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Falcatruas de Sarney de A a Z Livro reúne principais escândalos envolvendo o presidente do Senado e os esquemas de seus honoráveis aliados

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ois de fevereiro de 2009. Depois que José Sarney assumiu pela terceira vez a presidência do Senado, completando 50 anos de trajetória política, vazaram várias denúncias envolvendo o dono do Mar(anhão), como o escândalo dos atos secretos no Congresso Nacional. Esse é o gancho de Honoráveis bandidos - um retrato do Brasil na era Sarney, livro do jornalista Palmério Dória. A foto de capa com “Sarney de óculos escuros como os ditadores latino-americanos do passado” e o prefácio de Mylton Severiano, que ajudou a redigir o texto final, mostram que o livro reúne os maiores escândalos envolvendo a famiglia Sarney, no sentido mafioso da palavra. As denúncias atingem honoráveis figuras como Michel Temer, vice-presidente da presidente eleita Dilma Roussef, Renan Calheiros e, é claro, Edison Lobão – ex- ministro de Minas e Energia

eleito senador do Maranhão pelo PMDB junto com João Alberto, também retratado no livro. O poder de Sarney é sustentado por um tripé composto por energia, terra e comunicação, sendo este último mais evidente ao longo do livro. Com o desenvolvimento do setor durante a Ditadura Militar, começaram os esquemas da famiglia com as construtoras e as licitações de contratos, como na implantação da hidrelétrica de Tucuruí, no Pará. O argumento do segundo pé, terra, é que o Maranhão se tornou o maior exportador de gente do país com a Lei de Terras de 1969, que condenou o desenvolvimento do estado ao possibilitar que grandes áreas maranhenses fossem entregues para grupos internacionais. O terceiro tripé, da comunicação, se resume ao Sistema Mirante – três canais de televisão retransmissores locais da Globo, seis emissoras de rádio e jornal O Estado do Maranhão – comandado por Fernandinho Sarney. A rede afiliada ao SBT é a Difusora, de Edison Lobão. Com nove anos de apuração, Dória fez um mapeamento dos personagens centrais da famiglia e das pessoas envolvidas nas falcatruas, como Zé Reinaldo Tavares,

Capa faz referência a ditadores latinos

ex-governador maranhense. Um capítulo inteiro é necessário para descrever os herdeiros de José Ribamar Sarney de Araújo Costa. Roseana é mandona, viciada em jogos de azar e a filha preferida. Sarney Filho, Zequinha, foi apenas ministro do Meio Ambiente no governo FHC e repassou 80% da verba da sua pasta para o Maranhão. Já Fernandinho, que começou a carreira como assessor do secretário de transportes do governo Maluf no estado de São Paulo, escapou até da CPI da CBF-Nike com Ricardo Teixeira.

Honoráveis bandidos cumpre o objetivo do subtítulo, de fazer um retrato do Brasil na era Sarney. A linguagem do livro é simples, objetiva e muitas vezes sarcástica, mas peca ao dar pouca atenção ao domínio do coronel no Amapá, estado pelo qual foi eleito senador em 2002, e também no próprio Maranhão. Apesar de paraense, Palmério Dória parece um estranho falando sobre o vizinho nordestino. O jornalista chama Roseana de “princesinha do Calhau” logo no terceiro capítulo fazendo alusão à mansão da governadora que fica nesse bairro em São Luís, e ignora que o povo fala de “Rosengana” quando se refere a ela. Também não menciona os dizeres “Xô Sarney!” encontrados facilmente nos muros da capital ao lado de uma caricatura do dono do bigode mais famoso do Brasil. Além disso, Jackson Lago, exgovernador cassado, e seu primo Aderson são fontes recorrentes quando o assunto é política maranhense. O deputado Flávio Dino, do PCdoB, que já concorreu ao cargo de prefeito de São Luís em 2008 (João Castelo, do PSDB, foi eleito) e a governador dois anos depois, disputando com Roseana Sarney, seguer é citado no livro.

Dino denuncia fraudes nos votos apurados

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coligação “Muda Maranhão”, que teve o deputado federal Flávio Dino (PCdoB) como candidato, encaminhou um pedido ao Ministério Público Eleitoral do Maranhão e ao TRE para que sejam apurados indícios de fraude nas eleições para governador. Dino, que recebeu 29,49% dos votos, e Jackson Lago (PDT), terceiro colocado na disputa, contrataram um grupo de analistas em sistema operacional de urnas eletrônicas para identificar possíveis problemas na condução do processo eleitoral e apuração dos votos, como a geração de mais cartões de memória eletrônicos que o necessário e a taxa de 33% de erro na utilização da urna biométrica em Raposa. Com base nos arquivos eletrônicos produzidos pelas 15 mil urnas utilizadas no estado, os analistas descobriram que 19 mil votos computados só entraram nas máquinas após 17h30, meia-hora depois do horário que as portas das seções eleitorais deveriam estar fechadas. O número é expressivo se compara-

