O Estudante do Coração

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nascer numa família de posses, com uma certa conexão da elite. Isso é apartheid. Então, nós não sendo da elite, e nos apropriando da arte, estamos fazendo algo revolucionário. Porque não querem que a gente se aproprie. Você pode ficar o fim de semana inteiro, as férias inteiras em frente à televisão, e você não vai ver um filme de arte. Você não vai ver uma mensagem inteligente. E qual é a tese do Deleuze? O Deleuze diz o seguinte: o ser humano tem a capacidade de ver de duas formas. Deleuze está se ligando a um filósofo chamado Herni Bergson. Em Matéria e Memória, o Bergson diz que a nossa consciência é como um cone invertido. Imagina uma mesa, um papel em cima da mesa, e aí você tem um cone. A ponta do cone toca na mesa. Essa ponta do cone é a nossa consciência, quando eu estou preocupado com almoço, a janta, a hora, correndo, eu estou ali todo voltado para o funcional. Mas ele fala que se a pessoa conseguir se desligar do funcional, ela conseguirá acessar outras seções do cone. Por exemplo no sonho: você não está na ponta do cone, o papel sobe, e você intercepta uma outra área do cone (BERGSON, 1990, p. 125 e ss.). Conforme você vai se soltando do funcional, expande a consciência. O animal está só preocupado em se defender, se acasalar, quando é a época, e obter alimento. Então ele está ali, toda a consciência dele está “linkada” àquilo. James Joyce, para poder pensar Ulisses, ele teve que soltar a consciência dele. “James Joyce, você não está preocupado com a conta, você não está preocupado com o seu sapato que está furado, com não sei que lá...” “Espera aí, eu não estou preocupado com isso”, entendeu? Uma vez eu dava aula em um CIEP em Acari e pegava o metrô e me veio a ideia de um poema na hora que eu fui pegar o metrô. Eu cheguei e veio a ideia do poema na minha mente, e eu estava preocupado e mantê-la e entrar logo no trem para escrever e não esquecer a ideia. E eu me confundi quanto à entrada da cabine onde se compravam as passagens, e a moça que atendia na cabine começou a debochar, como se eu fosse um bobo, porque eu não estava bem onde ela estava. Se eu voltasse para argumentar com ela, iria perder o meu poema, porque a gente esquece e nunca mais lembra. Nem entra no repertório dela a possibilidade de eu não estar com a minha consciência toda conectada no funcional. Ela estar conectada em alguma outra coisa, estão entendendo?


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