producao de subjetividade Guatarri

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Guattari - Da Produção de Subjetividade - (Citações Trechos pt br) Transcrição por David Britto Da Produção de Subjetividade Félix Guattari In Imagem Máquina: A Era das Tecnologias do Virtual, org. André Parente, ed. 34 São Paulo SP, 1996 Tradução Suely Rolnik DA PRODUÇÃO DE SUBJETIVIDADE1 O pensamento clássico mantinha a alma afastada da matéria e a essência do sujeito afastada das engrenagens corporais. Os marxistas, por sua vez, opunham as superestruturas subjetivas às relações de produção infra-estruturais. Como falar da produção de subjetividade, hoje? Uma primeira constatação nos leva a reconhecer que os conteúdos da subjetividade dependem, cada vez mais, de uma infinidade de sistemas maquínicos. Nenhum campo de opinião, de pensamento, de imagem, de afectos, de narratividade pode, daqui para a frente, ter a pretensão de escapar à influência invasiva da “assistência por computador”, dos bancos de dados, da telemática etc... Com isso chegamos até a nos indagar se a própria essência do sujeito – essa famosa essência atrás da qual a filosofia ocidental corre há séculos – não estaria ameaçada por essa nova “máquinodependência” da subjetividade. Sabemos da curiosa mistura de enriquecimento e empobrecimento que resultou disso tudo até agora: uma aparente democratização do acesso aos dados e aos saberes, associada a um fechamento segregativo de suas instâncias de elaboração; uma multiplicação dos ângulos de abordagem antropológica e uma mestiçagem planetária das culturas, paradoxalmente contemporâneas de uma ascenção dos particularismos e dos racismos; uma imensa extensão dos campos de investigação técnico-científicos e estéticos evoluindo num contexto moral de insipidez e desencanto. Mas ao invés de se associar às cruzadas tão em voga contra os malefícios do modernismo, ao invés de pregar a reabilitação dos valores transcendentais em ruína ou de entregar-se como o pós-modernismo às delícias da desilusão, pode-se tentar recusar o dilema de ter que optar entre uma rejeição crispada ou uma aceitação cínica da situação. Que as máquinas sejam capazes de articular enunciados e registrar estados de fato ao ritmo do nano-segundo2, e talvez amanhã do pico-segundo, ou de produzir imagens que não remetem a nenhum real representado, isso não faz delas potências diabólicas que estariam ameaçando dominar o homem. Na verdade, não tem sentido o homem querer desviar-se das máquinas já que, afinal das contas, elas não são nada mais do que formas hiperdesenvolvidas e hiperconcentradas de certos aspectos de sua própria subjetividade – e estes aspectos, diga-se de passagem, justamente não são daqueles que o polarizam em relações de dominação e de poder. P.177 Teremos lançado uma dupla 1

Texto enviado por Guattari ao Colégio Internacional de Estudos Filosóficos Transdiciplinares, para integrar a publicação de um número da revista 34 Letras sobre o tema da Pós-Modernidade. Esta publicação, no entanto, acabou não ocorrendo por conta do desaparecimento da revista. O texto foi editado pela primeira vez na revista Chimères – Revue des Schizoanalyses (n. 4 inverno 1987-1988; pp. 27-44) e reeditado como “Liminar”, no livro de Guattari Cartographies Schizoanalytiques (Galilée, Paris, 1989; pp. 9-25). (N. da Ed.) 2 Nano-segundo: dez elevado a menos nove segundos; pico-segundo: dez elevado a menos doze segundos. Sobre todos os temas prospectivos aqui evocados, cf. “Rapport sur L’état de la technique” C.P.E., número especial de Science et téchnique, dirigido por Thierry Gaudin. (N. do A.)


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