Ilha rebelde

Manifestação contra Roseana na Beira-mar de São Luís reuniu 2 mil estudantes

do com os 4.877 votos que deram a vitória para Roseana Sarney. De acordo com o jornalista maranhense Rogério Tomaz Junior, todas as pesquisas eleitorais indicavam que haveria segundo turno. “O próprio ritmo da apuração, que diminuiu muito a partir das 21h é um indício de adulteração da vontade do eleitor. Não é possível que São José de Ribamar, cidade a 20km de São Luís, tenha divulgado o resultado de muitas urnas já no final da noite”, completa. Flávio Dino afirma que a imprensa fez várias denúncias de

fraudes. “Há matérias na Folha de São Paulo e em O Globo, além de dezenas de blogs, especialmente o de Roberto Kenard. São matérias assinadas, e que nunca foram desmentidas”, comenta. Para o presidente Lula, a reação de Dino não passa de “choro de derrotado”. Durante a campanha eleitoral, a direção nacional do Partido dos Trabalhadores tentou intervir para que o PT maranhense apoiasse a governadora reeleita pelo PMDB, mas a maioria dos petistas aderiu à campanha do comunista.

Apesar das manifestações que aconteceram antes das eleições, São Luís desmentiu a tradição de ser um reduto de oposição à família Sarney. Na capital maranhense, Roseana obteve 43% dos votos válidos contra 37% de Flávio Dino e apenas 15% de Jackson Lago. Segundo Tomaz Junior, a votação da governadora reeleita foi maior do que se esperava. “Acredito que três fatores contribuíram para isso: a decepção com o governo Jackson Lago, o poder econômico (a família Sarney nunca investiu tanto dinheiro numa eleição em São Luís quanto nessa) e a colaboração, um pouco disfarçada, do prefeito João Castelo (PSDB)”, afirma. Dino relaciona as fraudes eleitorais com a quantidade de votos que Roseana recebeu. “Ela sempre teve entre 30 e 35% na cidade. Chegou agora a 43%, exatamente comprando votos, como está sendo apurado pela Polícia Federal. De todo modo, a oposição venceu em São Luís”.

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Florianópolis, 11 de novembro de 2010

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Curso de Jornalismo da UFSC Atividade da disciplina Edição Professor: Ricardo Barreto Edição, textos, planejamento e editoração eletrônica: Luisa Pinheiro Serviços editoriais: Jornal Pequeno, estadao.com.br, oimparcialonline.com.br, Impressão: PostMix Novembro/2010

Interior do MA é curral eleitoral de Roseana

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campanha eleitoral em São Domingos do Azeitão, cidade localizada no sul do Maranhão, é exemplo do clima no interior do estado em ano de eleição. Na cidade, a 600 km de São Luís, a disputa ficou entre as duas forças políticas locais: José Cardoso da Silva Filho (PSB) e Paulo Miranda (PP). Apesar da eleição ser para deputados e governador, os políticos já pensavam nas próximas eleições para prefeito em 2012 e, por isso, queriam eleger seus candidatos a deputado estadual. Ambos tentaram a prefeitura em 2008. De última hora, Cardoso, que buscava a reeleição, substituiu seu nome pelo do próprio motorista, conhecido por Sebastião. O ex-prefeito teve a candidatura cassada por ter contas rejeitadas pelo TCE e TCU. A foto na urna era a do chefe, que teve prisão decretada e está solto até hoje, e Sebastião foi eleito. A maioria dos são-dominguenses do azeitão votaram em Roseana porque as duas forças políticas locais estavam fazendo campanha para a governadora reeleita. A população não tinha acesso à campanha de Lago ou Dino e votam em quem Miranda e Cardoso pedem: a filha de Sarney. Além da falta de representatividade da oposição, nem o debate entre os candidatos chega ao interior. A TV Mirante não retransmitiu o debate para todo o estado. A afiliada da Rede Globo mostrava novela enquanto Roseana debatia com os opositores. Na sexta-feira, 1º de outubro, Miranda recebeu uma ligação de Roseana. Ela já estava confiante da vitória. Pai Bita, macumbeiro de Codó, já devia estar trabalhando e a compra de votos, planejada. São Domingos do Azeitão tem 7.200 habitantes e 3.500 eleitores. Poderia ter ajudado a mudar o resultado das eleições para governador.

