A Alma Atada na Gaita - Songbook de Luiz Carlos Borges

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ampliação deste processo: Luiz Carlos Borges. Ele vem da tradição dos grupos de baile, desde muito cedo um virtuose no acordeom, chega aos festivais no final dos anos 70 e constrói uma carreira aplaudida mundo a fora, sempre, apesar dos imensos voos que sua música propõe, ligada a esse cenário regional tão amplo, tão rico e tão identificado com aquilo que vai na alma do povo gaúcho. Borges é reconhecido entre seus pares como um grande aglutinador, um artista que se realiza e se dedica há muito em empreendimentos

O Milagre de Dorotéia

coletivos, já criou festivais como o Musicanto Sul-americano na cidade de Santa Rosa que até hoje recebe os vários regionalismos brasileiros e platinos, já cruzou as fronteiras do Prata estabelecendo intercâmbios culturais marcantes: gravou e excursionou com Raul Barboza, Antonio Tarragó Ros e Mercedes Sosa, recentemente lançou CD na Argentina com inúmeras participações de artistas importantes daquele país e já liderou projetos coletivos como o Palco do Rio Grande no início dos anos 2000 que visitou a obra do Conjunto Farroupilha e do grupo Os Gaudérios. Luiz Carlos Borges representa para o cenário atual da música feita no sul muito mais do que a sua excelência musical, ele é sem sombra de dúvidas a grande ponte entre todos os gêneros aqui praticados, de inspiração regional ou não. Luiz Carlos Borges: o violão, a voz e a gaita – a música dos gaúchos para o mundo!

A casa veste-se de sol. A manhã fria recebe a primeira luz que arremata a noite missioneira. Clareia São Lourenço das Missões e as janelas da casa de Vergilino e Cristina Borges abrem-se num bocejo. A luz mergulha, atravessa, inunda, rompe os escuros desavisados e dispensa estrelas e lua. Inaugura-se novo dia. Uma a uma cada cor desperta e revigora as formas esmaecidas pelo breu. Todos os olhos estão abertos. Tudo parece estar a mercê do olhar. Tudo é visto e tudo vê. Na casa, apenas um olhar de susto está turvado e pelas horas que avançam parece que vai se apagar. O caçula dos Borges amanheceu com os olhos embaçados. As imagens se distorcem ao seu redor. Caminha trôpego, buscando apoio, tateando à falta de claridade. Mas nada na noite anterior, nos dias anteriores, nada, nenhum indício, nenhuma queda, nenhuma travessura perigosa. Absolutamente nada houve que justificasse a súbita escuridão. Os pais e a aflição. O guri pouco ou nada entendendo do que se passava, só percebia que para ele aquela fria manhã missioneira não havia raiado. As suas janelas infantes continuavam cerradas. A casa havia se tornado um labirinto. Sem Minotauro, talvez, mas também sem Teseu, nem Ariadne ou o fio de seu vestido para guiar até a porta da luz. No sobressalto familiar, com a rapidez possível para a realidade interiorana daqueles anos 60, foi um upa e o menino Luiz estava diante de um médico. Foram exames, perguntas, rastreios para que a ciência pudesse dar a resposta consoladora à família. Mais, além do diagnóstico preciso, que apontasse a solução, o remédio, a cura, a luz. Qual nada, a medicina trilhou e repisou seus alfarrábios e nada ou muito pouco soube dizer sobre a aflitiva condição do guri. Perplexos, mãe e pai se entreolham, um no outro buscando amparo e resposta, consolo e lucidez, um rangido de porta divina pelo qual pudesse o menor raio de luz mergulhar nos olhos do pequeno e retirá-lo daquela noite que insistia em permanecer ainda que o sol já andasse alto lá no céu das Missões. O tempo desanda irrefreável. Aqueles aflitivos dias pareciam já durar algumas eternidades. O piá segue tateando a escuridão do seu poço sem José nem Egito. A família escurece à sombra daquela cegueira. Todos, como na fábula, parecem andar de mãos dadas e tateiam o tempo e o lugar com o menino. Silêncio e noite na manhã e na tarde. Há uma sofreguidão

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A alma atada na gaita

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