além de oportunidades para geração de emprego e renda no município.

Em relação ao fortalecimento da identidade da população e potencialidades a serem exploradas, foi citado o turismo, especialmente o ecológico, a promoção de uma vida noturna diversificada do município, e a arte, sendo a cidade reduto da cultura hip hop e do parkour.

A segunda entrevista realizada foi com uma representante do coletivo Ressuscita São Gonçalo, que surgiu em 2019 e logo iniciou a elaboração do 46 documento Agenda 2030, de conteúdo já abordado neste trabalho. O documento foi distribuído entre representantes do executivo e do legislativo, bem como para outros grupos, gerando assim espaços de discussão e troca. Portanto, a atuação do Ressuscita São Gonçalo tem como base o intercâmbio de experiências com outros grupos, o levantamento de dados e a produção de diagnósticos, uma vez que há poucos estudos sobre o município, além do fortalecimento da identidade gonçalense.

A entrevista trouxe apontamentos semelhantes aos da anterior. De acordo com a entrevistada, a lógica de investimentos do poder executivo aparenta ter somente fins eleitoreiros, sendo priorizadas obras de asfaltamento de vias, principalmente em locais visíveis e onde a pavimentação já existe (o que vem sendo observado na destinação dos recursos provenientes da privatização da CEDAE), em

46 Entrevista realizada com Jennifer Dias, coordenadora do coletivo Ressuscita São Gonçalo, em 03 de novembro de 2022

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detrimento de locais com menor acesso à infraestrutura, como por exemplo Itaoca e Ipuca, chamando atenção ainda para a questão do saneamento básico.

A entrevistada ainda ressaltou que apesar de agora esse serviço estar sob concessão de uma empresa concessionária, é papel da prefeitura apontar os locais prioritários para intervenções, o que infelizmente não há indícios de que vá ocorrer Ademais, a participação popular vem sendo deixada em segundo plano no município, que não busca o diálogo com grupos que já atuam em algumas áreas ao pensarem em políticas públicas, como por exemplo no ramo da reciclagem de resíduos sólidos, citado durante a conversa.

Retornando à questão do asfalto, a coordenadora do coletivo comentou a preocupação em torno do serviço de drenagem, uma vez que o município tem um plano de saneamento desatualizado e não há plano de macrodrenagem para a cidade, logo as obras de pavimentação mencionadas são feitas de maneira desconexa, gerando alagamentos e desperdício de recursos públicos.

O Plano Novos Rumos também foi criticado pela superficialidade das metas descritas, não indicando concretamente projetos para a cidade. Um deles, que está em andamento no momento atual, o MUVI, foi também alvo de críticas pelo coletivo, que não acredita ser um plano realmente integrado com vários modais, sendo restrito e feito sem efetiva participação popular Segundo Jennifer, ainda há uma problemática em relação à não indicação de áreas rurais no município de São Gonçalo em seu Plano Diretor, o que acarreta no não planejamento voltado para a vocação agrícola e, consequentemente, a não chegada de serviços importantes para as referidas áreas.

Ao tratar do engajamento da população em pautas sociais, o coletivo indicou que em seu trabalho existe o foco em traçar conexões entre grupos na cidade, reunindo e formando os participantes para que sejam sujeitos das ações:

Mas o que eu tenho percebido ultimamente é que os grupos gostam de colaborar bastante, a gente não tem nenhuma dificuldade, pelo contrário né, a gente sempre encontra os grupos abertos, eu acho que é uma sede que os coletivos têm de estar juntos, o Ressuscita tem esse viés de conectar, se conectar com outros grupos para poder fazer a defesa de pautas específicas

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Caminhando para o fim da entrevista, ao tratar de medidas que possam contribuir na melhoria dos aspectos negativos da cidade, sendo a segurança pública e a cultura apontadas fortemente, a entrevistada relaciona um aspecto ao outro. 47

Segundo ela, o Estado utiliza estratégias erradas, optando por fazer operações policiais no território, justamente onde há maior demanda por equipamentos de educação, lazer e cultura, que poderiam ser meios de alterar a realidade das pessoas que vivem nesses lugares.

Existem ainda diversas manifestações culturais na cidade que não são apoiadas pelo poder público e o Plano Novos Rumos não indica políticas públicas voltadas para o fortalecimento dessas iniciativas. Como caminhos para mudança do cenário de violência urbana, o coletivo aponta que levar cultura, lazer e educação para a população é uma das vias fundamentais.