“Essa moça [Roseana] é muito raivosa. E só tem duas amigas: a rainha de Copas e a Viúva Clicquot” Epitácio Cafeteira

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esde 31 de julho de 2009, há 468 dias, o jornal O Estado de São Paulo e o site estadao. com.br não podem publicar reportagens com informações sobre a Operação Faktor, mais conhecida como Operação Boi-Barrica, que investiga Fernando Sarney. O empresário é acusado de fazer caixa dois na campanha eleitoral de Roseana em 2006 e foi indiciado por formação de quadrilha, gestão de instituição financeira irregular, lavagem de dinheiro e falsidade ideológica. A decisão de estabelecer uma forma de censura a esses dois veículos do Grupo Estado veio do desembargador Dácio Vieira, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, que, de acordo com o site do Estadão, é do convívio social da família Sarney e de Agaciel Maia, ex-diretor do Senado. Em 10 dezembro de 2009, o STJ rejeitou o recurso dos advogados do Grupo Estado que pedia o fim da proibição do jornal publicar reportagens sobre a operação da Polícia Federal. Oito dias depois, Fernando Sarney apresentou o pedido de desistência da ação, mas o Grupo Estado não aceitou o pedido de arquivamento. A razão para a recusa é que a desistência do processo não impediria o empresário de mover outra ação contra o jornal com os mesmos objetivos de censura. “Insistimos que, ao invés de apenas desistir, o Sr. Sarney adote uma outra forma de extinção do processo, esta sim, ao contrário da simples desistência, capaz de gerar decisão de mérito e, portanto, obstando eventual futura propositura de outra ação idêntica”, explica o advogado do Grupo Estado Manuel Alceu Affonso Ferreira. O Estado de São Paulo aguarda as decisões do STJ e STF sobre os recursos contra a decisão censória do Tribunal de Justiça do Distrito Federal.

Jornalista não faz politicagem Palmério Dória fala sobre repercussão do livro no Maranhão e do processo que entrou contra Roseana

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atural de Santarém e criado na capital do Pará, Palmério Dória foi a São Paulo exercer o jornalismo. Trabalhou como chefe de reportagem na Rede Globo, no jornal Folha de São Paulo e foi diretor de redação da revista Sexy. É autor de cinco livros, entre eles A guerrilha do Araguaia e A candidata que virou picolé. O Parcial: O prefácio de Honoráveis Bandidos mostra que o senhor guardava anotações para o livro desde 2000. Como era a apuração e o que mudou depois que Sarney assumiu pela terceira vez a presidência do Senado? Palmério Dória: Quando Sarney assumiu, a imprensa descobriu que Sarney era Sarney e vieram aquelas denúncias todas. Foi como se tivéssemos feito um livro ao vivo, porque ele não podia ficar frio. No processo de edição entre apurar e o livro ir para as bancas, a gente teve que fazer mil enxertos para estar muito perto da realidade. O bacana disso tudo é que se você pega o livro hoje em dia, você sente que ele é absolutamente atual. Por exemplo, essa operação Mãos Limpas que houve agora no Amapá também está contemplada no livro. Waldez Goes, que é o personagem principal dessa história, está ali. A história dele está contada e o papel dele no esquema Sarney está nítido. Então o livro é de tremenda atualidade. OP: Por que o senhor não quis entrevistar Roseana ou o próprio Sarney? Quem da famiglia você conhece? P: Eu não conheço ninguém da família Sarney. Já contei algumas

