OS BAILUNDOS

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52 como a “religião evangélica” proibia fumar, muitos fumadores levavam os seus cachimbos para serem queimados; os nomes africanos das pessoas eram substituídos por nomes bíblicos, como Mateus, Lucas, Paulo, Jonas, Neemias, etc. Os quimbos também passaram a ter nomes da Bíblia, como Damasco, Jericó, Jope, Samaria, etc. Todos procuravam viver em função do que a Bíblia dizia. No dia-a-dia, se alguém falasse ou precedesse mal, os outros diziam: isto não se encontra no Evangelho ou não é bíblico. Muitas noites acendiam-se fogueiras às portas dos catequistas para se aprender a palavra de Deus. Também construíam capelas a que se davam o nome de Osicola (escola), porque ali também se aprendia a ler e a escrever. Os quimbos passaram a ser construídos de outra maneira: as casas alinhadas e feitas de adobes; em todas as aldeias havia ruas bem alinhadas a que eles davam o nome de Olokolo (ruas das aldeias). Era o começo de uma grande civilização entre os Bailundos. Quando tudo estava em bom andamento, e o Evangelho tinha atingido uma área de alguns trezentos quilómetros de raio, começaram a surgir alguns contratempos com a Igreja Católica. Tudo começou depois dos católicos se instalarem também no Bailundo em 1890 com um padre francês chamado Leconte. Após o começo desta desta Missão Católica todo o trabalho evangélico transtornou-se. Todos os documentos passados por esta Igreja, como as certidões de nascimento e de casamento tinham validade perante o estado português. Porém, qualquer acto oficial realizado pelos evangélicos era considerado nulo, mesmo até os casamentos. De modo que, todos quantos se casassem na Missão Protestante eram considerados solteiros. O governo português via com maus olhos a construção de qualquer Missão protestante, incentivando a proliferação de Missões Católicas. Também advertia aos fiéis católicos sobre o risco que correriam em casar os não católicos. Desfazia-se o casamento, e o rapaz, se fosse protestante, era imediatamente enviado para o trabalho forçado. O povo que era muito unido por causa do Evangelho, agora tinha-se desunido. A rivalidade entre as duas Igrejas era grande e os quimbos eram separados. Havia quimbos exclusivamente católicos e quimbos protestantes. Tinham-se tornado inimigos, e muitas vezes até havia violência. Uma vez vi um grupo de fiéis evangélicos irem para a Mesa do Senhor, a Santa Ceia, cujo caminho passava por um quimbo católico. Os habitantes desse quimbo, então, saíram das suas casas armados com paus, agredindo os protestantes, alegando: -Va pita posikola kavopileko ochapeu (“Passaram pela escola [capela] e não tiraram os chapéus”). Em 1925 o governo português proibiu a realização de cultos evangélicos em todos os quimbos. Para o efeito constituiu uma rede de espiões oriundos das aldeias católicas. Se algum protestante fosse visto a cantar um hino da sua igreja ou orar, era logo apresentada uma queixa ao padre, que levava o assunto às autoridades portuguesas, sendo o prevaricador preso e enviado para o trabalho forçado onde permanecia durante um ano. Esta situação levou a que os missionários fossem a Luanda ter com o Governador-Geral de angola, pedindo autorização para poderem realizar os seus cultos nos quimbos. Apesar dessa autorização, os problemas não terminaram. Muitas vezes os chefes dos postos administrativos enviavam cipaios, aos Domingos, para apanharem as pessoas e as levarem ao posto, onde algumas delas eram levadas ao trabalho forçado e outras obrigadas a trabalhar no posto. No Bailundo havia muitos brancos com grandes fazendas agricolas, em que colhiam arroz, trigo, grãode-bico, e outros produtos, mas forçavam os indígenas a trabalharem nas fazendas e sem direito a alimentação; e a maior parte dessa mão-de-obra era dos quimbos protestantes. A fazenda da Gandarinha, no Mungo, e que eu conheci pessoalmente, produzia arroz, trigo, batata, etc. O seu proprietário era um português a quem deram o nome de Kambuka (homem muito baixo). Centenas de pessoas eram arrebanhadas dos quimbos e levadas para esse trabalho, e ali ficavam durante uma semana, sendo substituidas depois por outras, e onde permaneciam presas durante a noite para não fugirem. No dia seguinte, muito cedo, tocava o apito e todas saiam das prisões, levadas para as formaturas para serem contadas. Depois eram substituídas pelos diversos afazeres onde, sob chicote, cavavam a terra. Quem se espreguiçasse era imediatamente


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