Ao final da entrevista, tratando das potencialidades do território, o coletivo trouxe sua visão sobre o trabalho de levar o conhecimento da própria cidade para os moradores, conhecendo seus diferentes espaços:

A gente só ama o que a gente conhece e é por isso que no trabalho do coletivo a gente tenta apresentar muito a cidade mesmo, até para os próprios gonçalenses Eu, nesses dois anos de coletivo, fui em muitos lugares que eu nunca tinha ido [ ], eu sempre morei em São Gonçalo, estudei até o ensino médio aqui e depois fui fazer faculdade em Niterói, no Rio, então eu vivia muito mais essas cidades do que São Gonçalo. Eu só ficava aqui no final de semana, quando ficava, e aí não tinha essa ligação tão forte com a cidade, tanto que antes da pandemia, até 2020, minha ideia, eu trabalhando no Rio, ficando 3 horas no trânsito, minha ideia era assim que possível me mudar

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47 Segundo Jennifer Dias, segurança pública, educação e cultura foram apontados na consulta pública feita pelo coletivo para elaboração da Agenda 2030 como as maiores necessidades do município

Segundo o coletivo, infelizmente, espaços com grande potencial turístico no município, como as ilhas na Baía de Guanabara, as APAs, patrimônios históricos etc, em sua maioria não são locais acessíveis para o público devido ao abandono do poder público em questões de infraestrutura e de segurança pública. No entanto, há vários lugares que poderiam ser explorados nesse sentido, muitas vezes conhecidos até mesmo por moradores de outras cidades e não pelos gonçalenses. Desse modo, foi ressaltada a importância do “conhecer para amar” como uma maneira de potencializar a identidade da cidade e, consequentemente, criar grupos cada vez mais engajados na luta pelo direito à cidade. 48 Disponível em: <https://wwwinstagram com/p/CeWcr2eN0Yy/> Acesso em: 10 de nov de 2022

Figura 43. Atividade promovida pelo coletivo Ressuscita Gonçalo, de visita à APA Engenho Pequeno, em comemoração à Semana do Meio Ambiente. É parte das missões do coletivo conhecer os diferentes espaços da cidade, ainda pouco conhecidos. Fonte: Instagram do coletivo Ressucita São Gonçalo 48
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A periferia dentro da periferia: faces de São Gonçalo

Foto da autora, Centro, 2022.

Mas tente compreender Morando em São Gonçalo, você sabe como é Hoje à tarde a ponte engarrafou E eu fiquei a pé

Seu Jorge, São Gonça, 2004.

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3. A periferia dentro da periferia: faces de São Gonçalo

3.1. Distinções entre distritos e bairros

A fim de compreender a forma como se desenrolam os processos de periferização no território gonçalense, regiões com diferentes características são abordadas em uma análise comparativa, destrinchando assim a ideia de que alguns espaços representam a “periferia dentro da periferia”.

Assim como foram observadas, na escala da Região Metropolitana, as novas dinâmicas neoliberais que nela atuam diretamente a fim de produzir a maximização de lucros, por meio da valorização de alguns lugares em detrimento de outros, também na escala do município é possível apontar o mesmo processo. Enquanto São Gonçalo se configura como uma periferia em relação às cidades de Niterói e Rio de Janeiro, em seu território esses processos também estão presentes entre distritos e bairros, observados por meio de indicadores urbanos e tendências apresentadas ao longo deste trabalho, além do questionário e das entrevistas realizadas.

A fim de esmiuçar esta constatação, a seguir é apresentada uma análise dos distritos segundo suas diferentes características e dinâmicas, na seguinte ordem: Neves, São Gonçalo, Monjolos, Ipiíba e Sete Pontes.

O distrito de Neves, ocupação mais antiga da cidade e com grande importância na sua fase industrial, concentra grande parte dos espaços potencializadores do município, como por exemplo a única universidade pública e a única escola federal de São Gonçalo, além de ambientes de lazer

Por outro lado, Neves também concentra grande parte das comunidades de São Gonçalo. Esses indicativos apontam que, sendo esta uma área com maior acesso a infraestrutura e serviços, nela também se verifica maior desigualdade social, uma vez que ao passo que a população de classes mais altas reside em seus bairros, também há a ocupação da população de baixa renda, que vê nas favelas uma alternativa de moradia para manter-se próxima a postos de trabalho.

No distrito de São Gonçalo é possível apontar o mesmo processo. Formado por bairros de ocupação mais antiga e com maior acesso a equipamentos e serviços, além de oferta de empregos e disponibilidade de transporte público intra e

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intermunicipal, encontra-se também essa disparidade social, de realidades opostas entre as classes de renda média e alta e a classe de baixa renda.

Já em Monjolos e Ipiíba, localizados na porção leste do município, há maior déficit de equipamentos públicos e infraestrutura urbana, como foi possível observar nos mapas que indicam os índices de abastecimento de água, esgoto e coleta de lixo, por exemplo. Contraditoriamente a este fato, a maioria dos conjuntos habitacionais para famílias de baixa renda se encontra nestes distritos da cidade. Vale mencionar, em contrapartida, que nas áreas fronteiriças à cidade de Niterói, existe um processo de valorização da terra, com o surgimento de condomínios de alto padrão, conforme apresentado anteriormente.

Por fim, em Sete Pontes, distrito localizado a Sul, há uma maior mescla de aspectos. Embora haja mais áreas de risco de deslizamento de terra e um número expressivo de comunidades, por exemplo, vê-se o surgimento de um padrão residencial elevado em áreas fronteiriças à cidade de Niterói, com uma tendência que aponta para a valorização futura do valor da terra na região (GONÇALVES, 2012).

