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Expediente
Editora e fundadora
Jo Melo (@a.jomelo)
Curadoria
Jo Melo
Diagramação
Bruna Leão (@brunaleao.png)
Revisão
Gisele Cardoso Sertão (@afagodemaeoficial)
Luiza Gandini (@lougandini)
Stefânia Acioli (@tevejomae)
Autoras da Edição
Gabriela Marques - Rossana Pacheco - Natália Maria
Souza Veloso - Suely Motta - Ingrid Regina Schlesener
Gizelle Gi - Ana Luísa Manfrin Teixeira - Silvia Colodel
Camila Cordeiro - Maysaa Ibrahim - Camila Pasetto
.Karla Fontoura - Jordana Brandão - Marina Odo
Débora Zambi
Carta à leitora
Olá, seja bem-vinda! É um enorme prazer escrever esta carta principalmente porque o nosso aniversário chegou. 5 anos de existência. C I N C O anos! Quem diria. Jamais imaginei que um projeto que começou como um coletivo de mães se transformou numa revista que alcança mulheres do mundo inteiro.
Não foi fácil chegar até aqui. Não é simples estar à frente de uma revista, ainda mais quando se é mãe solo, chefe de família, assalariada e cheia de problemas que muitas de nós enfrentamos diariamente, mas chegamos até aqui e você faz parte dessa história.
Nesse meio tempo, publicamos mais de 1000 (mil) textos… fomos citadas por grandes veículos, bateram a porta na nossa cara, pessoas entraram e saíram, a vontade de parar chegou, ficou, foi embora e cá estou.
Agradeço a todas que estiveram comigo, as que chegaram para ficar, em especial, à Luiza Gandini que está há quase 2 anos tocando a revisão comigo, mesmo com sua maternidade, projetos, estudos, você esteve aqui… te admiro muito! Gratidão também às colunistas, novas revisoras, e a todas vocês que enviam textos e lutam por um mundo digno para que nossas vozes sejam protagonistas. Chegaremos lá!

E o meu recado especial é: não pare de escrever. Como tema desta edição é a escrita é ferramenta de cura e resistência, então, sejamos protagonistas da nossa história e nos curemos com as palavras.
Um beijo com afago,


Existir, resistir, reagir e florir!
Por Natália Maria Souza VelosoAh, a escrita! Sem dúvida alguma, falar de mim, é falar sobre o poder da escrita. Menina tímida, de poucos amigos, sempre teve a escrita como caminho. Caminho esse cheio de mistérios. Desde muito cedo, o amor pela leitura – que está intrinsecamente ligado à escrita – fez com que seus desejos, sonhos, aspirações e até mesmo premonições se tornassem reais. Pois esse é o poder da escrita: realizar!

A escrita liberta! Ela nos faz acreditar, quando ninguém bota fé; ela potencializa aquilo de mais genuíno que trazemos aqui dentro; nos faz segura quando o que aparentamos para os outros é somente fragilidade.
Trago em minhas lembranças, uma quarta série numa escola pública do interior – escola que eu amava! A proposta da professora era inovar: fazer uma releitura de um conto de fadas. O grupo em que eu fazia parte escolheu Cinderela – ah, meu conto favorito!
A pequena menina de 9 anos, nos seus mais insanos desejos, queria ser a Cinderela. Mas ela no fundo, já sabia que isso nunca aconteceria. Em meio a tantas garotas lindas (e brancas) na sua sala, ela nunca seria cogitada para tal papel. E logo veio a confirmação: “Você escreve muito bem! Por que não faz o roteiro? Fulana pode ser a Cinderela!” - disse a professora.
E assim se fez! Eu estava feliz pelo sincero elogio da professora e pelo reconhecimento de uma potencialidade, mas eu queria mais! Queria, mas não disse. Só escrevi. Fiz o meu papel e a Cinderela brilhou. No fim, pouco importava o ro -
teiro... mas para mim não. Eu também havia brilhado, disso eu tinha (e tenho) certeza!
Amadurecida, a pouco assisti a uma série que descrevia em forma de textos falas históricas de grandes pessoas. Pessoas que levo comigo aqui dentro, por tudo que são e representam. Em uma das falas, de Virgínia Bicudo - socióloga e psicanalista - me vi amplamente representada e o roteiro da Cinderela, escrito nos anos 90, volta e meia ainda me atormenta:
“Ter nota boa. Ser uma ótima aluna e ter nota boa é uma proteção pro negativo. Negrinha é negativo, ter nota boa é positivo. A solução é ser a negrinha com nota boa.”
Ninguém nunca me disse isso explicitamente, mas a trama diária da vida da única menina negra da turma e as atitudes das pessoas que eu mais amava, atitudes essas de carinho e proteção, estavam ali, escancaradas. Tão escancaradas que uma garota de 9 anos já entendia e realizava essa tarefa muito bem. Naquela época, era assim.
Hoje, aos 37, com 3 filhos e há 17 anos exercendo o papel de professora, reforço piamente que a escrita tem poder. Poder de libertar, poder de impulsionar, poder de potencializar, poder de fazer valer! Valer o sentimento, valer a iniciativa, valer a coragem.
Coragem de existir, resistir, reagir e florir. Marcar a vida das pessoas com palavras e conseguir fazer a diferença, nesse mundo tão louco e fugaz, e estar segura do seu lugar e contagiar meninas e meninos, homens e mulheres, no universo paralelo da leitura e escrita a fim de reafirmar que sim, você pode!

Liberte-se! Escreva! Viva!

Bendita palavra
Por Rossana Pachecoescrita
Dentro de cada uma de nós, mulheres, há uma amiga interna, paciente, pronta para ouvir ou ler nossos relatos de vida repletos, ora de uma felicidade momentânea, ora de uma angústia (Oxalá passageira, também), que surgiu de repente, sabe-se lá de onde, como, por quê e para quê.
