39 poemas e contos contra o racismo acidi

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39 poemas e contos CONTRA O RACISMO

mitava a olhar a cor da pele. Clara, a professora que tanto fizera por Vitorino, sabendo das dificuldades que enfrentavam, oferecera emprego à sua mãe. Não é fácil encontrar alguém de confiança, para dar a chave de casa… Aqueles dias que os Neves passaram em sua casa permitiu à professora concluir que teria em Luena uma boa ajudante… Revelara dotes de excelente cozinheira e muito cuidadosa nas limpezas. Já havia respondido a algumas ofertas de emprego como mulher-a-dias, e invariavelmente em vão. A maioria rejeitou-a de forma discreta, mas noutros casos não primaram pela subtileza, ao insinuarem falta de confiança em quem não conheciam… faltando apenas acrescentar: mais do que a cor da pele. Aquele dinheiro pelas horitas que fazia em casa da professora Clara, que morava do doutro lado do rio, era uma boa ajuda, mas a publicidade ao seu bom trabalho e a avaliação do seu caráter em breve iriam dar-lhe mais algumas casas para trabalhar. Parecia que as nuvens negras se começavam a dissipar… �X Numa das aulas de Português, quase no final do ano letivo, uma aluna queixou‑se de que tinha deixado a máquina de calcular em cima da mesa e que esta tinha desaparecido. Gerou-se alguma discussão, até que um aluno sugeriu que se revistassem todas as mochilas, pois teria que ser alguém da turma. Daniela pediu para falar: — Eu acho que sei em que mochila está e, se estiver mesmo lá, também sei quem esteve a mexer nela. Posso, Professora? Dirigiu-se à mochila em questão e retirou a máquina de calcular. — Colocaram-na aqui para pensarem que foi o Vitorino, mas ele está inocente. Eu vi quem foi, mas não me peçam para dizer. Para muitos foi uma surpresa que aquela aluna, que já tinha alinhado com o grupo dos que não aceitaram bem o novo elemento da turma, o viesse agora defender. Enquanto olhava na direção dos alunos que suspeitava estarem na origem daquele incidente, a professora foi categórica: — Esta questão morre aqui, mas que não se repita qualquer situação deste tipo. Se isso acontecer, a Daniela terá mesmo que identificar o responsável e este será castigado. Quando os alunos se reuniram à porta da sala para a aula seguinte, Vitorino dirigiu-se a Daniela, para lhe agradecer, e reparou que a colega tinha estado a chorar. Perguntou-lhe por que estava assim. — Eu não aceito que alguém me use… Ao princípio, pelo que se dizia por aí, acreditei que tu fosses má pessoa, mas não te conhecia. Agora sei que tu não és assim. E não admito que te prejudiquem, a ti ou a qualquer outra pessoa, usando estes truques baixos. Dei demasiado valor a pessoas que não o têm. Entraram logo que o professor chegou. Vitorino foi incapaz de ouvir uma só frase do professor. A sua História era outra. Ele que ocupava, sozinho, uma carteira da última fila, tinha toda a atenção que lhe restava, naquela aula em que sonhara acordado, nos cabelos, nos gestos, de uma certa ocupante da segunda fila. Ainda assim reparou que um dos colegas estava a faltar àquela aula. Não conseguia sentir pena dele. Estava a ter o que merecera.

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