O mapa da Figura 44 apresenta uma proposta de subdivisão do território gonçalense segundo uma caracterização geral, apoiada nas informações e indicadores reunidos ao longo deste trabalho, que define diferentes níveis de centralidade dos bairros da cidade. Tal proposta é baseada na “hierarquização” produzida por Abreu (1987) para a RMRJ, onde são determinados diferentes círculos conforme sua centralização / periferização, de acordo com fatores sócio-geográficos.

Como Núcleos Centrais (representados em círculos pretos) foram definidos os bairros Centro, Alcântara e Neves, que além de terem ocupação mais antiga e grande importância no período industrial da cidade, ainda hoje figuram como centralidades em São Gonçalo.

A partir desses núcleos foram traçadas linhas indicativas de suas áreas periféricas, em diferentes níveis, sendo elas: periferia imediata (em vermelho), contemplando bairros contíguos aos núcleos, que juntos compõem uma única área caracterizada por maior acesso a serviços e infraestrutura no contexto municipal; periferia intermediária (em rosa), definida por bairros localizados a uma distância média dos núcleos, já apresentando maiores deficiências urbanas em relação à

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periferia imediata; e, por fim, a periferia distante (em laranja), representando as demais áreas da cidade, que são os locais com índices negativos mais alarmantes.

Figura 44 Mapa de núcleos e periferias em São Gonçalo

Fonte: Elaborado pela autora a partir de observações próprias, fundamentado em trabalho desenvolvido por Maurício Abreu (1987)

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Os núcleos centrais e os bairros que compõem as periferias imediatas representam, em uma escala macro de análise, as áreas centrais do município, com maior acesso a direitos básicos, enquanto as periferias intermediárias e distantes representam as áreas com acesso mais precário a equipamentos e serviços. A seguir, será realizada uma análise na escala de bairro, a fim de se obter maior aproximação dessas diferentes realidades, tomando como exemplos um bairro considerado núcleo central e um bairro da periferia distante, de modo a elaborar uma reflexão acerca dessas áreas que representam a dualidade centro-periferia.

Desse modo, é possível apontar que há na cidade um processo de reprodução da ocupação espacial periférica, em que a população de menor renda acaba se concentrando em comunidades em áreas centrais, a fim de morar em locais mais próximos a postos de trabalho e acesso a serviços, ou em bairros distantes de áreas centrais, carentes de infraestrutura, porém com a possibilidade de acessar terrenos ainda não apreendidos pelo capital imobiliário. Percebe-se na escala municipal a perpetuação de espaços periféricos geográficos e sociais, em que as problemáticas da distância física do núcleo metropolitano e a dificuldade de acesso a direitos são latentes.

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3.2.

Proposições a partir das análises realizadas

A partir dos conflitos e potencialidades apresentados até aqui, nesta etapa do presente trabalho pretende-se desenvolver um ensaio propositivo, tendo como estudos de caso um bairro localizado em uma área definida como central e outro em uma área periférica, referências para o desenvolvimento de diretrizes e propostas de intervenções espaciais, objetivando uma cidade mais democrática.

Conforme visto nos capítulos anteriores, o distrito de Neves possui bairros configurados como centralidades por ser munido de equipamentos e serviços públicos, bem como pela maior facilidade de acesso a transporte público de circulação municipal e intermunicipal. Desse modo, a partir da diretriz de ocupação de áreas já consolidadas, a fim de promover a qualidade de vida da população, o primeiro estudo será desenvolvido especificamente no bairro homônimo Neves, que representa uma centralidade no município.

O segundo estudo terá como objeto o bairro Guaxindiba, no distrito de Monjolos, localizado na periferia distante do município, que apresenta problemas no que concerne ao acesso a emprego e renda, infraestrutura, serviços e mobilidade urbana. O objetivo é pensar proposições para áreas periféricas, de modo a fortalecer a criação de novas centralidades, bem infraestruturadas, que evitariam longos deslocamentos dos moradores. A área escolhida teria sido a localização de um centro de apoio, com a eventual instalação do COMPERJ, o que poderia ter representado um fator de expansão urbana para a região.

A partir dessa breve justificativa sobre a escolha de cada bairro, é possível perceber as oposições representadas entre as características dos mesmos. Enquanto um, com maior acesso a serviços e equipamentos urbanos, além de possuir um passado de grande importância durante o apogeu industrial do município e sempre ter representado um local de convergência de fluxos para a cidade ainda hoje é uma centralidade, o outro, também com um passado industrial relevante, enfrenta dificuldades básicas de acesso a direitos e sequer era considerado um bairro, ao menos até os primeiros anos da década de 2000 (GUIMARÃES, 2004).

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Desse modo, a escolha de Neves e Guaxindiba se justifica também por estes representarem aspectos chave da dicotomia centro-periferia existente no município, se contrapondo em uma leitura geral da realidade vivenciada nos bairros núcleos de centralidade e na periferia imediata, com os bairros localizados nas periferias intermediárias e distantes. Percebe-se a influência da lógica hegemônica no valor que esses espaços possuem na percepção da população e nas ações do poder público, reforçando relações de poder que perpetuam a valorização de algumas localidades em detrimento de outras, que são vistas como locais sem potencialidade, isolados do resto da cidade, violentos etc.