Essa amiga, que carregamos conosco, ao longo dos dias, é silenciosa. Aprendeu que desabafos carecem tão somente de acolhimento, dispensando sugestões, palpites e conselhos.
Fazê-los, ao contrário, seria apontar soluções que na maior parte das vezes, não estamos prontas para assumi-las. É preciso ingerir, mastigar muito lentamente, antes de engolir cada um de nossos anseios para, então, levá-los à digestão. Sem pressa.
É aí é que entra a escrita: digitamos, em nossos notebooks e celulares, ou escrevemos, em folhas soltas, com caligrafia caprichada ou trêmula através das palavras situações presas em nossa garganta.
Nossa amiga invisível está ali, a postos, acompanhando cada frase que vai sendo elaborada e colocada para fora de nós mesmas. É nossa testemunha mais próxima: vibra por nós,
agindo como uma torcida organizada diante de nossos acertos e de nossa aceitação de erros. Somos imperfeitas. Ainda bem!
A escrita, nesses casos, revela-se curativa (uma forma de autoconhecimento e autopreservação) e, por que, não, um modo de resistência?
Não a resistência no sentido de se opor a algo, como num embate, onde há vencedores e perdedores, mas a resistência como sinônimo de enfrentamento de dificuldades e paralelamente, extração de lições de vida.
O dia, com suas 24 horas velozes, intrépidas, está sempre à nossa disposição. Importante, todavia, escolher o período que será melhor para sua escrita.
O momento de chamar sua amiga invisível, convidá-la a sentar-se ao seu lado, enquanto, com ou sem uma música suave de fundo (com, preferencialmente), você vai refazendo caminhos, tecendo comentários, solicitando, amiúde, para seu cérebro, coração e mente, auxílio no tocante às coisas que ainda precisa aprender ou soltar, para seguir, livre, a vida.
Transformei meu luto em poesia
Por Suely MottaUm breve relato de como a escrita me ajudou a ressignificar o luto pela perda do meu filho caçula.
Eu acreditava em terapia. Sempre acreditei - na terapia por medicamentos, em sessões com a psicóloga, numa boa conversa com amigos que sejam bons de papo ou de conselhos. Ou com os sábios - aqueles mais velhos com histórias para contar e experiências - vividas ou observadas. Mas, confesso, nunca havia pensado na escrita como uma ferramenta de terapia, como algo que poderia proporcionar cura. E muito menos imaginei que fosse funcionar comigo.
Comecei a escrever em 2011, no mês de abril para ser mais precisa. Eram dias difíceis e eu precisava desabafar com alguém. Escolhi o papel para ser meu melhor amigo. Ninguém melhor que ele para me compreender, pensei eu. Até porque, passava por uma difícil internação com o meu filho, uma criança especial, na época com dez anos apenas, e que havia passado por uma cirurgia que deu errado. Pois é, essas coisas acontecem também com crianças. Mas eu não queria aceitar. Estava muito revoltada, angustiada, desesperada até. Foi aí que comecei a escrever. O tempo passou, o problema se resolveu (com um alto nível de stress, muitas noites mal dormidas e muita dor), e a tal escrita foi deixada de lado. Afinal, uma mãe com dois filhos com tão pouca diferença de idade (um ano e nove meses, para ser exata) e trabalhava fora, estudava, tinha cargo de gestão, ufa! Encaixar mais uma coisa, a escrita, nesta agitada rotina não estava nos meus planos. Era um sonho que
eu sempre adiava. Entretanto, nunca abri mão de uma boa leitura. Elas, literalmente, me salvavam. Como escreveu nossa editora Jo Melo, “as palavras me faziam sair da realidade e ter esperança”. Mas, até então, as escritas dos outros. Como afirmou certa vez Ferreira Gullar “A arte existe porque a vida não basta.” E a arte, especialmente através das palavras, sempre fizeram parte da minha vida e da minha rotina. Por mais cansada ou sobrecarregada que estivesse, eu sempre lia - todos os dias. Nas internações em hospital isso era ainda mais comum. As leituras eram como um bálsamo e me ajudaram a não desistir de viver e de continuar sorrindo.

Entretanto, o mês de outubro de 2020 guardava uma surpresa muito dura, e eu não estava totalmente preparada para ela. Foi quando perdi Nathan, meu filho especial - meu caçula, meu companheiro, amor da minha vida. Ele viveu quase dezenove anos ao meu lado, extremamente dependente não só do meu amor, mas dos meus cuidados, providências, tratamentos e sorrisos. Sim, Nathan era conhecido como o menino que sorria, e tenho certeza de que a forma como eu comecei a encarar sua deficiência e suas dificuldades contribuiu muito para esses sorrisos. Não era fácil, estava longe de ser simples, mas eu tentava trazer leveza para nossas vidas o tempo todo, e tudo ficava um pouco menos complicado. Só que, diante de sua morte, eu me vi sem chão. A perda de um filho traz consigo uma dor não só mental ou emocional, mas também física. Passei por momentos muito difíceis, sentia muita solidão. Afinal, meu tempo era em grande parte dedicado a ele - o que eu faria agora?
Eu já fazia terapia antes do seu falecimento. Entretanto, em função do isolamento social prescrito em função da pandemia de COVID 19, nossas
sessões passaram a ser feitas remotamente. Muitas vezes eu não queria falar, pois estava em casa com meu marido e o outro filho. Não me sentia confortável que eles ouvissem minha exposição de emoções. Então, nessas sessões escrevia, digitava no computador. Foi aí que minha terapeuta observou algo interessante e me perguntou:
- Suely, você não tinha um projeto de livro? Não tinha começado a escrever alguma coisa, a sua história, a história do Nathan?
