Celeste Modas: Uma Família Portuguesa, com certeza.

Page 1


Celeste Modas

Uma família portuguesa, com certeza.

cap. I O Começo da Elegância na

Rua Constante Ramos

Copacabana fervia em 1941, com seus bondes apressados e senhoras protegendo os chapéus do vento que soprava do mar. Foi nesse cenário que Dona Celeste, uma portuguesa de sorriso acolhedor e olhos sempre atentos, decidiu transformar seu pequeno sonho em realidade: abrir uma boutique de moda feminina. A ideia nascera em sua juventude em Lisboa, quando admirava as vitrines elegantes do Chiado, mas foi o espírito cosmopolita do Rio que deu forma ao que viria a ser a Celeste Modas.

O espaço escolhido era modesto, uma loja de esquina na Rua Constante Ramos. No início, parecia mais uma extensão da casa da família do que um negócio. A mãe de Celeste, Dona Lourdes, instalou-se imediatamente atrás do balcão com um caderno de capa dura, anotando cada centavo que entrava e saía. “Não há glamour que sobreviva sem ordem nas contas”, dizia com seu sotaque carregado e um olhar afiado que não admitia discussão.

O irmão mais novo, João, apareceu no primeiro dia com um sorriso travesso e um desespero disfarçado ao descobrir que seria o responsável pelo estoque. “Mas eu mal sei dobrar uma camisa!”, protestou, enquanto era conduzido para o pequeno depósito nos fundos, onde rolos de tecidos e caixas de botões brilhantes começavam a se amontoar.

Já a prima Amália, uma jovem sonhadora com ambições que saltavam da costura para o desenho, foi quem mais se empolgou com a empreitada. “Imagine, Celeste, criar vestidos que vão até os bailes do Cassino Atlântico!”, dizia, enquanto rabiscava modelos em qualquer pedaço de papel que encontrasse. Mas, ao invés de focar no trabalho, era fácil encontrar Amália rindo com as clientes no provador, elogiando uma bainha que ainda não fora ajustada ou compartilhando os últimos rumores do bairro.

A loja começou simples, com vestidos feitos sob medida e alguns acessórios trazidos de Portugal, mas rapidamente se destacou. Celeste tinha um dom para entender o gosto das clientes. Com um olhar rápido, sabia exatamente se a senhora precisava de um vestido que alongasse a silhueta ou de um chapéu que desviasse a atenção para o rosto.

Nas noites tranquilas, quando o bairro já dormia, a família se reunia ao redor da máquina de costura Singer, ouvindo o rádio enquanto ajustavam as encomendas do dia. Lourdes às vezes interrompia para contar histórias de sua juventude em Braga, enquanto João tentava esconder os erros que cometia ao organizar o estoque (“Esqueci onde guardei os tecidos florais outra vez!”).

Apesar das pequenas confusões e dos temperamentos distintos, havia um senso de propósito coletivo que fazia da Celeste Modas mais que uma loja: era um reflexo do esforço e da união da família. Logo, o pequeno ponto comercial tornou-se um reduto da elegância carioca, atraindo não só clientes, mas histórias que a família carregaria para sempre.

cap. II

Os

Lemos e a Casa

Cheia de Histórias

A casa dos Lemos, na Rua Siqueira Campos, era um universo à parte. Pequena e sempre movimentada, parecia ter vida própria. O cheiro de café recém-passado misturava-se ao som constante da máquina de costura e ao tilintar das colheres nas xícaras de chá. Ali vivia a família portuguesa que, com esforço e uma boa dose de teimosia, dava vida à Celeste Modas.

Dona Lourdes, a matriarca, era o pilar da casa. Pequena em estatura, mas imensa em presença, trazia o sotaque de Braga tão marcado quanto suas regras. “Comida no prato, conversa depois!”, dizia, enquanto servia o cozido que preparava com a mesma precisão com que calculava os lucros da boutique. Lourdes tinha uma habilidade quase mágica de equilibrar as contas e ainda encontrar um dinheirinho escondido para comprar tecidos finos para os vestidos mais elaborados.

João, o caçula da família, era o oposto de sua mãe: desorganizado e sempre distraído. Na casa, era conhecido por esquecer de tarefas básicas, como comprar o pão ou lembrar onde havia guardado as chaves. Apesar disso, tinha um coração enorme e uma disposição para ajudar que fazia até Dona Lourdes suspirar de orgulho, mesmo que ela jamais admitisse. Seu espaço favorito era o depósito da loja, onde, entre risos e confusões, organizava tecidos e botões como quem organizava um mundo próprio.

E havia Amália, a prima que veio de Lisboa para “ajudar” — ou pelo menos era isso que dizia. Sonhadora por natureza, passava mais tempo rabiscando vestidos e conversando com as clientes do que realmente contribuindo com o trabalho pesado. Mesmo assim, sua presença era contagiante. “Um vestido não é só roupa, é uma história”, repetia, como se estivesse revelando um segredo mágico. Sua risada alta e seus relatos exagerados sobre as festas cariocas traziam vida à casa dos Lemos.

No meio de todos estava Dona Celeste, a líder silenciosa que costurava tanto os vestidos quanto os laços familiares. Ela herdara de Lourdes a firmeza e de João a leveza. Sempre com um lenço prendendo os cabelos negros, Celeste era a ponte entre os temperamentos opostos de sua família. Quando Lourdes se irritava com as brincadeiras de João, ou Amália atrasava mais um vestido com seus devaneios criativos, Celeste estava lá, acalmando os ânimos com um sorriso tranquilo e um plano para resolver tudo.

