Becos comunicantes #04

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Tão salva e viva que eu já sentia vontade em voltar a riscar tópicos na minha lista de fazeres, depositar envelopes e usar aquele aspirador de pó sem preocupação alguma. Por algum motivo, meu corpo gelou, um arrepio desceu por todas minhas costas e eu já até mesmo conseguia sentir gotículas de suor se formarem na minha testa. A pior sensação já criada pelo ser humano começou a surgir das pontas dos meus pés, até atingir o meu último fio de cabelo. O esquecimento batia com força, nocauteava meus vasos sanguíneos e pedia revanche. “Que maleta?” Foi a reposta da minha filha para a minha pergunta, o que foi o suficiente para tirar todo o alívio que meu corpo havia se acostumado até então. O apartamento era inglês, tipicamente pequeno e com janelas grandes, mas mesmo assim não deixei de me levantar e ir à procura de uma maleta tão grande para estar escondida em algum canto dali. Nada. Nem um sinal de um pontinho acinzentado no meio daquele apartamento. Eu havia a carregado por tantos lugares, com a pressão pesando no meu braço desde o metrô até o banco. O banco. Olhei para minha filha, ainda sondando o acontecimento lá fora, e quando ela percebeu a angústia transpirando minha pele, vi seus ombros tencionarem e seu rosto se desmanchar em perplexidade. “Não me diga que...”. Sim, e talvez eu lhe diga mais. Desci as escadas estreitas do prédio, sem sequer usar o corrimão com o devido cuidado, pisando na calçada em arrependimento profundo. Eu já conseguia enxergar a rua de baixo interditada por aquelas faixas amarelas com letras gritantes de WARNING (perigo) por todo lado, carros abandonados de qualquer jeito, restaurantes, pubs, lojas e conveniências de portas fechadas, e curiosos corajosos distribuídos de forma pingada por ali. A polícia estava no local,

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