- Ah, tinha sim, isso foi há muito tempo, por quê? - Eu já perguntei meio desconfiada. Afinal, nem sabia que ela lembrava desse detalhe (eu mesma nem lembrava!)
- Você deveria retomar esse projeto, o que acha?
- Nossa, eu já tinha até esquecido disso! Além do mais, um dos motivos de eu ter parado foi justamente o fato de que às vezes não conseguia escrever muito, começava a me emocionar ao relembrar os fatos e tudo que passamos. E, como você sabe, eu odeio chorar!
- Pois é, mas é exatamente isso que vai te ajudar a superar o luto. Percebi que você expressa melhor suas emoções quando escreve. O que acha de tentar dar continuidade e concluir sua biografia? E se isso te fizer chorar, ótimo! - esse é o momento certo para chorar.
Confesso que fiquei empolgada com a ideia. Afinal, desde criança alimentava um sonho de me tornar escritora. Mas, diante da realidade de uma vida corrida, com trabalho e as obrigações que nós mulheres e mães conhecemos bem, isso não passava de um sonho muito distante. Além do mais, pensando bem, retomar esse projeto naquele momento poderia ser útil para preencher o tempo livre, que gerava um certo desconforto, um aperto no peito e uma sensação de ausência e saudade ainda maior.
Enfim, no início de 2021 eu (re)comecei a escrever a biografia, com o título Maior que a Dor.

Foi uma experiência muito intensa… lágrimas, algumas pausas necessárias, muita respiração profunda e recordações. O mais incrível é que a revolta, a mágoa e a dor de outrora, cerca de dez anos antes, foi aos poucos sendo substituída por aceitação, e dando espaço para vivenciar calma e saudade. As lembranças eram doloridas, às vezes pesadas, mas a saudade e a dor da ausência foi se transformando em gratidão - por ter vivido tudo ao lado dele, por ele e para ele. Quando a gente toma um remédio meio amargo, até resiste no início. Só que, à medida que ele vai fazendo efeito, a sensação de alívio, a diminuição dos sintomas e do incômodo começa a ser mais importante que o amargor inicial. Aí no dia seguinte a gente recorre a ele novamente. E o remédio para a minha dor do luto foi esse: contar a minha história. Tinha dias que eu escrevia sem parar - feriados, finais de semana. Não perdia nem uma oportunidade!
Então, comecei a perceber o alívio daquela dor e consegui ressignificar aquele momento. Transformei meu luto em poesia, minha dor em profundo amor. Mais que uma história de sofrimento, compartilhei uma história de resistência - aos títulos e rótulos de uma “mãe especial” ou uma “mulher guerreira”, para ser apenas uma sobrevivente. Alguém que precisava compartilhar com o mundo, ou pelo menos com quem se interessasse por essa história, suas reflexões, momentos, cansaços e triunfos.
Ao concluir a biografia ainda escrevi cinco livros infantis, com diversos temas ligados à temática principal de inclusão e diversidade, constituindo a coletânea “As Aventuras de Nathan”. Com a escrita desses seis livros eu não só curei minhas feridas e ressignifiquei o meu luto, mas garanti que o Nathan, sua história e seu sorriso vivessem para sempre, registrados no papel e em nossos corações.
Foi o medo do Alzheimer que me fez escrever, sem parar, como exercício de prevenção.
Por Ingrid Regina SchlesenerVi minha mãe morrer, a cada dia, para a vida e para o mundo, num processo doloroso de uma doença atroz que lhe deixava um vazio sem cor na alma. Tirava-lhe a lucidez da mente e lhe provocava uma tristeza sem fim, levando-a para um lugar perdido, distante e incompreensível.
Depois que ela partiu, ficou minha perplexidade diante de tanto sofrimento e foi inevitável ficar, também, o fantasma da doença a me assombrar tirando minha tranquilidade e minha paz. Numa consulta médica me foi dito para fugir da mesmice e forçar os neurônios em estudos e leituras.
“Não se preocupe, você não está com a doença! Se estivesse não estaria aqui sozinha! Quem tem Alzheimer precisa vir acompanhado!”
Sorrindo, a neurologista deixou claro que eu poderia seguir minha vida sem o trauma que ficara depois do falecimento da minha mãe. Quatorze anos deixaram sequelas em minha alma!
“Mas precisa se cuidar! Ativar diariamente os neurônios com leituras, escritas, jogos... vida ativa é essencial!”
Saí do consultório e comprei (além de palavras-cruzadas) um caderno onde decidi iniciar um hábito que eu não tinha: o hábito de escrever. Escrever aleatoriamente meus pensamentos, conceitos, lembranças logo se tornou uma mania que se transformou em paixão! E percebi que procurar palavras adequadas, colocá-las em frases, significá-las, eu, além do exercício mental, estava ressignificando igualmente minha vida!
Ao escrever, eu clareava meus sentimentos, liberava meus medos, curava minhas feridas e aumentava minha autoestima!
E descobri como é bom escrever! Escrever como forma de lazer, como forma de driblar o lado mau da vida e pôr no papel o lado bom! E perceber que o lado bom é o Amor em manifestação, simples, pleno e absoluto!
Publiquei meu primeiro livro (Nas asas do coração), onde transformei palavras simples do cotidiano, carregadas de emoção, em palavras de autoajuda e autoconhecimento. Pensamentos e reflexões acerca da vida, da natureza, do comportamento humano e da minha jornada aqui na terra, sem pretensões doutrinárias. Aliás, o que escrevo serve mais para mim do que para os outros.
Corajosamente parti depois, para a minha primeira aventura no reino do romance (Elisa pede passagem). Dez dias no Peru, em vivências com os mistérios do império Inca, proporcionaram-me material e emoções que afloraram em um singelo enredo em Machu Picchu.
