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LENNA BAHULE CANTORA
Sobre memórias daqui. É um álbum virado as músicas infantis, se ass podemos afirmar. Em quem consistiu a sua criação.

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O Memórias daqui pra me, ele é muito mais do que apenas gravar músicas, ele é a minha forma de devolver a comunidade de alguma forma nê, é um projeto que surgiu ao longo dos anos da minha pesquisa e do trabalho que fiz como artista educadora ou como uma pessoa que ministrava oficinas de jogos e brincadeiras de Moçambique que ministrei muitas oficinas mais de, sei lá, mais de 100, mais de 200 oficinas eu devo ter feito nesse período todo nos últimos 10 anos e quando eu uma coisa que percebi é quando eu fazia as oficinas e eu ensinava as pessoas essas brincadeiras eu percebia o quão rico era o conteúdo nê porque uma coisa é chegar e cantar ensinar e fazer uma coisa espontânea para mim outra coisa é ter que explicar como é o contexto histórico entender o ritmo, eu até acabei desenvolvendo tive que pegar uma brincadeira que é tipo um gogo xomela que se chega “gogo xomela hamm xomela” tive que destrinchar aquele então eu achei muito interessante eu tive que ah então o ritmo é assim depois de ensinar a letra depois de ensinar a pronúncia depois de ensinar a palma depois de ensinar o movimento nê, tive que destrinchar a coisa nê aos pouquinhos e isso foi-me mostrando o quão rico esse material é que é uma coisa que às vezes nós que fazemos isso de uma forma espontânea não damos valor nê não reconhecemos a riqueza que é não só em termos de memória, mas em termos de crescimento cognitivo psicológico social e tudo mais então quando então e eu via como as pessoas reagiam em relação às brincadeiras então eu senti que não acho que é tá na hora de eu compilar esse material de uma forma que os moçambicanos também possam desfrutar porque nós temos aqui uma geração de crianças que tá para chegar e que não tem noção do que é a cultura nê e é função nossa dos que estamos aqui dos mais velhos que vivemos isso passar isso para as crianças para que isso não morra e uma coisa que percebi e uma coisa que percebi é que nós não temos nós estamos totalmente distanciados da nossa cultura nós não levamos isso como algo que podemos preservar e cuidar e manter vivo nê e, portanto, nós temos crianças que não tem a mínima ideia do que é um jogo popular o que é brincar de roda tão somente a reproduzir coisas de outras culturas. definitivamente porque a partir do momento que eu trago essas músicas no contexto de disco no contexto consumível não somente porque acontece nós estamos que as brincadeiras são para serem feitas na periferia em roda e já está nê achamos que são coisas que não cabem numa festa são coisas que não cabem num contexto urbano são coisas que não cabem no espaço decorado para as pessoas se divertirem nós achamos que isso tem que ficar somente num lugar periférico e perdido e abandonado e não é isso e a intenção de fazer o disco um disco bem-feito com arranjos com acabamento que uma pessoa comprar e ouvir no carro colocar numa festa e dançar era mesmo essa intenção mesmo de provocar de dizer olha a nossa cultura ela é tão consumível quanto essa galinha pintadinha que você escuta que você coloca na festa do seu filho não precisa ouvir galinha pintadinha quando você tem um disco aqui é da nossa cultura que toca as nossas músicas e que você pode dançar assim como você que até você só põe lá deixa tocar nem interagem com aquilo é só porque é uma coisa boba aí né então também tem essa intenção de colocar as pessoas num lugar de autorreflexão como é que nós estamos a cuidar do espaço das crianças como é que nós vemos a infância como é que nós vemos o conteúdo que produzimos para as nossas crianças, tipo nós temos dito “é de criança é menos” nê e não é menos nê então a proposta desse trabalho é mesmo de trazer essa reflexão de trazer essa conversa de trazer esse entendimento para gente parar de diminuir o que é nosso diminuir o que é da criança e começamos a ser um pouco mais responsáveis com o tipo de conteúdo que expomos para os nossos filhos.
Seria também a sua criação uma critica á educação educação infantil que vem se vivendo actualmente?
Fale-nos mais do Batucorpo!! O que é exatamente?