A partir do questionário desenvolvido, entrevistas e análises dos planos da cidade, foram destacados pontos latentes de reivindicação por parte da população, de modo a desenvolver proposições condizentes com as necessidades identificadas

Figura 45. Distinções entre os distritos de Neves e Monjolos, contorno dos bairros Neves e Guaxindiba. Fonte: Elaborado pela autora.
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por meio de ensaios e que, em caso de desenvolvimento de projetos aprofundados, deveriam como premissa contar com a participação popular durante todas as etapas de sua elaboração, dando protagonismo àqueles que vivenciam e utilizam o espaço em seu cotidiano.

Dentre os pontos destacados, os principais problemas foram a falta de segurança pública, de espaços de lazer e cultura e de postos de trabalho nos diferentes distritos da cidade, sendo apontado ainda nas áreas de periferia distante o problema em relação ao transporte público.

Em relação às potencialidades do território, foi constatada uma dificuldade no reconhecimento de pontos positivos na cidade de uma maneira geral através dos relatos coletados, no entanto, aspectos como contato com a natureza surgiram através das respostas.

Assim, como orientações gerais na escala do município, indica-se:

● Promover a revisão do Plano Diretor de 2009, que por lei deve ser realizada a cada 10 anos, a partir de ampla discussão popular e participativa, com audiências públicas que contemplem as diferentes regiões e especificidades do município;

● Viabilizar a revisão ou criação de demais planos municipais, como por exemplo, o Plano de Macrodrenagem, mencionado na entrevista com o coletivo Ressuscita São Gonçalo, além de planos voltados para demais áreas temáticas, como saneamento básico, mobilidade urbana etc;

● Estudar a possibilidade de adoção de instrumentos para recuperação de mais valia, como o IPTU Progressivo no Tempo e desapropriação a partir de pagamentos da dívida pública, recuperando espaços subutilizados e aumentando a arrecadação municipal;

● Instituir o orçamento participativo para destinação dos recursos da privatização da Cedae;

● Indicar a demarcação e dar publicidade aos dados referentes às Zonas Especiais de Interesse Social, incluindo terrenos vazios;

● Elaborar programas culturais, patrimoniais, turísticos e de lazer, com recursos voltados ao fortalecimento de iniciativas de artistas independentes

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na cidade, que é referência no cenário de rap, por exemplo, além de incentivo de atividades ao ar livre, utilizando espaços como as APAs;

● Desenvolver programas educacionais, com fins de formação de jovens e adultos, uma vez que há um déficit de postos de trabalho no município, além de dificuldades de acesso ao ensino como um todo;

● Estabelecer medidas ambientais voltadas para o tratamento da orla da Baía de Guanabara, hoje deteriorada, de modo a permitir sua utilização pela população para atividades de lazer e fomento ao turismo, além de fortalecimento de atividades de pesca;

● Promover o uso de vazios urbanos para promoção de espaços de lazer, esporte e cultura, além de atividades de geração de emprego e renda em nível local, como a agricultura urbana, conforme já previsto no Plano Diretor de 2009 e Agenda 2030, através de parcerias com iniciativas já existentes no território, como a do coletivo Mulheres da Parada.

A seguir serão apresentados, através de cartografias aproximadas, a indicação de diretrizes e proposições específicas para o desenvolvimento urbano como forma de promover a redução de desigualdades socioespaciais e o direito à cidade, de acordo com as necessidades dos diferentes bairros escolhidos.

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Diretrizes e proposições - Neves

O bairro de Neves representa uma centralidade de São Gonçalo fronteiriça à cidade de Niterói. Sua ocupação adensada é atravessada por um dos principais eixos viários do município, a Rua Oliveira Botelho. Com um importante passado industrial, hoje oferece atividades comerciais diversas. É válido apontar a importância do bairro em relação aos fluxos da cidade justamente por sua proximidade com Niterói, sendo Neves um ponto de convergência desde a época em que o bonde era o principal meio de transporte na cidade, além da atividade portuária nele desenvolvida para escoamento de mercadorias.

Na elaboração de diretrizes para o bairro, foram levadas em consideração as informações levantadas através dos planos existentes e o questionário aplicado junto aos moradores. Como avaliação positiva, foi mencionado o acesso ao transporte público e a oferta de atividades comerciais, sendo destacadas carências relacionadas às atividades de lazer e ao acesso a emprego e renda, em consonância com as observadas nas demais áreas da cidade. Os moradores de Neves ainda convivem com constantes alagamentos em época de chuvas.49

49 Disponível em: <https://enfoco com br/uncategorized/policia/chuva-e-alagamentos-provocam-transtornos-em-niteroi-e -sg-35769> Acesso em: 26 de out de 2022

Figuras 46 e 47 Vistas do Street View das ruas Coronel Ernesto Ribeiro e Rua Oliveira Botelho, no bairro de Neves Fonte: Google Maps
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O mapa acima aponta pontos positivos e negativos a serem levados em consideração e localiza vazios urbanos como potenciais áreas de aproveitamento para propostas de intervenção. Hoje o solo urbano de Neves tem sido adensado com o uso residencial em condomínios fechados.

