A Alma Atada na Gaita - Songbook de Luiz Carlos Borges

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O Nó que Não Desata

Rillo foi um dos mais profícuos poetas do nativismo rio-grandense. Em sua primeira publicação – Cantigas do tempo velho – de 1959, encontram-se alguns poemas que ainda hoje são declamados nas rodas fogoneiras e nas rondas literárias pelo pago adentro. Além disso, no momento do encontro com Borges, já havia sido premiado algumas vezes na Califórnia da Canção Nativa de Uruguaiana, principalmente em parceria com Mário Barbará – é da dupla a canção vencedora da Calhandra de Ouro da quinta edição do festival – a hoje clássica “Roda Canto”. Ainda, Rillo é fundador do grupo amador de arte Os Angueras, na cidade de São Borja, uma das referências

Quando iniciamos esta narrativa, ainda lá nas primeiras curvas dos muitos cami-

do regionalismo daqueles primeiros anos dos 1970. Sua parceria com José Lewis

nhos, alertamos que todos conduziriam à mesma estrada. Também, de trecho em

Bicca legou-nos canções indeléveis como “João Campeiro” e “Cantiga de rio e remo”.

trecho, sublinhamos que a contação de uma boa história não necessita da respiração ofegante própria das correrias. Assim viemos chutando as pedrinhas do caminho e prestando atenção ao voo dos pássaros e às florzitas empoeiradas dos beirais e, como aquele poeta pantaneiro, dando atenção às (des)importâncias da estrada.

Missões – a legendária São Francisco de Borja. Sua passagem será breve, mas emblemática: junto com Rillo cria e coordena o festival “Uma canção para São Borja” na comemoração dos trezentos anos da cidade em 1982.

Eis que nos chega, agora que recém fizemos nem metade do percurso, um chas-

Um dos primeiros compromissos sociais que Borges participa, recém chegando

que do futuro. Pelas mãos de um ginete cujo rosto parece familiar, mas não reco-

àquela terra missioneira, é uma festa de aniversário. Sendo o aniversariante um

nhecível, montado num baio resfolegante, o recado nos reorienta a velocidade

dos membros d’Os Angueras, Pedro Julião Ayub - o turco Julião - solista do grupo

da viagem. Com data de 26 de outubro de 2012, com a assinatura senhorial do

à época. Um tanto constrangido, o gaiteiro, que fora convidado por Rillo e que

Tempo, a mensagem diz apenas que não podemos nos atrasar: deveremos estar

chegava à festa acompanhado por este, entredentes comenta com o poeta seu

no Theatro São Pedro no centro da capital gaúcha para presenciarmos a cele-

desconforto por não estar levando um presente para o homenageado. Não lhe

bração dos 50 anos de carreira de Luiz Carlos Borges. Tudo aquilo que até este

foi dada muita atenção e quando se deu por conta já adentrava ao salão onde já

momento andava vestido com os cardados da calma, a partir daqui deverá andar

muitos confraternizavam. Rillo o apresenta e de pronto entrega uma lembrança

um tanto mais rápido. Talvez seja o tal trem da história que não se pode perder

ao “turco” que se emociona e agradece: - Bah! Moda, (este era o apelido com que

sem ser penalizado com o sumiço das páginas que dia a dia andamos a escrever.

os mais próximos se dirigiam ao autor do poema “Herança”) agora me quebrou o

Cruzamos apenas duas décadas de estrada e muito, muito mesmo, ainda há para contar. Um palco nobríssimo nos espera numa noite que virá. Sigamos, pois. Estamos devidamente avisados e o remetente não tolera atrasos.

vidro dos olhos! O tempo parou. Borges, quando se apercebeu, estava sozinho no meio daqueles que nem acabara de conhecer. Rillo sumiu. Constrangido o gaiteiro o procurava com o canto dos olhos tentando disfarçar o mal-estar que estava sentindo. Foram alguns minutos, quinze ou vinte talvez, mas para o recém-chegado

Há alguns instantes, agora antes de recebermos a crucial mensagem, falávamos

parecia que as eternidades se somavam e se sobrepunham e pesavam junto com o

do encontro entre Borges e um de seus mais expressivos parceiros: o poeta por-

burburinho da festa que continuava indiferente a sua angústia.

to-alegrense, radicado na missioneira São Borja: Apparício Silva Rillo. O encontro do gaiteiro com o poeta dá-se no final dos 1970. No disco “Noites, penas e guitarra” – o segundo da carreira de Borges, já aparecem os primeiros frutos da parceria. A milonga- título, a zamba “Caminhos”, “A hora do já”, “Coplas de Nazareno” e “Chapéu de palha”, essa vencedora da 8ª Vindima de Flores da Cunha em 1982.

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Em 1981, parte de Santa Maria para fixar residência no primeiro dos sete povos das

Da mesma forma como desaparecera, o poeta retorna e, reencontrando o músico, dispara meio gaguejando como era seu jeito: - que... que se tu... tu não ti tinha pre... sente, a... a... agora já tem...! E lhe alcança um papelucho manuscrito. Borges lê e agora é sua vez de sumir. Cerrou-se numa sala e violão em punho pôs-se a musicar os versos que o poeta lhe entregara. Em não mais do que vinte minutos, quase na

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