Políticas Culturais

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Políticas Culturais: Reflexões e Ações ções sobre os hábitos, canções, lendas do povo constituem um marco na tradição de pensamento da época, o que fez com que esse momento fosse considerado, segundo Peter Burke, o instante em que o conceito de cultura popular é inventado (ORTIZ, 1992). Dessa forma, a tradição popular era descoberta pelos intelectuais. Na América Latina, boa parte dos estudos folclóricos nasceu graças aos mesmos impulsos identificados na Europa, ou seja, à inclinação romântica em resgatar os sentimentos populares frente ao Iluminismo e ao cosmopolitismo liberal e à necessidade de arraigar a formação de novas nações na identidade de seu passado (CANCLINI, 1997). Predominaram por muito tempo, dessa forma, as interpretações imanentes, nacionalistas e conservadoras da cultura popular, sustentadas por uma ideologia romântica e positivista. A ênfase em aspectos funcionais e essencialistas constituíram-se como um amálgama perfeito para as políticas populistas desenvolvidas na maioria dos países latino-americanos, ampliando o sistema de dominação e exploração, por meio da diluição e neutralização dos conflitos sociais existentes.

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Mas o que vem a ser, afinal, a cultura popular e suas ditas manifestações artísticas? “Criação espontânea do povo, memória convertida em mercadoria ou espetáculo exótico determinado pela indústria cultural e reduzido a uma curiosidade turística?” (CANCLINI, 1983, p. 11). Segundo esse autor, a visão que reduz “a cultura popular a um conjunto de tradições deve ser abandonada, bem como o idealismo folclórico que pensa que é possível explicar os produtos do povo como ‘expressão’ autônoma do seu temperamento. O enfoque mais fecundo é aquele que entende a cultura como um instrumento voltado para a compreensão, reprodução e transformação do sistema social, através do qual é elaborada e construída a hegemonia de cada classe” (1983, p. 12). Talvez por isso, de acordo com Canclini, tenham sido acolhidas de forma tão significativa na América Latina teorias da desigualdade social e da luta de classes, defendidas por marxistas, em conjunto com a concepção estrutural identificada nos processos de produção, circulação e recepção da cultura, defendida por Pierre Bourdieu (1979). A alternativa analítica proposta por Canclini compreende as “culturas populares”, no plural, “como um processo de apropriação desigual dos bens econômicos e culturais de uma nação ou etnia por parte dos seus setores subalternos, e pela compreensão, reprodução e transformação, real e simbólica, das condições gerais e específicas do trabalho e da vida” (CANCLINI, 1983, p. 42). Portanto, uma das principais tarefas da investigação sobre as culturas populares na América Latina consiste em descartar qualquer redução a um “traço essencial” do que se entende por cultura popular pois concebê-la como um fenômeno socialmente construído implica saber identificar, por exemplo, que “como estado socioeconômico [o popular] sufoca a cultura” e “como consciência de classe a


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