Foram identificados no bairro pontos de grande potencialidade, como o Museu da Imigração (único museu da cidade), a Feira de Tradições Nordestinas, além do Instituto Federal do Rio de Janeiro (IFRJ), que indicam que o bairro já possui equipamentos de grande relevância, além de maior acesso a transporte público para deslocamento tanto intra quanto inter municipal.

Como pontos a serem melhorados, além da geração de emprego e renda e maior acesso a espaços públicos de lazer (necessidade identificada em todo o município), estão também medidas voltadas para o meio ambiente, como intervenções para melhorias na drenagem e no esgotamento sanitário.

Assim, diretrizes gerais de intervenção foram pensadas para qualificar o bairro considerando aspectos urbanísticos, ambientais e sociais.

Figura 48. Mapa do bairro de Neves e seus vazios urbanos. Fonte: Elaborado pela autora
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Diretrizes na escala do bairro:

● Realizar intervenções no sistema de drenagem urbana, como forma de prevenção de enchentes frequentes na região;

● Destinar os vazios urbanos para a construção de habitação de interesse social, de modo a garantir o direito à moradia da população de baixa em áreas urbanas já infraestruturadas com equipamentos e serviços;

● Promover a divulgação e o fortalecimento de espaços de lazer já existentes, como a Feira de Tradições Nordestinas e o Museu da Imigração.

Como possível proposta de apropriação de um dos vazios urbanos identificados no bairro de Neves, de modo a apresentar formas de intervenção no espaço a partir das diretrizes indicadas, a cartografia seguinte aponta os equipamentos existentes no entorno, sendo indicados espaços de lazer, educação e saúde já existentes e uma possível aplicação das diretrizes indicadas no desenvolvimento do espaço.

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Por representar um espaço já bastante adensado e com melhor acesso a serviços públicos, propõe-se como uso potencial do espaço a habitação de interesse social (com demarcação de ZEIS a fim de evitar processos de gentrificação), além da produção de hortas urbanas como ocupação sustentável do território, com o objetivo de atuar contra a insegurança alimentar existente no município e na geração de emprego e renda, valorizando pequenos produtores.

Devido à proximidade com instituições de educação, indica-se ainda a promoção de atividades educacionais associadas às hortas urbanas, aproximando os alunos desse tipo de prática, além da possível utilização dos alimentos para a merenda escolar. Além disso, aponta-se como possibilidade a formação de parcerias para realização de atividades de conscientização ambiental, que podem envolver o Centro de Reciclagem próximo ao local e a Feira de Neves, que ocorre na região semanalmente aos domingos.

Figura 49. Análise de entorno de Neves. Fonte: Elaborado pela autora
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Diretrizes e proposições - Guaxindiba

A Figura 50 apresenta a delimitação do bairro de Guaxindiba, localizado na fronteira do município de São Gonçalo com Itaboraí, representando um espaço da borda urbana, delimitado parcialmente pela BR-101, cujos moradores possuem dificuldades de acesso a equipamentos públicos e mobilidade urbana.

O bairro possui um importante histórico no desenvolvimento do município, sendo um dos primeiros locais ocupados em São Gonçalo pelos colonizadores, a partir do Rio Guaxindiba. Com características rurais, apesar de no município não ser reconhecida nenhuma área rural, Guaxindiba também se destacou devido à antiga Fábrica de Cimento Portland, importante na fase industrial, sendo uma área com expectativas de desenvolvimento no segundo setor por muitos anos, apesar deste pólo nunca ter sido de fato implantado na região (GUIMARÃES, 2004).

Figura 50 Mapa aproximado de trecho do bairro de Guaxindiba e seus vazios urbanos Fonte: Elaborado pela autora
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De acordo com os dados levantados, o bairro possui problemas principalmente em relação ao transporte público de má qualidade, falta de espaços de lazer e cultura e oportunidades de colocação no mercado de trabalho, além da falta de infraestrutura urbana de forma generalizada. Como ponto positivo, a tranquilidade, o que tem relação com os aspectos ruralizados do lugar Nas proximidades da área recortada para este estudo do bairro de Guaxindiba, encontra-se uma escola municipal e a empresa B. Braun, além da proximidade com a BR-101, onde há maior oferta de transporte público. O bairro possui ocupação esparsa, com muitos vazios e possibilidades de ocupação.

Assim, diretrizes gerais de intervenção foram pensadas para qualificar o bairro considerando aspectos urbanísticos, ambientais e sociais.

Diretrizes na escala do bairro:

● Prover de infraestrutura urbana básica, ainda precária no bairro: esgotamento sanitário, drenagem, iluminação pública etc, de forma prioritária, assim como outros bairros da denominada periferia distante;

● Realizar melhorias no transporte público do bairro, com aumento e qualificação da frota;

● Desenvolver propostas de uso de terrenos vazios para construção de espaços voltados para lazer e cultura, uma vez que a região é pouco abastecida desses equipamentos;

Figuras 51 e 52. Vistas do Street View das ruas Artur Napoleão e Cidade de Roma, no bairro de Guaxindiba. Fonte: Google Maps
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● Promover a geração de emprego e renda, fortalecendo iniciativas já existentes e levando em consideração as previsões de desenvolvimento como pólo industrial da região.