Ok, então Batucorpo é também a minha forma de devolver à comunidade. Na verdade, eu só voltei para Moçambique para isso para devolver porque assim eu tive muitas vivências em São Paulo, vivências que para mim foram muito transformadoras e das vivências mais importantes que tive, das vivências mais importantes foi exatamente ver a importância do coletivo na importância das atividades musicais no contexto coletivo Então, pronto, o Brasil, falando um pouquinho com as memórias daqui só para fazer a conta no Brasil eles têm um acervo de jogos, de canções populares brasileiras e as pessoas fazem isso de forma quotidiana, normal em espaços, é natural. As pessoas tomaram propriedade sobre a sua própria cultura, tá já percebendo? Então, o Batucorpo é uma forma também de... eu fiz parte de um projeto que começou com três pessoas e evoluiu para mais de 200 pessoas e agora é um projeto gigante que é internacional, que recebe pessoas do mundo todo que vem participar, que é o Fritura Livre. Iniciou com um grupo de estudos de música cultural, passamos a fazer essa prática na rua, na praça aberta, as pessoas começaram a vir, a aparecer, a participar, que eventualmente virou um projeto grande que acontece anualmente, já não acontece tanto... acho que já não acontece mensalmente, mas vem fazer uma vez por mês e já estiveram cerca de duas pessoas a fazerem música cultural no parque as pessoas sentem uma necessidade de se divertir, de fazer música com isso de estarem em coletivo e tudo mais. Então, eu testemunhei o impacto disso na criação de rede, na transformação de pessoas já tivemos relatos de pessoas que estavam quase depressivas, mas que tiveram parte daquele dia específico, aquilo mudou a vida delas Então, o Batucorpo é uma forma de, literalmente, trazer a música para perto de nós, a música para entender que a música não precisa ser feita somente num palco, entendeu? A música está connosco em todos os lugares e que pudemos acessar a música de todas as formas, e que não precisamos necessariamente terceirizar a nossa vontade de fazer música Eu só faço música se eu tiver um piano. Ah, eu não toco piano, eu não... Música é uma entidade suprema, ela é além de qualquer instrumento, ela é além de qualquer artefacto para ela ser feita e o Batucorpo tem essa intenção de trazer conexão, de trazer as pessoas para ocuparem a cidade de uma forma diferente, de trazer uma relação com o seu corpo, com a sua perceção, com a sua criatividade de uma forma diferente Então, tem essa coisa quase que terapêutica, mas não é essa a intenção, a intenção é mesmo só trazer, só colocar as pessoas num lugar mais leve com a vida e a música está mais perto, entendeu?

Tem intenção de tornar Batucorpo mais popular?
Olha, eu vou ser sincera, eu quando decidi fazer o Batucorpo, não tinha intenção de fama era um desejo que eu tinha de, meu pessoal, de fazer música para mais pessoas de uma forma aberta, livre, nê?
Porque eu vivi sete anos fazendo isso e eu sinto falta, e eu vi como isso foi transformador na minha vida, então tem mais a ver com uma coisa minha, de que ele está junto com pessoas fazendo música, sem estar na minha função de trabalho. O Batucorpo, para mim, é meu trabalho social, no sentido de que é o que eu faço e tudo mais, mas eu faço porque eu quero-me divertir, porque me faz bem, porque eu quero ver as pessoas bem e é a forma que achei de tranquilamente poder fazer isso sem ter o peso e a cobrança de ter que entregar algum resultado ou atender alguma expectativa. Então, eu não fiz com o objetivo de ser um projeto famoso, eu imagino que ele vai ser, se eu continuar fazendo, eu por acaso faço uns meses que eu não puxo ainda porque estava a organizar questões da minha vida e tal, mas a ideia é que ele seja mensal também mas em São Paulo, ele acontecia mensalmente porque era mais de uma pessoa conduzindo, né? Era um coletivo de pessoas, então, se eu não podia, outra pessoa puxava, nós éramos um grupo que puxava, né? Então, nunca morria porque não estava centralizado, era uma coisa descentralizada então, por isso que a gente conseguiu manter a coisa por anos e anos e anos de forma consistente mas aqui, infelizmente, ainda está muito dependendo da minha agenda e da minha disposição, coisa que eu não queria, enfim, tenho tentado mudar isso, acho que vai levar algum tempo até isso se transformar, mas eu confesso que o Bato Corpo, eu não fiz com a intenção de virar um projeto famoso, não eu fiz porque eu quero fazer isso, quero fazer rede, quero estar junto com pessoas de uma forma livre, descontraída sabe? Porque eu trabalho muito durante a semana, estou sempre ali a conduzir, estou sempre a liderar, estou sempre na função e essa coisa, né? De muita expectativa, trabalho então, o Bato Corpo pra mim é um lugar de tranquilidade, diversão, sem o peso e a expectativa de chegar em algum resultado, então, se tiver 5 pessoas, eu estou feliz, se tiver 30 pessoas, que é o que tem tido, estou também igualmente feliz né? Então, é isso

A junção entre o corpo e alma faz de si uma artista única. Explique nos a sua inspiração para a criação do projeto Kumlango?
