Magazine Reportagem 01.2023

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GALERIA DE AUTOR Fábio Miguel Roque

MAGAZINE

REPORTAGEM

PARA NÃO DIZEREM QUE NÃO FALEI DAS FOLHAS Bruno Saavedra “… A proximidade tornada carinho, uma atenção que deseja compreender, o reviver de projetos com crianças na sua estada em Macau inspiram-lhe “Esperança”, uma exposição solidária em Lisboa, inaugurada menos de um mês depois do seu regresso.”

O MUNDO À FRENTE DAS OBJECTIVAS

PORTFÓLIO Rui Pereira

“Feeling the Street” Série fotográ ca que re ete um estado intenso de presença em que me envolvo na rua.

2023 fl

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Terça a sábado 11h00 - 18h00 Encerrado Domingo, segunda e feriados Rua Arronches Junqueiro 126, SETUBAL


EDITORIAL 01.2023

04. PARA NÃO DIZEREM QUE NÃO FALEI DAS FOLHAS Bruno Saavedra Lentamente, a memória do que também ali é Brasil vai criando uma familiaridade não desejada, sentida apesar dele próprio.

20.31. GALERiA DE AUTOR

Fábio Miguel Roque O acto de vasculhar no passado por questões, hábitos, erros, virtudes e os projectar no presente e no futuro acabou por ser algo de muito natural em mim, isto mesmo antes sequer de realizar a minha primeira imagem.

32. PORTFÓLIO Rui Pereira Série fotográ ca que re ete um estado intenso de presença em que me envolvo na rua.

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PARA NÃO DIZEREM QUE NÃO FALEI DAS FOLHAS Bruno Saavedra

Pausa para férias em janeiro de 2019, com destino ao equador. São Tomé e Príncipe são duas ilhas africanas no Atlântico ainda distantes de Angola e bastante, muito mesmo, longe da costa brasileira. O destino é, pois, tropical, mas nada diz a um baiano do interior que vive há mais de 19 anos em Portugal. Este é apenas um momento tranquilo que se procura num país sem inverno nem bulício.

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À chegada, nada chama particularmente a atenção. A natureza luxuriante lembra um Brasil distante do exílio europeu urbano. A sensação, quase instintiva, é de afastamento. Mas há os ilhéus, aquelas pessoas todas que ali estão nas ruas de terra e que moram em casas decadentes. Há um sorriso quente e um jeito leve de viver. Há crianças, muitas crianças, com olhos grandes e gestos doces e traquinas. E o olhar, aos poucos, tateia este ambiente. Encontra pontos de referência, aqueles pormenores descobertos sem querer, mas também sem precisão, como quando se distinguem vagas sombras na noite. Lentamente, a memória do que também ali é Brasil vai criando uma familiaridade não desejada, sentida apesar dele próprio. E as imagens vão começando a ser xadas como estão ou como descrições encenadas do seu olhar.

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A SENSAÇÃO, QUASE INSTINTIVA, É DE AFASTAMENTO.

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São pessoas com paisagens mais do que paisagens com pessoas. Este é um traço de estilo de uma arte própria. A arte de Bruno Saavedra. A proximidade tornada carinho, uma atenção que deseja compreender, o reviver de projetos com crianças na sua estada em Macau inspiramlhe “Esperança”, uma exposição solidária em Lisboa, inaugurada menos de um mês depois do seu regresso. O entusiasmo deu frutos traduzidos em variados objetos, cada um destinado a uma criança especial, a um sorriso curioso encontrado naquele tal janeiro. A ideia de regresso um ano mais tarde concretizaria a promessa, mas também alimentava aquela atração cada vez maior pela sensação de estranheza que não o tinha abandonado.

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Em janeiro de 2020, o mar e o céu das ilhas já não foram só espreitados, foram pressentidos e tocados intencionalmente. Porém, de novo, não era a paisagem essencial, era antes a essência natural em que habitam todas aquelas pessoas que ele queria verdadeiramente ver. E em todo aquele verde no meio do mar há folhas de bananeira, a árvore divina que alimenta graciosamente aquela gente afável e divertida. E se eles e as folhas são um só, as suas cores são também omnipresentes nos tecidos postos a secar, nos cortinados- -gelosias das casas, nos trajes, na luz dos seus rostos.

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Foram voluntários nas experiências de fotogra a tão naturalmente encenadas e, nestas, sente-se e entende-se uma leitura do humano, um toque profundo de beleza. E o que é paisagem neste projeto também são mulheres e homens e crianças. Mas, acima de tudo, é um sentimento de procura do outro, de olhar interessado, perscrutador, atraído. E justo, como justos são aqueles que sinceramente buscam o próximo. As fotogra as de Bruno Saavedra neste trabalho mantêm uma linha e uma perspetiva de continuidade com “Made in China” ou “Na terra de Jacó”. A imagem de cada pessoa, aparentemente estática, leva-nos à sua relação com cada objeto que a rodeia ou em que toca. É um momento de intimidade, uma metáfora plena da vida. Naquela terra no meio da Terra, entre a generosidade plena da Natureza, vive gente a quem, paradoxalmente, faltam horizontes para além das bananeiras. As tais que estão em todo o lado e enchem as imagens turísticas das ilhas. As tais árvores verdes com as suas folhas carnudas. E, de qualquer modo, essas, omnipresentes, são (quase) gente. As folhas são um prolongamento das suas almas, do seu espírito, do seu olhar. En m, só para não dizerem que não falei das folhas...

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O ACTO DE VASCULHAR NO PASSADO POR QUESTÕES, HÁBITOS, ERROS, VIRTUDES E OS PROJECTAR NO PRESENTE E NO FUTURO ACABOU POR SER ALGO DE MUITO NATURAL EM MIM, ISTO MESMO ANTES SEQUER DE REALIZAR A MINHA PRIMEIRA IMAGEM.