O mapa a seguir apresenta uma aproximação do bairro, indicando possíveis desdobramentos das diretrizes para Guaxindiba, um bairro ainda pouco adensado e de ocupação predominantemente residencial. A Figura 53 localiza os equipamentos existentes no entorno parcial analisado, devido à grande dimensão geográfica do bairro.

Figura 53 Análise de entorno de Guaxindiba

Fonte: Elaborado pela autora

Considerando principalmente a necessidade de obras de infraestrutura urbana básica na região como premissa para as demais intervenções, indicou-se também a

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criação prioritária de espaços voltados para a formação de jovens e adultos, com atividades educativas e de lazer, conforme apontado ao longo do trabalho como demanda premente no município, principalmente nos bairros do Leste de São Gonçalo, com menor acesso a lazer e maiores dificuldades de acesso a emprego e renda.

Os terrenos vazios indicados ainda encontram-se próximos à BR-101, local em que há maior oferta de diferentes linhas de ônibus, de modo a facilitar o uso pelos moradores do distrito de Monjolos e eventualmente atrair moradores de outros bairros, já que o transporte público foi apontado como um dos principais problemas pelos moradores nessa região do município.

Em conjunto com este espaço, mais uma vez foi indicada a criação de hortas urbanas, especialmente devido ao bairro ter características rurais, sendo esta uma prática já existente na região do município e ainda com pouco incentivo. Esses insumos poderiam ainda ser utilizados em prol da escola municipal próxima ao local indicado para este uso. Desse modo, busca-se atender à população já existente no local e as dificuldades vistas pelos moradores, diferentemente da lógica de ocupação que foi constatada no município: construção de conjuntos habitacionais de baixa renda em áreas sem infraestrutura urbana, adensando locais que ainda não estão preparados para serem adensados, enquanto serviços básicos ainda são ausentes ou com baixa oferta.

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Considerações Finais

As regiões metropolitanas brasileiras sempre enfrentaram diversos desafios, desde o período fordista, até a contemporaneidade, em que as cidades são pautadas a partir do contexto neoliberal e da adoção do planejamento estratégico, sendo indissociáveis de conflitos e disputas, que acabam por perpetuar a segregação e desigualdades socioespaciais. Nessa conjuntura, ao longo da história, processos de periferização criaram estigmas sobre esses territórios, passando nesse discurso principalmente as ideias de pobreza, baixo dinamismo e cidade-dormitório, que servem à manutenção do poder de grupos hegemônicos.

Contrariamente ao senso comum, o município de São Gonçalo, periferia na RMRJ, mostra-se como uma importante centralidade, ainda que com fortes relações sociais e econômicas mantidas com cidades vizinhas. A pesquisa apontou para um cenário de problemáticas urbanas prementes, além da pouca identidade da população com o território em que vive, porém, como visto ao longo do trabalho, é necessário lançar um olhar apurado, compreendendo os processos históricos, econômicos e culturais para superar análises estereotipadas e efetivamente identificar conflitos e potencialidades no espaço urbano, entendendo a periferia como um espaço diverso e plural.

Através da cartografia crítica, trouxemos sobreposições e cruzamentos de dados que auxiliaram na compreensão e espacialização de fenômenos no espaço da cidade, mapeando territórios mais e menos valorizados e as possíveis motivações para essas dinâmicas. Dados sobre acesso a serviços públicos, perfil socioeconômico e racial da população, além da localização de empreendimentos foram traduzidos em mapas, revelando um reforço das relações periféricas em nível intramunicipal, para além da escala metropolitana em que a cidade como um todo está inserida. Além disso, também compôs esse panorama analítico o resgate dos grandes projetos já elaborados com impacto no município, principalmente relacionados à mobilidade urbana e geração de postos de trabalho, bem como uma breve análise orçamentária compreendendo a maneira com que os recursos vêm sendo alocados na cidade.

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A reflexão apontou a necessidade de processos com maior participação popular, principalmente na elaboração de planos, para que seja possível chegar a instrumentos urbanos e projetos condizentes com a realidade daqueles que vivenciam o espaço todos os dias, diferentemente do que se observou a partir dos planos elaborados pelo poder público no município de São Gonçalo, que receberam críticas pela indicação de diretrizes superficiais e, muitas vezes, a favor de lógicas que favorecem grupos de poder acumuladores de riqueza.

Nesse contexto conflitual, no entanto, foram identificadas iniciativas populares emergentes importantes no município, com articulação entre coletivos para defesa de pautas, indo em busca das melhorias urbanas necessárias e acesso a serviços e direitos básicos como segurança pública, principalmente, lazer, educação e também à geração de emprego e renda para os gonçalenses. Para além disso, cresce cada vez mais a busca pela identidade da cidade, de modo a fortalecer os laços da população com a mesma, o que consequentemente estimula a luta pelo direito à cidade. Cabe, nesse sentido, o fortalecimento dessas iniciativas por meio de políticas públicas e, no caso da universidade, o respaldo técnico a partir de parcerias de pesquisa e extensão.