vezes que eu só vi o Sarney no a carta do Brizola. Ele é um Congresso e quando ele foi a quadro antigo do PDT, que uma sabatina da Folha, que ele era PTB ainda. passou exatamente ao meu OP: Na palestra da 9ª Selado. É evidente que eu gosmana do Jornalismo o setaria de conversar com Roseanhor falou que o perfil do na, Fernandinho Sarney e ZeEike Batista é o óbvio igquinha, mas a gente sabe que norado. O senhor pretenisso é quase impossível hoje der fazer o perfil dele? Se em dia. Fazendo um trabalho não, quais são seus próxidesses, que é parcial, eu não mos projetos? preciso conversar com eles. P: Se eu tivesse tempo e não O Sarney sempre foi muito Dória esteve na 9ª Semana do Jornalismo da UFSC estivesse envolvido já com protegido pela imprensa. A outros projetos, eu certahistória dele, do ponto de vismente partiria para um livro ta oficial, já estava contada. O Eike Batista. Mas eu José Sarney sempre foi sobre que interessava era contar a também tenho certeza de muito protegido pela que como eu disse ontem, minha versão sobre ele. OP: As manifestações con- imprensa. A história dele, ninguém fará, por mais intra o livro que aconteceram que pareça. Mas eu já do ponto de vista oficial, crível no lançamento em São Luís estou envolvido com outros e Imperatriz são iniciativas já estava contada” projetos que não posso te populares? contar por enquanto. P: Não. São capatazes, aprenOP: Mas então pode me dizes de jagunços. A Rosecontar mais sobre o proana precisa de uma sustentação OP: Jackson Lago esteve no cesso contra Roseana Sarney. estudantil. Ela sabe que qualquer lançamento do livro no Sin- P: O problema é o seguinte: as pessoa que tenha certo grau de dicato dos Bancários em São pessoas que organizam agressões esclarecimento não topa com ela. Luís e tanto ele como Aderson não são enquadradas judicialmenEntão eles tentam formar um Lago aparecem como fontes no te. Se a Roseana quiser brigar, movimento estudantil forte com- livro. Como você reage às acu- ela vai ter briga. Eu podia deixar prando os estudantes. Existem sações de fazer politicagem a para lá essas duas agressões, mas grupos formados e foram esses favor de Jackson e Zé Reinaldo não vou deixar barato. Ela vai ter que promoveram os assaltos em Tavares? que responder, inclusive criminalSão Luís e Imperatriz contra mim. P: Não, não tem a menor politi- mente, por isso. O que aconteceu Dois dias depois do que aconte- cagem. Eles foram lá como con- em São Luís e Imperatriz foi uma ceu em Imperatriz, ela recebeu vidados e por iniciativa pessoal, agressão comandada pela goveros estudantes da organização, o não faziam sequer parte da banca nadora. E ela vai ser enquadrada. grupo que gritava “Sarney, Sarney, e não falaram. Eu não faço políti- Enquanto eu estiver na face da guerreiro do povo brasileiro!”, no ca, só faço jornalismo. Não tenho terra, ela vai ter que responder por palácio (Palácio dos Leões, sede qualquer tipo de ligação com eles essas duas agressões. do governo). Tem foto disso e a a não ser simpatia pelo Jackson, OP: Mas e o processo? partir dessa foto, eu estou abrindo do PDT. Se eu posso ter sido al- P: Como tem que correr no Maraum processo contra Roseana Sar- guma coisa na vida, foi brizolista. nhão e essas coisas custam grana e ney por causa dessas duas agres- Simpatizo muito com a figura do tempo, já tenho advogado pra tosões. Isso é um furo pra você. Brizola. E o Jackson Lago assinou car esse rolo e vamos em frente. Giovanni Bello

Estadão e site estão há 468 dias sob censura

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Curso de Jornalismo da UFSC Atividade da disciplina Edição Professor: Ricardo Barreto Edição, textos, planejamento e editoração eletrônica: Luisa Pinheiro Serviços editoriais: Jornal Pequeno, estadao.com.br, oimparcialonline.com.br, Impressão: PostMix Novembro/2010

Famiglias controlam mídia maranhense

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que as palavras Maranhão e Mirante têm em comum? Um dos significados para o nome do estado é “grande mentira”. Mentira também é anagrama de Mirante, o sistema de comunicação controlado pela família Sarney. São 22 veículos, entre eles a TV Mirante, afiliada da Rede Globo que não retransmite debates entre Roseana e a oposição, e o jornal O Estado do Maranhão, que se posicionou a favor da governadora na campanha desse ano e publica uma coluna de Sarney na primeira página da edição dos domingos.

A afiliada do SBT faz parte do Sistema Difusora de Comunicação, controlado pela família de Edison Lobão, que aparece ao lado de Roseana na foto de capa do jornal O Estado que dava como certa a reeleição da governadora desde junho. “O campo de trabalho jornalístico no Maranhão é precário. É o segundo ou terceiro piso salarial mais baixo do Brasil e as redações são todas vinculadas a alguma família atuante na política local”, afirma o jornalista Rogério Tomaz Junior, formado na UFMA e que trabalha hoje em Brasília.

Capa do dia 25/06 no jornal O Estado

O Jornal Pequeno é apontado como o impresso de oposição ao domínio Sarney por Palmério Dória e Flávio Dino. O Imparcial, dos Diários Associados, foi palco para

o início da carreira jornalística de Sarney, mas pelo menos noticiou as acusações de fraude na campanha eleitoral de Roseana. “Há uma ou outra rádio que mantém em seu quadro de funcionários alguém crítico ao domínio da família Sarney, mas são exceções. E os jornais, com tiragens ridículas, são pouco relevantes. Há apenas um consistente de oposição, mas ainda é conservador”, completa Tomaz Junior. Para Flávio Dino, a sorte dos maranhenses é o crescimento da internet, que quebra o monopólio da produção de informações.

“Se Al Capone fosse vivo e aqui estivesse, diante desse rapaz de bigodinho seria um mero aprendiz” Engenheiro italiano que construiu o Porto de Itaqui em São Luís

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