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A fotogra a sempre foi um meio controverso enquanto forma de expressão, com provavelmente demasiadas polémicas ao longo da sua história, sobretudo quanto ao seu papel enquanto forma de arte (entre outras, que não pretendo mencionar), no entanto, algo que ninguém poderá negar é o facto de a fotogra a viver sempre no passado, desde o preciso momento em que carregamos no botão da nossa câmara fotográ ca, essa mesma imagem faz parte do passado, e isso é algo imutável.

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CURIOSAMENTE, ESSA PARTICULARIDADE, SEMPRE FOI DAS COISAS QUE MAIS ME INTERESSOU NA FOTOGRAFIA, TAMBÉM E SOBRETUDO, FACE ÀS PARTICULARIDADES DOS MEUS PROJECTOS ARTÍSTICOS.

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Estes sempre foram demasiado pessoais, uma luta constante para me compreender, e para compreender o mundo em redor. O acto de vasculhar no passado por questões, hábitos, erros, virtudes e os projectar no presente e no futuro acabou por ser algo de muito natural em mim, isto mesmo antes sequer de realizar a minha primeira imagem. Ao me aperceber e reconhecer o poder que a fotogra a poderia ter no meu processo de auto-análise, cou claro para mim que seria a ferramenta perfeita para o meu trabalho, e consequentemente a melhor forma de expressão para mim.

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Em “Everything Lay Still” isso não muda, continua a existir uma tensão constante entre mim, o mundo e as consequências dos meus actos, tudo isto enquanto procuro lidar da melhor forma possível com o universo em meu redor, mas também e sobretudo com a minha própria mente. Inevitavelmente, vi-me forçado a abrandar; de algum modo, a minha maneira de encarar a vida até então, foi-me retirada. Senti, e ainda sinto (mas sobretudo olhando em retrospetiva), que o mundo cou numa pausa indeterminada, num limbo constante. Todos os meus planos imediatos foram anulados, todos os meus sonhos se tornaram mais longínquos, quase como se de uma utopia delirante se tratassem.

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Tudo isto foi um processo. Uma estranha forma de aprendizagem, de voltar ao inicio, e sem quaisquer certezas de poder eventualmente recomeçar.

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Assim, pretendo que este grupo de imagens possam demonstrar todo o caos interior por mim vivido nos últimos meses, mas sobretudo, a tremenda carga nostálgica que me atormentou; nas minha inúmeras divagações para tentar esvaziar a mente, acabava por ser constantemente assolado por sentimentos de impotência perante a vida; o mundo; e ao pegar na câmara para tentar registrar esses momentos, havia sempre uma dicotomia de sensações, de alguma forma era como se eu já tivesse presenciado esse mesmo momento...sentido...sofrido...; em contrapartida, recorrentemente cava com a impressão de estar a viver uma outra vida, de estar na pele de uma qualquer outra pessoa.

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Tendo isto como base, fez-me todo o sentido, voltar a fotografar em preto e branco analógico, para acentuar todos os elementos acima referidos, para poder trazer a carga nostálgica, que achei que este projecto necessitava, porque não poderia ser de outro modo. Mas sobretudo pelas características especi cas de todo o processo em si, e esse processo fez parte permanente de mim ao longo deste período, as tentativas de danicar o lme, a constante incoerência com que me forçava a revelar estas imagens...


E agora? Posso seguir em frente...como que se nada tivesse acontecido (ou quase), como se de um sonho se tivesse tratado. Simultaneamente, terá de ser um continuar diferente, mais um renascer, onde todos os velhos hábitos não terão lugar. E como poderei eu isto? Continuo com muitas questões por responder, mas o mundo continua a girar, e eu com ele. De algum modo, gostaria que este projecto seja encarado como um ponto nal de um ciclo. Pessoas chegaram e partiram, algumas caram, algumas sempre lá estiveram; algumas vivem puramente nas minhas imagens, outras no entanto vivem para além delas. Uma delas disse-me algo que retive: “tens de fotografar o futuro!” E a bem da verdade, o futuro está ao virar da esquina, só não sei ao certo como o poderei fotografar, mas isso é uma outra história, e um outro projecto.

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"FEELING THE STREET" É UMA SÉRIE FOTOGRÁFICA QUE REFLETE UM ESTADO INTENSO DE PRESENÇA EM QUE ME ENVOLVO NA RUA.

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PROCURO INTERPRETAR O BANAL O QUOTIDIANO DE UMA FORMA MAIS POÉTICA COM UMA FORTE COMPONENTE GRÁFICA…

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…POR VEZES SURGE UM JOGO DE LUZ SOMBRA ALIADO À GEOMETRIA E EMOÇÃO…

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POR VEZES SÃO APENAS SIMPLES GESTOS CORPORAIS A CAPTAR-ME A ATENÇÃO E ENALTECER O SIMPLES GESTO DO REFLEXO HUMANO.

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Ficha Técnica DIRECTOR Rui Miguel Cunha REDACÇÃO Vanessa Pereira DESENHO GRÁFICO E PAGINAÇÃO Rui Miguel Cunha FOTOGRAFIA Rui Miguel Cunha REVISÃO Nuno Guerreiro . Go4Word ERC n.125433 EDIÇÃO E PROPRIEDADE Rui Miguel Cunha SEDE DE REDACÇÃO Rua Jorge Barradas, 14 Almoinha . 2970-001 Sesimbra PERIODICIDADE Anual ESTATUTO EDITORIAL Clique PARCEIROS Olympus - MAC SOS WEB www.magazinereportagem.com EMAIL media@magazinereportagem.com COPYRIGHT @2023 Todos os Direitos Reservados.

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