Percebi, então, que, inevitavelmente, adentrara não só no reino do romance, mas experimentara seu fascínio e sua magia! A fascinação de manipular personagens e seus dramas, a magia de criar vida e uma inexplicável emoção tomava conta do meu ser a cada página escrita, enquanto emaranhava os destinos a meu bel-prazer.
Uma emoção que não para, pois continuo desfiando minhas histórias (Entardecer em Porto Azul, Minha linda normalista, Oásis)! Porque escrever é preciso! Porque contar o lado bom e belo da vida é preciso! Porque escrever é o que dá sentido à minha vida! Porque buscar a vida... é preciso!
Em paz!
Interior de Si
Por Gizelle GiQuando ela viajava para o interior de si visitava todos os cômodos da sua alma.
Sentava na varanda dos seus sentimentos faxinava toda tristeza acumulada.
No quarto quando adentrava não perdia a mania de revirar suas poesias engavetadas. Quando se lia a emoção sempre lhe acariciava ora sorria, noutras chorava.
Só retornava para o seu mundo externo quando sentia-se leve aliviada.
O reencontro
Por Ana Luísa Manfrin TeixeiraTodos carregamos elementos que fazem parte de quem somos. Habilidades e peculiaridades inatas, trejeitos e até características herdadas; uma bagagem que carregamos de outrem. Algumas pessoas passam a vida inteira sem saber o que as completa, o que faz bem para suas almas. Nesse sentido, eu posso dizer que tive muita sorte. A escrita, desde que adentrou em minha vida, tornou-se uma parte inerente a mim. E, me valendo das maravilhosas palavras da maior dama da nossa literatura, Clarice Lispector: eu escrevo porque preciso. Escrever salvou a minha alma.
E assim tem sido para mim desde os tempos mais remotos da minha adolescência.
Nesse período escrevia loucamente, todos os dias, para entender meus sentimentos, externalizar preocupações, tentar entender, pelo papel, quem eu era.
A escrita frenética cessou por um tempo. Afinal, estudo, trabalho, casamento, casa... Veio então a maternidade. E com ela todos os questionamentos que viviam adormecidos em mim. A matrescência trouxe consigo todas as inseguranças que eu nunca pensei que encontraria novamente.
Acredito que há arte no mundo para que esta possa servir aos homens. Quando tudo transborda a arte serve como um expansor. Ela diz: “venha! Derrame aqui o que lhe vai transbor-
dar! Eu lhe darei todo espaço que precisas!”. E como eu transbordei naqueles dias. O puerpério me pegou de calças curtas. Justo eu! Que sempre me achei tão centrada, tinha tudo sempre sob controle. Justo eu que era tão segura de mim. Justo eu.
Transbordei de tudo. De medo, angústia, preocupação, amor...aah o amor… ele vem chegando tão devagarinho e quando percebemos torna-se a base de tudo. É o primeiro e o último sentimento que se apresenta todos os dias. Não interessa o que acontece, é sempre ele que fica.
Eu já estava lá, submersa, sozinha, lutando intensamente contra mim mesma para não transbordar, não perder meu fôlego, não afundar! Não posso afundar! Já me faltava o ar quando ela voltou.
Está ela novamente me aguardando. Estendendo sua mão para a minha salvação.
E então eu pude transbordar… sem afogar ninguém. Consegui, ainda nesse processo todo, reencontrar uma antiga amiga.
Ela estava sentada ali, na costa desse mar incontrolável. Quietinha, observava tudo um tanto quanto amedrontada. Era como olhar para um espelho. Ali estava eu. Me fiz vista e ofereci meus braços em um abraço para mim mesma. Nos consolamos uma nos braços da outra.
Tudo vai ficar bem
“Quando tudo transborda a arte serve como um expansor.”
Estou curada
Por Silvia ColodelForam anos distanciando meu próprio pensamento e meus desejos rumando ao encaixe perfeito que a sociedade me exigia. Eu estava exausta, vivendo na melancolia de uma vida que não era a minha, incrédula sob as possibilidades que via passar bem diante dos meus olhos e absolutamente imobilizada diante dos sentimentos que pulsavam dentro de mim.
Sentia meu peito rasgando de angústia sem poder expressar a potência que sempre considerei que tinha. Minha garganta estava seca, minha voz trêmula e vazia.
Ela fora apagada pela opressão de ter que me colocar no meu lugar, sem ao certo saber qual era e permitindo que outras pessoas guiassem esse caminho desagradável de não poder ser eu mesma, de ter que vigiar meus pensamentos.
Fui me calando, silenciando. Uma amordaça espinhenta sobrepunha-se aos meus lábios sedentos de palavras, meu corpo já não seguia o meu controle, minhas mãos já não pertenciam ao meu ser.
Eu gritava e ninguém me ouvia. Aquilo que tentavam me fazer acreditar, eu não engolia, os desaforos ficavam presos na minha boca. Minha expressão era de agonia. Ninguém me via, ninguém me ouvia.
Erguia-me com dificuldade todos os dias seguindo uma voz sussurrando em meus ouvidos.
Eu ouvia, só eu ouvia. Eu tinha um aliado, aquele sussurro, ele foi o mais poderoso dos seres, o mais transformador e vital da minha existência, aquele que veio para me transformar sem dizer nenhuma palavra. Ele foi eco. Ele sussurrava com os olhos me olhando, com os dedos me acariciando e o cheiro da vida tomando conta de mim novamente. Eu chamo esse sussurro de filho.
Quando ele tocou a minha alma, eu comecei a tomar fôlego, levantei, enchi meus pulmões de ar e gritei forte, bem alto, lancei todos os meus defeitos ao vento, segurei todo o meu afeto. E me reconheci novamente.
Foi uma dose desse remédio poderoso que me faltava para enfrentar todos os meus medos, para me reerguer e resistir. Voltar a quem eu deveria nunca deixar de ter sido. Resisti para existir.