Buscou-se, através das diretrizes e proposições, a indicação das necessidades mais urgentes conforme o setor urbano da cidade, voltando a atenção para o bairro de Neves, uma área tida como central e o bairro de Guaxindiba, que representaria um espaço de “periferia dentro da periferia”. Desse modo, através das identificações e dos dados levantados ao longo do trabalho foram indicadas diferentes formas de intervenção a depender das necessidades mais urgentes de cada fração do território da cidade, dentre um grande leque de possibilidades existentes em São Gonçalo.

Este trabalho foi elaborado num momento de mudanças sociais importantes no país, o que também contribui para que as discussões aqui levantadas não se encerrem. Ao mesmo tempo em que se atravessou uma pandemia de consequências graves no cenário brasileiro, houve o adiamento do Censo IBGE que deveria ter sido realizado em 2020, mas ainda se encontra em andamento no ano de 2022. Nesse sentido, é importante apontar que as informações e dados de domínio público trazidos neste Trabalho de Conclusão de Curso iniciam uma discussão que

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deve ser retomada a partir dos resultados dessa nova pesquisa sobre a realidade nacional a ser divulgada em breve.

Além disso, o Brasil se encontra num momento político de extrema importância, passando por um processo eleitoral e transição de governos a partir de 2023. Nesse sentido, vale mencionar que existe a possibilidade de retomada de políticas públicas e projetos que alterem as dinâmicas da cidade de São Gonçalo, como por exemplo o COMPERJ, uma das indicações de obra a ser retomada durante a campanha do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva. Em caso da inauguração do complexo, novas dinâmicas transformarão a cidade, com empregos e maior atenção para a região Leste Fluminense, possivelmente com aumento de postos de trabalho também na construção civil.

Assim, é fundamental finalizar esta pesquisa apontando que é de suma importância a elaboração de cada vez mais estudos acerca de um município de tamanha importância e complexidade na RMRJ, infelizmente hoje ainda incipientes. O intuito do trabalho de lançar luz sobre São Gonçalo não esgota aqui a discussão sobre o município e abre caminhos para investigações mais aprofundadas, levantamento de dados inexistentes sobre a cidade e novas abordagens futuras, de modo a dar protagonismo às narrativas periféricas, na maioria das vezes invisibilizadas socialmente e, também, academicamente.

Em síntese, é papel dos arquitetos e urbanistas, especialmente formados pela universidade pública e com compromisso social, debruçar-se sobre os problemas urbanos das nossas cidades e contribuir para uma sociedade mais justa e igualitária. Ainda que tenham sido apontados problemas latentes no município, foram trazidas potencialidades inexploradas que merecem apoio, principalmente iniciadas a partir dos trabalhadores e trabalhadoras de baixa renda. Essa ânsia por mudanças sociais deve ser respaldada a partir do conhecimento técnico da academia, atuando lado a lado na luta pela garantia do direito à cidade.

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Lei Orçamentária Anual 2022. Lei Nº 1312, de 17 de dezembro de 2021. Prefeitura Municipal de São Gonçalo, 2021. ________.

Plano Diretor de São Gonçalo. Lei Complementar 01/2009. Prefeitura Municipal de São Gonçalo, 2009. ________.

Plano Estratégico Novos Rumos São Gonçalo. Prefeitura Municipal de São Gonçalo, 2021. ________.

Projeto de Lei Orçamentária Anual 2023. Prefeitura Municipal de São Gonçalo, 2022. ________.

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SEBRAE-RJ. Mobilidade Urbana e Mercado de Trabalho na Região Metropolitana do Rio de Janeiro - Estudo Estratégico. Observatório SEBRAE/RJ, 2013.

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SIMMEL, G. A natureza sociológica do conflito. Moraes Filho, Evaristo (org.), Simmel, São Paulo, Ática, 1983.

SMITH, Neil. The New Urban Frontier: Gentrification and the Revanchist City. Londres, 1ª ed., 1996.

SOUZA, Tiago. Chuva e alagamentos provocam transtornos em Niterói e SG. Disponível em: <https://enfoco.com.br/uncategorized/policia/chuva-e-alagamentosprovocam-transtornos-em-niteroi-e-sg-35769>. Acesso em: 26 de out. de 2022.

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VIDON, Filipe. Moradores de São Gonçalo registram aumento de barricadas bloqueando ruas. Disponível em: <https://extra.globo.com/noticias/extra-extra/ moradores-de-sao-goncalo-registram-aumento-de-barricadas-bloqueando-ruas-2534 3936.html>. Acesso em: 18 de out. de 2022.

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VILLAÇA, Flávio. As ilusões do plano diretor. São Paulo, 2005.

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139

Anexos

ANEXO I - QUESTIONÁRIO ONLINE APLICADO À POPULAÇÃO DA CIDADE DE SÃO GONÇALO

IDENTIFICAÇÃO

Qual é a sua idade?