Quando voltei para cá, eu tinha um projeto lá em São Paulo, tinha toda uma dinâmica, nê, banda e tudo mais, e eu vim para cá e não formei banda, não tenho nenhum grupo fixo, não tenho banda ainda, tenho feito sozinha porque eu sou uma pessoa que eu gosto de trabalhar com pessoas que têm a ver comigo, eu gosto de ensaiar, eu sou uma pessoa que gosta de trabalhar a longo prazo quando se trata de fazer música, eu sou uma pessoa que trabalha com ensaios regulares, não sou uma pessoa que ensaia para uma gig e acabou esse dia que todo mundo segue vida, eu gosto de ter grupo porque para mim o som é resultado da intimidade que é construída dentro desse coletivo, então e aqui os músicos aqui não estão para essa cena, não estão para essa cena, eles são um bando de guiqueiros irresponsáveis, então eu levei muito tempo, muito tempo para achar a pessoa, inclusive até em termos de instrumentação, sou muito específica com instrumentação, não sei se vocês já perceberam, eu quase, todas as minhas formações de banda são sempre diferentes, então é um bandolim, ou é baixo e voz, ou é vozes, eu não faço a instrumentação convencional porque não é a minha cena, então até eu achar a pessoa, eu fiquei um bom tempo só observando quem são os músicos que estão na praça, como é que cada um faz, como é que cada um se comporta, não sei o que, e não achei ninguém que eu sinto que vale a pena eu investir tempo, dinheiro e dedicação de tentar criar ali um vínculo criativo, não aconteceu, a única pessoa que aconteceu foi o Muhamago precisamente, só que o Muhamago ele trabalha com música eletrónica, então ele é um músico também, ele toca também, mas ele usa os aparelhos para esse processo criativo, e como eu já estava com o interesse de explorar um pouco da música eletrónica, eletroacústica, que não é o mesmo que fazer beats em estúdio e tocar com um instrumental, não é, tem toda uma ciência que é feita, nós fazemos toda uma pesquisa de som, nós gravamos, ele processa, tem uns equipamentos específicos, e tudo que ele faz é ao vivo, tem algumas coisas que nós fazemos pré-gravadas, mas nós fazemos de uma forma que é ao vivo, porque eu sou uma artista de fazer as coisas ao vivo, eu não sou uma pessoa de reproduzir coisas, então o Muhamago foi o cara que achei que poderia trazer esse peso para dar o som, dialogando um pouco com a tendência atual também, dar um pouco com a música eletroacústica e tal, e que eu conseguiria fazer as músicas que eu fazia com 10 pessoas em uma pessoa, então nós usamos ali uns backtracks, fazemos algumas coisas que dão esse peso, porque olha, preparar pessoas para fazer as minhas músicas são anos. sim, requer muito trabalho, e é difícil, sabe, já é difícil lançar o segundo álbum depois de ter tido o primeiro, porque já tem uma expectativa, as pessoas já ficam ali, exatamente como tu disseste, ah, é diferente do que nós estamos habituados, então como que manter o interesse ao mesmo tempo, se permitindo, porque a gente precisa fazer coisas diferentes como artistas, não precisamos estar sempre a fazer as mesmas coisas, e eu sou essa pessoa total, eu jogo tanta energia num projeto, e quando eu encerro esse projeto, eu encerro esse projeto, porque eu joguei muita energia, joguei todo um pacote de criatividade que trabalhei por anos num projeto, então quando eu faço outra coisa, é isso, é uma outra história, é uma outra energia criativa, são outras referências, são outros caminhos, né? E o Kumulango é isso totalmente, assim, a minha voz, a minha forma de cantar é diferente, o tipo de sonoridade que eu coloco no Kumulango é diferente, o tipo de ritmos que eu estou colocando no Kumulango é diferente, o tipo de letras que eu estou colocando no Kumulango é diferente, então, pronto, é muito processo.