Foi me expressando através das palavras que alcancei a cura do abuso, da violência, da insuficiência, do medo e da imperfeição. Foi através delas que descobri a necessidade de acolher, de ser rede de apoio, de dar carinho, de entender que a dor do outro é legítima e que somos curadas também, pelo simples fato de ouvir aquilo que não é dito, apenas escrito, com ardor ou com amor.
Em pé e rodeada de palavras eu me mantenho desde então.
Escrever e maternar
Por Camila CordeiroEscrever e maternar coexistem
Ou deveriam
Incerteza
Indecisão
Culpa
Solidão
A escrita te permite externalizar todos os medos da maternidade sem o peso do julgamento alheio
É um afago na alma
De quem escreve
De quem lê
Talvez traga mais leveza para caminhar
Talvez traga mais força para suportar
Talvez sirva como um desabafo regado a doses
de acolhimento
Então, escreva
A escrita transforma
Na calmaria ou no caos
Escrever é resistência
Depois da maternidade, se descobre que estabilidade é utopia
Então, escreva
Tudo que vier
Palavra, linha ou verso
Crônica, conto ou poesia
Livre suas amarras
Ainda que não escreva sobre si mesma, escrita é autoconhecimento
E para a intensidade do maternar se autoconhecer é revolucionário
A escrita, cura
Talvez pareça loucura, talvez não
A escrita não quer te completar

Quer te expandir
Na dúvida, dê um Oi para si mesma hoje
Seja na folha de papel ou na tela do celular Escreva
E ao escrever, lembre-se: as palavras acolhem
além de quem escreve
Transborde sua potência Escreva.
A história de Maysaa
Por Maysaa IbrahimA semente germinou em um ventre forte, ouvindo barulhos de bombas explodirem em meio à guerra, sentindo medo e lamúrias enquanto fincava suas raízes em solo fértil. Nadando na água do ventre, tentava decifrar o que movia as sementes maiores lá fora.
Se perguntava se valeria a pena germinar em um mundo barulhento, hostil. “Vai lá, o mundo precisa de você!”
E cresceu em ventre úmido, criando formas, multiplicando células.
A Semente virou gente, mas não tinha nome, nem documento, saída das entranhas de uma mãe forte e frágil, onde o grito de dor retumbava nas paredes do quarto.
Gente chorou quando nasceu, um choro triste, provido da coragem despontando no meio do medo de cumprir sua missão. Gente ficou sem nome por sete dias, até que em uma madrugada, a lua visitou o quarto onde dormia o pai da gente.
Ela iluminou sua face, ele sorriu e despertou a mãe movendo-a de um lado ao outro: “Ei, acorda. O nome dela será Maysaa!’
E foi então que Maysaa sorriu pela primeira vez. Crescida em um ambiente de culturas, idiomas diversos, Brasil, Líbano e África, ela pôde ver desde pequena como as cores e as diferenças eram infindáveis e um tanto bonitas.
Com seis anos, seus olhos tilintavam ao se deparar com a riqueza e grandiosidade da biblioteca da escola onde estudava. Ia lá todos os dias para olhar e apreciar, igual uma criança encantada com uma loja de doces.
E todos os dias, religiosamente, parava em
frente à bibliotecária e lhe fazia a mesma pergunta. Se podia retirar algum livro para ler. E a bibliotecária, olhando em seus olhinhos cheios de brilho e esperança, lhe dava um não como resposta. Amargo para a menina, mas não a ponto de intimidá-la.
Maysaa voltava para casa com a lágrima espremida no canto do olho. Dia após dia.
A mãe voltou-se para a escola e exigiu que sua filha pudesse retirar os livros que quisesse daquela biblioteca.
E assim foi. Maysaa, como que indo a um parque de diversões, escolhia o brinquedo que queria e voltava para casa com tamanha felicidade. Participava de concursos de leitura e recebia medalhas de melhor leitora em todos que participava.
Enquanto as demais crianças assistiam desenhos, Maysaa lia, esticada, debruçada ou encolhida no sofá.
Com oito anos, Maysaa pegou um lápis em um papel que hoje deve estar amarelado e anotou: “Quero escrever um livro.”
E inspirou muita gente na escola a escrever também. Teve até um professor que lhe incentivou muito. Ah, se ela lembrasse o nome dele. Sempre se pergunta onde ele estaria.
E cresceu. Escreveu, leu.
Um dia, ela parou. E foi sentindo que uma parte sua também havia parado. Uma pausa não programada, mas talvez necessária. Há descobertas que precisam ser calçadas, mesmo desconhecendo seus motivos.
Maysaa despertou após perder seu pai, da latência que esteve vivendo. Mas despertou. As
“Há descobertas que precisam ser calçadas, mesmo desconhecendo seus motivos.”
asas que lhe foram podadas, se transformaram em escudos. Mais duros e mais pesados, porém seu plano B, já que não dispunha mais de asas.
E retornou, trabalhando, lendo, escrevendo e produzindo. Uma missão de levar alegria, esperança, criatividade e inspiração, brincando com palavras de forma a chegar nas pessoas, até as mais hostis.
Colocou sua cara no mundo, assim como se sente um vento bater em seu rosto ao abrir a janela do carro deixando seus cabelos esvoaçarem sem se importar se estarão arrumados ou não.
Precisou de coragem, igual quando se decidia no ventre de sua mãe, presa a um cordão em que não podia se libertar, se cumpria ou não a sua missão. No meio de bombas e pessoas mascaradas, ela precisava de uma estratégia para vencer a batalha. E ganhar a guerra.
A Maysaa sou eu. E apesar de frágil, eu sou forte. Eu sou aquela que faz um pequeno fio virar um novelo, se está emaranhado, desenrolo lentamente. Eu era toda receios. Hoje eu sou Maysaa.