Até 12 anos De 13 e 17 anos De 18 a 29 anos De 30 a 59 anos Acima de 60 anos

Com qual gênero você se identifica? Mulher cisgênero Mulher trans Homem cisgênero Homem trans Não binário Outro

Como você se identifica? Branco Preto Pardo Amarelo Indígena Não sei responder Outro

Qual é o seu nível de instrução?

Ensino fundamental incompleto Ensino fundamental completo

Ensino médio incompleto Ensino médio completo Ensino superior incompleto Ensino superior completo

Há quanto tempo você vive em São Gonçalo?

Até 5 anos Entre 6 e 10 anos Entre 11 e 20 anos Entre 21 e 29 anos Acima de 30 anos

Você está trabalhando atualmente? Sim Não

Se sim, em qual cidade e bairro? Aberta

Você está estudando atualmente? Sim Não

Se sim, em qual cidade e bairro? Aberta

Quanto tempo em média você gasta no transporte público para chegar ao local em que trabalha ou estuda?

Menos de 30min

Entre 30min e 1h Entre 1h e 1h30min

Entre 1h30min e 2h Entre 2h e 2h30min Entre 2h30min e 3h Mais de 3h

140

Como você se locomove no seu cotidiano?

A pé

Bicicleta

Transporte particular (carro ou moto) Transporte público Moto táxi Táxi Veículos de aplicativos

ESCALA METROPOLITANA

Você acessa em outras cidades serviços que não estão disponíveis ou que estão disponíveis de maneira insatisfatória em São Gonçalo?

Sim Não Se sim, de quais tipos? Saúde Educação Lazer / cultura Postos de trabalho

Você acredita que moradores de Niterói e do Rio de Janeiro possuem melhor qualidade de vida? (maior facilidade de acesso a serviços básicos, postos de trabalho etc)

Sim Não

Você se mudaria para outra cidade? Sim Não

Justifique sua resposta anterior: Aberta

ESCALA DA CIDADE

Você gosta de viver na cidade de São Gonçalo?

Sim Não

Justifique sua resposta anterior: Aberta

Quais são as principais qualidades / potenciais da cidade? Comércio de qualidade

Facilidade de acesso a emprego Segurança pública de qualidade Transporte público de qualidade Serviços de saúde de qualidade Serviços de educação de qualidade Serviços de lazer/ cultura de qualidade Outro

Quais são as principais necessidades / problemas da cidade? Comércio de má qualidade Dificuldade de acesso a emprego Falta de segurança pública Transporte público de má qualidade Serviços de saúde de má qualidade Serviços de educação de má qualidade Serviços de lazer/ cultura de má qualidade Outro

141

Caso utilize, de 0 a 10, qual nota daria para os serviços públicos de saúde? (Ex: Posto de saúde, hospital etc)

0-10

Caso utilize, de 0 a 10, qual nota daria para os serviços públicos de educação? (Ex: creche, escola, universidade)

0-10

Caso utilize, de 0 a 10, qual nota daria para os equipamentos públicos de lazer/cultura? (Ex: praça, praia, teatro, museu etc)

0-10

Caso utilize, de 0 a 10, qual nota daria para o transporte público da cidade?

0-10

De 0 a 10, qual nota daria para a segurança pública da cidade?

0-10

De 0 a 10, qual nota daria para o abastecimento de água da cidade?

0-10

De 0 a 10, qual nota daria para o saneamento básico da cidade?

0-10

De 0 a 10, qual nota daria para a drenagem da cidade?

0-10

De 0 a 10, qual nota daria para a coleta de resíduos da cidade?

0-10

ESCALA DE BAIRRO

Em qual bairro / comunidade você mora ?

Aberta

Está satisfeito em morar nesse bairro / comunidade?

Sim Não Se não, se mudaria para outro bairro em São Gonçalo?

Sim Não Caso a resposta anterior seja sim, qual bairro você escolheria e por que?

Aberta

Quais são as principais qualidades / potencialidades do seu bairro / comunidade?

Comércio de qualidade Facilidade de acesso a emprego Segurança pública de qualidade Transporte público de qualidade Serviços de saúde de qualidade Serviços de educação de qualidade Serviços de lazer/ cultura de qualidade Outro

142

Quais são as principais necessidades / problemas do seu bairro / comunidade?

Comércio de má qualidade

Dificuldade de acesso a emprego Falta de segurança pública Transporte público de má qualidade Serviços de saúde de má qualidade Serviços de educação de má qualidade Serviços de lazer/ cultura de má qualidade Outro

Você participa de algum coletivo ou associação de moradores?

Sim Não Se sim, qual? Aberta

Quais são as ações que vêm sendo realizadas pelo seu coletivo/ associação e suas principais dificuldades?

Aberta INDICAÇÕES

Quais políticas públicas você acha que tornariam a cidade melhor?

Melhorias nos serviços de saúde Melhorias nos serviços de educação Melhorias nos espaços de lazer / cultura Melhorias no transporte público Melhorias no abastecimento de água Melhorias no saneamento básico Melhorias na drenagem Melhorias em segurança pública Geração de emprego e renda Outro

Gostaria de fazer alguma observação que não tenha sido contemplada pelas perguntas?

Aberta

143

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