Jornal Maranduba News #05

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Jornal MARANDUBA News

Gente da nossa história: EZEQUIEL DOS SANTOS

Nascida em berço humilde, Tereza dos Santos deu o ar da graça aos 13 dias do mês de fevereiro de 1938. O pai, Pedro Manoel dos Santos agricultor e pescador. A mãe, Anativa Rosa de Oliveira, agricultora e artesã, são frutos dos primeiros moradores da localidade. Tereza nasceu normal e com o tempo os pais descobriram que algo de errado vinha acontecendo com Tereza. Ela tinha paralisia infantil. Na época não havia escola, assim como muitos, aprendeu a ler e escrever com Maria Ballio, que a pé ensinava em toda a região, depois de aprender a ler e a escrever foi só esperar para mostrar a todos o seu talento. Com a visita mais freqüente de turistas a partir da década 1950, ela foi referencia de desenvolvimento artístico, comunitário e cultural da localidade, graças a ela hoje, o bairro do Sertão da Quina é descrito no livro de Lita Chastan - Caiçaras e Franceses como rota do artesanato regional. A doença deixou Tereza limitada para certos afazeres, mas isto não a abalou. O que você faria se um filho seu não pudesse realizar o gesto mais nobre que existe, que é ajoelhar-se para uma conversa íntima com seu Deus ao pé da cama, “Tia Tereza” embora não pudesse realizar isto desenvolveu técnicas próprias de agradecimentos a Deus e de ensinamentos a população. Como era uma pessoa muito religiosa, decidiu não ficar só no campo das orações e sim mostrar ações que lhe dariam maior satisfação, por si só ela é um exemplo a ser vivido, era considerado por todos sem exceção uma lição de vida em vida. Uma pessoa de baixa estatura que até os vinte anos teve de se locomover em uma cadeira de rodas, empurrada pelos irmãos que viam que seus lábios nunca

15 Abril 2010

Tereza dos Santos: mulher de fibra e de fé

se cerravam para a tristeza, sempre radiante como o sol, dava com alegria seus conselhos a quem chateado estivesse, emanava felicidade todos os dias, todos os meses, o ano inteiro, isto porque ela tinha motivos para não ser feliz. “Terezinha”, professora autodidata, recebeu vários elogios em vida, mas a homenagem mais importante foi ter virado patrona da escola onde ajudou a ensinar, próximo a igreja católica. Ela era polivalente, dinâmica e muito esforçada, era ela quem cortava o cabelo da população, quem passou a alfabetizar moradores do bairro, dava aulas de corte e costura, aulas de catequese, de teatro, canto religioso, artesanato, dobraduras, doces, salgados, tricôs, crochê, bordado, fazia curativos, organizava festas e trabalhava nelas. Era ela, por exemplo, quem organizava os casamentos, ela fazia a roupas dos noivos, o cabelo da noiva, o arranjo na igreja, a escolha e o ensaio das músicas, escolhia quem iria tocar, a cor do tapete da entrada, a comida a ser servida, claro havia muita colaboração, bastava passar um dia com Tereza que alguma coisa se aprendia, as pessoas iam para aprender e iam espontaneamente. Tereza recebeu a visita de muitas autoridades e religiosos, era foi a ponte entre a ALA, ASEL e a comunidade. Ela tinha na ponta da língua a data de aniversário de cada morador da região, era comum ela dizer: “Fulano, eu já rezei por você hoje, feliz aniversário!”. Tereza tinha a capacidade de transformar um pequeno espaço em um “estádio de futebol”, tudo parecia grande, imponente, valoroso e atual. Mais conhecida pela capacidade de transformar matéria prima em obra de arte, recebeu ilustres em sua casa, o então Prefeito de Paraty da época Edson Lacerda, Frei Luiz Bíscaro,

pessoas como Sarah de Brito, que traziam peças de artesanato para Tereza reproduzir. Com sua prima Catarina de Oliveira Santos, eram responsáveis na década de 1960 por cerca de 510 artesãos do município. Eram vendidas cerca de quatro mil peças do artesanato local, algumas das peças tomavam rumos importantes como o MASP e Vaticano. Ela lembrava ainda de que numa exposição nacional em 1968, realizado em São José dos Campos, foram destaques duas peças de Ubatuba: um Tipiti do Manoel Hilário do Sertão do Ingá, e um Jesus Cristo entalhado na madeira do Bigode do Centro. A matéria prima extraída era cuidadosamente estudada e das sobras eram inventadas outras peças e cada moradora se especializada em duas ou três peças. O filho do prefeito de Paraty, Gustavo Lacerda, que havia estudado fora do país uma vez produziu um filme sobre as artes da região, o espanto foi

descobrir que ele havia feito o filme para complementar outro documentário, que foi exibido em todo o Brasil e em Ubatuba não foi diferente, foi exibido no extinto Cine Atlântico, prédio do antigo Fórum. O artesanato durou por cerca de duas décadas, até os moradores serem considerados criminosos e bandidos pelas leis ambientais criadas em salas com ar condicionado. Ela também administrou o prédio da ASEL no bairro, onde funcionou uma escola e o posto de saúde, ela ainda ministrava cursos para as Irmãs da ALA, onde também fez aulas de canto com as irmãs Petrina, Silvia Maria e Hercília com o apoio do Frei Vitório Fantini, seu canto era balsamo para os ouvidos, era fácil descobrir a voz de Tereza em meio a multidão, muitos hoje sentem saudades daquela voz divina, que a Deus cantava com os anjos. Mesmo com dificuldades acompanhava as procissões da época. Recebeu a visita de dois

famosos da época da Rádio Aparecida, era Tatu e Tatá, que não se apresentaram como artistas, mas com o turistas comuns, por conta da visita, Tereza foi a Aparecida do Norte uma única vez e lá participou de um programa de rádio ao vivo chamado “Sertão do meu Brasil”, foi uma tarde de entrevistas e havia ainda um concurso de frases e rimas. Tereza então apresentou a seguinte frase: “Nossa senhora Aparecida, Rainha da Terra e do Céu, Livrai o nosso Tatu, Pra não cair no mundéu”, a frase não foi escolhida, mas causou muita repercussão pela originalidade. Em 1969, numa semana que antecedia o aniversário de Ubatuba, Tereza foi convidada pelo então prefeito Cicillo Matarazzo, o Presidente da Câmara senhor Morgado e o farmacêutico Seu Filhinho, em caráter de urgência, a preparar algo para as festividades do aniversário de Ubatuba. Em uma semana ela formou um coral e no dia e hora marcada uma Kombi veio buscá-los, meio acanhados cantaram para a multidão, o espanto foi quando terminou, a população aplaudiu de pé por vários minutos. Na semana seguinte o prefeito os convidou novamente para uma apresentação em sua casa, lá estavam empresários, políticos, juizes e outras autoridades, também foram aplaudidos de pé. Infelizmente nada dura para sempre e com Tereza não foi diferente, com o agravamento da sua situação, os problemas de saúde foram debilitando-a e Deus calou a voz da filha do Sertão do meu Brasil mais cedo, era madrugada de 24 de Julho de 1995. Mais uma enciclopédia da nossa cultura se foi, as páginas da história escritas por ela permanecem nas estrelas e seu nome estampado nas camisas de muitas crianças de uma das escolas mais antigas da região. Perdemos Tereza, mas graças a ela ganhamos nossa identidade.


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