Meu refúgio, minha cura, minha voz
Por Camila PasettoQuando acreditei que meu puerpério havia terminado, fui convidada a vivê-lo mais uma vez, porém agora, não sozinha. Fomos convocados a recolher-se, pois, estávamos prestes a viver uma pandemia.
O mundo em puerpério, quem poderia imaginar. O desacelerar das rotinas caóticas e o convite a olhar para as nossas próprias sombras; a angústia proveniente do isolamento, incertezas e medo em torno da nova realidade, a sensação de vida paralisada, rotina bagunçada e a restrição ao ambiente doméstico.
Isolada em casa com meu filho de 4 meses, procurei mudar o foco. Deixei de acompanhar os tristes noticiários, para procurar na internet conteúdos que pudessem contribuir com minha maternidade. Muito foi válido, porém, deparei-me com realidades perfeitas que não condiziam com a minha e não tardou para eu ser assombrada pelas comparações.
Demorei compreender que minhas escolhas não poderiam ser pesos para mim, eu precisava deixar minha maternidade mais leve, pelo bem de todos, em especial para meu próprio bem. Foi aí que entendi que precisaria aceitar e encarar este novo puerpério buscando alternativas que faziam sentido.
Os planos de voltar a trabalhar fora de casa precisaram ser adiados. Foquei no privilégio de estar exclusivamente com meu filho, mas por trás do sentimento de gratidão existia uma crise de identidade. Eu precisava também me reinventar.

E foi em um momento aleatório que uma voz dentro de mim, falou “Escreva!” e no mesmo instante comecei a rascunhar aquilo que estava mais vivo em meus pensamentos, meu relato de parto e fazendo-o decidi de imediato que iria
transformá-lo em um livro.
Do sonho em ser mãe, o caminho percorrido na gestação, o relato de parto propriamente dito, até nossa chegada ao lar. Este seria o presente de um ano para meu filho, um livro sobre o início de sua história.
O momento de escrita tornou-se um refúgio. Ali concentrei minhas forças, angústias e novas expectativas. Ao terminá-lo e dar-me conta do que havia feito, perguntei-me se outras mulheres não poderiam se beneficiar de alguma forma acessando este relato de experiência.
Então surgiu um novo e grande motivador. Tratei de detalhá-lo ainda mais, de forma que as leitoras fossem ao encontro de conteúdos relevantes que as levassem a tomar decisões mais assertivas dentro de suas realidades. Decidi por fim, colocar este livro para além do meu círculo familiar.
Houve receio, medo da exposição, crítica, mas terminei por ouvi uma frase que dizia assim “Quando faz algo por você mesmo também faz para o mundo, pois as pessoas ao seu redor têm acesso a sua transformação e podem se transformar também.” Não sei quantas pessoas irei atingir com este meu relato, mas torço para que ele chegue a pessoas que o recebam de peito aberto, deixando-se envolver pelas minhas transformações no trajeto de gestar e parir uma vida.
Além do presente especial que meu filho recebeu; do fato de já receber depoimentos de transformação de mulheres com a leitura do livro; esta obra ressignificou minha vida. A escrita foi para além do meu refúgio, ela curou minha alma e hoje em dia através de meus textos mostro um pouco de minha arte e muito da minha voz.
Minha escrita
Karla Fontoura
Cansaço de acumular dores do ser mãe-mulher é tolice
Não preciso carregar
Se posso eu pari-los voluptuosamente em centenas de sílabas, Por que não fazê-lo?
Por isso
Descarrego-os no papel depósito
E renasço
No colo de teus olhos
Mães que escrevem. Mãos que curam. Letras que salvam
Por Jordana BrandãoA vontade de juntar palavras nasceu comigo. A caneta e o papel sempre à mão é um hábito que me acompanha desde sempre. Junto com os livros, são grandes companheiros.
Ler e escrever, para mim, é bálsamo para alma, acalento para os dias difíceis, e forma de extravasar as alegrias da vida. É, enfim, minha voz neste mundo.
Tive a sorte e o privilégio de nascer em uma família que preza muito a leitura e que tem facilidade com as letras. Cresci ouvindo meu pai declamar poesias que aprendeu com sua mãe, minha avó. Os livros sempre estiveram entre as coisas mais valiosas lá em casa. Fazer da escrita um hábito e reconhecê-la como parte de mim fez parte da minha formação. Filha de dois professores de português, cresci, junto e misturada, com os livros, que segundo Antônio Vieira (filósofo, orador e missionário português): são um mudo que fala, um surdo que responde, um cego que guia, um morto que vive.
Nessa toada, venho seguindo ou, por que não dizer, perseguindo os poetas. E cedo descobri que escrever é minha forma de estar no mundo; é a minha grande terapia; é a minha libertação. E hoje, já distante da infância, mãe de um pré-adolescente e mulher nestes tempos tão pesados em que vivemos, escrever tornou-se, mais do que
nunca, uma forma de cuidar de mim e da minha alma, e de encontrar intervalos de paz e sossego na vida atribulada de mãe e mulher. Escrever é a minha hora, o meu momento de encontro comigo mesma. É quando fico tête-à-tête com quem eu sou de verdade. É a hora da Jordana por Jordana. Na correria do dia-a-dia, no sufoco da rotina, nas horas turbulentas da vida, poder escrever, desvendar os meus sentimentos, entender o que está aqui dentro de mim soterrado e abafado e, assim, me acolher, é uma forma de me restaurar, me reiniciar e me preparar para encarar os desafios da vida. Escrever permite, enfim, olhar de fora para o meu caos íntimo, dando-me a chance de me reorganizar.
E mais do que isso, escrever sublinha nossa vida. Faz o contorno dos momentos e das pessoas que nos perpassam pelo caminho, tornando indeléveis os momentos vividos intensamente e permitindo enxergar aqueles que passariam despercebidos, mas que são tão lindos e sublimes quanto os intensos. Escrever desperta sentimentos bons que estão arquivados nos porões do afeto.