O Nomade por exemplo, a primeira vez que a gente subiu no palco, a gente ensaiou durante 6 meses, e isso foi o primeiro show, e nós continuamos a ter encontros regulares, uma vez por semana, como manutenção mesmo, e é impressionante como só melhorou, mesmo tendo ensaiado 6 meses, o primeiro ‘show’ foi o mais fraco de todos os ‘shows’, só foi melhorar anos depois de a gente ter continuado por regularidade, então assim, e já eram pessoas que já estavam no caminho da música vocal, já estavam no caminho da improvisação, já estavam nisso, aqui no Maputo não tem pessoas que estão nisso, são pessoas que eu ainda vou ter que ensinar, vou ter que ainda convencer, então eu não estava disposta a fazer isso, é muito grande esse trabalho, então eu optei por mudar o projeto, me encerrar o Nomade, o Nomade acabou, é um projeto que não tem mais como fazer, então e começar um processo novo, então aqui também eu venho compondo músicas novas, estou com outras narrativas, então achei que o Kumulangu teria essa perspetiva, então o Kumulangu basicamente é o meu próximo projeto, é o nome do meu próximo disco que eu estou a começar, a falar sobre ele, e é isso. E ele vai crescendo, esse ano nós vamos lançar os ‘singles’ dos vídeos que fizemos, e no ano que vem nós vamos fazer o ‘show’ de lançamento.
É um álbum, neste caso, com lançamento simplesmente para 2024, é isso?
E mesmo para terminar, quais são as expectativas para este projeto?
Olha, realmente assim, o Kumulango eu estou a fazer muito com foco internacional, porque eu sinto que o primeiro disco eu fiz ele um pouquinho com foco brasileiro e foco moçambicano.
E também era um disco que estava muito relacionado àquela coisa, o meu primeiro disco, eu quero começar aquilo que está vivo agora, como eu quero-me mostrar ao mundo, olha, é isso que eu venho fazendo até agora, é isso, onde eu estou agora, o Kumulango já não. É um disco que eu realmente estou a colocar a minha energia, abrir as portas para dialogar com o mercado africano, dialogar com os moçambicanos, então vai ter mais letras com línguas locais do que o primeiro disco. O primeiro disco era mesmo só viagens, coisas que eu aprendi até então, e esse segundo disco tem uma coisa mesmo de já trazer uma conversa mesmo com o público, não ser uma coisa que é só ouvir, ah que bonito e tal, mas uma coisa que realmente traz uma reflexão.

Porque eu acho que a letra que as pessoas possam entender e saber o que eu estou a dizer ajuda muito as pessoas a conseguirem dissertar sobre a letra, sobre a música, e não somente acharem a música bonita, mas também trazer para um lugar de dialogar sobre o que está sendo dito e refletir sobre isso. Então, o Kumulango tem um pouco essa intenção mesmo de trazer as pessoas para um lugar mais de, não só contemplação, mas de reflexão mesmo. Acho que reflexão é a melhor palavra que eu posso achar sobre o que está sendo dito. Então, e aí tem foco também no mercado internacional, né? Não tanto no mercado brasileiro desta vez, porque acho que é um disco que é um trabalho que não fala muito com o mercado brasileiro, mas fala certamente com o mercado internacional europeu e africano. Está sendo um pouco em termos de alcance, né?
E essa é a minha intenção. Eu quero mesmo que seja um disco que as pessoas aqui em Moçambique escutem. Sabe assim, tipo, vou escutar este disco, vou cantar, eu quero cantar essa música. Sabe assim? Tem um pouco essa intenção.