Juntos, os Lemos formavam uma mistura improvável de personalidades. Apesar das discussões no jantar e das confusões diárias, o que os unia era um amor profundo e uma vontade coletiva de construir algo maior. Para eles, a Celeste Modas não era apenas uma loja. Era um sonho que carregava cada riso, lágrima e história que faziam daquela família portuguesa uma das mais especiais de Copacabana.

cap. III

O Dia a Dia na Boutique

As manhãs na Celeste Modas começavam cedo, com os primeiros raios de sol iluminando a vitrine cuidadosamente arrumada por Dona Celeste. Cada peça de roupa, cada acessório, tinha um lugar exato, como se participasse de uma coreografia elegante. O sino na porta tocava pela primeira vez quase sempre às 9h em ponto, quando Dona Lourdes chegava carregando uma sacola de pão fresco e a sua caderneta de contas.

O dia ganhava ritmo com a chegada das clientes, quase sempre em pares ou grupos. Vinham não apenas por vestidos, mas pela experiência de estarem ali. Amália, a prima falante, era a estrela dos provadores. Enquanto ajudava as senhoras a experimentarem vestidos, contava histórias mirabolantes sobre festas luxuosas, nas quais — é claro — ela dizia ter participado. “Este azul combina perfeitamente com os bailes no Copacabana Palace”, exclamava, ajustando a barra de um vestido e arrancando suspiros de encantamento.

João, por outro lado, passava grande parte do dia no depósito. Não era raro ouvi-lo reclamar de botões desaparecidos ou rolos de tecido que teimavam em esconder-se. Mas, de vez em quando, ele surgia no salão com um sorriso de orelha a orelha, carregando algo que havia redescoberto. “Olhem este tecido de cetim que chegou da semana passada! Perfeito para os vestidos de verão!” Sua animação era suficiente para contagiar até Dona Lourdes, que fazia questão de dar um leve sorriso por trás de seus óculos.

O telefone tocava sem parar, e Celeste era quem lidava com os pedidos mais complicados. “Sim, senhora Marques, o vestido estará pronto para a festa, não se preocupe”, dizia, enquanto discretamente calculava como encaixar mais uma encomenda na semana cheia. Celeste tinha o dom de fazer tudo parecer fácil, mesmo quando as costureiras no andar de cima estavam a um fio de perder a paciência com as alterações de última hora.

Perto do meio-dia, a boutique era um verdadeiro redemoinho de movimento. Havia o barulho das máquinas de costura vindo do ateliê, risadas no salão, e o aroma de café que João insistia em preparar, ainda que sempre esquecesse de apagar o fogo.

Às tardes, enquanto a luz dourada de Copacabana atravessava as janelas, o ritmo desacelerava. Era o momento em que Dona Lourdes puxava a caderneta para calcular os lucros do dia, e Amália aproveitava para espiar os croquis das costureiras, sonhando com o dia em que seus próprios desenhos ganhariam vida.

Quando a última cliente saía, com sacolas cheias e um sorriso no rosto, Celeste suspirava aliviada, mas feliz. O sino da porta soava pela última vez, e a família reunia-se no balcão para discutir o dia. Apesar do cansaço, o ar estava sempre preenchido por uma sensação de realização.

cap. IV Legado Português

em Copacabana

O prédio que um dia abrigou a Celeste Modas ainda está lá, na Rua Constante Ramos, agora com uma fachada modernizada e um café aconchegante no térreo. Mas, para os mais atentos, há algo no ar — uma memória viva que paira sobre o lugar. A vitrine espelhada reflete a movimentação do bairro, mas, às vezes, parece devolver vislumbres de outra época: senhoras elegantes ajustando chapéus, vestidos rodados girando sob o sol.

Hoje, a Celeste Modas é apenas uma história contada nos almoços de domingo dos descendentes dos Lemos. Celeste, Lourdes, João e Amália já não estão entre nós, mas a marca que deixaram é palpável. O café no térreo pertence a Mariana, bisneta de Celeste, que batizou o espaço de Casa Lemos. Nas paredes, fotos em preto e branco da boutique original dividem espaço com molduras que exibem antigos croquis de vestidos e até uma caderneta amarelada, com a caligrafia precisa de Dona Lourdes.

Mariana nunca conheceu sua bisavó, mas cresceu ouvindo histórias sobre a loja, sobre o talento de Celeste para criar e sobre a confusão adorável que era o dia a dia dos Lemos. Inspirada por essas narrativas, ela transformou o café em um espaço que homenageia o passado enquanto abraça o presente. No cardápio, há doces portugueses como pastéis de nata, e os clientes encontram uma atmosfera acolhedora que reflete a alma familiar de outrora.

Mas o legado vai além do café. Pelas ruas de Copacabana, algumas senhoras ainda comentam sobre os vestidos da Celeste Modas, guardados com carinho como relíquias. “Foi aqui que vesti meu primeiro vestido de festa”, diz uma delas, segurando o braço da neta. Outras histórias ressurgem em conversas casuais: uma cliente que conheceu seu marido em um baile, usando um vestido azul desenhado por Amália, ou uma senhora que, nos anos 50, economizou por meses para encomendar sua peça especial.

O que a Celeste Modas deixou para Copacabana foi mais que moda. Foi um símbolo de como a cultura portuguesa se entrelaçou com a alma carioca, criando algo único. E, na Casa Lemos, enquanto os cafés são servidos e as conversas preenchem o ambiente, esse legado continua a viver, adaptado aos novos tempos, mas com o mesmo espírito acolhedor de Dona Celeste e sua família.

Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.