Escrever é a hora do silêncio. E o silêncio é o contraste de que precisamos nestes dias de excesso de barulho, em que há tanta coisa sendo dita e quase nada escutado. O silêncio nos devol-
“Escrever é a hora do silêncio. E o silêncio é o contraste de que precisamos nestes dias de excesso de barulho, em que há tanta coisa sendo dita e quase nada escutado.”
ve alguns sons que já não escutamos, mas que nos fazem tão bem. Esse silêncio descondiciona e desprograma o adestramento neurótico do nosso cérebro acelerado, permitindo a dádiva de cultivarmos a quietude, algo tão perdido nesses tempos em que temos a sensação de estarmos sempre atrasados e distantes dos lugares, eventos, corpo e carreira tão expostos como facilmente alcançáveis nas vitrines das redes sociais. Para mim, escrever cria um fluxo de felicidade e estímulo vital. É uma epifania que invade, acalenta e preenche. As palavras nos humanizam. Santo Agostinho dizia que, quem canta, reza duas vezes. Parafraseando-o, eu digo, sem medo de errar, que, quem escreve, também, reza duas vezes.
E escrever, quando somos lidos, tem ainda a mágica da multiplicação. Quando quem nos lê se identifica com o que está escrito e se sente, de alguma forma, tocado pelas nossas palavras ou sobre elas reflete, aquilo que escrevemos deixa de ser só nosso e passa a ser comungado com o
outro, que imprime novos e legítimos sentidos ao que escrevemos. Quando isso acontece, temos a certeza do quão legítimo e humano é aquilo que sentimos e o quanto fazemos parte da humanidade. Acredito que deva ser este o destino das palavras escritas: ilustrar, consolar e provocar a vida daqueles que nelas se reconhecem.
Escrever é, pois, também, uma das grandes formas de conexão com o mundo, com as pessoas e conosco mesmo. Escrever nos permite não ficar confinados numa só palavra: tristeza, cansaço, rotina, ou qualquer sentimento que nos atormente. Temos um alfabeto inteiro para combinar e formar outras milhões de palavras e frases que melhor nos traduzem e, sobretudo, nos colocam em contato com o que temos de mais humano e essencial.
Tente. Pegue papel, caneta, silêncio e se jogue nesse momento de paz. Deixe a sua alma falar por você. Não se preocupe com poesia, com correção gramatical, com aprovação alheia. Apenas deixe vir de dentro o que você sente.
Sobre a complexidade de ser mãe…
Por Marina OdoDesde que a Alicia, agora completando seus 2 meses, nasceu eu retomei a escrita. Alguns contos foram selecionados em concursos e me motivaram a continuar. Em breve lançarei um livro e estou muito animada com a ideia também.
De fato, o maternar deu asas à minha imaginação. O dia a dia é tão caótico com duas meninas (pois é, também tenho a Liara, de 3 anos) que criar outro universo que me transporte não deixa de ser um refúgio.
É tão verdade que não pude deixar de me inspirar na minha própria vida para criar o conto a seguir. Dividir com vocês nesse momento e para essa edição faz todo o sentido para mim.
Lado B
Eu estava no limite. Enquanto escutava dois choros vindos das minhas duas filhas ao mesmo tempo, fechei os olhos. Não optei por acudir nem uma, nem outra.
Eu, provavelmente mais do que as duas, precisava de um resgate, mas era a única adulta ali e não cabia entrar na sinfonia e começar a chorar também.
O celular tocou e me tirou da inércia. Era a Camila, minha amiga desde a infância e madrinha da minha filha mais velha.
- Amiga, você viu a matéria que eu te mandei?
- Não abri ainda. Tá o caos aqui.
- A mulher falou seu nome e sobrenome. Quando der um tempinho, você precisa ver. É bizarro!
- Tá… do que se trata?
- Ela disse que você a procurou em uma linha temporal diferente da sua. Que você teria terminado sua pós e feito aquela viagem para a Índia, mas que sentia muito a falta das duas filhas.
- Você tá de sacanagem.
- Não tô. Escuta. Aí ela disse que você foi atrás do André, já que por conta da pós você não tinha ido para a festa da Elaine portanto, não teriam se conhecido.
- E aí?
- E ele já estava casado com a Magda.
- Bem que eu sempre achei que ela dá em cima dele.
- Parece que você tentou se aproximar dele, mas não deu certo. Ele te achou meio louca e a Magda estava grávida da segunda filha deles também. Aí você procurou essa mulher que fez doutorado em Física, mas que escreveu também vários livros sobre viagem no tempo.
O som das crianças chorando fazia com que eu me esforçasse para ouvir. Peguei a bebê no colo enquanto minha outra filha se agarrava na minha perna.
- E ela resolveu minha situação pelo visto, né?

- Não sei. Não diz na matéria. Talvez tenha uma versão de você que não seja essa, já pensou?
- Pior que já. Mas duvido. Bom, depois eu leio a matéria. Realmente me deixou curiosa.
- Tá, vai lá, sei que está ocupada. Qualquer coisa me liga.
- Pode deixar, beijo.
- Beijo.
De repente percebi o silêncio. A bebê adormeceu no meu colo. A coloquei no berço e peguei a mais velha, que estava sonolenta também.
Deitei ao lado dela, que me agarrou com muita força e dormiu em cima de mim. Talvez eu também tenha cochilado. Quando me desvencilhei de seus bracinhos, alcancei meu celular.
Havia uma mensagem apagada da Camila. Ué. Enviei perguntando o motivo dela ter excluí-
do a matéria, eu queria ler. Ela respondeu apenas que estava dirigindo, depois nos falávamos. Espero que eu não tenha sonhado. As mães que sofrem de privação do sono hão de me entender: isso de tirar só alguns cochilos fazem a gente até confundir se algo de fato aconteceu. Tomara que aquela possível versão minha perceba que já que fez uma escolha, deve aproveitar, estudar mais mesmo, viajar o quanto quiser, focar na carreira.
Estou pensando nisso quando olho para minhas filhas e me dou conta que também fiz uma escolha. Uma só não, duas. E vibrei de emoção com cada teste positivo e sinto um amor por elas que não cabe em mim.
A propósito… Está tudo tão quieto agora. Poxa, será que essas pestinhas não vão acordar?
Entre fraldas, mamadeiras! Eu escrevo
Por Débora ZambiEscrevo no soninho da tarde, no sono da noite, escrevo de madrugada mas, escrevo.
Na hora do papa, na hora do banho, penso em como escrever e escrevo.
Não tenho hora, aproveito a folga, no meio da casa bagunçada, brinquedos espalhados. Escrevo.
Um grito, um choro, a pausa se faz presente, na vírgula, no ponto final, a mãe que escreve deixa de ser ausente. Às vezes há rimas, às vezes drama predomina, romance nem pensar, é conto, narrativa predominante suspiro, é hora do mamar.
Entre uma mamada e outra, a escrita briga, pulsa o sangue vibra, preciso falar, é loucura que desatina na rima, escrevo para letras não sufocar.
Engasgada, nó na garganta, o dedo treme, tenho um mundo em mim para compartilhar.
Corre, brinca, atenção!
É preciso escrever e não pirar, dizem que a escrita feminina é um ato politico, concordo e acrescento é também acolhimento e afeto para gente compartilhar.
É filho também, que nasce pro mundo ganhar, é giro de palavras, é força do pensar.
Alguém que cria, acrescenta, corrige. Mãe!
Escrevo para não ser só, seja relato, auto ajuda, paro em meio as dúvidas e acolho meus filhos.
Deixo ouvir as batidas do meu coração, acalma e tranquiliza, assim como escrevo essa poesia.
Pausa, meu filho me chama! Amanhã, eu volto! Não sei! Poema ou drama.
A escrita me transformou e me fez perceber quem eu de fato sou
Por Gisele SertãoA maternidade trouxe à tona todas as minhas vulnerabilidades. Eu me sentia insegura em cuidar de um bebê recém-nascido, e me questionava sobre minha própria personalidade em um período de puerpério tão cheio de incertezas. Era muito difícil me olhar no espelho. É estranho dizer, mas é como se por mais que eu fosse a mesma pessoa, uma parte de mim, deixou de existir desde o dia do nascimento do meu filho.
Além de todos esses conflitos, quando o meu filho tinha seis meses de vida a pandemia chegou aqui no Brasil. As notícias me aterrorizavam, o aumento do número de mortos me assustava, e todos os meus medos, enquanto mãe de primeira viagem, se potencializaram.
Eu, que morava próximo da minha família, mudei de cidade e não tive rede de apoio durante os dois primeiros anos do meu filho. Com todas essas mudanças, senti-me sozinha nessa fase que eu romantizei tanto durante a minha gestação.
Embora me sentisse privilegiada por poder cuidar integralmente do meu filho, também senti falta da vida agitada de antes, das conversas, dos abraços, dos encontros, das pessoas, do convívio social que sempre tive antes da maternidade e da pandemia chegarem. Eu sentia que a vida de muitos continuava fluindo e a minha ficou paralisada; não me enxergava além da maternidade. Sentia que havia perdido a minha identidade.
Após iniciar a terapia, ressignifiquei algumas questões internas e lembrei do meu gosto pela escrita. Quando criança, eu escrevia em diá-
rios, gostava de ler e fazer redações nas aulas de português na escola. Na graduação em Publicidade e Propaganda, eu sempre era responsável pela parte escrita e almejava muito trabalhar como Redatora - o que infelizmente não aconteceu. Há muito não escrevia ou lia algo, afinal meu tempo era dedicado somente à maternidade. Passei então a me expressar através da escrita, o que foi muito terapêutico e transformador para mim. Voltei a ler e entrei em um clube de leitura online; criei um blog e uma página no Instagram, onde comecei a publicar meus textos sobre maternidade.
Fico muito feliz quando minha escrita toca o coração de alguém de alguma forma, pois foi através dela que eu me resgatei e descobri, também, o quanto consigo ser e realizar muitas coisas incríveis além da maternidade.
Assim como eu me encontrei, desejo que outras mães também se encontrem; mesmo com esse turbilhão de sentimentos e mudanças drásticas causadas pela chegada de um filho. Quando escrevo sinto o desejo de encorajar outras mães e fazê-las enxergar o tamanho de sua força e potencial, que muitas vezes se encontra escondido dentro delas.
Através da escrita, encontrei uma amiga e confidente quando sentia que ninguém me compreendia. Através da escrita, eu tomei posse da minha nova identidade após a maternidade.

Quando escrevo me conecto com pessoas, expresso meus sentimentos, alcanço liberdade e me sinto viva de verdade.
A escrita me transformou e me fez perceber quem de fato sou.
Textos bônus
Separamos os 5 conteúdos mais lidos desses 5 anos! Textos que alcançaram muitas mulheres e valem a pena a leitura.
Top 5 mais lidos
Carta de uma mãe solo cansada
Carta para uma mãe que perdeu seu filho na gestação
Um desabafo sobre a vida das mães que trabalham fora
Feliz Dia das Pães? Não, obrigada!
CARTA | Ao meu bebê
Tem collab no ar
A partir de agora, toda mãe que escreve pode ter uma camiseta para chamar de sua e mostrar para todo mundo que além de mãe, também é mulher — e escritora!

Parte do valor das vendas será destinado a pagar os custos da revista Mães que Escrevem. Conheça todos os modelos, acesse o site!
Até a próxima edição
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